Jardines en tiempo de los Austrias. De la ficción caballeresca a la realidad nobiliária | María del Rosario Aguilar Perdomo

Em um de seus certeiros artigos, a investigadora da Universidade de Zaragoza Maria Carmen Marín Pina há tempos chamou a atenção e estabeleceu algumas coordenadas para melhor avaliação das “histórias fingidas”1 – tal como ficaram conhecidos os livros de cavalarias ao longo do século XVI ibérico e dos seguintes, principalmente depois do Prólogo do Amadis de Gaula (1508), de Garci Rodríguez de Montalvo, onde vieram à baila questões polêmicas envolvendo a “verdade” e a “verossimilhança” na composição desse tipo de texto, no rastro da tradição aristotélica em plena voga em períodos de Humanismos e Renascimentos, quando ainda eram bem audíveis os ecos da matéria arturiana ou “de Bretanha”. De fato, o tema do “fingimento” em Arte não era e não é simples, conforme o atestaram tantos pensadores antigos e cristãos, a começar pela etimologia de fingo, fingere, de que se originou a palavra: ambíguo de nascença, colocando em cena o gosto medieval pelas similitudes analógicas, o termo significou inicialmente “modelar em barro, em cera, esculpir”; “arranjar, dar forma, representar”; derivando logo para “imaginar, inventar, fazer parecer real” e daí, em zona sempre limítrofe, para “dissimular, faltar com a verdade, criar como fantasia”. Cumpre lembrar, ainda, que justamente a “ficção”, em que o gênero cavaleiresco se insere, vem do latim fictio, onis = “invenção, coisa fingida, obras que tratam de personagens imaginárias”. Leia Mais

La historiografía medieval. Entre la historia y la literatura | Jaume Aurell

Jaume Aurell, professor de teoria da história na Universidade de Navarra, na Espanha, é um dos grandes especialistas em história e historiografia medieval catalãs, tendo lugar destacado na historiografia espanhola. Sua área de pesquisa contempla a cultura mercantil, a autobiografia medieval e a historiografia contemporânea. Além de coordenar os volumes da obra Rewriting the Middle Ages in the Twentieth Century (2005 – 2009) e de participar como editor em Medieval and Early Modern Political Theology (2017), Aurell é autor de Els mercaders catalans al Quatre-Cents (1996), La escritura de la memoria, de los positivismos a los postmodernismos (2005), Authoring the Past. Historiography, Autobiography, and Politics in Medieval Catalonia (2012) e Medieval Self-Coronations: The History and Symbolism of a Ritual (2020).

O livro La historiografía medieval. Entre la historia y la literatura, publicado em 2016 em formato físico e e-book, ainda não possui tradução para a língua portuguesa. A obra é resultado da longa trajetória de Aurell como docente e pesquisador e das discussões com colegas do meio acadêmico. As conversas com a professora norte-americana Gabrielle Spiegel teriam constituído o primeiro despertar do autor para a historiografia medieval, algo que se intensificaria com o seu interesse pela historiografia contemporânea. Nesse sentido, esta obra pode ser lida tanto por medievalistas quanto por estudiosos de teoria da história, uma vez que o autor oferece uma visão ampla sobre a trajetória da escrita da história ocidental desde a Idade Média e nos convence que a historiografia medieval, rejeitada e depreciada pelo historicismo, pode estar mais próxima da historiografia atual do que pensamos: a narrativa, já utilizada pelos medievais, é a única forma que os historiadores têm para explicar e interpretar o passado. Para Aurell, essa consciência teórica e epistemológica acerca da escrita da história teria sido uma das consequências benéficas do giro linguístico. Apoiando-se em um intenso debate bibliográfico, diversificado e atualizado, ele desperta o interesse do leitor com sua tese. Leia Mais

