História oral | Estudos Históricos | 2021

HISTÓRIA ORAL: DIMENSÕES PÚBLICAS NO TEMPO PRESENTE

Este dossiê contempla estudos sobre história oral com base em pesquisas que assumem os desafios colocados contemporaneamente a essa metodologia de pesquisa e produção de fontes. Metodologia desenvolvida desde fins dos anos 1950 e amplamente utilizada e consolidada ao redor do mundo, a história oral chega ao século XXI catalisada pelas discussões da história pública, assim como pelas novas tecnologias, que colocam em questão novas formas de gravação, interação, preservação e difusão das narrativas orais e audiovisuais. Nesse sentido, este dossiê traz, particularmente, artigos que tencionam essas dimensões, com reflexões sobre suas interações e respostas da história oral às questões do tempo presente: por estudos temáticos, trajetórias de vida ou tradição oral.

Os textos afirmam o dinâmico movimento da história oral e os seus entrecruzamentos com a historiografia. Pela oralidade, é possível observar o trabalho de memória — escolhas narrativas referentes às formas como os sujeitos históricos significam as dimensões do público no tempo presente. Na história oral, dissensos e consensos, presentes nas memórias coletivas, catalisam práticas sociais. Lembranças, silêncios e esquecimentos expressam questões socialmente vivas em estudos que mobilizam múltiplos itinerários dos usos do passado. Ao evidenciarem as narrativas dos sujeitos históricos, os autores desenvolveram análises pela constituição de fontes que desempenham papel fundamental nas reflexões sobre “comunidades de sentido” e suas conexões temporais entre passado, presente e expectativas futuras. Leia Mais

História oral e envelhecimento | História Oral | 2021

Este dossiê contempla estudos sobre os processos de envelhecimento utilizando, na interface memória social e trajetórias de vida, a metodologia de história oral. Reune textos que contribuem para os debates públicos sobre a temática – implicações científicas, sociais, políticas, históricas e culturais – ao considerar as mudanças ocorridas no curso da vida que caracterizam a experiência contemporânea. A preocupação com o envelhecimento e com a melhoria da qualidade de vida na sociedade brasileira muda a sensibilidade investida na velhice e a reflexão para o reconhecimento da pluralidade de experiências. O livro Memória e sociedade: lembranças de velhos, publicado por Ecléa Bosi no final dos anos 1970, é uma das principais referências para a história oral no Brasil. Seu tema e sua abordagem continuam relevantes e são inspirações para o presente dossiê. Paul Thompson (1972) e Luisa Passerini (2011) refletiram sobre a importância dos trabalhos de história oral atentarem para as experiências da velhice, pois muitas vezes o processo de envelhecimento não é abordado, ou não se compreende adequadamente as ressonâncias de “tornar-se e ser velho/a”. Leia Mais

História Oral, trabalho, trabalhadoras (es) | História Oral  | 2020

As formas de relações de trabalho e a subjetivação da ideia de trabalhadora e trabalhador têm sido pontos de intensas disputas entre diversos setores sociais nos últimos anos. A massificação da internet, das redes sociais, dos aparelhos celulares e seus aplicativos produziram novas ferramentas e uma nova linguagem para definir e significar o mundo do trabalho.

Nesse cenário, gostaríamos de destacar dois elementos: o discurso de liberdade e os significados da legislação trabalhista. Ao controle e opressão patronais sofridos pelos trabalhadores e pelas trabalhadoras nas fábricas, nos canaviais e outros espaços, foi contraposto um forte discurso de liberdade. Sem patrão, com livre-iniciativa, com a possibilidade de escolher o horário de trabalho, bem como o tempo dedicado, assim se apresentam as novas formas laborais para as pessoas que se identificam e são identificadas como empreendedoras. Desde os entregadores dos aplicativos de comida em todo Brasil até as costureiras em Toritama, no Agreste de Pernambuco, a promessa da ausência de patrões e dos mecanismos de controle direto empregados pelos mesmos, significaria uma nova fase de mais liberdade e possibilidade de novos ganhos, dependendo apenas do esforço de cada trabalhador ou trabalhadora. Leia Mais

História oral e História pública: escutas sensíveis em tempos desafiadores [1] / Canoa do Tempo / 2020

Qual é a potência dos trabalhos que se comprometem com a história oral e a história pública? Por que, nos últimos anos, ambas têm se tornado tão presentes nas pesquisas historiográficas? Como afirmou Linda Shopes [2], esses campos ou práticas nem sempre se apresentaram de forma convergente e não devem ser entendidas como sinônimos. No entanto, quando parceiras, tornam-se práticas reflexivas, ou reflexões com consequências práticas, em que ao historiador é colocado o desafio de contribuir para a construção de uma ciência em meio a um processo dialógico e inclusivo com o público, aqui entendido como mais do que massa ou audiência. Esse público é compreendido como a sociedade plural, conflituosa e dinâmica que antecede a Universidade e a ultrapassa, cobrando dela a sua reinvenção no trabalho com o conhecimento, o que significa abrir-se a demandas de grupos que tiveram suas histórias, memórias e identidades invisibilizadas.

Vivemos, no decorrer dos séculos XX e XXI, ditaduras, discriminações sociais e catástrofes que tiveram efeitos sociais devastadores e colocaram os historiadores em posição de atenção ao seu próprio tempo, de forma a colaborar na criação de comunidades de contadores/testemunhos e de ouvintes; sujeitos diversos que exigiram e continuam a exigir o direito à memória a fim de cobrar reparações, pertencimentos e reconhecimentos. A história oral, como abertura à escuta ética, e a história pública, como atitude aberta a negociações na produção, na divulgação e no acesso ao conhecimento, tornaram-se emergentes em tempos de confronto por narrativas e usos do passado, com finalidades múltiplas e interesses políticos que colidem entre si, ora para conservar leituras e privilégios, ou para romper com processos de silenciamento estabelecidos por visões lineares e vazias de experiências. Leia Mais

História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual | Faces da História | 2019

Este número de Faces da História traz o dossiê História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual que se propõe refletir sobre assuntos que estejam amparados nessas representações memoriais resultantes da produção direta, a partir do diálogo entre entrevistador e entrevistado e de fontes que contemplam outros suportes. Em decorrência da natureza dessas fontes, as pesquisas baseadas em tais registros são inseridas no campo da história do tempo presente e estruturam-se em dimensões transnacionais (TREBITSCH, 1994; MORAES, 2002; ALBERTI, 2005), tornando-se sustentáculos do debate especializado do ponto de vista teórico e historiográfico e de definição dos protocolos de pesquisa e reflexões desse campo (JOUTARD, 2000).

Certamente, qualquer fonte traz suas peculiaridades e dificuldades que sinalizam desafios ao processo de execução para se chegar ao conhecimento sobre o passado, mesmo que esteja subordinado às visões de mundo do pesquisador do presente. As narrativas orais, entretanto, foram e são percebidas prenhe de significados e paixões decorrentes dos envolvimentos dos protagonistas nas querelas, compromissos e inserções dos embates conjunturais que modulam suas vivências. Nesse sentido, foram e continuam sendo recorrentemente arguidas por evidenciarem subjetividades que inicialmente estiveram definidas como empecilho para chegar ao conhecimento sobre os fenômenos submetidos, unicamente, aos relatos desses narradores. Segundo os seus arguidores, por serem fontes inscritas em passado recente, não permitem aos atores envolvidos (entrevistador/entrevistado) certo distanciamento para lidar com esses registros de testemunhas oculares que trazem as marcas de suas implicações nas querelas de seu tempo. Leia Mais

História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual / Faces da História / 2019

Este número de Faces da História traz o dossiê História oral e memória na construção das narrativas sobre as representações político-culturais do Brasil atual que se propõe refletir sobre assuntos que estejam amparados nessas representações memoriais resultantes da produção direta, a partir do diálogo entre entrevistador e entrevistado e de fontes que contemplam outros suportes. Em decorrência da natureza dessas fontes, as pesquisas baseadas em tais registros são inseridas no campo da história do tempo presente e estruturam-se em dimensões transnacionais (TREBITSCH, 1994; MORAES, 2002; ALBERTI, 2005), tornando-se sustentáculos do debate especializado do ponto de vista teórico e historiográfico e de definição dos protocolos de pesquisa e reflexões desse campo (JOUTARD, 2000).

