O pensamento ético-político de Maria de Lourdes Pintasilgo: diálogos com Martin Heidegger e Hans Jonas – CARRILHO (RFA)

CARRILHO, M. R. O pensamento ético-político de Maria de Lourdes Pintasilgo: diálogos com Martin Heidegger e Hans Jonas. Lisboa: Fundação Cuidar o Futuro, 2019. Resenha de: PROVINCIATTO, Luís Gabriel. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v.32, n.55, p.322-328, jan./abr, 2020.

O pensamento ético-político de Maria de Lourdes Pintasilgo: diálogos com Martin Heidegger e Hans Jonas resulta de um doutoramento em Filosofia na Universidade de Évora, Portugal, sob a orientação das professoras Fernanda Henriques e Irene Borges-Duarte. A obra que agora se tem, porém, não é a tese doutoral tal e qual, como destaca a própria autora, Marília Rosado Carrilho. O que agora se apresenta sob a forma de livro é, por assim dizer, uma dupla introdução: uma em sentido horizontal e outra em sentido vertical.

Esse duplo movimento introdutório é o que título e subtítulo expressam: o primeiro mostra a introdução em sentido horizontal e o segundo em sentido vertical. Em sentido horizontal porque se trata de apresentar o pensamento ético-político de Maria de Lourdes Pintasilgo, uma mulher que se destacou, sobretudo, por sua intensa atividade político-social em Portugal, na União Europeia e na Organização das Nações Unidas (ONU). Nesse sentido, trata-se de colocar o(a) leitor(a) a par não somente da contribuição de Maria de Lourdes Pintasilgo para a política, mas de mostrar como a política é desenvolvida e aprimorada em seus textos, que, na maioria das vezes, são conferências, palestras, discursos e/ou entrevistas. Além disso, trata-se de mostrar como ética e política estão conjugadas de tal forma que, em Pintasilgo, não se pode pensar uma sem a outra. Pode-se dizer, portanto, de uma introdução como apresentação do pensamento ético-político de Maria de Lourdes Pintasilgo.

A obra é também uma introdução em sentido vertical, pois não se limita somente à apresentação. Trata-se de conduzir o(a) leitor(a) ao interior do próprio pensamento de Pintasilgo, colocando em discussão a sua gênese, formação, desenvolvimento e apontando, ao final, para o legado por ele deixado. Isso torna a obra de Carrilho única: à medida em que coloca o pensamento ético-político de Maria de Lourdes Pintasilgo em um panorama, extrai dele aquilo que lhe é mais fundamental. Disso decorre o encontro com os dois pilares de seu pensamento: Martin Heidegger e Hans Jonas. Diz-se, assim, de uma introdução como um adentrar ao núcleo formativo e estruturante do pensamento ético-político de Pintasilgo.

O texto é aberto por dois prefácios: um assinado por André Barata, que destaca a importância da transição do “poder sobre” ao “poder para”, e outro assinado por Maria Antónia Coutinho, que destaca a força da linguagem humana presente em Maria de Lourdes Pintasilgo e dá ênfase à necessária mudança de paradigma político, a saber, de uma ética da justiça a uma ética do cuidado, centrada, sobretudo, na qualidade de vida. À sequência, seguem-se os cinco capítulos trazidos por Carrilho, antecedidos por uma Introdução, cuja função não é somente apresentar a estrutura da obra, mas também trazer alguns dados biográficos de Maria de Lourdes Pintasilgo. Além disso, a Introdução faz e traz um organograma conceitual do percurso de Pintasilgo: ele é fundamental para o posterior andamento da obra, pois o desenvolvimento dos capítulos está finamente associado a tal percurso aí apresentado.

O primeiro capítulo — A indissociabilidade entre ética e política como linha de força do pensamento e ação de Maria de Lourdes Pintasilgo — faz uma abordagem geral do pensamento de Maria de Lourdes Pintasilgo, mostrando como nele não se pode dissociar ética e política, pensamento e ação, palavra e ato. Desde o início também se percebe a importância de Martin Heidegger e Hans Jonas: do primeiro se toma a noção de “cuidado” como fundamento ontológico do ser humano e do segundo o princípio de responsabilidade como determinante para o convívio em comunidade e para a edificação de uma ética holística, preocupada com o futuro e com a qualidade de vida. Aqui também já se entende a proposta de uma “nova política”, à qual está ligada um conjunto de características fundamentais: consciência cívica, poder, “agir a palavra” e “nova cultura política”. Essas características são trabalhadas ao longo do capítulo. Importa perceber como elas estão interligadas.

A sociedade é formada por todos e todos são responsáveis por ela: esse é o ponto de partida de Maria de Lourdes Pintasilgo. Só há responsabilidade onde há liberdade e só há ética onde ambas estão presentes. Assim, a consciência ética implica na capacidade de escolher, tendo em vista o bem comum, e de se tornar responsável por essa escolha. O que Pintasilgo entende por consciência cívica é a possibilidade do cidadão, por um lado, intervir livre e responsavelmente na sociedade e, por outro, ter consciência da importância dessa intervenção. A consciência cívica exige uma “massa crítica” que deverá ser “reflexiva, denunciadora e interventiva” (CARRILHO, 2019, p.36). A consciência cívica como consciência ética implica numa “nova política” onde o poder é exercido “para” e não mais “sobre”. Essa é a singular mudança trazida pela “nova política”: o exercício da autoridade no poder político, assim, é legitimado pela responsabilidade. Poder, liberdade e responsabilidade são termos correlatos, portanto. A ética, então, está aí pensada a partir de uma necessária vinculação entre teoria e prática, à qual Pintasilgo denomina de “agir a palavra”: “o pensar nada muda sem o agir, mas o agir sem rumo poderá levar à errância” (CARRILHO, 2019, p.43). Atenção seja dada ao alerta aí realizado: a ética deve evitar ao máximo o agir sem rumo, cabendo-lhe, portanto, o papel regulador da ação. Esta regulação, porém, não deve ser vista como um empecilho do progresso, mas como uma aliada, pois ela provém de um projeto educador que está à base do projeto da “nova cultura política”. Maria de Lourdes Pintasilgo busca em Paulo Freire as bases desse projeto educacional capaz de pensar a autonomia do cidadão, sua consciência cívica e sua vida política e social. Desse modo, à indissociabilidade entre ética e política se junta um projeto educador, percebido nas entrelinhas desse primeiro capítulo, e pouco explorado por Carrilho.

O segundo capítulo — A emergência de um novo paradigma como condição para uma governação ético-política — trata, basicamente, da mudança do “paradigma do progresso” para o “paradigma da qualidade de vida”. Essa proposta se inicia com a apresentação daquilo que Maria de Lourdes Pintasilgo chama de “tempo da vergonha”: há progresso, conquista da ciência, aumento da economia mundial e, mesmo assim, ainda há tantas perturbações aos sistemas de suporte da vida. O “tempo da vergonha” é um diagnóstico do final do século XX e início do XXI e, além disso, deve fazer cair o mito do desenvolvimento como um progresso ascendente e que é, na maioria das vezes, um progresso econômico. Propondo a mudança, Maria de Lourdes Pintasilgo afirma a importância do outro para que haja relação ética e, nesse sentido, torna evidente a importância do cuidado: consigo, com as coisas e com os outros. Essa ideia de cuidado é tirada da filosofia de Heidegger, que, além disso, também contribui decisivamente para a caracterização do ser humano como ser relacional, um ser-com-os-outros-no-mundo. Para além de Heidegger, no entanto, Pintasilgo faz convergir o cuidado à dimensão ético-política.

A mudança paradigmática se inicia quando se rompe com o conformismo e com o consenso. Eles são os dois inimigos da mudança: o primeiro por resignar-se com o que está dado e o outro por gerar conforto em vários aspectos, impedindo a mudança, negando-a, na verdade. Para tanto, Carrilho traz aquilo que Pintasilgo denominou como “teoria das brechas”: entrar pelos espaços que são oferecidos e intervir substancialmente no sistema, causando a mudança. A mudança paradigmática, por mais difícil que pareça, nunca deixa de ser realizável para Maria de Lourdes Pintasilgo, que, com isso, resgata politicamente a ideia de utopia, não como algo irrealizável, mas como plenamente realizável desde que seja pensada como horizonte. Trata-se, pois, de olhar para o futuro ao qual a política caminha a partir das decisões adequadas tomadas no presente. Assim, a “qualidade de vida” aparece como uma “utopia política” realizável integralmente: “qualidade de vida é proporcionar patamares mínimos de existência digna, considerados como direitos, uma vez que possibilitam a autossuficiência e independência do indivíduo” (CARRILHO, 2019, p.73). Note-se: o novo paradigma político deve ter como objetivo a autossuficiência e a independência do indivíduo. Para tanto, Pintasilgo propõe um novo contrato social, pautado não mais na subordinação, mas numa comunidade livre e que traz as seguintes características: a instauração de mecanismos de regulação, isto é, uma ética regulatória; uma cidadania com intervenção de homens e mulheres, donde a necessária consciência cívica; e uma soberania alargada e responsável, na qual poder, liberdade e responsabilidade são, de fato, correlatas.

O terceiro capítulo — Cuidar o futuro: fundamento da ética global e imperativo humano — fala sobre a proposta de uma “ética global” a partir daquilo que Pintasilgo chamou de “cuidar o futuro”. O lema traz como seus dois principais objetivos “humanizar a política e possibilitar uma existência digna” (CARRILHO, 2019, p.79). Essa “ética global” proposta por Pintasilgo, ao ser “holística, consequencialista, da responsabilidade e do cuidado” (CARRILHO, 2019, p.81), faz convergir o pensamento de Heidegger e Jonas ao seu projeto ético-político. Além disso, ela ainda propõe alterações fundamentais às éticas tradicionais: o sujeito ético deixa de ser o indivíduo e passa a ser o coletivo, o objeto ético deixa de ser estritamente o humano e passa a abarcar a natureza, a ação moral deixa de estar pautada na intenção e passa a remeter às (possíveis) consequências da ação, a dimensão temporal da ética deixa de avaliar a ação no imediato de sua realização para “se entender que importam as repercussões a médio e longo prazo” (CARRILHO, 2019, p.83). Assim, uma “ética global” está posta porque os problemas se tornaram globais tanto pela extensão quanto pela duração que a ação humana passou a ter. Essa “nova ética” deve, primeiramente, questionar a ação a ser realizada. O papel regulador da ética provém do caráter questionador da filosofia, atestando a importância desta para a “nova política”. Desse modo, a “ética global” de Pintasilgo questiona e regula: “nem tudo o que é cientificamente exato ou tecnologicamente viável é socialmente aceitável; é a pessoa humana [pensada na integridade com a natureza] a primeira e a última finalidade de toda decisão política” (CARRILHO, 2019, p.87). Carrilho, ao final desse capítulo, traz um importante esclarecimento: a ética global proposta por Pintasilgo não é uniforme, tampouco pautada num denominador comum. Ela é a descoberta de um núcleo dos valores éticos compartilhados pelos grandes sistemas do pensamento.