Estória do Santo Graal: Livro Português de José de Arimateia | J. C. R. Miranda

Embora tenha sido publicado por Henry Carter há cerca de 50 anos, pode-se dizer que só agora o chamado Livro de José de Arimateia foi de fato posto à disposição dos interessados pela literatura arturiana ibérica. Não há exagero algum na afirmação, pois, sem embargo da existência de edição anterior, a obra permanecia como que inédita: além de raríssima (e quase inacessível a leitores brasileiros), a publicação de 1967 era de consulta extremamente penosa, devido a seu caráter paleográfico1. Tem grande relevância, portanto, o trabalho dado a lume em 2016 por José Carlos Ribeiro Miranda, Simona Ailenii, Isabel Correia, Ana Sofia Laranjinha e Eduarda Rabaçal, pesquisadores ligados ao Seminário Medieval de Literatura, Pensamento e Sociedade (SMELPS), da Universidade do Porto. A edição vem preencher importante lacuna na bibliografia relativa à literatura medieval portuguesa, oferecendo base segura para ampliar a divulgação e o estudo desta obra fundamental.

Espera-se que a partir de agora, de posse do texto, um grupo mais alargado de pesquisadores possa explorar aspectos que até o momento, salvo poucas exceções, têm sido marginalizados pela crítica. Com efeito, a maior parte dos estudos existentes sobre a versão portuguesa do José de Arimateia – ou Estória do Santo Graal (ESG), como seus editores apelidaram o livro, em consonância com os originais franceses dos quais deriva – concentra-se no debate sobre a posição da obra no quadro do desenvolvimento cíclico da Matéria de Bretanha e sobre as informações que sua cópia permite inferir acerca da difusão da literatura arturiana na Península Ibérica. Ainda que o tema suscite controvérsias, como veremos adiante, tradicionalmente considera-se que a ESG seja tradução do ramo inicial do ciclo da Pós-Vulgata, produzido em França entre c. 1230 e 1240, do qual a Demanda do Santo Graal, também vertida para o português, seria a terceira e última parte2. Tais traduções devem remontar a meados do séc. XIII e é provável que tenham sido empreendidas sob o patrocínio de membros da corte de Afonso III, que viveu na França precisamente durante a época em que a Pós-Vulgata era elaborada. Costuma-se atribuir a tradução a Joam Vivas, do qual pouco se sabe, cujo nome é mencionado na própria ESG, bem como na versão castelhana da Demanda3. Leia Mais

Arqueología de las sociedades campesinas en la cuenca del Duero durante la Primera Alta Edad Media | Carlos Tejerizo García

Os estudos sobre a Alta Idade Média vêm passando por uma forte renovação nos últimos anos. Um dos grandes exemplos da mudança experimentada pela área é a obra Framming the Early Middle Ages, de Chris Wickham,1 livro que sinaliza algumas profundas e necessárias transformações no que diz respeito à historiografia desse período. Entre elas, a incorporação sistemática das referências arqueológicas e um foco maior no mundo rural e no campesinato como um agente histórico fundamental, o que favorece novos olhares para esse período fundamental da história humana enquadrado pela passagem do Império Romano e o advento de um mundo propriamente medieval.

Assim, pode-se dizer que o livro de Wickham é em alguma medida tributário do desenvolvimento da arqueologia rural. Contudo, trata-se de uma área de conhecimento que vem conhecendo um desenvolvimento bastante heterogêneo no continente europeu, com algumas regiões pioneiras – como Alemanha e Inglaterra – desenvolvendo-o desde princípios do XX enquanto outras – como os países ibéricos – o iniciam bem mais tardiamente.2 Assim, a cultura material ainda é uma fonte pouco explorada para a compreensão das transformações da Península Ibérica altomedieval, com as primeiras sínteses regionais sendo produzidas bastante recentemente.3 Leia Mais

La Dîme, l’Église et la Société Féodale | Michel Lauwers

Em 1909, Paul Viard, historiador do Direito, introduzia sua tese de doutorado sobre o dízimo eclesiástico afirmando que havia consultado poucas obras recentes para conduzir seu estudo. Segundo seu conhecimento, não existia um livro onde essa história tivesse sido estudada com o desenvolvimento necessário. 2 Quatro anos mais tarde, Viard continuaria sua empreitada publicando a história do dízimo no período seguinte ao analisado por ele em seu doutoramento, Histoire de la dîme ecclésiastique dans le royaume de France aux XIIe et XIIIe siècles (1150-1313). 3 Surgiam, assim, os primeiros estudos aprofundados sobre a questão do pagamento dos dízimos ao longo da Idade Média.