Certamente, qualquer fonte traz suas peculiaridades e dificuldades que sinalizam desafios ao processo de execução para se chegar ao conhecimento sobre o passado, mesmo que esteja subordinado às visões de mundo do pesquisador do presente. As narrativas orais, entretanto, foram e são percebidas prenhe de significados e paixões decorrentes dos envolvimentos dos protagonistas nas querelas, compromissos e inserções dos embates conjunturais que modulam suas vivências. Nesse sentido, foram e continuam sendo recorrentemente arguidas por evidenciarem subjetividades que inicialmente estiveram definidas como empecilho para chegar ao conhecimento sobre os fenômenos submetidos, unicamente, aos relatos desses narradores. Segundo os seus arguidores, por serem fontes inscritas em passado recente, não permitem aos atores envolvidos (entrevistador / entrevistado) certo distanciamento para lidar com esses registros de testemunhas oculares que trazem as marcas de suas implicações nas querelas de seu tempo.

As discussões avançam no sentido de reconhecer a diversidade de narrativas e a formulação de outras para o mesmo evento, que esgarça a perspectiva da narrativa certa, em contraposição ao discurso errado sobre o acontecido. Portelli alerta à “atitude do narrador em relação a eventos, à subjetividade, à imaginação e ao desejo, que cada indivíduo investe em sua relação com a história” (PORTELLI, 1993, p. 41) que pode não incidir na realidade, mas na possibilidade. Ou seja, a representação de um “presente alternativo, uma espécie de universo paralelo no qual se cogita sobre um desdobramento de um evento histórico que não se efetuou” (PORTELLI, 1993, p. 50) que, na análise do autor, é característico da “narrativa ucrônica” que se inscreve em paradigma maior: a grande narrativa literária do inconformismo.

Isso não significa desconsiderar os lapsos, esquecimentos, omissões e reelaborações presentes nessas narrativas. Afirma-se sua importância para esclarecer não apenas ausências de informações e envolvimentos dos próprios narradores nos acontecimentos tratados, mas também o universo de valores e visões de mundo atinentes aos protagonistas em tela. E, ainda, ficar atenta para perceber aquelas memórias que foram soterradas ou silenciadas, como observou Michel Pollak (1989). O não-dito não significa o esquecimento, mas sim estratégias de sobrevivência diante de situações embaraçosas e sem solução, como a convivência com o inimigo de ontem.

No âmbito dessa trajetória, passa-se à arguição sobre a problemática da verdade, assunto de acalorado debate, chegando-se à formulação de sua ilusão por uns (BOURDIEU, 1998), ou à “produção de verdade”, para outros teóricos, como Beatriz Sarlo. A autora analisa a “transformação do testemunho em um ícone da verdade ou no recurso mais importante para a reconstrução do passado” (SARLO, 2007, p. 19), tecendo pesadas críticas a certos reducionismos de uso do relato oral, a partir de referencial que trata de situação-limite como o holocausto, para eventos corriqueiros.

Independentemente da complexidade teórica que envolve esse campo, o convite aos autores / autoras foi bem sucedido pela presença marcante de textos alusivos ao temário desse dossiê. Resultaram do processo avaliativo textos que foram estruturados em eixos temáticos, mesmo considerando as abordagens teóricas plurais, fruto das opções feitas pelos autores para suas análises sobre os assuntos pesquisados.

O primeiro deles agrega quatro artigos, sendo três que abordam aspectos da memória dos afrodescendentes e cultura africana, e que consistem, primeiramente, na abordagem dos autores Debora Linhares da Silva e José Maia Bezerra Neto sobre os processos de alforria que ocorreram na cidade de Belém / PA entre os anos de 1850 a 1880, estabelecendo um diálogo com as obras dos literatos Aluísio de Azevedo e Henry Walter Bates; na sequência, tem-se o trabalho de Leonam Maxney Carvalho que versa sobre a reconstrução das identidades dos quilombolas na localidade de Santa Efigênia, no município de Mariana / MG; ademais, o artigo de Mônica Pessoa que apresenta as tradições orais africanas como fonte de pesquisa interdisciplinar na busca da apreensão das vozes africanas e a potência de sua cultura oral; e fechando este bloco temático, o texto de Fábio do Espírito Santo Martins aborda a questão indígena no processo de luta que reivindica a demarcação da Terra Indígena (TI) Tekoá Mirim, localizada no litoral do Estado de São Paulo, e utiliza as tradições baseadas na cosmologia juntamente com o estabelecimento de uma práxis cotidiana indígena na luta pela demarcação territorial. Estes textos situam-se em tempos distintos na história do país e da África.

A segunda linha temática, composta de seis textos, apresenta discussões a respeito do patrimônio cultural material e imaterial brasileiro. O primeiro artigo, de Lourenço Resende da Costa e Jair Antunes, trabalha a questão da utilização da oralidade para os descendentes ucranianos brasileiros que vivem no município de Prudentópolis / PR, apresentando a importância do trabalho realizado pela Igreja Ucraniana juntamente com as escolas do município neste esforço de preservação identitária. O trabalho seguinte, de Priscila Onório Figueira, analisa as consequências do desastre ambiental provocado pela explosão do navio chileno Vicuña, no ano de 2004, cotejando as diferentes memórias e conflitos que a comunidade litorânea de Amparo, localizada na baía de Paranaguá / PR desenvolvem sobre esta trágica ocorrência.

O próximo artigo, de Mariana Schlickmann, concatena os relatos de oito moradores do bairro da Barra, localizado na cidade de Balneário Camboriú / SC, destacando as memórias sobre a atividade pesqueira, sufocada pela crescente especulação imobiliária, enfatizando as crescentes tensões entre os moradores sobre os bens culturais materiais e imateriais daquela localidade. A memória dos trabalhadores que transportam mercadorias e materiais de construção utilizando-se das carroças de tração animal na cidade de Montes Claros / MG é o enfoque do próximo texto, de Pedro Jardel Fonseca Pereira, que vincula estas memórias ao desenvolvimento histórico do município bem como ao processo de crescimento urbano e à inserção dos carroceiros nesta relação dinâmica.

Ainda nessa matriz temática, dois textos abordam a memória escolar: o primeiro deles, de Anne Caroline Peixer Abreu Neves, trata das memórias das alunas da Escola Pública Itoupava Norte, localizada em Blumenau / SC, que relatam suas percepções, adquiridas entre os anos de 1943 a 1950, em relação às experiências educacionais vivenciadas no período. Essas narradoras rememoram fragmentos da campanha de nacionalização do ensino e a exigência da língua vernácula e dos símbolos nacionais brasileiros impostos aos imigrantes e seus descendentes durante o período do Governo Vargas. O segundo trabalho, de Francine Suélen Assis Leite e Jairo Luis Fleck Falcão, expõe o processo de colonização do município de Juara / MT pelo depoimento de um professor aposentado, da disciplina de matemática, que relata o cotidiano escolar na jovem cidade mato-grossense que surgiu por meio do processo colonizador de expansão das fronteiras agrícolas.

Os últimos textos desse dossiê têm suas peculiaridades: o artigo de Filipe Arnaldo Cezarinho, embora se insira no debate sobre o patrimônio imaterial, apresenta questões de cunho metodológico no trato das fontes documentais orais e digitais e, em decorrência, foi agrupado no último eixo temático que traz questões metodológicas atinentes ao campo. O autor trata, por exemplo, da memória sobre a Guerra de Espadas que acontece em Cruz das Almas / BA, fortemente arraigada na tradição popular. A pesquisa analisa o discurso popular em contraposição ao presente processo de criminalização da manifestação cultural, onde estas fontes se constituem em desafio para os historiadores contemporâneos.

Aspecto assemelhado de disputa pela memória, sob outro viés, aparece no artigo Amerino Raposo e a Polícia Federal, de Priscila Brandão, que discute a trajetória dessa Instituição criada na década de 1960 e as disputas em torno do “ato fundador” recorrentemente acionado por grupos internos em disputa. A ala dos “novos” tenta descolar-se do envolvimento com as mazelas e da violência praticada pela ditadura militar contra seus opositores. A solução encontrada foi transferir a origem dessa Instituição para outra congênere, criada nos anos 1940 por Getúlio Vargas, que não tinha, de fato, esse papel federativo da PF criada na década de 1960 com os militares no poder. As disputas envolvem, além de outras questões, a recusa do legado recente sobre o envolvimento direto de alguns integrantes da Polícia Federal em atos de tortura e morte de opositores ao regime militar.