O quarto capítulo — Cuidado e responsabilidade como pilares do agir ético-político — se propõe a mostrar a direta influência de Heidegger e Jonas no pensamento ético-político de Maria de Lourdes Pintasilgo. Carrilho inicia mostrando como os termos “cuidado” e “responsabilidade”, principais contributos dos filósofos mencionados, passam a fazer parte do vocabulário de Pintasilgo. Interessante destacar que Carrilho, nesse momento, dedica-se a apresentar o “cuidado” heideggeriano e a “responsabilidade” jonasiana em suas devidas conjunturas. Desse modo, a primeira divisão do capítulo — O cuidado como fundamento ontológico do ser humano — traz uma abordagem geral do cuidado no contexto de Ser e tempo, apresentando-o como caracterização ontológica do ser humano, concretizando-se como ocupação e solicitude. Mesmo levando a noção de cuidado para além da caracterização ontológica apresentada por Heidegger, Pintasilgo concorda estritamente com ele em um aspecto decisivo, como mostra Carrilho: “o cuidado é intenção originária, abertura a si e aos outros” (CARRILHO, 2019, p.94). Carrilho procede da mesma maneira com Jonas na segunda parte do capítulo — A responsabilidade como exigência da condição humana de ser-com. Aí a autora dá destaque ao “imperativo categórico da responsabilidade”, próprio de Jonas e apropriado por Pintasilgo. Além disso, apresenta também a responsabilidade a partir de uma tripla caracterização: enquanto sentimento, enquanto dever-ser e enquanto condição da ação causal. Carrilho perpassa, de fato, o núcleo edificante do princípio da responsabilidade de Hans Jonas, mostrando, ao final, como Pintasilgo o faz convergir à “nova ética global”, logo, à “nova política”.

O capítulo final — O legado de Maria de Lourdes Pintasilgo — não é, como a própria autora afirma, uma conclusão. Trata-se de uma retomada do caminho percorrido, fazendo uma síntese das teses apresentadas e apontando o legado deixado por Maria de Lourdes Pintasilgo. Nesse sentido, trata-se de retomar, primeiramente, os pontos apropriados por Pintasilgo de Heidegger e Jonas para, à sequência, mostrar como a temática do “tempo futuro” deve sua fundamentação também a eles. Para Pintasilgo, o futuro é o horizonte da ação ética, ou seja, a vida está sempre em construção, logo, nunca há uma sociedade plenamente realizada. Daí a importância dos governos pensarem a curto, médio e longo prazo: “à fluidez do tempo, é preciso responder com o exercício da decisão responsável. […] Com os ‘pés’ no presente e os ‘olhos’ no futuro, assim deve ser o ser humano responsável” (CARRILHO, 2019, p.115). Em suma: trata-se de agir a partir do local em que se vive e pensar desde uma perspectiva global. Aos governos competem realizar uma ação que pense a longo prazo e implementar um projeto com metas, prazos, métodos e regras para a execução. Não se trata de fazer apenas vigorar leis, mas de torná-las factíveis, avaliáveis e fundadas na verdade e na vontade de saber, “efetivada através do diálogo com o povo, com os diversos saberes e do diálogo interno no seio do sistema governativo” (CARRILHO, 2019, p.119).

Por fim, por cumprir muito bem o papel de ser uma dupla introdução, o texto de Marília Rosado Carrilho não é somente um comentário, mas, na verdade, um condutor até ao pensamento de Maria de Lourdes Pintasilgo. Seguir o percurso dessa obra, à qual se recomenda a leitura, é, de fato, perceber-se introduzido ao e no pensamento de Pintasilgo e, ao mesmo tempo, sentir-se impulsionado para além dos comentários aqui postos pela autora, permitindo-se encontrar, confrontar e discutir com os textos da própria Maria de Lourdes Pintasilgo.

Luís Gabriel Provinciatto – Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil / Universidade de Évora, Évora, Portugal. Mestre em Ciências da Religião. E-mail: [email protected]

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“A Descoberta do Cotidiano – Heidegger, Wittgenstein e o problema da linguagem” – AQUINO (ARF)

AQUINO, Thiago. A Descoberta do Cotidiano – Heidegger, Wittgenstein e o problema da linguagem. São Paulo: Edições Loyola, 2018. 178p. Resenha de: SILVA, Marcos. Argumentos – Revista de Filosofia, Fortaleza, n. 22, jul./dez. 2019.

O quadro conceitual que organiza nossas atividades e percepção, que regula nossas práticas, possui ele mesmo um fundamento frágil, gratuito, precário, vulnerável a tantas pressões. É, pois, limitado e finito, porque baseado em nossa forma de vida limitada e finita. Não se trata, aqui, de se recusar fundamentos em nossas atividades teóricas e práticas. Contudo, deve-se enfatizar a compreensão de que estes fundamentos, eles mesmos, não têm fundamento necessário algum. Em outras palavras, o fundamento do fundamento poderia ser inteiramente diferente.

Aquilo que parece ser necessário e auto-evidente, aquilo de que estamos mais convictos, maximamente certos, aquilo do que não abriríamos mão mesmo com forte evidência contrária, o que forma a aparente base sólida para nossas ações práticas e teóricas no mundo, aquilo que dá fundamento à nossa linguagem e constitui o pano de fundo de nossas ações no mundo, aquilo que passa tácito, implícito, sem precisar ser dito e tampouco defendido, é, em verdade, baseado em contingências relacionadas a nosso cotidiano e especificidades biológicas e culturais.

É necessário, para se entender esta racionalidade humana fundante, mas sem fundamento, se partir de nossa maneira peculiar de estar no mundo como agentes engajados em inúmeras práticas, sempre mergulhados em uma cultura e na história, jogados num mundo de envolvimentos diversos, corporificados, finitos e mortais. Agir significa tentar, em última análise, ter bases mais seguras para sobrevivência em um mundo hostil ao invés de simplesmente tentar compreendê- lo intelectualmente.

Heidegger e Wittgenstein, me parecem, partem, em suas filosofias, do reconhecimento radical de nossa finitude e limites. Todo o resto, inclusive o aparentemente definitivo e intocável, marcas tradicionais da lógica e da matemática, deveria refletir a nossa condição humana radicalmente finita e precária. Só podemos entender o tipo de ser que nós somos e o fundamento de nossa racionalidade, se procurarmos entender o tipo de práticas com as quais nos engajamos em nosso cotidiano. A nossa capacidade de linguagem e de cognição teórica deve ser vista como baseada em nossa capacidade prática de fazer coisas correta ou incorretamente, ou melhor, de reconhecer e assumir atividades, nossas e de outros, como corretas ou incorretas a partir de parâmetros e critérios acordados e herdados.

Acredito que pensar os dois filósofos, Heidegger e Wittgenstein, em conjunto e não isoladamente, como que insularizados em tradições divergentes, a continental e a analítica, é urgente para a introdução de um novo pensar e para um novo conceito contemporâneo de racionalidade. Ambos, o pensar e a racionalidade, apontam as filosofias de Heidegger e Wittgenstein, devem ser sensíveis à nossa condição humana e aos desafios da contemporaneidade, sem idealizações filosóficas desencaminhadoras.

A aproximação de dois autores tão centrais, seminais e controversos na filosofia contemporânea requer maturidade e originalidade filosóficas. Algo que um bom livro de filosofia deveria ter e o livro de Thiago Aquino “Descoberta do cotidiano: Heidegger, Wittgenstein e o problema da linguagem” mostra sistematicamente.

Em certo sentido importante, filosofia é sempre contemporânea de si mesma e dos problemas de sua época. Thiago Aquino, como um bom contemporâneo de si mesmo, aponta para como devemos pensar, auscultar nossa época, uma vez que não há um fora possível de nossa própria contemporaneidade.

Neste sentido, o livro de Aquino cumpre o papel de estimular discussões tão fascinantes quanto urgentes.

Como Aquino defende, os autores escrevem obras “construídas literariamente de modo a pressupor uma transformação de quem lê como condição de seu entendimento.” p. 121. Acredito que o livro de Aquino possa, através da aproximação, contribuir para a abertura para esta transformação. Aliás, vale notar que a própria aproximação filosófica entre Wittgenstein e Heidegger por si é central, seminal e controversa, como as filosofias dos dois filósofos.

O livro de Tiago Aquino, é um bem-vindo livro: corajoso, instigante e necessário.

A aproximação marca a coragem pelo enfrentamento da cisão histórica de tradições abarcando movimentos filosóficos muitas vezes conflitantes. De fato, o livro cobre um material tanto vasto como difícil de tradições e períodos diferentes dos dois pensadores. É instigante, por aproximar tradições diferentes e indicar o muito que tem para ser feito em diferentes áreas da filosofia que podem ser iluminadas pela aproximação. É necessário, por oferecer, acredito, uma plataforma filosófica, ainda insipiente, mas suficiente para se pensar e avançar em desafios diversos contemporâneos, como em discussões a respeito de lógicas não-clássicas, natureza da computação, neuro-ciências, cognição corporificada, inteligência artificial, psicologia do desenvolvimento, antropologia, política em dinâmicas intricadas culturais e sociais. Tudo isto em um horizonte de racionalidade finita, intramundana e radicalmente contingente. Eu li o livro como um convite tácito para colaboração. A obra mostra o muito que ainda pode ser feito, apesar do diagnóstico negativo, em sua conclusão, sobre alguma convergência radical entre os dois filósofos.

No que se segue apresento três razões para a tempestividade do livro e em seguida apresento quatro problemas para motivar o debate. A primeira tempestividade examina diretamente a cisão entre filosofia analítica e continental; o segundo elemento oportuno trata justamente do próprio trabalho difícil, mas relevante, de aproximação entre Wittgenstein e Heidegger. E o terceiro ponto de tempestividade, gira em torno da relação própria entre linguagem e lógica no fluxo de nossas vidas cotidianas.