Apesar do trabalho minucioso de Viard, poucos autores se interessaram pelo tema na primeira metade do século XX. O tratamento dado ao dízimo seguia, em grande parte, o modelo clássico estabelecido por Viard pelo qual se buscava as origens bíblicas do dízimo para traçar sua evolução. Segundo essa interpretação, o dízimo teria se expandido no período carolíngio para em seguida ser usurpado pelos laicos até ser, enfim, recuperado pela Igreja em um grande esforço institucional. Entre os séculos XII-XIV teria ocorrido o período da universalidade do dízimo, seu subsequente declínio e sua extinção nos séculos XVII e XVIII. 4 Leia Mais

Assim na Terra como no Céu. Paganismo, Cristianismo, Senhores e Camponeses na Alta Idade Média Ibérica (séculos IV-VIII) | Mário Jorge Motta Bastos

Santo Agostinho, em sua Cidade de Deus (XIX,18), assegurava a certeza no conhecimento das realidades captadas pela razão, mas entendia que esse conhecimento seria limitado pela corruptibilidade do corpo. Trata-se de um dualismo típico da mentalidade medieval, na qual encontramos na natureza elementos cognoscíveis e outros indecifáveis. De certa forma, a matéria não era reconhecível por si mesma, mas pelo que escondia de transcendente. Corresponderia à idéia de que, o que existe sobre a Terra é uma cópia imperfeita daquilo que existe no Céu.

Desde esse primeiro ponto de vista, o livro de Mário Jorge da Motta Bastos já inicia acertando no excelente título: Assim na Terra como no Céu! Uma obra cheia de predicados positivos para a História da Hispania na Antiguidade Tardia, Primeira Idade Média (séculos IV-VIII) e/ou, como já é costume, assinalar esse momento como o início da Alta Idade Média ocidental. Já é um ponto comum aos estudiosos desse período – e não apenas para a Península Ibérica – reclamar da escassez de fontes e dificuldades para a análise das mesmas. No caso específico da Hispania o problema agrava-se em virtude de longos anos de uma postura político-institucionalista que, apesar de muito erudita, ainda envolvia-se com elementos nacionalistas e, por vezes, eclesiásticos. Mas paremos por aqui para não nos alongarmos nesse tópico. Motta Bastos parece ter seguido os conselhos de J. N. Hillgarth quando reclama que se deveria utilizar novas abordagens metodológicas para o período e contexto analisados em Assim na Terra como no Céu. Leia Mais

Como se constrói um santo. A canonização de Tomás de Aquino | Igor Salomão Teixeira

O professor e pesquisador Igor Teixeira, do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, apresenta agora, em livro, uma versão do seu trabalho que resultou na tese defendida na própria UFRGS para a obtenção do título de Doutor. Entretanto, não se trata da tese propriamente dita, como o próprio autor ressalta em sua introdução. Trata-se de uma versão revisada, rediscutida, com uma linguagem que, se em alguns pontos lembra um texto acadêmico – já que não deixa de sê-lo! – tem como grande destaque, pela nossa concepção, a função de ter transformado o texto em uma narrativa que pode ser muito bem lida tanto por acadêmicos quanto por não acadêmicos. A narrativa é ágil, de fácil compreensão e com uma argumentação que se concatena entre todas as propostas defendidas ao longo dos estudos do autor.