Por fim, o artigo sobre Paulo Emílio Sales Gomes, de Rafael Morato Zanatto, traz a contribuição do intelectual brasileiro na formação dos estudos históricos do cinema brasileiro e também suas contribuições para a História Oral pátria. O texto desvenda elementos significativos da trajetória em defesa da preservação desse passado, mostrando as preocupações de Paulo Emílio na prospecção de fontes variadas. A orientação na definição de roteiros parte da busca de informações diversificadas, com o objetivo de abordar os elementos que propiciam os passos dos cineastas, atores, cinegrafistas, fotógrafos, entre outros.

Mas, para o presente dossiê, sua importância assume papel estratégico por trazer a trajetória de formulação de procedimentos metodológicos para a consecução dos depoimentos orais, antecipando-se ao percurso posterior desse campo, ao trazer a relevância de seu uso, dúvidas e questões relativas à parcialidade, lacunas e produção de verdade desses depoimentos. Delineia todos os passos da pesquisa, desde o roteiro aos cuidados na abordagem do entrevistado, sua autorização para publicação, chamando a atenção para a necessidade de ouvir diferentes protagonistas sobre o mesmo assunto para sair das armadilhas do relato, mas ainda inscrito numa perspectiva de busca de informações corretas para, no caso, recuperar os primórdios da história do cinema brasileiro.

Para concluirmos esta Apresentação, queríamos registrar o reconhecimento dos desafios enfrentados por qualquer pesquisador do tempo presente para cumprir os protocolos do campo, cuja singularidade está marcada pelo diálogo (dúvidas e possíveis tensões) com os protagonistas de seu objeto de investigação.

Caros leitores / as, esperamos que gostem dos assuntos abordados nesse dossiê. Desejamos boa leitura e parabéns aos autores.

Assis, junho de 2019.

Referências

ALBERTI, Verena. Fontes Orais. Histórias dentro da História. In: Pinsky, Carla Bassanezi. Fontes Orais. São Paulo: Contexto. 2005, p. 155-202.

BOURDIEU, P. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M. de M. & AMADO, J. Usos e abusos da História Oral. 2a ed. RJ: FGV, 1998.

JOUTARD, Philippe. Desafios da história oral do século XXI. In: FERREIRA, Marieta; FERNANDES, Tânia Maria e ALBERTI, Verena. (Orgs.) História Oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

MORAES, Marieta Ferreira de. História, tempo presente e história oral. Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002, p. 314-332.

PORTELLI, Alessandro. Sonhos ucrônicos. Memórias e possíveis mundos dos trabalhadores. Projeto História, n. 10, dez / 1993, p. 41-58.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Rio de Janeiro: Estudos Históricos, vol. 2, 1989.

SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Tradução: Rosa Freire d’Aguiar. Belo Horizonte: Companhia das Letras; UFMG, 2007.

TREBITSCH, Michel. A função epistemológica e ideológica da História oral no discurso da história contemporânea. In: MORAES, Marieta Ferreira (Org.). História Oral e multiplicinaridade. Rio de Janeiro: Diadorin / Finep / FGV, 1994.

Zélia Lopes da Silva – Professora Doutora (Unesp / Assis)

José Augusto Alves Netto – Professor Mestre (Unespar / Paranavaí), doutorando em História (Unesp / Assis)


SILVA, Zélia Lopes da; ALVES NETTO, José Augusto. Apresentação. Faces da História, Assis, v.6, n.1, jan / jun, 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

História Oral / História em Revista / 2019

Apresentamos a vocês o novo número do periódico História em Revista, vinculado ao Núcleo de Documentação Histórica Profa. Beatriz Loner, da Universidade Federal de Pelotas.

No dossiê, intitulado “História Oral” constam quatro artigos e um instrumento do trabalho. No primeiro deles, ENSINO DE TEATRO NA UFRGS: REVIRANDO MEMÓRIAS EM BUSCA DA HISTÓRIA, Juliana Wolkmer discute os caminhos metodológicos relacionados a um estudo feito durante a dissertação de mestrado, no qual realizou entrevistas com egressos de cursos de arte da Universidade Federal do RS.

O segundo texto HISTÓRIA ORAL E PROFESSORES DE HISTÓRIA: UM ESTUDO DAS DIRETRIZES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS foi escrito por Suzana Ribeiro, Eliana Mendes e Elisa Brisola e constrói narrativas com professores de História a respeito das relações étnico-raciais e do ensino de história da África e cultura afro-brasileira e africana, permitindo adentrar no cotidiano escolar e das questões de racismo, tão presentes ainda na atualidade.

O terceiro artigo MELILLA-MARROCOS: (CON)JUNÇÕES FRONTEIRIÇAS. UM DEBATE TRANSDISCIPLINAR escrito por Suzanne Maria Legrady revela os caminhos de uma pesquisa em andamento, mas que já realizou 43 entrevistas em uma perspectiva multifacetada e transnacional, já que Melilla é uma cidade espanhola que faz fronteira com o país africano, Marrocos.

O quarto artigo intitulado MOVIMENTO FEMINISTA NA CIDADE DE PELOTAS-RS: A ATUAÇÃO DO GRUPO AUTÔNOMO DE MULHERES DE PELOTAS (GAMP) – (1990-2019) foi escrito pela doutoranda Elisiane Medeiros Chaves e revelou a história de um grupo de mulheres que se organizaram, a partir da década de 1980 para lutar, sobretudo, contra a violência à mulher.

No dossiê consta ainda um instrumento de trabalho, que apresenta uma entrevista feita com o cartunista Renato Vinícius Canini, falecido no ano de 2013. A entrevista foi construída no ano de 2008, na casa de Canini e foi bastante interessante ao revelar um pouco da produção de um cartunista que, dentre outras coisas, desenhou o personagem da Disney, Zé Carioca, durante alguns anos. A narrativa faz parte do acervo do Laboratório de História Oral da UFPel.

O periódico é complementado com um texto intitulado CAIS DO VALONGO: MEMÓRIA ESCRAVISTA E HERANÇA CULTURAL escrito por Vanessa de Araújo Andrade e Jéssica de Freitas e Gonzaga da Silva. O artigo discute, através de uma análise bibliográfica, o papel histórico e cultural do cais, em que se fixaram africanos e afrodescendentes, considerado hoje como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Além dos artigos, o dossiê revela um encontro, de anos e de vida. Ocorre que os editores deste número se conheceram em congressos de história oral realizados no Brasil e fora dele e passaram a não só conviver, mas a trocar experiências e afetos.

Nestes anos, participaram juntos de mesas de debates, de bancas julgadoras, de jornadas de estudo, mas mais do que isso experimentaram construir reciprocidades em suas trajetórias de vida.

É por isso que o número desta revista é tão especial para todos e cada um de nós.

Esperamos que vocês aproveitem a leitura.

Lorena Almeida Gill

Robson Laverdi

Pablo Pozzi


GILL, Lorena Almeida; LAVERDI, Robson; POZZI, Pablo. [História Oral]. História em Revista. Pelotas, v.25, n.1, 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Tempo Presente, história oral e imagens / Territórios & Fronteiras / 2019

Este dossiê da revista T&F reúne artigos que apresentam reflexões de historiadores e historiadoras que lidam com a “história oral” e com a linguagem visual, sejam elas vestígios visuais como imagens fotográficas ou imagens narrativas que dependem do testemunho escrito e da memória e que, por isso mesmo, não deixam de se articular com os documentos escritos. Os artigos contemplam temas das pesquisas desenvolvidas pelas autoras e autores e nos oferecem debates metodológicos sobre o corpus documental utilizado como referência. Destacam-se, nessa linha, a metodologia que escolhem e valorizam passagens das entrevistas orais, temáticas ou histórias de vida, e das imagens visuais, como fotografias, assim como de outros documentos que registram eventos significativos na vida dos entrevistados e dos acontecimentos analisados. Do tecido narrativo que constitui o texto dos artigos emergem histórias, trançadas como experiências pela memória e testemunhos.

Não poderíamos deixar de assinalar, que há um especial interesse em vários artigos do dossiê em explorar algumas possibilidades de análise do tempo presente e instigar os leitores ao diálogo. Ao debaterem questões que não se circunscrevem apenas à especificidade dos temas abordados, oferecem uma rica contribuição para a análise da história recente do Brasil, em especial, eventos relacionados à memória da ditadura militar e dos movimentos sociais e políticos do período da redemocratização do país.