Sobre o primeiro marco da tempestividade, acredito que uma das principais ideias que permanecerão com o leitor após a leitura deste livro provocativo é como temas que ocupam muito esforço e tempo de discussões podem se desgatar e ficar ultrapassados, inclusive em filosofia. A intricada distinção entre filosofia analítica e continental que animou muitas das discussões no último século está gradualmente, acredito, perdendo sua centralidade e relevância. Me atreveria a dizer que, hoje, se remete a mais uma divisão ideológica e institucional que a um problema filosófico genuíno.

Além disso, acredito que este enfraquecimento pode ser um sinal para que possamos levantar suspeitas a respeito da própria origem da divisão entre analíticos e continentais. A pouca importância que Wittgenstein e Heidegger devotaram a esta distinção contrasta com o consenso entusiasmado que esta contenda provocou nas últimas décadas. Ela certamente não está relacionada, de modo algum, com questões de geografia. Rigor conceitual, método argumentativo, e discussões pautadas pela natureza da lógica, podem ser características das duas tradições, como o livro de Aquino testemunha. Além disso, a meu ver, a distinção entre analíticos e continentais não é nem suficiente e nem necessária para o filosofar e não representa critério nem exaustivo e nem exclusivo para o que deve importar na filosofia e para o que significa se engajar seriamente com discussões filosóficas.

James Conant (2016), por exemplo, apresenta o seguinte comentário provocativo em um coletânea promovida para unir as tradições: [It is] no more promising a principle for classifying forms of philosophy into two fundamentally different kinds than would be the suggestion that we should go about classifying human beings into those that are vegetarian and those that are Romanian (p. 17).

Há uma certa dose de arbitrariedade na distinção e esta seguiu uma crescente especialização do trabalho filosófico em muitas sub-áreas muito nuançadas de pesquisa. Estes programas de pesquisa motivaram, infelizmente, muito dissenso, desconfiança mútua e barreiras institucionais e acadêmicas para o desenvolvimento de preocupações e problemas comuns entre filósofos praticantes das duas tradições. Há inclusive ataques de grande virulência documentados na historia deste embate no século XX. Estes fatos limitaram, acredito, significativamente, em muitos casos, o alcance e seminalidade de alguns debates filosóficos.

Isto pode e deve ser mudado. Acredito que não é exagero que o livro de Aquino é um livro oportuno com uma espécie de mensagem política tácita. O livro encoraja uma maneira mais pluralista, cosmopolita e tolerante de se fazer filosofia. Também engaja seu leitor em um diálogo frutífero entre filósofos influentes do passado com interlocutores de diferentes tradições. Acredito que a comunidade filosófica brasileira tem muito a se beneficiar com esta abordagem promotora de uma nova relação transversal entre áreas distintas da filosofia, de uma nova relação produtiva entre analíticos e continentais e da profissionalização da filosofia sem sectarismos e mais inclusiva.

Espero que o livro de Aquino possa ajudar a informar e educar novas gerações de filósofos para ver como a distinção entre analíticos e continentais pode ser não-justificada, ultrapassada e, em alguns casos, sem sentido, quando, por exemplo, tentamos investigar diferentes problemas em debates filosóficos contemporâneos robustos, tanto sobre metodologia quanto sobre conteúdos, concernentes à cultura, mente, linguagem, lógica, politica, subjetividade, normatividade e racionalidade. A divisão entre analíticos e continentais não é intransponível. Especialmente sem os diversos manifestos de combate planetário das últimas décadas.

Eu mesmo comecei como um graduando em filosofia fascinado por Kant, Schopenhauer e Nietzsche e, então, me remeti ao (primeiro) Wittgenstein e Frege como referências do como filosofar. Contudo, agora, com o reconhecimento da deficiência debilitante em partes da metodologia e perspectivas da filosofia analítica profissional, sinto a necessidade de voltar para autores da tradição continental, justamente porque alguns estereótipos presentes são maléficos para se abordar demandas de pesquisa naturais sem excessiva institucionalização. De fato, variantes do naturalismo cientifico ingênuo e do realismo acrítico não são e não devem ser as únicas formas de posição intelectual abertas para um filósofo analítico.

O segundo ponto de tempestividade do livro de Aquino é a própria aproximação de Wittgenstein e Heidegger sob a discussão da natureza da linguagem, independente da leitura atenta ou cuidadosa ou não que um filósofo fez do outro.

Aquino discute, a partir da linguagem, os dois pensadores que parecem ter sido responsáveis, respectivamente, nas variantes analítica e continental da filosofia contemporânea, pela assim chamada virada linguistica. Esta virada historicamente reconhece o protagonismo da linguagem no fazer filosófico, tanto como metodologia quanto como objeto de estudo. De fato, há curtos e raros, exemplos de comentários dos dois filósofos um sobre o outro. Apesar disto, o grande reconhecimento de ambos a respeito dos problemas sobre a relação do sentido da linguagem com a estrutura e totalidade do mundo como tal são investigados por Aquino. Estes problemas não são concernentes apenas à linguagem como um fenômeno histórico ou como uma estrutura formal, mas como relacionada à nossa radical finitude, contingência e intramundanidade evidenciada pelo nosso estar linguístico no mundo tão especial quanto cotidiano.

O livro de Aquino mostra como os dois autores compartilham uma visão muito ampla e significativa a respeito das relações tradicionais entre linguagem e mundo que permanecem abertas e conosco ainda hoje. Um texto recente de Livingston (2016), por exemplo, expõe um problema de limite de compreensão, mas aborda a questão a partir do primeiro Wittgenstein e do último Heidegger.

Acredito que Aquino avança no caminho correto ao pensar o Wittgenstein das “Investigações Filosóficas” e o Heidegger de “Ser e o Tempo”.

Esta observação nos permite falar do terceiro ponto oportuno que Aquino traz. A saber, a ênfase na linguagem e lógica na investigação filosófica e como elas são constituídas no e são constituintes do fluxo de nossas vidas cotidianas.

O primeiro local privilegiado de sentido, significado e valor, ou seja, de normatividade, deveria ser o ambiente próprio de nossas vidas cotidianas, ou como, coloca Aquino, de nossa cotidianidade. Isto mostra a conexão explícita entre os conceitos de ser no mundo, de um lado, e de formas de vida e jogos de linguagem, do outro.

Neste contexto, um ponto alto do livro é defender o lugar próprio da lógica na cotidianidade ao recusar a exclusividade da abordagem lógico-formal dos fenômenos linguísticos, porque esta última não apanharia o fluxo da vida onde o sentido é encontrado e construído. Este movimento recupera o logos clássico na vida cotidiana e pavimenta o caminho para se criticar a centralidade do proposicional no filosofar. Outro acerto, a meu ver, está na avaliação dos pressupostos e implicações da relação íntima entre filosofia e cotidiano, articulando meta-filosoficamente o existencial com o pragmático. Afinal, como Goethe no “Fausto” aponta: “No começo era o ato”, ou seja, habilidades práticas situadas e dinâmicas, e não, o conteúdo intelectual estático fora de qualquer relação com o mundo e o corpo.

Aquino defende que esta associação entre filosofia e cotidianidade incorpora uma mudança de atitude por uma decisão metodológica, de caráter existencial (p. 103).

Assim, a tensão filosófica em descoberta do cotidiano como descoberta do que sempre esteve lá é desenvolvida por Aquino a partir da aproximação difícil entre método hermenêutico e método gramatical na terceira parte de seu livro.

Pode-se afirmar que o pressuposto de que as relações básicas entre cotidiano e linguagem estão encobertas para o próprio cotidiano é o impulso primeiro para a justificação da análise e descrição filosófica da vida, servindo também como base para a avaliação da relação do filosofar com a autocompreensão vigente na vida comum. Enquanto pano de fundo não tematizado, a vida cotidiana padece de uma falta de transparência que o discurso filosófico pretende superar. (p. 104) A discussão sobre o papel constitutivo das práticas na linguagem e na lógica promove a recondução do pensamento para o seu lugar de origem, a vida cotidiana, revalorizada agora como locus primário da significatividade. (p. 75) Em consequência disto, qualquer interpretação filosófica que afaste o filosofar do exercício efetivo da linguagem cotidiana, o lugar da lógica, apontado por Aquino, deve ser suspeito, como a abordagem própria de autores que destacam o caráter metafísico da lógica. Aquino aponta que ambos, Heidegger e Wittgenstein, concordam que o fenômeno da linguagem não é suficientemente compreendido quando tematizado unicamente por intermédio da análise de estruturas formais.

Deste modo, os limites e a origem das teorias deveriam ser nossas vidas elas mesmas. Isto evidencia o primado da prática anterior a teorias e a ênfase de indivíduos inseridos num contexto de significado, de linguagem e de instituições antes do filosofar.

É um acerto tempestivo de Aquino a ênfase na semelhança, apesar das diferenças óbvias e do parco conhecimento de que um filósofo tem do outro.

* * * *

O livro possui, no entanto, ao menos, quatro pontos que poderiam ser, acredito, mais bem desenvolvidos. O primeiro a respeito da discussão sobre lógica. O segundo, a respeito das relações entre formas de vida e estar no mundo. O terceiro, a respeito da discussão contemporânea entre assimilacionismo e diferencialismo. E o quarto, a respeito da terapia linguística.

Quanto ao primeiro ponto a respeito da análise da natureza da lógica, vale notar que apesar da originalidade de se dedicar centralmente a ela, Aquino não define o que está chamando de lógica, apenas menciona lógica formal. Contudo, contemporaneamente temos diversos tipos de lógicas formais e formalismos para diversas finalidades diferentes, como a teoria da prova, dos modelos, e da recursão. Isto mostra que a discussão de Aquino ainda pode e deve ser atualizada para trazer atenção de filósofos e lógicos da tradição analitica.

Além disso, há, a meu ver, uma espécie de descompasso técnico entre Wittgenstein e Heidegger para servir como esteio filosófico de críticas à concepção contemporânea de lógica. Aquino trata do lugar da lógica e da recusa de seu caráter metafísico (embora não mencione problemas contemporâneos como revisão de princípios lógicos, normatividade da lógica, e pluralismo lógico). Contudo, o comprometimento de Heidegger com a lógica aristotélica parece inadequado e antiquado para discutir lógica matemática em função da primeira não expressar a complexidade da segunda. Deste modo, Wittgenstein parece estar em melhores condições para uma crítica mais acertada e bem informada da lógica formal.