O período em questão é de interesse forte pelo público: é o momento em que temos o papado de Avignon, o momento em que se passa tanto o pano de fundo de Os reis malditos, de Maurice Druon, e O nome da rosa, de Umberto Eco, sucessos comerciais. A proposta do livro é compreender o porquê da canonização de um personagem importante, muito conhecido e pouco discutido, principalmente na historiografia brasileira: Tomás de Aquino. A canonização ocorreu no dia 18 de julho de 1323 e foi realizada por João XXII (papa entre 1316-1334). Utilizando-se de um grande conjunto de documentação, que contém tanto as atas dos frades dominicanos, as bulas de João XXII, os processos inquisitoriais da canonização quanto a primeira hagiografia feita sobre Tomás de Aquino, escrita pelo também frade dominicano Guilherme de Tocco, Teixeira explora o assunto em um livro que prende a atenção do leitor. Leia Mais

Odin på kristent pergament: En teksthistorisk studie | aNNETTE lASSEN

O islandês Snorri Sturluson (c. 1178 – 1241), em sua obra Heimskringla – especificamente no primeiro capítulo, a Ynglinga Saga –, nos descreve que na Ásia, ao leste de Tanakvisl, havia uma região conhecida como Asaland ou Asaheim e cuja capital seria conhecida como Asgard. E lá se encontraria o senhor de tal reino, cercado por doze sacerdotes responsáveis pelos sacrifícios realizados na cidade e em auxiliar seu soberano a executar a justiça. Este poderoso líder era um grande guerreiro que havia viajado por diversas terras, sido tão vitorioso e conquistado tantos reinos, que acreditavam ser impossível derrotá-lo. Era versado em magia, podia se comunicar com os mortos, entre outros feitos sobrenaturais. Segundo Sturluson, o nome desse líder era Odin, e dele descenderiam muitas linhagens de casas régias e heróis do norte europeu.1

Odin é personagem central de diversas fontes da Europa setentrional do período medieval. E sua imagem está intrinsecamente ligada à cultura e sociedade de origem nórdica até os dias de hoje, contando com produções artísticas e outros meios midiáticos onde a figura da antiga divindade é apropriada e remodelada, atendendo anseios de públicos diversos. Leia Mais

O Deus da Idade Média. Conversas com Jean-Luc Pouthier | Jacques Le Goff

A obra “O Deus da Idade Média, Conversas com Jean-Luc Pouthier” (Civilização Brasileira, 2007, 126 p.) é fruto de uma entrevista de Jean-Luc Pouthier (historiador francês, ex-redator chefe da revista de História das Religiões Le Monde de la Bible) com Jacques Le Goff (historiador francês, considerado o maior especialista em Idade Média Ocidental ainda vivo, membro do movimento dos Annales e da EHESS), que mostra em suas respostas grande potencial intelectual ao abordar uma temática tão ampla e complexa, por se tratar de um período de tempo muito extenso.

Publicado originalmente em 2003 na França e no Brasil em 2007, com tradução de Marcos de Castro. O principal conceito abordado é o de Deus, entretanto não de uma maneira lato mas sim o Deus circunscrito na cristandade medieval; ou seja, como homens e mulheres, leigos e clérigos medievais do ocidente entendiam, interpretavam, imaginavam e representavam o Deus cultuado por toda a Europa Ocidental, construído e administrado pela Igreja Romana. Leia Mais

O Estado em Portugal (séculos XII-XVI). Modernidades medievais | Judite A. Gonçalves de Freitas

Esta obra de Judite de Freitas constitui no atual universo historiográfico, cheio de histórias monográficas, um estudo de síntese. Somente por este aspecto, já mereceria atenção. Mas, soma-se a essa ‘dissonância’ a proposta de escrever sobre o Estado (com maiúscula, segundo sua opção) na Idade Média, em Portugal, numa perspectiva que cruza o histórico com o historiográfico. Para aqueles que acompanham a “biografia póstuma” do estado medieval, principalmente a partir dos anos sessenta do século passado, perturbada e transformada por uma plêiade de fenômenos interpretativos, desde as inspirações foucauldianas, passando pela virada linguística, pelas desconstruções da pós-modernidade, pelos olhares da nova história política conjugada à cultura (cultura política) e que reforça – outra vez! – os laços com a sociologia (redes sociais), o livro de Judite de Freitas é um desafio.