O dossiê abriga temas, pesquisas e abordagens historiográficas bastante diversas e inovadoras. Assim, suscitam leituras e reflexões que se apresentam imprescindíveis à produção do conhecimento histórico. Nessa trilha, o artigo “Uma garota propaganda para o império: o caso de Rosinha na Exposição do Porto de 1934”, de Franco Santos Alves da Silva, apresenta um estudo acerca da relação entre etnia e gênero no contexto específico da 1ª Exposição Colonial Portuguesa de 1934, através da análise de imagens fotográficas. Argumenta o autor que a utilização da fotografia e de outras imagens visuais não deve ter cunho ilustrativo. Em seu texto, as imagens são indiciárias, possibilitam múltiplos olhares e provocam estranhamentos, já que trazem “à baila imagens que eram elas mesmas inseridas e produzidas em uma conjuntura que gerava e perpetuava as relações de gênero / colonialismo / etnia durante o recém reformulado projeto colonialista do Estado Novo Português”.

Em seu artigo, “O futuro do passado no tempo presente: memórias e narrativas amazônicas nas encruzilhadas do tempo”, Erinaldo Cavalcanti utiliza relatos de memória para refletir sobre a história do tempo presente. Neste escopo, analisa entrevistas orais com trabalhadores e trabalhadoras rurais, afetados pela experiência da Guerrilha do Araguaia, realizadas na cidade de Xambioá / TO, para o projeto de pesquisa “História Oral e Narrativas Amazônicas”. Sublinha a importância da memória histórica numa dimensão política. As reflexões sobre tempo, memória e história são, segundo o autor, imprescindíveis à escrita dos relatos orais na produção textual.

O artigo de Pablo Porfírio, “Memória de imagens de trabalhadores rurais: marchas das Ligas Camponesas, Pernambuco, 1960”, com base nas fotografias produzidas no início dos anos 1960, focaliza as manifestações políticas de trabalhadores rurais, integrantes das Ligas Camponesas, em Pernambuco. Reflete com acuidade a produção das imagens, de forma a apreender discursos e práticas que criminalizam as ações dos trabalhadores e, sobretudo, nos discursos oficiais e na imprensa, desqualificam as iniciativas de resistência. Para o autor, as fotografias analisadas constituem “uma memória de imagens que oferece novas narrativas sobre o Golpe-civil militar de 1964”.

Em “Imagens depois da catástrofe: outras memórias do desenvolvimento no Vale do São Francisco”, Elson de Assis Rabelo se detém sobre as imagens visuais produzidas em desenhos do artista juazeirense Antônio Carlos Coelho de Assis. As imagens dão acesso a camadas diferentes de temporalidade e de experiências de espaço do rio São Francisco, nos anos 1980. Além disso, aparecem implicadas às práticas de cunho desenvolvimentista direcionadas para o “interior do Brasil”, especialmente aquelas que se baseavam na agricultura irrigada das zonas semiáridas e na exploração do rio São Francisco como recurso natural. O autor dialoga, também, com outros vestígios documentais, como notícias de jornal e o material produzido pelo Movimento de Defesa do São Francisco, que lutava contra a degradação ambiental daqueles espaços. Pauta-se pelo diálogo entre as memórias individuais e o cenário político do período, a partir do recorte sobre as manifestações artísticas e a preservação do meio ambiente.

Os irmãos Daniel e Guilherme dos Santos Fernandes, iniciam seu texto, “Imagens e palavras na escritura da narrativa etnofotográfica: notações metodológicas”, destacando o uso de imagens nas pesquisas antropológicas, especialmente na obra Balinese Character (1942), e os trabalhos pioneiros no Brasil no uso das imagens fotográficas a partir das expedições do Marechal Rondon. Para os autores deste artigo, a antropologia visual e a utilização de uma narrativa etnofotográfica -sem desmerecer o risco da subjetividade na escolha de imagens no registro imagético pelos etnógrafos -possibilitam o registro de uma realidade que ultrapassa os traços culturais isolados e potencializam a memória singular da cultura como discurso narrativo.

O artigo “História e acontecimento: imagens narrativas no relato oral de uma liderança dos trabalhadores rurais de Rondon do Pará”, de Regina Beatriz Guimarães Neto e Airton dos Reis Pereira, utiliza o relato oral de memória de uma líder rural, Maria Joel da Costa (Joelma), que descreve a violência cometida contra os trabalhadores rurais no Pará, em especial, o assassinato do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará. O testemunho é social e estabelece relações com outras experiências, além disso, ao elaborar o “relato de si”, a narrativa testemunhal se torna indiciária. Para a autora e o autor, as imagens narrativas presentes nos relatos orais, em especial no testemunho de Joelma, são inseparáveis de sua dimensão visual e ressignificam, no fluxo da narrativa, os acontecimentos históricos.

Já Gerardo Necoechea Gracia, em seu artigo, “De enfermedades, historias y lecturas: imágenes narrativas de cultura obrera”, seleciona passagens de uma entrevista realizada a uma mulher que recorda sua infância em um povoado mineiro do norte de México. Analisadas, em detalhe, as imagens narrativas que emergem do relato o ajudam a refletir sobre a cultura da classe trabalhadora e suas transformações. Neste texto, o autor indaga sobre o significado e a importância das imagens narrativas para a compreensão dos relatos orais, que convertem imagens em recordações comunicáveis, em narrativas.

Em “Uma leitura sobre as novas configurações migratórias: análise no / do tempo presente em narrativas orais e de jornais”, os autores Leandro Baller e Jorge Pagliarini Junior tecem importantes considerações e análises sobre “migrações” para áreas de fronteira, sobretudo sobre os movimentos de retorno. Tomaram como base duas pesquisas que problematizam as migrações do Sul do Brasil, particularmente do Paraná, para o Paraguai e, em outra direção, para a Amazônia. Apresentam reflexões sobre a memória e narrativa, na configuração social das migrações no tempo presente.

No artigo, “Realismo maravilhoso e circularidade cultural: crença no invisível atordoa o pensamento? (Região Bragantina-PA)”, Ipojucan Dias Campos e Danilo Gustavo Silveira expõem diferentes narrativas de universitários da UFPA, em Bragança e Capanema, a respeito de histórias de “lendas”, “folclores”, “superstições”, “crendices”. Enredos que misturam a vida real, o trabalho e o cotidiano, com o imaginário e o extraordinário do sobrenatural e na interface entre as culturas “popular” e “erudita.

Nas páginas escritas por Magno Michell Marçal Braga e César Martins de Souza, em seu artigo “Transamazônica: terra, trabalho e sonhos”, que se alimentaram de diferentes fontes documentais, narrativas e fotografias, os autores nos apresentam as narrativas de alguns migrantes que se fixaram em terras amazônicas, além de discursos oficiais a respeito da construção da rodovia Transamazônica. Diante de uma produção discursiva e imagética, celebrativa dos feitos governamentais, justificava-se a ocupação humana e econômica da região amazônica, através da transposição de populações do Nordeste e do Sul do Brasil.

Em “Exorcizando o Passado: experiências de trabalhadores migrantes escravizados na Fazenda Brasil Verde / PA”, Cristiana Costa Rocha narra a trajetória de trabalhadores rurais migrantes do Piauí contratados pelo “gato” Meladinho para trabalhar no sul do Pará. Dois são os personagens principais do trabalho de Cristiana, José Pitanga e Luiz Sincinato, escravizados, no ano 2000, na fazenda Brasil Verde, fazenda que entre meados da década de 1980 até o ano 2000 foi alvo de sucessivas denúncias em relação ao uso de trabalho escravo.

No último texto do dossiê, “Da assistência patronal à disciplina da vida e trabalho operário: narrativas, imagens e denúncias do passado”, Marcelo Góes Tavares, usa como fonte principal Memória da vida e do trabalho, documentário dirigido e produzido por Celso Brandão, e, também, relatos de memórias de operários têxteis alagoanos. Por meio de alguns fotogramas e relatos orais o autor tece uma rica paisagem polissémica sobre as políticas de assistência, gestão do trabalho, sobrevivência e resistência, tendo como cenário principal a vila operária de Fernão Velho e a Fábrica Carmen, nomeada até 1943 de Companhia União Mercantil.