Ademais, acredito que o expressivismo lógico de Brandom (1994, 2000) poderia ser usado para pensar o fundamento cotidiano da normatividade de nossa lógica, uma vez que Aquino afirma que :De modo recorrente, a lógica é concebida com base na pressuposição de seu valor essencial e de suas promessas de profundidade.

Isso pode ser exibido por intermédio do problema do vínculo entre lógica e ontologia, que não é apenas característico do contexto antipsicologista da época, mas acompanha grande parte da história dessa disciplina. (p. 150). Ora, Brandom mostra, acompanhando em parte o segundo Wittgenstein, que ainda é possível ter profundidade filosófica na lógica formal, apesar de recusarmos seu pretenso fundo metafísico. (Aliás, muito pouco de autores heideggerianos pragmatistas como Dreyfus, Brandom, e Haugeland aparecem no livro de Aquino. Rorty poderia ser mais mencionado).

O segundo ponto que poderia ser, a meu ver, mais bem desenvolvido no livro de Aquino é a relação entre os conceitos de forma de vida e Weltbild. Acredito que em muitos pontos o livro de Aquino pressupõe, mas não explica a associação entre ser no mundo (no sentido existencial e singular) e forma de vida (com ênfase no caráter social, público e biológico). Com efeito, podemos ter discussões existencialistas sem mencionar aspectos sociais e biológicos e discussões naturalistas sem a menção de aspectos existenciais. Além disso, vale notar que vida cotidiana não é o mesmo que estar no mundo e não pode ser identificado tampouco sem explicações com forma de vida. Esta dificuldade aponta outros dois problemas, a saber, a distinção entre forma de vida e cultura (p. 28) e à relação de forma de vida e discussões modais (p. 55) na própria periodização de Wittgenstein. Há no livro de Aquino várias idas e vindas no exame da trajetória filosófica de Wittgenstein, mas Aquino não discute, por exemplo, os tipos de problemas que levaram o primeiro Wittgenstein ao segundo, passando por seu rico período intermediário. Ademais, em várias ocasiões, para tratar do pano de fundo público e cultural do ser no mundo, Aquino usa o “Sobre a Certeza” (como por exemplo, p. 53-54 ou p. 152-55) e não “Investigações Filosóficas”. O conceito de Weltbild do “Sobre a Certeza” me parece mais radical que o conceito de jogos de linguagem na base de nossas formas de vida. Não podemos, em um certo sentido filosoficamente relevante, saltar para fora de nossa imagem de mundo, como poderíamos transitar entre diferentes jogos de linguagem em formas de vida diferentes, mas semelhantes.

Vale notar que no “Sobre a Certeza”, o uso de forma de vida é muito escasso. O conceito principal parece ser o de Weltbild para tratar de conflitos profundos entre imagens de mundo ao enfatizar como somos introduzidos nelas. A pergunta que emerge aqui é: A remissão de Aquino aos textos finais da trajetória filosófica de Wittgenstein é acidental? Não seria o “Sobre a Certeza”, o texto existencialmente importante do Wittgenstein em função do exame do nosso Festhalten em uma imagem de mundo herdada e da investigação da vulnerabilidade de nossas convicções fulcrais e da nossa segurança precária baseadas em crenças sem fundamento último? O terceiro ponto que poderia ser mais bem desenvolvido no livro de Aquino se remete, a meu ver, à distinção contemporânea entre assimilacionistas e diferencialistas.

O primeiro grupo de filósofos defendem a continuidade entre o ser humano e outros animais. Ao passo que a segunda tradição enfatiza a descontinuidade nas características entre seres humanos e animais não-humanos. Neste contexto, as motivações dos dois filósofos, Wittgenstein e Heidegger, parecem ser bem diferentes, ate mesmo antagônicas, como Aquino, ele mesmo, admite. (p. 61). O assimilacionismo de Wittgenstein se baseia na visão de que a linguagem deveria ser pensada como pertencendo a nossa história natural, assim como andar, comer e dormir. A linguagem humana seria uma característica animal nossa e assim como outras características deve ter sido selecionada através de um período muito longo de trocas dinâmicas com o meio e outros indivíduos por trazerem vantagens evolutivas para nossa espécie. Segundo esta visão, estamos em continuidade com outros animais. Não há nada de especial entre nós e outros animais. Afinal, “somos animais primitivos”. Este é um lema do “Sobre a Certeza” (SC 475). Isto parece contrastar frontalmente com uma espécie de anti-assimilacionismo de Heidegger que visa enfatizar justamente a descontinuidade entre homem e natureza. Nesta visão, haveria uma profunda e radical descontinuidade entre seres humanos e outros animais. Afinal, a existência do humano seria uma abertura especial, uma irrupção, uma vez que o mundo dos animais seria carente de significado. Com seres humanos, algo radicalmente novo e irredutível, aparece na natureza.

O quarto ponto que, a meu ver, mereceria mais desenvolvimento trata da própria imagem de terapia e despertar existencial. Aquino descreve, por exemplo, a terapia Wittgensteiniana:

O tema da terapia é, portanto, a fixação em certas expressões, que são frequentemente empregadas e dificilmente dispensadas. A filosofia tradicional demonstra claramente o nível do apego alcançado não apenas rejeitando o abandono ou a substituição dessas expressões por outras menos fascinantes, mas também pela busca contínua de um refinamento do seu sentido, como se a definição ou o esclarecimento fosse um meio de aprofundamento da compreensão. Essa tendência necessita de tratamento, antes de tudo, porque a aparência de profundidade gerada pela expressão linguística é uma ilusão gramatical sustentada por um pathos. (p. 124)

Esta aparência de profundidade parece ser justamente um ponto de crítica Wittgensteiniano que poderia ser direcionado ao Heidegger. O Procedimento terapêutico da filosofia de Wittgenstein, descrito, por exemplo, na p. 138, parece encontrar exatamente na filosofia de Heidegger uma paciente, apesar de Aquino parecer mais simpatico às abissalidades de Heidegger. Dualmente, a análise do discurso filosófico de Wittgenstein, o limitando e regulando, se remetendo ao nosso domínio de línguas naturais e cotidianas poderia ser um bom exemplo de “falatório” não-filosófico para Heidegger. Em certo sentido relevante de filosofia como terapia pela linguagem, poderíamos dizer que: Heidegger e Wittgenstein poderiam ser ambos paciente e terapeuta um do outro.

Referências

BELL, Jeffrey et al. (Eds.). Beyond the analytic- continental divide: pluralist philosophy in the twenty-first century. New York: Routledge, 2016.

BRANDOM, Robert. Making It Explicit: Reasoning, Representing, and Discursive Commitment . Cambridge, MA: Harvard University Press, 1994.

______. Articulating Reasons. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2000.

CONANT, James. The Emergence of the Concept of the Analytic Tradition as a Form of Philosophical Self-Consciousness. In. JEFFREY A. BELL, Andrew Cutrofello, PAUL M. Livingston (Eds.): Beyond the analytic- continental divide: pluralist philosophy in the twenty-first century. New York: Routledge, 2016. p. 17-58.

HEIDEGGER, Martin. Being and Time. Translated by Joan Stambaugh, revised by Dennis Schmidt. Albany, New York: SUNY Press, 2010.

LIVINGSTON, Paul M. Wittgenstein Reads Heidegger, Heidegger Reads Wittgenstein: Thinking Language Bounding World. In: JEFFREY A. Bell, ANDREW Cutrofello, PAUL M. Livingston (Eds.): Beyond the analytic- continental divide: pluralist philosophy in the twenty-first century. New York: Routledge, 2016. p. 222-248.

WITTGENSTEIN, L., Tractatus logico-philosophicus“ (logisch- philosophische abhandlung). Tradução de Luiz Henrique Lopes dos Santos. São Paulo: Edusp, 1993.

______. “PHILOSOPHICAL INVESTIGATIONS” (Philosophische Untersuschungen). Tradução de G. E. M. Anscombe. Oxford: Basil Blackwell, 1958.

______. “ON CERTAINTY” (ÜBER GEWISSHEIT). Tradução de G. E. M. Anscombe. Oxford: Basil Blackwell, 1969.

Sobre o autor Marcos Silva – Doutor em Filosofia (2012) pela PUC-Rio, com período sanduíche na Universitaet Leipzig, de 2009 a 2011, (bolsista DAAD/CAPES). Pós-doutorado na UFRJ (2012). Pós-doutorado (2014-2015) pela UFC, Professor da UFAL. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq – Nível 2. E-mail: [email protected]

Acesso à publicação original

 

 

Filosofia do cuidado – MORTARI (C)

 

MORTARI, Luigina. Filosofia do cuidado. Tradução de Dilson Daldoce Junior. São Paulo: Paulus, 2018. Resenha de: PROVINCIATTO, Gabriel Luís. Conjectura, Caxias do Sul, v. 24, p. 196-201, 2019.

Filosofia do cuidado é o segundo título da coleção Mundo da vida, inaugurada com a obra: Edmund Husserl: pensar Deus, crer em Deus (2016), da filósofa italiana Angela Ales Bello. A obra aqui apresentada caracteriza-se, sobretudo, pela abordagem de um tema específico, já exposto no título: o cuidado. Luigina Mortari, na verdade, já dedicou outras obras a essa temática, entre elas: A prática de cuidar (La pratica dell’aver cura) (2006), Cuidar de si mesmo (Aver cura di sé) (2009), Cuidar da vida da mente (Aver cura della vita della mente) (2013) e, mais recentemente, Filosofia do cuidado (Filosofia della cura) (2015). O principal ponto da obra (agora traduzida ao português) é o enfoque ético dado pela autora à dimensão filosófica do cuidado. A dimensão ética, porém, não é colocada de chofre como algo simplesmente dado ou como um pressuposto necessário a um mínimo entendimento da obra. Uma das intenções de Mortari é justificar por que o cuidado tem uma estreita ligação com a ética e, para tanto, propõe-se a construir um caminho ao longo da obra.