“O Estado em Portugal (séculos XII-XVI)” insere-se numa bibliografia publicada anteriormente pela autora, que versa sobre temas ligados à história do estado, das instituições centrais, das sociedades políticas e do poder régio. Destacam-se, por entre artigos e livros, “A Burocracia do “Eloquente” (1433-1438): os textos, as normas, as gentes”, de 1996, “Teemos por bem e mandamos. A Burocracia Régia e os seus oficiais em meados de Quatrocentos (1439-1460)”, de 2001, e “D. Branca de Vilhena: patrimônio e redes sociais de uma nobre senhora no século XV”, de 2008. Portanto, trata-se do resultado de um percurso intelectual dedicado a pensar os meandros do estado medieval e as formas pelas quais as instituições centrais se apresentam, se representam e agem. Leia Mais

Imagem e Reflexo: Religiosidade e Monarquia no Reino Visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII) | Ruy de Oliveira Andrade Filho

Com Imagem e Reflexo: Religiosidade e Monarquia no Reino Visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII), São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012, de autoria de Ruy de Oliveira Andrade Filho, a Edusp presta-nos a nós medievalistas – e aos historiadores em geral – um grandioso serviço, fazendo renascer para a vida um dentre os milhares de exemplares de teses que, elaboradas com afinco e dedicação por estudiosos de programas de pós-graduação de todo o país, jazem condenadas a dormitar nas estantes empoeiradas dos recônditos das bibliotecas universitárias, fadadas ao silêncio e ao esquecimento.

Baseada em sua tese de doutorado,1 Imagem e Reflexo… dedica-se à análise das relações entre a(s) religiosidade(s) e a monarquia no reino visigodo da Hispânia, desde a conversão de Recaredo ao credo niceno, celebrada no III Concílio de Toledo, em 589, até a conquista muçulmana da Península Ibérica, em 711. Segundo o autor,2 o desfecho deste processo ocorreria no citado concílio, quando tem início a elaboração de uma teoria da realeza que, por seu turno, ficaria mais bem configurada na reunião seguinte, realizada no ano de 633. Leia Mais

Poder e construção social na Idade Média: História e Historiografia | N. B. de Almeida, M. Candido da Silva

Há alguns anos o Laboratório de Estudos Medievais (LEME– USP/UNICAMP) movimenta o mercado editorial brasileiro com publicações instigantes sobre a Idade Média. Textos como Inventar a Heresia? Discursos polêmicos e poderes antes da Inquisição, organizado por Monique Zerner (2009), A Cavalaria, de Dominique Barthélemy (2010) e Cidades e Sociedades Urbanas na Itália Medieval: séculos XII-XIV, de Patrick Gilli (2011) contribuem para a renovação de bibliografia disponível em português e para a aceleração do intervalo entre as publicações originais e as traduções. Mas o grupo organizado e dirigido pelos professores Marcelo Cândido da Silva (USP) e Néri de Barros Almeida (UNICAMP) também publica obras coletivas que visam a reflexão historiográfica. Por exemplo, a obra A Idade Média entre os séculos XIX e XX (2008) e, mais recentemente, Pourquoi étudier le Moyen Âge? Les médiévistes face aux usages sociaux du passé (2012). Nesse contexto, a obra Poder e construção social na Idade Média: história e historiografia (2011) é uma interessante contribuição. Resenhar esta obra é o objetivo deste texto.