Agradecemos imensamente a dedicação dos autores e autoras que compuseram este dossiê. Tivemos o privilégio de contar com um grupo de historiadoras e historiadores de enorme rigor e profissionalismo. Nesse sentido, não se furtaram em atender as sugestões críticas dos pareceristas, enriquecendo os textos e contribuindo de forma decisiva para novas abordagens historiográficas. Em “tempos difíceis” a nossa melhor resistência política é o rico diálogo em nossa área de conhecimento e no campo interdisciplinar: “tudo o que nos alenta, renova nossas forças!

Pere Petit – Graduação em Geografia e História pela Universitat de Barcelona. Mestrado em História de América Contemporânea pela Universidad Central de Venezuela. Doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Pós-doutorado na Universidad de Salamanca-Espanha. Docente dos Programas de Pósgraduação em História Social da Amazônia (Belém / UFPA), Linguagens e Saberes na Amazônia (Bragança / UFPA) e História (Marabá / Unifesspa). Presidente da Associação Brasileira de História Oral (ABHO). E-mail: [email protected]

Regina Beatriz Guimarães Neto – Doutora em História pela Universidade Estadual de Campinas (1996). É professora Adjunto IV do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]


PETIT, Pere; GUIMARÃES NETO, Regina Beatriz. Apresentação. Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v.12, n.1, jan / jul, 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Memórias em narrativas orais: história oral e oralidades sob os dilemas da cultura  / Escritas / 2017

Memórias hostis: O rumor de vozes em escritos

“Morta” sob condições degradantes em um campo de trabalhos “correcionais” (Vtoraïa Rechka) aos redores da cidade de Vladivostok, extremo oriente da então URSS, a voz de Ossip Mandesltam (1891-1938) – poeta e ativista político – é memória em projeção graças à Nadejda Mandelstam, a esposa, e acima de tudo um diário orgânico desse “acervo” político-poético, permitido à publicação, a partir dos anos 60. Pelo trânsito de séries ou pela oralidade na busca de outros “corpos”, Mandelstam nos faz auscultar os ruídos subterrâneos de suas histórias e poéticas revolucionárias.

Sob o diapasão de Paulo Bezerra, “O Rumor do Tempo e Viagem à Armênia”, escrito originalmente em 1925 e publicado no Brasil em 2000, testemunha a voz se fazendo escritura. Mandelstam (2000, p.92), em relatos autobiográficos, erige força perlocutória ao “tramar” críticas sócio-políticas por sua radicalidade discreta: “Não quero falar de mim, mas seguir de perto o século, o rumor e a germinação do tempo. Minha memória é hostil a tudo que é pessoal. Se dependesse de mim, eu me limitaria a franzir o cenho ao recordar o passado […] repito, minha memória não é amorosa, mas hostil, e não trabalha a reprodução, mas o descarte do passado. ” Leia Mais

História oral: narrativas de memória, acervos e a pesquisa em História da Educação / Cadernos de História da Educação / 2016

“Será preciso, contudo, não esquecer que tudo tem início não nos

arquivos, mas com o testemunho, e que, apesar da carência

principal de confiabilidade do testemunho, não temos nada melhor

que o testemunho, em última análise, para assegurar-nos de que algo aconteceu.” (RICOEUR, 2007, p. 156).

A afirmativa de Ricoeur propõe a reflexão acerca do valor da memória oral no processo de produção da narrativa historiográfica. No meio acadêmico, percebemos o quanto pode ser potente pesquisar a História da Educação, tendo como aporte metodológico a História Oral. Tal evidência nos mobilizou a organizar esse dossiê que reúne uma comunidade de pesquisadoras que se preocupam em pensar a educação, tendo como principal referente a memória oral como documento.

Entendemos que essa metodologia se constitui em um importante recurso para compreensão de tempos pretéritos. Por meio dela, podem ser investigadas múltiplas questões, sobretudo relacionadas à apropriação e difusão de modelos pedagógicos, práticas educativas e aspectos que tratem, de modo geral, dos itinerários dos agentes da educação.

Qual a importância da História Oral na contemporaneidade? O que significa trabalhar nessa perspectiva? Em um passado recente, preponderava um entendimento de que através dessa metodologia seria possível recuperar o passado por meio da voz dos oprimidos, daqueles relegados ao silêncio, devolvendo a eles o lugar que lhes havia sido negado nas tramas da História. Nas últimas décadas, diante das discussões propostas pela História Cultural, com relação à ampliação da noção de documento, ressignificou- se o papel da História Oral na pesquisa historiográfica. As concepções iniciais, importantes naquele contexto, foram problematizadas, em especial, o poder irrefutável conferido ao testemunho em primeira pessoa. Beatriz Sarlo questiona essa infalibilidade, mas defende a legitimidade da História Oral, afinada às perspectivas da História Social e Cultural. Neste sentido, desloca-se o foco das pesquisas “para as margens das sociedades modernas, modificando a noção de sujeito e a hierarquia dos fatos, destacando os pormenores cotidianos, articulados numa poética do detalhe e do concreto” (Sarlo, 2007). Portanto, o que constituiu a História Oral no passado não precisa ser descartado em sua totalidade, ou seja, há que se dizer que o trabalho com essa metodologia, por estar atrelado às subjetividades de cada sujeito entrevistado, traz consigo o princípio de democratização dos agentes da História.

No segundo quartel do século XX, os debates sobre narrativas de memória e sua relação com a História da Educação adquiriram certa visibilidade e, paulatinamente, ofereceram perspectivas de inteligibilidade para o passado das instituições escolares, das práticas educativas, do cotidiano da sala de aula, das memórias de professores e alunos, entre outros temas. A História da Educação, como zona de fronteira que se aproxima das teorias da História, busca construir sua identidade disciplinar, reforçar suas ligações com outras ciências, abrir-se às novas realidades e diversificar as abordagens. Atualmente, a pesquisa neste campo de conhecimento inova em relação à sua compreensão do passado recente e, nesse contexto, são valorizadas as memórias orais da educação / escolarização.

Em uma tentativa de articular a História da Educação e os pressupostos que norteiam a História Oral, apresentamos a ideia de um dossiê que tematize as questões mencionadas. A proposta é publicar estudos que examinem a complexidade da memória produzida pela oralidade, em suas distintas interfaces com a História da Educação. Desse modo, tem-se como objetivo oportunizar espaço de diálogo para que pesquisadores possam expor suas investigações inseridas nessas interfaces.

Alícia Civera, por meio das narrativas de três professores exilados pela Ditadura Franquista, analisa a construção de uma memória escolar relacionada aos modelos pedagógicos da Escola Normal Espanhola, nos anos quarenta do século XX. Ao mobilizar aspectos relacionados às especificidades da História Oral, a autora considera essa metodologia um modo de capturar as tradições pedagógicas, sem que necessariamente haja uma explicitação racional a respeito. No entanto, percebe que essas tradições e formas de atuar dos estudantes estão representadas em suas identidades, em seus afetos.

Com o objetivo de analisar itinerários formativos e práticas educativas vivenciadas no ensino primário em escolas de Caxias do Sul / RS, Terciane Luchese, a partir das memórias de docentes nascidos nas duas primeiras décadas do século XX, busca compreender os fazeres e os saberes de cinco professoras, todas elas formadas para atuarem no ensino primário. As memórias, somadas a outros documentos, compõem o campo empírico que, com o apoio teórico da História Cultural, permitem tematizar as práticas educativas de docentes entre os anos 1920 e 1960.

O acervo de fontes orais intitulado “Projeto Memória Lassalista”, o qual integra as coleções de documentos sob a guarda do Museu Histórico La Salle (MAHLS) do Unilasalle Canoas, é o objeto de estudo de Cleusa Garbin. Nessa pesquisa, a autora problematiza o depositário da coleção, as bases históricas e teóricas do Projeto, a sua constituição e operacionalização e as possibilidades de utilização. Além disso, estabelece uma discussão acerca das perspectivas futuras do Projeto. As complexidades e os desafios em relação à produção, tratamento, preservação e socialização de acervos orais são tematizados no artigo.

Claricia Otto, no período que compreende os anos 1930 e 1960, discute os resultados de uma pesquisa sobre a ação docente de religiosas da atual Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas (CICAF), em escolas primárias de Santa Catarina. Para tanto, se vale de memórias de dez religiosas, professoras aposentadas dessa Congregação. A análise evidenciou aspectos do cotidiano escolar daquele período e entendeu que as professoras tiveram papel fundamental na constituição de determinada cultura escolar, especialmente no que concerne ao vínculo com a religião católica na escola laica.