A estrutura da obra ajuda a compreender três aspectos cruciais: o ponto de partida teórico, a metodologia utilizada e os resultados alcançados. Há quatro capítulos: “Razões ontológicas do cuidado”, “A essência de um bom cuidado”, “O núcleo ético do cuidado” e “O concretizar-se da essência do cuidado”. O primeiro esclarece o ponto de partida teórico: aí a autora já sinaliza à relação entre ontologia e ética, bem como à importância da abordagem fenomenológica desse tema. Nesse sentido, uma ontologia do cuidado é devidamente justificada a partir de Ser e tempo (1927), de Martin Heidegger (1889-1976), à qual se somam outros dois pensadores fundamentais à continuidade do texto: Edith Stein (1891-1942) e Emmanuel Lévinas (1906-1995). O segundo capítulo, por sua vez, dá conta da questão metodológica, justificando o uso da fenomenologia como guia da pesquisa; novamente a autora se aproxima de Heidegger e traz também algumas contribuições de Husserl. Não se trata, porém, de uma mescla entre concepções distintas do que seja a fenomenologia, mas de mostrar sua relevância como método. A correlação eminente entre os dois primeiros capítulos vem à tona no terceiro: nele, de fato, a autora mostra como se desdobra essa relação entre ontologia e ética, como a fenomenologia está presente na adequada abordagem prática do cuidado e como a dimensão do cuidado é eticamente relevante ao estar em estreita sintonia com o paradigma filosófico da busca ideal do bem e de sua concretização. O quarto capítulo, muito próximo dos resultados apresentados no terceiro, mostra algumas diretrizes fundamentais à realização cotidiana do cuidado, tendo como perspectiva o paradigma ético do bem. Lá ainda são retomadas as perspectivas iniciais às quais se somam as concretizações possíveis de uma ética do cuidado. Leia Mais

Banalidade de Heidegger – NANCY (C)

NANCY, Jean-Luc- Banalidade de Heidegger. Trad. De Fernando Bernardo e Victor Maia. Rio de Janeiro: Via Verita, 2017. Resenha de: PROVINCIATTO, Luís Gabriel. Conjectura, Caxias do Sul, v. 23, n. 1, Jan/Abr, 2018.

Luís Gabriel Provinciatto – Doutorando em Ciência da Religião – área de concentração: Filosofia da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) com bolsa de financiamento Capes. Mestre em Ciências da Religião e licenciado em Filosofia pela PUC-Campinas. E-mail: [email protected]

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Algumas reflexões Wittgensteintianas a partir do “Heidegger Urgente: introdução a um novo pensar”

GIACÓIA JÚNIOR, Oswaldo. Algumas reflexões Wittgensteintianas a partir do “Heidegger Urgente: introdução a um novo pensar”. Editora Três Estrelas, 2013. Resenha de: SILVA, Marcos. Argumentos – Revista de Filosofia, Fortaleza, n.16, jul./dez. 2016.

O livro do Prof. Giacoia representa uma competente introdução à filosofia de Heidegger com a elucidação de conceitos-chave de sua filosofia como Dasein, Auseinadersetzung, Zuhandensein, Vorhandensein, Weltlichkeit, Erschlossenheit, Mitsei, dentre outros. A obra também explora, como se deveria esperar, as fases do pensamento Heiddegeriano, nomeadamente o assim chamado primeiro Heidegger e o Heidegger depois de sua Kehre.

Há também uma boa introdução a sua trajetória biográfica, inserindo momentos- chave em seu contexto filosófico e apontando a influência de outros autores centrais (como, Dilthey e Husserl) no desenvolvimento de alguns conceitos.

As confrontações com Nietzsche são particularmente pertinentes no horizonte da urgência de um novo pensar, ao se trabalhar conceitos com a vontade de poder, perspectivismo, eterno retorno e a associação da técnica com o niilismo.

A parte que se pretende original do livro me parece ser o confronto com temas contemporâneos, sobretudo com o desenvolvimento tecnológico enredado em “uma escalada compulsiva, em uma espiral infinita” (p. 10). Estas características de nossos dias atuais motiva grandemente, por um lado, um “delírio contemporâneo de onipotência (essencialmente moderno)” (p. 11) e, por outro lado, parece justificar a introdução de uma nova forma de pensar (p. 44 e p. 10 e 13).

Como ser filósofo e não refletir o seu tempo? Neste sentido, filosofia é sempre contemporânea de si mesma e dos problemas de sua época. Devemos, como bons contemporâneos de nós mesmos, pensar, auscultar nossa época, uma vez que não há fora de nossa contemporaneidade. Neste sentido, o livro do prof. Giacoia cumpre o papel de estimular discussões fascinantes e urgentes.

Não há nada de particularmente novo na seção “como ler Heidegger”. Se trata basicamente de instruções genéricas, que a meu ver, poderiam ser aplicadas também na leitura de outros grandes filósofos originais, a saber, método, zelo, paciência e empenho.

Em sua conclusão, o prof. Giacoia, em busca de um pensamento por vir, se remete mais uma vez ao porquê é urgente pensar com e a partir de Heidegger.

No que se segue, gostaria de apresentar algumas reflexões sobre normatividade que poderiam motivar um diálogo também urgente entre Heidegger e Wittgenstein em nossa contemporaneidade. Em relação a Wittgenstein e Heidegger pouco se escreve e pouco se pensa. Isto deveria ser revertido, inclusive no Brasil, com a promoção de um diálogo mais rico entre estes dois autores e entre a divisão entre Continentais e Analíticos. A aproximação de Davidson dos hermeneutas, de Sellars a Kant, de Brandom a Hegel, mostra que o diálogo pode ser muito seminal.

Um ponto de comunidade filosoficamente relevante nas obras de Heidegger e Wittgenstein é o movimento de apontar erros da tradição. Algo que era auto- -evidente em determinadas escolas é abalado por suas críticas. Heidegger e Wittgenstein não estão só desenvolvendo novas críticas; eles estão solapando pressupostos de escolas que fundam nossa maneira de pensar e agir. Neste horizonte, a discussão de um fetichismo de nossa época em relação ao sucesso de ciências naturais motiva a crítica a teses positivistas de que a filosofia deveria ser uma ciência ou alguma atividade teórica contígua ao fazer científico. Giacoia trata desta questão, embora restrita a Heidegger, apontando o seu quietismo teórico e a postura de silêncio existencial como características centrais da resposta ao sentido da filosofia e à inserção do homem no mundo (p. 19, 68). Giacoia também associa de maneira muito forte, porque aparentemente exclusivista, a filosofia oriental com Heidegger (p.45). Ora, tanto o quietismo quanto a referência a escolas do oriente são pontos que marcam o pensamento de Wittgenstein também.

Wittgenstein, em seus debates com alguns membros do Círculo de Viena, no começo da década de 30, trouxe textos de poetas místicos indianos para a discussão para rejeitar alguns mau-entendimentos de sua obra de juventude.

Alguns membros do círculo de Viena a associam com um forte positivismo motivado pelo espírito cientificista. Com efeito, no Tractatus, o que não pode ser dito não é absurdo e descartado. É, pois, justamente o que tem mais valor e está para fora da linguagem e de um mundo radicalmente contingente, sem sentido e sem finalidade. Por outro lado, o ataque que Carnap faz a Heidegger me parece injusto e irresponsável, porque educou gerações de filósofos preocupados neste tipo de contenda ideológica entre analíticos e continentais e na mútua desqualificação de escolas aparentemente rivais. Heidegger e Wittgenstein, eles mesmos, parecem nunca ter demandado muito esforço para se inserirem neste tipo de discussão de bastidores da filosofia. Acredito que os dois são filósofos que se inserem na tradição da morte de Deus, anunciada por Nietsche: defendendo a recusa de qualquer elemento transcendente ou metafísico na base do mundo e de nossas atividades.

Interessantemente os dois filósofos nasceram na mesma época, tiveram grandes orientadores (Husserl e Russell), e devotaram suas primeiras obras na década de 20 a desenvolver alguns problemas a partir da metodologia de seus Doktorvaeter (consolidando a escola da fenomenologia, de um lado, e a da análise lógica, de outro lado). Além disso, ambos passam por uma Kehre no final da mesma década. Ambos desafiam a tradição metafísica explicitando o que nós já sabemos e sempre soubemos no uso de nossa linguagem ordinária e no tipo de acesso não problemático e corriqueiro que temos aos objetos que nos circundam. O mote filosófico do programa fenomenológico husserliano auf die Sachen selbst zuruckzuA gehen (p. 35) pode claramente ser visto no desenvolvimento da filosofia de Wittgenstein também. A centralidade da linguagem e seus limites e a similitude entre os conceitos entre Lebenswelt e Lebensform também podem ser explorados.

Há uma característica filosoficamente relevante que perpassa boa parte da obra destes dois filósofos radicais, ao recusarmos maiores detalhamentos de estilo e método que fariam a aproximação impossível. Ambos os filósofos parecem defender, de maneiras diferentes, que o fundamento das coisas não tem fundamento.

Todo fundamento é situado, contextual e radicalmente humano. A partir da compreensão profunda de nossa finitude, tudo em nossa volta, nossas práticas, nosso conhecimento, nosso mundo, deveria refletir isto.

Aqui poderíamos defender que há um ataque direto ao fundamentalismo filosófico que marca tantas escolas filosóficas ao longo da história e da nossa cultura.

Nós não podemos argumentar do que é e do como pensar, em suas essências últimas e racionais, porque o raciocínio já pressupõe certas respostas a estas perguntas e conceitos que organizam nosso discurso e experiência. De toda forma, acredito que ambos os filósofos não acreditam que esta falta de razão última ou justificação definitiva para a linguagem e o mundo não tira do pensar a sua validade ou legitimidade, mas ao contrário: a falta de fundamento último mostra como alguns fatores centrais em nossas atividades devem ser tomados como fundamentos sem fundamentos.