Um dos objetivos da obra é propor uma reflexão sobre as tensões entre a história cultural e a história política tradicional e, com isso, explorar a chamada nova história política. A coletânea é dividida em duas partes: as especificidades do poder na Idade Média e a construção historiográfica da Idade Média e sua relação com conflitos políticos contemporâneos. No primeiro aspecto, os problemas abordados são “as formas de atuação do poder responsáveis pela instituição de categorias sociais que reordenam, em um dado momento e de forma eficaz, toda a sociedade” e “a relação entre ideologia, gêneros textuais e categorias tradicionais de interpretação historiográfica”. No segundo aspecto, a construção contemporânea da Idade Média é considerada a partir das implicações de concepções como nação e Europa. Leia Mais

Los Godos y La Cruz: Recaredo y la unidad de Spania | Santiago Castellanos

Santiago Castellanos é professor de História Antiga na Universidade de Leon. Seu doutorado em História foi feito pela Universidade de Salamanca e abordou o poder social em torno do homem santo no espaço do vale do Ebro no século VI. Desde então, vem se destacando como especialista em Antiguidade Tardia, produzindo livros e artigos, dentro e fora da Espanha.

O livro em questão, conforme explica o próprio autor, foi um desafio pessoal: produzir material que atendesse a um público maior, fora do espaço restrito da academia, que trouxesse novas abordagens e releituras historiográficas, simplificando a forma e a linguagem, sem perder a qualidade – em especial, desconstruindo mitos, reposicionando a velha ideia de assassinato do mundo romano e Dark Ages. É mostrar a imagem de transformação em vez de decadência. Primordialmente, substituir a noção étnica em que é envolta a época visigoda, descabida frente à análise histórica do momento. Leia Mais

Arte e beleza na estética medieval | Umberto Eco

A Idade Média foi um momento de constante tensão entre opostos, de contradições entre as escrituras sagradas e suas interpretações, entre a teoria e a prática da instituição e dos fiéis. Por certo, o ordenamento do mundo levava a certo controle das contradições. A escolástica chegou a propor um método para o entendimento do mundo, ocultando suas contradições. Mas, as contradições não eram totalmente ocultadas, nem tão pouco controladas; porque ao pensar o tudo e o nada, o belo e o feio, o céu e o inferno, o homem e a mulher, a estética medieval, em especial, a exposta nas Catedrais não deixava de indicar as contradições, visto que o belo além de ser compreendido como algo dinâmico, também não deixava de ser múltiplo, diverso, fugaz, assim como suas formas de representação já o eram. Assim sendo, como devemos entender a arte medieval? De que maneira a beleza foi representada? Qual sua função na sociedade? Esses foram alguns dos questionamentos que Umberto Eco2 se propôs, ao pensar a arte e a beleza na estética medieval.

Publicado nos anos de 1960, e revisto na década de 1980, o livro só recentemente traduzido para o português (por Mario Sabino3 e publicado pela Editora Record em 2010), pretendia fornecer um painel do período, na forma de um manual acadêmico, detalhando a sensibilidade na estética medieval, como foi pensada a proporção, a luz, o símbolo e a alegoria, a forma e a substância, as teorias da arte, o lugar do artista na sociedade, e as relações, aproximações e distanciamentos entre a Escolástica e o Renascimento dos séculos XV e XVI. Para isso, toma como base a “história das teorias estéticas, elaboradas pela cultura da Idade Média latina” (2010, p. 9), e de que maneira foram sistematizadas por autores como Tomás de Aquino. Leia Mais

Les pierres gravées de Gotland: aux sources de la sacralité Viking | Erik Nylén, Jan Peder Lamm