Uma discussão acerca de professores leigos que atuaram em escolas isoladas e multisseriadas nas décadas de 1940-1960 no município de Pelotas / RS é o que propõem Patrícia Weiduschadt e Giana Lange do Amaral. A análise se constituiu a partir de quatro entrevistas que tematizam o pertencimento docente à etnia pomerana alemã e a religião luterana. Neste sentido, os conceitos de memória e identidade problematizam as memórias coletivas, reelaboradas no tempo presente.

Por fim, o artigo “Memórias de escola em colônias agrícolas judaicas no Rio Grande do Sul: narrativas orais do acervo do Instituto Cultural Marc Chagal (1904 – 1930)” investiga alguns aspectos acerca dos processos de escolarização dos primeiros imigrantes judeus fixados em colônias agrícolas no RS. Por meio das narrativas de memória de sujeitos que viveram sua infância naquelas comunidades, procura-se recompor uma História acerca das primeiras escolas naqueles espaço e tempo determinados. As narrativas visibilizam elementos, tais como o significado da escola para o povo judeu, as dificuldades de acesso e locomoção à escola, a presença de crianças de origem não judia na escola e, sobretudo, o papel da Jewish Colonization Association, conhecida no Brasil como ICA, e seu papel determinante no apoio aos processos de escolarização do Imigrantes Judeus.

Referências

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007.

SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Cia. das Letras, 2007.

Dóris Bittencourt Almeida – Doutora em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta IV de História da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

Luciane Sgarbi S. Grazziotin – Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: [email protected]


ALMEIDA, Dóris Bittencourt; GRAZZIOTIN, Luciane Sgarbi S. Apresentação. Cadernos de História da Educação. Uberlândia, v. 15, n.3, set. / dez., 2016. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

História Oral e Memória | Outras Fronteiras | 2016

A memória é um elemento essencial do que

se costuma chamar de identidade,

individual ou coletiva, cuja busca é uma

das atividades fundamentais dos

indivíduos e das sociedades de hoje, na

febre e na angústia. (Le Goff, 1996, 476)

A história oral comemora sua maturidade. Olhando em perspectiva pode-se dizer que as primeiras dificuldades para a compreensão de suas diferenças foram superadas. Ela se consolidou e é respeitada, seja para quem a pratica como uma nova área da produção do conhecimento, seja para quem a entende como um método auxiliar de pesquisa histórica contemporânea. Para um ou outro grupo o resultado produzido pelo trabalho de história oral pode ser visto como narrativa que tem força para subverter a lógica estabelecida e que torna diferentes sujeitos protagonistas de suas histórias, no momento em que a vida ganha centralidade e destaca o papel dos sujeitos. Leia Mais

História Oral e resistências na América Latina / Tempo e Argumento / 2015

História Oral – Resistências: América Latina / Tempo e Argumento / 2015

Se a história é mais que um baú de curiosidades sobre o passado, pois tem como tarefa articulá‐lo em função dos problemas e das demandas colocados pelos sujeitos na atualidade, a revista Tempo e Argumento busca cumprir essa função em suas edições.

Em 2015, trouxe a público os dossiês “Infância en la historia del tiempo presente”, “Narrativas e escritas de si”, e apresenta, nesta edição, o tema “História oral e resistências na América Latina”.

Dando continuidade ao competente trabalho realizado pela Equipe Editorial da FAED / UDESC e destacando o esforço concentrado do Colegiado do PPGH / UDESC na ação de integrar o crescente processo de internacionalização da divulgação acadêmica na área de História do Tempo Presente, esta edição vem inteiramente em formato bilíngue. Em específico, esta publicação reúne trabalhos de conceituados pesquisadores da América Latina, sinalizando para a emergência de pensarmos as lutas, as experiências e as resistências ao longo da história.

Os 8 artigos reunidos neste dossiê relacionam‐se ainda com comunicações apresentadas no II Seminário Internacional de História do Tempo Presente, atividade promovida pelo PPGH / UDESC e desenvolvida nos dias 13 a 15 de outubro de 2014, a partir da mediação do Prof. Dr. Luiz Felipe Falcão, como organizador do dossiê, junto a membros da CLACSO (Conselho Latino‐Americano de Ciências Sociais).

Como resultado desta articulação, o leitor terá condições de conhecer a atuação dos sindicatos dos trabalhadores em usinas nucleares, nas mineradoras e na indústria metalúrgica no México, no texto em coautoria de Gerardo Necoechea Gracia (Escuela Nacional de Antropología e Historia, México) e Patricia Pensado Leglise (Instituto de Investigaciones Dr. José María Luis Mora, México); o nascimento e desenvolvimento da esquerda revolucionária chilena, no trabalho de Igor Goicovic Donoso (Universidad de Santiago de Chile); os rumos e novas formas de atuação dos movimentos de esquerda no Brasil e as respectivas memórias relacionadas às militâncias e às organizações no passado, na reflexão de Luiz Felipe Falcão (Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil); a trajetória histórica do surgimento e dos novos contornos da esquerda colombiana entre 1958 e 2010, na coautoria de Mauricio Archila (Universidad Nacional de Colombia) e Jorge Cote (Universidad Nacional de Colombia); a relação dos movimentos guerrilheiros argentinos e a mobilização popular correspondente, no trabalho de Pablo Alejandro Pozzi (Universidad de Buenos Aires, Argentina); o papel da imprensa na fabricação de rumores como estratégia de desarticulação de organizações insurgentes durante os anos de 1970, por Alicia de los Ríos Merino (Escuela Nacional de Antropología e Historia); a trajetória do Partido Comunista chileno na luta contra o fascismo, no contexto da década de 1970, na autoria de Claudio Pérez Silva (Universidad de Santiago de Chile); e, finalizando o dossiê, o debate travado por volta de 1970 entre duas organizações armadas existentes na Argentina, com destaque para suas respectivas concepções sobre classes sociais, ideologia e a questão nacional, na contribuição de Esteban Campos (Universidad de Buenos Aires, Argentina).

No que diz respeito aos 2 artigos de demanda contínua, destacamos a importância das reflexões acerca de novas experiências no ensino de história no programa de história oral “Barakaldo ayer”: no primeiro texto, de autoria conjunta de Alex Ibañez‐Etxeberria, Iratxe Gillate e José María Madariaga (Universidad del Pais Vasco, Espanha), que se refere especialmente ao uso da metodologia da história oral como recurso de ensino e aprendizagem da história mineiro‐industrial na Espanha no Tempo Presente. Na sequência, apresentamos o artigo de Juliana Sayuri Ogassawara (Universidade de São Paulo), como proposta de reflexão sobre as relações estabelecidas entre os intelectuais franceses e argentinos na fundação do periódico Le Monde Diplomatique, na Argentina.

A resenha intitulada Da Organização das Nações apresenta o livro L’incendie planétaire. Que fait l’ONU?, na análise realizada por Daniel Afonso da Silva (Universidade de São Paulo) quanto ao posicionamento assumido pelo autor e diplomata francês Alain Dejammet quando avalia a atuação da ONU no que diz respeito a situações de conflito no cenário internacional, em meio às comemorações dos 70 anos da instituição.

Na sessão Entrevistas, trazemos a público 2 depoimentos, que consistem em relato de experiência profissional e atuação pública. O primeiro, mediante entrevista feita pelo Prof. Robson Laverdi (Universidade Estadual de Ponta Grossa), revela a atividade do Professor Diego Sempol, identificando sua percepção acerca da ditadura, do matrimônio igualitário, da teoria e demais lutas LGBT no Uruguai. Segue‐se a fala do Prof. Dilton Cândido Santos Maynard (Universidade Federal de Sergipe), com destaque para as práticas e perspectivas de abordagem sobre a História do Tempo Presente, em entrevista dada aos doutorandos Daniel Alves Boeira e Felipe Salvador Weissheimer (Universidade do Estado de Santa Catarina).

Vale ressaltar que nesta edição se altera a direção editorial da revista Tempo e Argumento. Apresentamos nosso agradecimento pelo voto de confiança do Colegiado do Programa de Pós‐Graduação em História da UDESC, bem como às colegas que nos antecederam na revista: Prof.as Luciana Rossato e Maria Teresa Santos Cunha. Encontramos a revista em excelentes condições, já consolidada e fortalecida no meio acadêmico, reconhecida nacional e internacionalmente. Grande responsabilidade para nós, mas também um desafio hercúleo em razão das novas políticas instituídas pelas agências de fomento no processo de avaliação e de financiamento de periódicos científicos no Brasil.