A discussão sobre a possibilidade do não ser, a temporalidade, a facticidade, a contingência, a finitude, e a falta de fundamento podem ser aproximadas entre os dois autores. Além disso, até mesmo a idéia de abertura e o ser como abertura e vazio poderia ser seminalmente usada em pesquisas filosóficas acerca da obra de Wittgenstein, porque linguagem para ele parece necessariamente residir sobre não-racionalidade e, no limite, em fatores que são injustificados e injustificáveis como a nossa socialização e nossa particular suscetibilidade a socialização. Nos lembremos que as Investigações Filosóficas, por exemplo, são abertas por uma crítica contundente de Wittgenstein a imagem de aprendizado de nomes como descrita por Agostinho que aponta acordos tácitos complicados na base de nossas referências triviais a coisas no mundo. Além disso, tomemos a importância do contexto pedagógico no Sobre a certeza (SC) que apresenta a assim chamada epistemologia de Wittgenstein. Com frequência, a discussão se remete à pergunta de como uma criança aprende coisas que permanecem (e devem permanecer) intocáveis ou indubitáveis. (SC §144, 233, 374) Wittgenstein sugere que uma criança deve primeiro poder confiar, antes de duvidar (SC §160, 480). Aprende-se com a linguagem o que permanece imune à investigação e ao que pode ser investigado (SC §472). Se crianças em seu processo de inserção em práticas duvidarem imediatamente do que está sendo ensinado, elas não serão capazes de aprender alguns jogos de linguagem (SC §283).

Talvez pudéssemos usar jargão Heideggeriano aqui. A criança deve estar aberta para ser inserida ou introduzida em uma prática. Depois da inserção, a relação entre uma imagem de mundo e aprendizado infantil parece ficar evidente (SC §167). Neste sentido, tentar fundar a certeza do conhecimento, como faz Moore em alguns de seus trabalhos (1974, 1974a), com o emprego do operador epistêmico “eu sei” prefixando várias proposições, segundo ele indubitáveis, seria ilegítimo. O contexto de educação parece ser paradigmático e decisivo para Wittgenstein, funcionando até mesmo como metodologia filosófica ao sugerir para nos perguntarmos em casos de certeza indubitável como uma criança as aprende. (SC §581). Curiosamente a ausência de dúvida em algum ponto é fundamental para o entendimento de nossa lógica e aritmética. Nestas práticas não precisamos de acordo com o mundo, mas com outros indivíduos de nossa comunidade, ou com a humanidade (SC §156, 281).

Analogamente, Heidegger acusa a metafísica tradicional de focar exclusivamente nos objetos a mão, ou seja, em algumas entidades que não se mudam e não são afetadas em seus contornos. Fundar características invariantes em nossas praticas e acordos e não em elementos transcendentes, é dar um fundo objetivo e estável, mas sem fundamento definitivo, a práticas cognitivas do homem, como ciências, lógica e matemática.

É claro que a crise dos fundamentos das ciências, incluindo fundamentos da matemática e da lógica que motivam a emergência de lógicas não-clássicas e abordagens variadas de anti-realismo no século XX, representa uma crise da racionalidade.

Isto motiva grandemente a defesa de uma nova noção de razão mais apropriada para nossa finitude. Para tanto, deveríamos enfatizar o fator humano, social e histórico no próprio desenvolvimentos de nossas atividades científicas.

A partir daqui eu gostaria de me concentrar no papel que a noção de Maßstab, em especial, poderia desempenhar na aproximação da filosofia dos dois filósofos em um novo pensar urgente.

Vale destacar que a polissemia da palavra em alemão é grande. Ela é discutida em diferentes contextos e tem diferentes usos, tais quais, instrumento (régua), metragem, sistema de coordenadas, escalas, critério (“Hast du einen Maßstab dafür?”), um cânon, um paradigma, um padrão ou Vorbild (“Bach ist der Maßstab der Musik!”), objeto de comparação ou protótipo (“Wir setzen Maßstäbe!”), regras e normas (“Welche sind die Maßstäbe für die Behandlung von Tiere hier?”), dentre outras acepções.

Inspirado por reflexões de Heidegger e Wittgenstein, gostaria de destacar o papel humano e normativo de Maßstaebe em nossas práticas na fundação desta nova racionalidade da finitude. Elas são objetos pelos quais nós avaliamos a qualidade de alguns procedimentos e descrições. O objeto de comparação não pode, ele mesmo, ser verdadeiro ou falso, mas ele determina como avaliamos coisas como verdadeiras ou falsas. Desvios e/ou contraexemplos não são falsos, são confusos e/ou absurdos (Unsinn).

Algumas teses podem ser elencadas no desenvolvimento da filosofia de Wittgenstein a partir de 1930 que se conformam grandemente à filosofia Heideggeriana. Acredito que originalmente Wittgenstein percebe que não existe uma Maßstab natural. Um sistema de coordenadas, uma escala, ou um sistema de medida não é algo psicológico e nem físico e tampouco fundado em um espaço lógico eterno compartilhado entre linguagem e mundo. A alternativa para este dilema é justamente a natureza social, impessoal e histórica da introdução destes sistemas para que possamos avaliar a qualidade das nossas descrições do mundo e de nossas atividades. Não há critério subjetivo, mas também não há critério absoluto.

Este elemento normativo, qual seja, da possibilidade de correção de práticas e atos a partir de Maßstaebe pode ser o fio condutor para se restaurar a correlação entre racionalidade, lógica e ética nesta racionalidade da finitude, uma vez que todas são fundamentalmente constituídas em relação com elementos deontológicos como obrigação, comprometimento e dever, ou seja, são compostas a partir do reconhecimento de normas. Normas e regras são objetivas e gerais, embora não absolutas ou universais. São estáveis, mas não definitivas. Escalas devem ser estipuladas, introduzidas, estabelecidas. Não há medidas no mundo independente de nossas práticas.

Uma forma radical de convencionalismo não é consequência desta abordagem: não se trata aqui que poderia haver quaisquer regras postuladas, porque regras devem apresentar um sucesso pragmático para uma determinada finalidade inserida em uma Lebensform. Elas não são convencionais, porque são frutos de uma assembléia, mas porque poderiam ser outras e dependem da estabilidade de certos acordos tácitos em nossas práticas. Não é que tudo valha, se tudo for humano demasiado humano. Devemos entender que a importância e liberdade do indivíduo decresce na medida em que aumenta o número de praticantes. A aceitabilidade de Maßstaebe pressupõe regularidades sociais em uma comunidade.

Isto claramente também está relacionada com a emergência de figuras de autoridade pública, política e de seus efeitos perlocutórios em uma comunidade, seja na figura de pais em núcleos familiares, do educador de jovens em ambientes pedagógicos, de um líder em práticas políticas mais sofisticadas ou de um cientista (ou mago) com grande prestígio em sua comunidade.

Em todos estes casos de aprendizado, introdução e aplicação de escalas é essencial destacarmos o papel normativo envolvido. A aplicação tem que poder ser controlada, regulada e corrigida. O problema aqui não é a possibilidade do falso como na tradição plantonista e realista, mas a possibilidade da correção. A possibilidade de eliminar erros é central. Deve haver, então, um deslocamento da linguagem pensada como composta de entidades objetivas que identificam condições de verdade para os atos e compreensões práticas da aplicação de regras constitutivas de significados linguísticos.

Em um sentido filosoficamente relevante, estas escalas que constituem nossos sistemas linguísticos, lógicos e matemáticos não descrevem nada, mas são usadas para avaliarmos nossas descrições, ou seja, elas não podem ser nem verdadeiras e nem falsas. Elas são o critério pelo qual nos avaliamos a verdade ou falsidade de determinadas descrições. Um critério é usado para avaliar uma descrição; mas ele mesmo não é uma descrição. Para avaliarmos este critério não podemos usá-lo, mas temos que evocar um outro critério. E para avaliar este outro critério, um outro e assim por diante. Nenhum deles precisa representar nada, nem uma gramática profunda e nem um domínio independente de entidades supranaturais.

Divergências radicais de nossos critérios e paradigmas de avaliação não são falsas; são incompreensíveis ou plenos erros. No limite, serão consideradas devaneios.

Podemos avançar mais um pouco nossas especulações normativas, com as seguintes questões: Se adotarmos, para fim de argumento, a teoria da verdade por correspondência, teremos uma descrição correspondente à realidade, se for ver dadeira. Contudo, como a descrição ou proposição corresponde à realidade? Como se testa uma descrição? Com quais critérios nós verificamos a verdade de um juízo ou este concordar com a realidade? O que vai ditar a prioridade de um critério em relação a outro? Em caso de conflito de evidência, como determinamos qual evidencia é mais relevante? O que vai determinar qual é o critério ou escala mais relevante? Adequação com os dados, a simplicidade, a consistência, o poder unificador da explicação, a recusa de elementos ad hoc, computabilidade, eficiência, efetividade, necessidade social de uma época? Aqui um aspecto existencial e pragmaticamente importante toma lugar, a saber, a decisão tomada por indivíduos engajados em determinadas práticas públicas.

É importante notar que em um ambiente de conflito temos que fornecer instruções para se testar nossas afirmações (SC § 641). Nestes casos, como em muitos ambientes teóricos, precisamos mais de acordo com outras pessoas, nossos Mitmenschen, que com fatos.

Nós não estabelecemos fatos, nós estabelecemos os critérios pelos quais descrições dos fatos são avaliadas. Nesta visão revisitada da racionalidade, marcada pela finitude e pela normatividade, nós somos ligados pelas nossas normas e pelos compromissos de nosso discurso e nossos atos. Nós somos racionalmente integrados pelos nossos compromissos disciplinados por normas e pelos atos pelos quais somos responsáveis. Aqui o papel que o uso, o costume e as instituições desempenham nesta concepção normativa da racionalidade é evidente.

Relevantemente, precisamos de um ambiente de instrução, de estar com o outro. Onde uns confiam em outros e onde haja autoridades reconhecidas. Em práticas sociais, um indivíduo tem que ser reconhecido pelos que ele reconhece.

Em outras palavras, deve haver um reconhecimento recíproco na base desta racionalidade normativa. Neste horizonte, é fascinante também nos perguntarmos como autoridades são constituídas? São autoridades porque elas sempre acertam? Ou porque elas definem o que é um acerto? Elas parecem ser tornar objetos de referência, porque influenciam as práticas onde critérios são estabelecidos. Elas são autoridades, porque instituem critérios novos ou instituem critérios novos porque são autoridades? Com esta curta resenha ao intrigante livro do Prof. Giacoia espero ter mostrado como se pode promover a aproximação entre Heidegger e Wittgenstein nesta rearticulação da razão pela finitude do ser humano, na precariedade de nossas práticas, fundando a objetividade nas normas publicas estáveis, mas não definitivas, de comunidades.

Pensar os dois filósofos, Heidegger e Wittgenstein, em conjunto e não isoladamente é urgente para a introdução de um novo pensar.

Referências

MOORE, G. E. Uma Defesa do Senso Comum. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Coleção os Pensadores).