Apesar da sua importância para o imaginário medieval, a mitologia ainda constitui um assunto pouco estudado pelos acadêmicos contemporâneos, especialmente os historiadores. De um lado, isso é explicado pela pouca experiência metodológica para o tratamento de fontes advindas, muitas vezes, dos tempos précristãos.2 De outro, os temas vinculados à teologia, filosofia e religiosidade clerical constituem assuntos mais aprazíveis, e num primeiro momento, mais institucionalizados nas pesquisas acadêmicas. Este panorama vem sendo modificado com novas abordagens, temas e olhares diferenciados para as fontes tradicionais. Sem dúvida, as investigações dos escandinavistas especializados na Era Viking constituem algumas das contribuições mais promissoras: o estudo de mitos nórdicos, seja com documentos literários ou com monumentos contendo imagens míticas, revela as imbricações entre imagem e escrita no período medieval. Neste sentido, a ilha báltica de Gotland é um local muito especial, pois preservou centenas de representações visuais esculpidas em rochas durante a Alta Idade Média.

Mesmo com toda a sua relevância, os monumentos desse local receberam apenas duas publicações especializadas. A primeira, o clássico Gotlands Bildsteine, publicado em alemão por Sune Lindqvist em 1941 – atualmente muito raro, mesmo em bibliotecas européias – e o manual de Erik Nylén e Jan Lamm, originalmente editado em sueco no ano de 1978, e que agora recebe uma tradução para o francês, Les pierres gravées de Gotland. Jan Lamm foi diretor do Museu de Antiguidades Nacionais da Suécia, em Estocolmo e Erik Nylén é arqueólogo na Universidade de Uppsala, Suécia. Leia Mais

Inventar a Heresia? Discursos polêmicos e poderes antes da Inquisição | Monique Zerner

Desde a publicação de Montaillou de Emmanuel Le Roy Ladurie2, em 1975, consolidou-se um campo de investigação para a heresia. Com sua obra, os cátaros ganharam o olhar dos estudiosos da chamada Idade Média Central e foram alvos de investigação de homens preocupados com o descortinar do processo inquisitorial. Tais comunidades heréticas do século XIII eram opositoras à Igreja e sua recusa podia ser verificada na doutrina que sustentavam, de cunho dualista, anticlerical e antiprocriacional, que os ligava a gnósticos e maniqueus dos séculos iniciais da era cristã. Essa imagem do herege dominaria a historiografia e caminharia ao lado de uma linha de interpretação historiográfica também iniciada nas décadas de 60 e 70 do século XX. Ali, a heresia era tida como foco de resistência, não só à estrutura clerical, mas à cultura que se pretendia homogênea e dominante. Ligados ao campo da Nova História Cultural, trabalhos como os de Jacques Le Goff3 situaram a heresia em uma dinâmica sócio-cultural que deslocava o conflito social entre dominantes e dominados para a esfera cultural. A heresia, juntamente com as superstições4, passava a ser parte da manifestação da cultura popular, da expressão religiosa dos camponeses e estava atrelada, de maneira inequívoca, ao conflito cultura erudita/cultura popular, ou “folclórica”. Leia Mais

As relações de poder na Idade Média Tardia: Marsílio de Pádua, Álvaro Pais O. Min., e Guilherme de Ockham O. Min. | José Antônio de C. R. de Souza

José Antônio de Camargo Rodrigues de Souza é Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (1980), com a tese A contribuição filosófico-política de Guilherme de Ockham ao conceito de poder civil, e Doutor em Filosofia pela Universidade Nova de Lisboa (2001), com a tese O pensamento social de Santo Antônio. Especialista em História política, social e filosófica dos séculos XIII-XIV, foi um dos pioneiros dos estudos medievais no Centro-Oeste brasileiro. Em 1980, propôs a fundação do que hoje é a Sociedade Brasileira de Estudos Medievais, da qual foi o primeiro presidente. Autor de renome internacional, tem mais de 50 artigos publicados em periódicos especializados na Argentina, Espanha, Itália e Portugal, além de dezenas de capítulos de livros e organização de coletâneas.