Finalizando, estendemos o agradecimento aos autores que contribuíram com a revista, em especial nesta edição. Esperamos que a participação de colegas pesquisadores / as de diferentes nacionalidades possam se somar a esta experiência na divulgação científica e no seu compartilhamento. Afinal, é aos leitores que a revista se dirige. Boa leitura a todos e a todas!

Márcia Ramos de Oliveira

Rogério Rosa Rodrigues

Editores‐Chefes


OLIVEIRA, Márcia Ramos de; RODRIGUES, Rogério Rosa. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.7, n.16, 2015. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

História Oral: problemas éticos e desafios metodológicos / Tempos históricos / 2013

A prática da história oral mantém-se plural e vigorosa entre nós na contemporaneidade. Ao reconhecemos esta dimensão de prenhe permeabilidade prática na vida acadêmica e nos espaços socioculturais de circulação e reflexividade da memória e da oralidade, não podemos ser facilmente levados a acreditar que tudo já tenha sido dito, feito e superado. Ao contrário disso, é exatamente a força da história oral como produtora de sentidos e significados emergentes, antes pouco tornados possíveis por meio de outras linguagens e fontes, que hoje nos recoloca desafios à sua continuidade com dignidade e profundidade. Ao mobilizarmos nossa atenção neste Dossiê para problemas éticos suscitados em sua feitura, assim como uma atenção aos desafios metodológicos que decorrem dessa prática cada vez mais utilizada, buscamos nesta oportunidade constituir uma parada de reflexão, todavia jamais conclusiva, para pensar potencialidades dessa ventura tão rica e cativante.

Ao reconhecemos a fecundidade da história oral para o fazer reflexivo no campo das ciências humanas, sublinhamos na mesma proporcionalidade a responsabilidade com as preocupações éticas de seu emprego. O tema da ética na história oral não é uma questão nova, todavia, vem se afirmando numa tomada de assento que permanece desafiando pesquisadores e profissionais dedicados à escuta de memórias e da oralidade. Neste sentido, a questão não raro tem se desdobrado em conflitos, especialmente em relação à atuação presente de alguns comitês de ética universitários; ora premindo à história oral rasos rigores cientificistas, por vezes utilizando-se de critérios e sentidos alheios ao campo das humanidades e suas veias sensíveis, ora interferindo diretamente na consecução de projetos de investigação, a exigir horizontes de previsibilidade da prática fria da trama burocrática, o que por sua vez devora os sentidos humanos emergentes que são avessos ao trâmite da legalidade oficiosa. Ao reconhecer tais questões, que não se resumem evidentemente aos problemas crescentes das exigências de comitês de ética, não se pretende diluir a importância de um estatuto ético para a história oral, muito menos restringir seus dilemas a apenas esta que é uma de suas maiores dificuldades do presente.

Mais do que isso, este cenário tem mostrado o quanto o crescimento frutífero da história oral se relaciona com outras questões, inclusive pautando a necessidade da continuidade do debate sobre o seu emprego ético. A primeira delas, digna de nota, é o fato de que ao se popularizar, a metodologia foi ganhando o entendimento de que sua feitura tem larga facilidade de emprego. Ledo engano! Pelo menos isso é o que podemos concluir na leitura dos textos organizados neste número. Nesta direção, questões inerentes à natureza subjetiva da ação e representação humanas, adicionadas ao do direito à memória e à informação, potencializam preocupações em relação à exigência de maior seriedade com a produção e interpretação das narrativas de um / uns, outro / os. A segunda, diz respeito ao tom emblemático daqueles sentidos políticos imanentes ao ato metodológico da história oral com preocupações éticas. Ou seja, na medida em que se amplia o escopo de atuação na investigação em favor de maior qualidade na demonstração da complexidade das realidades sócio históricas, também se tem que atentar ao risco iminente de um embate que vem sendo posto em causa, ainda que subliminar, o de retirar da história oral seu estatuto político de democratização de significados plurais e por vezes contraditórios do ato dialógico da feitura de entrevistas. Longe de advogar pelo rechaço puro e simples aos comitês científicos de ética na pesquisa com seres humanos, que hoje em algumas sendas submetem a história oral ao risco de infertilidade e sentido único, cumpre reivindicar que estes incorporem à sua dinâmica a interlocução com seus praticantes, que no caso brasileiro vem de longa data Sobre isso, vide os esforços constituídos de maneira não institucionalizada desde os anos 1980 e pela Associação Brasileira de História Oral desde 1994. É nesta direção de abertura por canais de reflexão sobre a história oral em suas muitas faces, dilemas e possibilidades, entre questões éticas e possibilidades metodológicas que estas ensejam, que este dossiê visa a se constituir como mais uma entre outras iniciativas que buscarmos dar forma em nossa lida profissional.

A relação entre História Oral e Ética é tema de diversas contribuições deste dossiê, algumas a abordando de forma central, outras de forma tangencial, com base nas próprias experiências de investigação dos autores.

A questão da ética é central no artigo “Comitês de Ética: Regulamentando a História Oral?”. Nele, Lara Rodrigues Pereira e Jaqueline Henrique Cardoso historicizam a regulamentação da pesquisa com seres humanos e a criação dos comitês de ética em pesquisa no interior das universidades, no mundo e em especial no Brasil, e problematizam a baixíssima representatividade de profissionais da área de Ciências Humanas e Sociais na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Com base na atuação do Comitê de Ética da Universidade do Estado de Santa Catarina, apresentam e discutem a regulamentação de pesquisas que envolvem história oral por parte desse e de outros comitês correlatos no Brasil.

Francisco Alcides do Nascimento, autor do artigo “Viver, ouvir e aprender: o outro nas entrevistas com a história oral”, aborda diversos procedimentos metodológicos e éticos inerentes à História Oral com base em dois projetos de pesquisa desenvolvidos no Núcleo de História Oral (NHO) da Universidade Federal do Piauí.

O artigo seguinte, intitulado “Consideraciones metodológicas y éticas del trabajo de campo con maestras en una institución geriátrica. Una experiencia en México”, a autora, de Blanca Susana Vega Martínez, expõe os limites metodológicos e as possibilidades éticas de uma investigação realizada com professoras idosas numa instituição asilar. A autora enfatiza o modelo colaborativo utilizado na investigação, no qual as entrevistas participaram ativamente da construção de suas histórias de vida.

O artigo “Narrativas sobre a história da loucura no tempo presente: o arquivo de fontes orais do Centro de Documentação e Pesquisa do Hospital Colônia Sant’Ana (CEDOPE / HCS)”, de Viviane Trindade Borges, trata da constituição do arquivo de fontes orais daquele centro. A autora perscruta a composição do Programa de História Oral do CEDOPE, o seu papel na produção de fontes orais – e, por seu intermédio, a identificação de fotografias preservadas, – e na salvaguarda de entrevistas realizadas por terceiros. Além disso, analisa as especificidades, os limites e possibilidades do trabalho daquele centro, sobretudo para a ampliação da discussão sobre a história da psiquiatria e da loucura no Brasil no tempo presente.

A partir da perspectiva dos estudos da linguagem, os autores Andrea Silva Domingues e Newton Guilherme Vale Carrozza propõem, no artigo “História Oral, discurso e memória”, um diálogo entre a História Oral e a Análise de Discurso, desenvolvida a partir dos trabalhos de Michel Pêcheux, na França, e de Eni P. Orlandi, no Brasil. Os autores consideram os depoimentos como fatos de linguagem que articulam elementos políticos, simbólicos e ideológicos, e que estes materializam discursos nos quais tanto as fontes quanto os historiadores se inscrevem.

No artigo seguinte, o historiador mexicano Gerardo Necoechea Gracia explora as possibilidades da utilização da história oral na investigação acerca do processo de politização de militantes de esquerda latino-americanos. A partir de fontes orais, o autor analisa o início da politização no âmbito familiar, a maneira como as ideias hegemônicas conformaram expectativas, como as experiências vividas transformaram as ideias em noções rebeldes e, por fim, constata como houve a aparição de experiências novas e percepções inéditas, devido ao rompimento da correspondência entre expectativa e experiência.