______. Prova de um mundo Exterior. São Paulo: Abril Cultural, 1974a. (Coleção os Pensadores).

WITTGENSTEIN, Ludwig. TractatusLogico-philosophicus. Tagebücher 1914-16. Philosophische Untersuchungen.Werkausgabe Band 1. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1984.

______. Some Remarks on Logical Form. Proceedings of the Aristotelian Society, Supplementary Volumes, v. 9, Knowledge, Experience and Realism, p. 162-171 Published by: Blackwell Publishing on behalf of The Aristotelian Society, 1929.

______. Philosophical Investigations. Translated by G. E. M. Anscombe. Oxford: Basil Blackwell, 1953.

______. On Certainty. Edição bilíngue. G. H. von Wright & G. E. Anscombe (Orgs.). Londres: Basil Blackwell, 1969.

______. Wittgenstein und der Wiener Kreis (1929-1932). Werkausgabe Band 3. Frankfurt amMain: Suhrkamp, 1984.

Marcos Silva – Pós-doutorando em Filosofia da Universidade Federal do Ceará (UFC)/CAPES-PNPD. E-mail: [email protected]

Acesso à publicação original

Heidegger, a introdução do nazismo na filosofia: sobre os seminários de 1933-1935 – FAYE (RFA)

FAYE, Emanuel. Heidegger, a introdução do nazismo na filosofia: sobre os seminários de 1933-1935. Trad. Luis Paulo Rouanet. São Paulo: É Realizações, 2015. Resenha de: PELBART, Peter Pál. Heidegger nazista? Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v.28, n.44, p.719-727, maio/ago., 2016.

Não foi o primeiro nem terá sido o último terremoto a abalar o perímetro “heideggeriano” na publicação de Heidegger, a introdução do nazismo na filosofia: Sobre os seminários de 1933-1935, de Emanuel Faye1 . Filho de Jean Pierre Faye, conhecido estudioso da linguagem totalitária e cáustico adversário da recepção acrítica da obra de Heidegger na França, o autor se debruça sobre os seminários ministrados pelo filósofo nos dois primeiros anos subsequentes à ascensão de Hitler ao poder, bem como sobre documentos, discursos e cartas inéditas do período, liberados pela família apenas em 2001. Com essa pesquisa farta em documentação, citações e testemunhos, o quadro já desenhado por Hugo Ott e Victor Farias ganha cores mais sinistras. Então, vejamos. Em agosto de 1933, na qualidade de reitor da Universidade de Freiburg, Martin Heidegger pronuncia as seguintes palavras diante do Instituto de Anatomia Patológica da cidade: “O povo alemão está em vias de reencontrar agora sua essência própria e de tornar-se digno de seu próprio destino. Adolf Hitler, nosso grande Führer e chanceler, através da revolução nacional-socialista, criou um Estado novo […] Para todo povo, a primeira garantia de autenticidade e grandeza está no seu sangue, no seu solo e no seu crescimento corporal”. No ano seguinte, poucos dias antes de renunciar à função de reitor, ele escreve ao ministério de Karlsruhe, insistindo na criação de uma “cátedra de professor ordinário de doutrina racial e de biologia hereditária”, para ensinar aos estudantes “a visão do mundo nacional-socialista e o pensamento da raça”. Eugen Fischer, teórico do eugenismo e um dos primeiros defensores do genocídio dos povos ditos “inferiores”, próximo de Heidegger, nomeia um protegido seu para o cargo. Num seminário do período, Heidegger assim define uma raça, em total sintonia com o que circulava na época: “O que nós chamamos de ‘raça’ entretém uma relação com o que liga entre si os membros de um povo — conforme sua origem — pelo corpo e pelo sangue.” No entanto, a biologia não bastaria para o filósofo da Floresta Negra como critério decisivo. Assim, os não-arianos — entenda-se, os judeus — devem ser definidos antes de tudo pela sua natureza desenraizada, já que são desprovidos de solo (um povo sem-terra não é um povo) e desprovidos de mundo (como os animais, aliás), e por conseguinte, simplesmente não pertencem à história do Ser. Aliás, o desenraizamento que caracteriza o mundo ocidental não poderia ter outra proveniência — a judeidade predominante. Se tal metafísica da raça justifica uma separação absoluta entre arianos e judeus, ela ganha, nas palavras de Heidegger, a conotação de uma guerra, com todas as consequências que esse termo pode carregar no período em que é enunciado. Ao traduzir polemos por guerra (Krieg), combate (Kampf) e confrontação (Auseinandersetzung), o filósofo acrescenta em seu seminário de 1933-1934 essa nota, da qual não está ausente a marca de seu amigo e interlocutor Carl Schmitt: “O inimigo é aquele, qualquer um, que faz pairar uma ameaça essencial contra a existência do povo e de seus membros. O inimigo não é necessariamente um inimigo exterior, e o inimigo exterior não é necessariamente o mais perigoso. Pode até parecer que não haja inimigo nenhum. A exigência radical consiste então em encontrar o inimigo, em trazê-lo à luz ou talvez até mesmo em criá-lo, a fim de que se dê esse surgimento contra o inimigo e que a existência não seja bestificada. O inimigo pode ter se entificado sobre a raiz a mais interior da existência de um povo, e contrapor-se à essência própria deste, agir contra ele. Tanto mais acerbo e duro e difícil é então o combate, pois só uma parte ínfima deste consiste em ataque recíproco; com frequência é ainda bem mais difícil e laborioso detectar o inimigo enquanto tal, levá-lo a desmascarar-se, não iludir-se a seu respeito, estar pronto para o ataque, cultivar e aumentar a disponibilidade constante e iniciar o ataque no longo prazo, tendo em vista a aniquilação total (völligen Vernichtung)”2 . Como se vê, a ontologização do anti-semitismo promovida por Heidegger não é capaz de ocultar o fundo racista, apenas lhe fornece, com seu pathos heróico, um verniz pretensamente filosófico. Com razão, Faye se pergunta se não teríamos aí a antecipação teórica, difundida em seu seminário, da “solução final”, assim como o “crescimento corporal” mencionado mais acima, seria a justificação prévia para a expansão territorial do III Reich.

A doutrinação a que Heidegger submeteu seus alunos nesse período não terá constituído um episódio circunstancial, um desvio de rota, uma incompreensão política momentânea. Foi, ao contrário, a expressão fidedigna e assumida de uma visão de mundo coerente, que precedeu a ascensão do nazismo e se prolongou para além do período do reitorado, e até mesmo da própria queda de Hitler. Claro, sempre se pode alegar que o discurso anti-semita era corrente por toda parte na Alemanha da época, o que escusaria Heidegger da expressão usada em carta escrita a sua futura esposa Elfride já em 1916: “A judaização (Verjudung) de nossa cultura e das universidades é assustadora e penso que a raça alemã deveria encontrar força interior suficiente para atingir o topo”3 . Mas o que entender por judaização, termo retomado por Heidegger na década seguinte, em um contexto onde tal palavra ganharia um alcance funesto, e sobretudo na pena de um autor que, alega-se, foi atento como poucos neste século ao sentido, alcance e responsabilidade das palavras? Será tal judaização o domínio exercido por judeus em várias esferas da cultura? Ou da economia, finanças, ciências? Algo próximo, então, do sinistro documento produzido pela polícia política do czar, Os protocolos dos sábios de Sião, demonstrando o complô mundial dos judeus? Ou algo mais profundo e vasto, mais abrangente e perigoso?

Não se trata apenas de evocar os episódios pessoais ou medidas administrativas, documentos oficiais ou relações comprometedoras, mostrando como desde o início de seu reitorado Heidegger se ajusta com afinco às instruções antissemitas do Ministério (perfilamento, Gleichschaltung), introduzindo o princípio de chefia vertical em todas as instâncias da universidade (Führung), abolindo as eleições e pregando uma concepção de liberdade universitária dirigida apenas para o “engajamento espiritual e comum no destino alemão”. Isso sem contar a defesa dos campos de trabalho e educação, de saúde da raça, as conexões diretas com as associações de estudantes e seu franco ativismo nazista, com placas antissemitas disseminadas no campus e autos-da- -fé que o filósofo jamais interditou — muito ao contrário. Faye trata de adentrar no âmago do ensinamento de Heidegger no período, e o que vem à tona é nada menos do que uma filosofia penetrada de nazismo de cabo a rabo, onde se desdobra uma apologia da superioridade alemã do ponto de vista historial, e por conseguinte o lugar exclusivo da Alemanha na possibilidade de encetar um “novo começo” que pudesse ressoar com o começo grego — e que o movimento nacional-socialista estaria em vias de encarnar. Para tanto, os termos de Combate (Kampf), Sacrifício (Opfer), Destino (Schicksal), Comunidade do povo (Volkgemeinschaft), Sangue e Solo (Blut und Boden), Adestramento (Zucht), Raça (Rasse, Stamm, Geschlecht), Dirigente (Führer), Popular-nacional (volkisch), também presentes em Mein Kampf ou nos discursos diários de Hitler, são abundantemente utilizados pelo filósofo, empacotados em aura metafísica ou onto-historial. Seja no seminário Sobre a essência e os conceitos de natureza, de história e de Estado, seja no Hegel, sobre o Estado, ministrados em 1933 e 1934, aparece a relação primordial entre o Povo, entendido como a Comunidade de raça, e o Führer, que é identificado com o Estado.