Assaz conhecedor da língua latina, fez inúmeras traduções para o português, como o conjunto das obras de Marsílio de Pádua, as obras políticas de Guilherme de Ockham(+ ou – 1280-1347), de Pedro João Olivi, Francisco Mayronnes, de Jonas e Orleans, dentre outros. Leia Mais

Lire la Bible au Moyen Âge. Essais d’Herméneutique Médiévale | Gilbert Dahan

O que compreendemos especificamente destas passagens de Foucault?:

A Renascença se imobilizava diante do fato bruto de que havia linguagem: na espessura do mundo, um grafismo misturado às coisas ou correndo sob elas; signos dispostos sobre os manuscritos ou sobre os fólios dos livros. E todas essas marcas insistentes exigiam uma linguagem segunda – a do comentário, da exegese, da erudição -, para fazer falar e tornar enfim móvel a linguagem que permanecia adormecida nelas; o ser da linguagem precedia, como por uma insistência muda, o que se podia ler nele e as palavras com as quais faziam-lhe ressoar. 1

Entre as periodizações historiográficas não existe de fato um “entre”, mas as reflexões de Foucault entreabrem uma passagem problemática que deixa se exprimir um conflito hermenêutico “entre” o Renascimento e a Época Clássica. Ele assinala a decadência do comentário e o início do reino da crítica. Exceptuando-se o entendimento filosófico de um livro já muito lido e relido, bem conhecido dos especialistas, o que sabemos de fato sobre o período anterior quando o comentário se desenvolvia e se complexificava? O que é a exegese medieval? Leia Mais

Fremosos Cantares. Antologia da Lírica Medieval Galego-Portuguesa | Lênia Márcia Mongelli

Os trobadores e as molheres de vossos cantares

son nojados a ũa, porqu’eu pouco

daria pois mi dos outros fossem

loados, ca eles non sabem que xi van

fazer; queren bon son e bõo de dizere

os cantares fremosos e rimados.

Martim Soares

O verbete “antologia”, de acordo com o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, significa, como primeira acepção, “tratado sobre as flores”, cuja origem é a palavra grega anthos, flor. É à primeira significação que também o Houaiss eletrônico se refere, registrando que a palavra pertence à rubrica da botânica – estudo das flores. Parece, então, que a ligação entre “flor” e coleção de textos em prosa e/ou em versos de um ou vários autores (cujo primeiro uso remonta ao ano de 1858, segundo o mesmo Houaiss) fixa-se num conceito subjetivo de estética. Explicamos. Se por “flor” entendermos que forma e perfume são elementos essenciais ao prazer sensitivo da vista e do olfato, estamos no campo da estética, do belo como elemento essencial da flor. Dessa flor nasceu “florilégio” (-légio, do l. legere, “que colhe, recolhe”, ainda segundo o Aurélio), coleção de textos mais significativos de um autor, época, tema etc., recolhidos a partir de um conceito subjetivo de estética, como dissemos atrás2 . Há, é claro, aquelas coleções cujas recolhas não foram tão excelentes, daí não valer o conceito de estética; mas vale o de “subjetivo” – o resultado seria um amontoado de maus textos. Conformemo-nos, pois há flores que não são nem belas nem olorosas. Leia Mais

Signum | ABREM | 2010

Signum

Signum – Revista da ABREM (Londrina, 2010) é o periódico da Associação Brasileira de Estudos Medievais, fundada em 22 de março de 1996 como entidade civil, sem fins lucrativos, com sede nacional no município em que estiver instalada a Diretoria. Entre 1996 a 2010, a Signum foi publicada em formato impresso, após o que adotou-se o formato digital para todos os seus números. É um periódico semestral que tem por finalidade divulgar a produção científica sobre o período Medieval nas mais diversas áreas de especialidade, como os Estudos Literários, a História, a Filosofia, as Artes e o Direito.

A revista, por ser vinculada à Associação Brasileira de Estudos Medievais, não possui uma área de especialidade predominante ou exclusiva, pois procura incluir, inter e transdisciplinarmente, as diversas áreas de estudos que se interessam pela temática medieval, dentro e fora do Brasil.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2177-7306

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