No artigo “Narrativas de praças acerca do movimento reivindicatório da Polícia Militar de Minas Gerais (Belo Horizonte, 1997)”, Juliana do Carmo Cardoso Alves analisa as representações construídas pelos praças protagonistas do movimento. Ao constatar que os mesmos negam sua participação na greve e reafirmam valores e princípios ensinados nos quartéis, a autora demonstra como suas narrativas compartilham a presença de um “mito fundador”, conceito trabalhado por Alessandro Portelli ao identificar histórias representativas e significativas partilhadas por uma cultura, e o conceito de “honra”.

A questão da linguagem também é discutida no artigo seguinte, “A força de contar histórias: tradição oral indígena e história oral em Roraima”, de autoria de Carla Monteiro de Souza, Maria Georgina Pinho e Silva e Carmem Nunes Spotti. Os autores refletem sobre questões relativas à aplicação da metodologia da história oral e da abordagem da tradição oral no contexto da cultura indígena. Com base em pesquisas realizadas em duas comunidades indígenas localizadas no estado de Roraima, os autores analisam narrativas de tradição oral na perspectiva dos estudos literários, discutindo a relação entre linguagem, cultura, e identidade.

Sandra Pelegrini, em seu artigo intitulado “O viver às margens das águas doces e turvas do Rio Ivaí: Memória, história e oralidade”, discute a problemática das cheias e da possível construção de pequenas centrais hidrelétricas no leito do rio Ivaí e os conseqüentes impactos ambientais, arqueológicos e culturais. Com base, entre outras fontes, em entrevistas com moradores ribeirinhos, a autora traz à tona experiências, modos de vida e memórias de pessoas que estão à mercê da criação de novos empreendimentos hidroelétricos.

Experiências e memórias de moradores do Extremo Oeste do Paraná são tematizadas nos últimos artigos do dossiê. Jiani Langaro, no artigo “Entre o campo e a cidade: Brasil e Paraguai em memórias e narrativas orais de migrantes transfronteiriços (Santa Helena – PR, décadas de 1990 e 2000)”, discute narrativas orais produzidas com brasileiros que se dirigiram para o leste do Paraguai e, posteriormente, retornaram ao Brasil, para a localidade de Santa Helena – PR, chamados na região de brasiguaios. O recurso à história oral permitiu compreender as projeções desses sujeitos sobre o Paraguai, visto como o lugar de atraso, e sobre o Brasil, tido como lugar promissor, e os sentidos políticos de suas narrativas orais, uma vez que as entrevistas são também meios para a reivindicação de direitos.

Raphael Pagliarini, no artigo “Práticas rural-urbanas: um estudo com os trabalhadores da Feira do Produtor Agropecuário do município de Marechal Cândido Rondon – PR”, analisa práticas rurais e urbanas com base em narrativas dos trabalhadores da Feira do Produtor Agropecuário daquele município. O autor discute as formas como os sujeitos dialogam, vivenciam e reelaboram práticas no viver urbano a partir de suas experiências no campo.

No último artigo, intitulado “Universitários na Cidade: Experiências estudantis em Marechal Cândido Rondon, 2000-2010”, Thiago Reisdörfer analisa narrativas orais produzidas com estudantes da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Campus de Marechal Cândido Rondon, abordando suas vivências e sociabilidades na cidade e os sentidos e sentimentos construídos na e a partir das memórias.

Méri Frotscher

Robson Laverdi


FROTSCHER, Méri; LAVERDI, Robson. Introdução. Tempos Históricos, Paraná, v.17, n.2, 2013. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Memória e História Oral / Esboços / 2009

Memória e História Oral / Esboços / 2009

Memória e globalização” é o título do artigo que introduz este novo número de Esboços – a revista do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC. Este texto, apresentado há alguns anos pelo historiador italiano Carlo Ginzburg como conferência de abertura em um encontro internacional sobre História Oral, e traduzido nas páginas de nossa revista, cumpre dois propósitos essenciais. O primeiro deles é o de fazer circular mais uma vez em nosso ambiente acadêmico a sutileza de argumento e a capacidade de sugestão que as discussões de Ginzburg sempre produzem. Por outro lado, cumpre também o propósito, igualmente nobre, de servir como introdução ao mini-dossiê que inaugura este número e que dedicamos aos temas amplos e correlatos “Memória e História Oral”. Traz assim uma discussão instigante – como de costume neste autor – sobre os significados e as implicações ambíguas da “memória” enquanto realidade e enquanto conceito, desde a tradição filosófica grega até os nossos tempos “digitais”.

Memórias e apreensões marcam igualmente a reflexão de Antonio Montenegro que segue o dossiê, onde o professor pernambucano revisita sua trajetória de pesquisa nos últimos anos para nos trazer reflexões sobre a História Oral em que milita. Em seguida, Cristina Ennes da Silva, Paula Regina Puhl e Carlos Eduardo Ströher expõem o resultado de suas pesquisas – fortemente amparadas na história oral – sobre as transformações nos espaços de sociabilidade em Novo Hamburgo, tomando as salas de cinema como posto de observação. Concluindo o mini-dossiê, Gerson Ledezma discute os embates pela memória na comemoração do 1º Centenário da Independência da Bahia, em 1923.

Para além do dossiê, temos cinco contribuições importantes sobre temas diversos, que complementam as publicações deste número. A primeira delas é o trabalho de Ivaldo Marciano Lima sobre os afoxés pernambucanos, seguido do artigo de Marco Antonio Stancik sobre a medicina e a saúde pública o Brasil entre a colônia e os primeiros anos do século XX e o texto de Maikel Borrego sobre os “yacht clubs” da capital cubana entre a independência e a revolução. Completa ainda essa seção de artigos os textos de Alcides Goularti Filho sobre a Companhia de Navegação Fluvial a Vapor Itajahy-Blumenau na virada do século XIX para o XX, bem como o texto escrito a quatro mãos por Ancelmo Schörner e José Adilçon Campigoto sobre as representações de cultura e costume entre o campo e a cidade no Paraná dos anos 60-70.

Concluindo nosso número de Esboços estão ainda as contribuições de Waldir Rampinelli, João Pedro Cabreira Cabral, Ricardo Santhiago e Martin Dreher, que resenham algumas obras que saíram recentemente no campo da história e das ciências humanas.

Enfim, este é o plano piloto deste vigésimo primeiro número da revista Esboços que, em 2009, completa seu décimo sexto ano de existência.

Uma data que marca também uma transição importante: Como resultado não planejado do sucesso da revista na sua conversão à plataforma digital do Sistema de Editoração Eletrônica de Revistas (SEER) no Portal de Periódicos da Universidade Federal de Santa Catarina, a partir deste número Esboços deixa de ter seus números impressos em papel e passa desde agora a publicar-se exclusivamente em forma eletrônica. Nessa decisão, seguimos os passos de outros periódicos que enfrentam, tal qual o nosso, as dificuldades (financeiras, sobretudo) em publicar por vias mais tradicionais seu conteúdo. Mas também fazemos isso na convicção que o futuro da maior parte das nossas revistas acadêmicas encontra-se aí: na circulação, cada vez mais ampla, e na visibilidade proporcionada pela rede mundial de computadores. Confirmando esta convicção, nos tornamos parte também do Portal de Periódicos da CAPES em 2009 e iremos, nos próximos anos, redobrar o esforço para participar de outros portais de conteúdo e indexadores acadêmicos. Contamos com nossos leitores e colaboradores para fazerem desta iniciativa outro passo bem sucedido.

Os Editores

Acessar publicação original nesta apresentação

Acessar dossiê

[DR]

História Oral | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2005

O leitor encontrará, a seguir, estudos historiográficos de autores radicados em diversas localidades do país que trazem características locais, mas pontos comuns de interlocução: o trabalho com fontes orais e contribuições sobre o uso destas na pesquisa histórica. O convite à leitura destes textos é, portanto, um chamamento à reflexão acerca do imenso campo de possibilidades que temos hoje para a escrita da história.

O trabalho com os registros orais tem demonstrado uma riqueza sempre crescente, requerendo uma interlocução com outras disciplinas das ciências sociais e lançando luz sobre debates a respeito da própria produção das fontes, da relação pesquisador/pesquisado e do diálogo história/memória, o que, com freqüência, tem exigido remodelagens conceituais e redimensionamentos no escopo das pesquisas. Leia Mais