O que não pode deixar um filósofo indiferente é a equivalência que se explicita entre Povo e ente, Estado e Ser: “O povo, o ente, entretém uma relação muito precisa com seu ser, com o Estado” (Das Volk, das Seiende hat ein ganz bestimmtes Verhältnis zu seinem Sein, zum Staat)4 . Assim, a diferença ontológica aparece à luz de seu substrato político nazista. É esse o sentido mesmo do livro de Faye — mostrar que essa filosofia veicula uma ideologia nazista, o que levanta a questão de saber se ainda pode ser considerada uma filosofia. Sendo o objetivo último dessa ideologia a afirmação de si de um povo específico ou a exclusividade de uma única raça com direito a habitar e dominar a Terra, ela é acompanhada de um cortejo de noções: a Técnica como manifestação da potência natural de um povo — ponto de vista esse revirado após a derrota nazista — assim como o Trabalho enquanto tarefa suprema em favor do Estado: “Só existe um ‘estado de vida’ alemão. É o estado do trabalho, enraizado no fundo portador do povo e livremente ordenado na vontade histórica do Estado, cuja marca (Prägung) é pré-configurada no movimento do Partido Nacional-Socialista dos trabalhadores alemães.”5 Com o pathos da grandeza, da veneração, da formação de uma elite à altura da missão, tudo indica que a questão “O que é o homem?” se converte em “Quem é o homem?”, de modo que a pergunta esquecida sobre o sentido do Ser aparece aí como a pergunta perfilada sobre o Destino do povo alemão, num contexto em que o eros do povo em relação ao Estado desenharia uma nova possibilidade, um novo começo. “Quando hoje o Führer fala continuamente da reeducação em direção à visão de mundo nacional-socialista, isto não significa: inculcar um slogan qualquer, mas produzir uma transformação total, um projeto mundial, com base no qual ele educa o povo como um todo. O nacional-socialismo não é uma doutrina qualquer, mas a transformação do mundo alemão e, como acreditamos, do mundo europeu”6 . A visão de mundo deve estar na base de uma filosofia, e não dela derivar. A hipótese de Faye é que a posição de Heidegger a respeito não mudou depois do reitorado, apenas se intensificou e se radicalizou. Assim, na obra escrita entre 1936 e 1938, e publicada apenas em 1989, Beiträge zur Philosophie, aparece a equivalência já prenunciada entre cristianismo, bolchevismo, racionalismo, ocidentalismo e […] judaismo. Ao apontar o fundamento judaico desse conjunto, Heidegger o explicita como “maquinação” (Machenschaft), termo que recobre um leque de sentidos, todos atribuíveis à figura do judeu, desde a manipulação, o engodo, o complô, até o próprio cálculo, rendimento, tecnicismo, predomínio da vontade de poder. Curiosamente, mas este é apenas um parêntese anedótico, Deleuze é talvez o primeiro no mesmo século a assumir alegremente o caráter “desenraizado” (“desterritorializado” e “desterritorializante”) da filosofia, bem como sua dimensão “maquínica” (veja-se O anti-Édipo) — não seria o “esquizo”, o judeu de Heidegger, porém positivado?

Fechado o parêntese, chegamos assim, num crescendo, à mais terrível das questões. Segundo os textos da época, para Heidegger morrem apenas aqueles que “podem” morrer, isto é, que trazem em si a “possibilidade” da morte. E só pode morrer, estritamente falando, aquele cujo ser lhe dá tal “poder, aquele que está no ‘abrigo’ da ‘essência’ do Ser”. Os exterminados nos campos de concentração não trazem essa “possibilidade”, já que estão forcluídos da história do Ser; eles não são “mortais”. Portanto, no sentido rigoroso, não morreram. O negacionismo aí presente só pode contar como “mortos” os próprios alemães — não os ciganos, russos, poloneses, populações inteiras gazificadas, etc. Eis o comentário de Faye: “O conteúdo do texto de Heidegger supera em abjeção o racismo nacional-socialista e a aniquilação física, moral e espiritual que ele visava”.

Com razão o leitor desse livro há de se perguntar como tudo aquilo que colheu em Heidegger sobre o “Ser-aí”, a Angústia, a Solidão, o Cuidado, a Abertura, todo o domínio do existencial, podem coadunar-se com o que acaba de ser evocado. Infelizmente, no contexto descrito mesmo tais noções vão aparecendo em sua coloração volkisch. Eis, por exemplo, a conclusão da sétima sessão do seminário de inverno de 1933-1934: “É somente ali onde o Führer e aqueles que ele conduz se ligam em um único destino e combatem pela realização de uma ideia que pode crescer essa ordem verdadeira. Então, a superioridade espiritual e a liberdade implementam-se enquanto dom profundo de todas as forças do povo, ao Estado, enquanto treinamento mais severo, jogo, resistência, solidão e amor. Então, a existência e a superioridade do Führer arraigaram-se no ser, na alma do povo para ligá-la original e passionalmente à tarefa”. Os filosofemas, os clichês, a pseudo-profundidade, a poesia (Lacoue-Labarthe já declarou que toda a segunda fase da obra de Heidegger em torno do poético é inteiramente kitsch!) — é essa mistura que fascinou mais de uma geração de filósofos, que Faye revira do avesso para mostrar seu fundo abjeto.

Isso tudo, diga-se de passagem, dez anos antes da publicação na Alemanha do que se poderia traduzir como Cadernos Negros, espécie de diário escrito por Heidegger entre 1930 e 1970, onde o filósofo como que abre sua caixa preta, e explicita como em nenhum outro lugar seu anti-semitismo (metafísico! exclamarão seus defensores) e sua relação de fé nos princípios do movimento nacional-socialista — confirmando tudo o que ainda poderia parecer uma interpretação maledicente. Na esteira dessa publicação recente, coordenada por Peter Trawny, e do terremoto filosófico daí advindo, a Bibliothèque Nationale em Paris acolheu um colóquio intitulado Heidegger et les“Juifs”, disponível na íntegra no Youtube7 . Se o livro de Faye produziu um impacto menor na ocasião de sua publicação há dez anos atrás, não é porque o seu teor e as informações ali coletadas fossem pouco bombásticas, mas talvez porque sua postura tão categórica e combativa foi imediatamente estigmatizada como “anti-heideggeriana” e, portanto, desqualificada. Outro foi o caso de Trawny, menos suspeito não só por ter sido o responsável pela edição dos Cadernos Negros, mas por ter assumido uma posição mais nuançada do que Faye em seu livro Heidegger et l´antisémitisme: Sur les “Cahiers noirs”. Isso não evitou que fosse virulentamente criticado por Michèle Cohen-Halimi e Francis Cohen em Le cas Trawny, acusado de ter tentado edulcorar o anti-semitismo do filósofo através de sua enunciação onto-historial — como em Poe da carta roubada, onde mostrar tudo é a melhor maneira de ocultar do que se trata.

Para além das querelas e dos estigmas, e mesmo que se discorde de inúmeras apreciações mais gerais de Faye, e repetitivas à exaustão, sobretudo aquelas em que ele põe em dúvida a estatura da filosofia de Heidegger, na contramão de uma reverência que várias gerações de pensadores lhe asseguraram, de Sartre a Badiou, passando por Jean Luc Nancy e Barbara Cassin, é inegável o trabalho de pesquisa minucioso e o farto material inédito trazido pelo livro.

Talvez a hipótese lateral que Faye deixa entrever seja pertinente, na esteira dos documentos a que teve acesso: Heidegger ansiou por ser uma espécie de profeta do nacional-socialismo, em paralelo ao Führer e para além dele. Hoje, aliás, fica difícil de entender de outra maneira por que razão ele teria programado em detalhe a publicação de seus Cadernos Negros para o final da edição dita integral de suas obras — como que no lugar de seu coroamento. Certamente não para retratar-se — ele o teria feito em vida, se assim o desejasse. Para reiterar a validade da aposta, que apenas os séculos vindouros poderiam confirmar? A provocação de uma ouvinte no Colóquio da Bibliothèque Nationale não pode deixar de ressoar, depois da leitura desse livro de Faye, tão sulfuroso quanto doloroso: deveríamos colocar Heidegger ao lado de Kant e Hegel, na estante dos maiores filósofos da História, ou, ao invés disso, ao lado dos ideólogos oficiais do nacional-socialismo, tais como Rosenberg e Baeumler, ou mesmo Carl Schmitt e Ernst Jünger? O fato de que tal pergunta pôde ser formulada é um indício, entre outros, de que a querela em torno de Heidegger está longe de chegar ao seu fim8

Notas

1 Emanuel Faye, Heidegger, a introdução do nazismo na filosofia: sobre os seminários de 1933-1935, trad. Luis Paulo Rouanet, São Paulo, É Realizações, 2015 [Heidegger, l´introduction du nazisme dans la philosophie: autour des séminaires inédits de 193301935, Paris, Albin Michel, 2005]

2 Martin Heidegger, Gesamtausgabe, 36/37, Frankfurt-am-Main, Vittorio Klostermann, 2001.

3 Carta de 18 de outubro de 1916, “Mein liebes Seelchen!”, Briefe Martin Heideggers an seine Frau Elfride 1915-1970, editadas e comentadas por Gertrude Heidegger, Munique, 2005, p.51.

4 M. Heidegger, Über Wesen und Begriff von Natur, Geschichte und Staat, sétima sessão, fragmento da § 5; ver Theodor Kisiel, “Heidegger als politischer Erzieher: der NS-Arbeiterstaat als Erziehungsstaat, 1933-34”, Norbert Lesniewski (ed), Frankfurt, Berlim, Lang, 2002, p.87 (anexo), cit por E. Faye.

5 M. Heidegger, Der Ruf zum Arbeitsdienst, Gesamtausgabe 16, Frankfurt, Vittorio Klostermann, p.239, cit por E. Faye.

6 M. Heidegger, GA 36/37, op. cit., p 225, cit por E. Faye.

7 PETER TRAWNY. Colloque. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Aiem3GNkeu8>.

8 Uma das mais lúcidas análises do teor regressivo e conservador da “radicalidade” atribuída a Heidegger foi feita por Leo Strauss ainda em 1941, ao mostrar como a geração do entre-guerras na Alemanha nutria um “niilismo” difuso, composto por um ódio pela civilização ocidental, desprezo pela democracia liberal, ojeriza pela utopia comunista, veneração por uma cultura (Kultur) de elevação seletiva, sacrifício, combate e belicismo. Strauss deplora que os intelectuais da época tenham aberto as portas para que essa “emoção” desembocasse na adesão a Hitler. A conferência “Sobre o niilismo alemão” foi proferida em 26 de fevereiro de 1941 no seminário As experiências da Segunda Guerra Mundial, promovido pela Graduate Faculty of Political and Social Scienceda New School for Social Research, em Nova York. O texto de referência, datilografado pelo autor, e posteriormente revisto por ele, só foi publicado postumamente (Strauss faleceu em 1973), em 1999, simultaneamente na revista Commentaire, nº 86, em francês, e em inglês na revista Interpretation, Queen’s College, Nova York, v.26, nº 3.

Peter Pál Pelbart – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), São Paulo, SP, Brasil. Doutor em Filosofia. E- mail: [email protected]

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[DR]

 

Heidegger e o mito da conspiração judaica mundial – TRAWNY (RFA)

TRAWNY, P. Heidegger e o mito da conspiração judaica mundial. Tradução Soraya Guimarães. Rio de Janeiro: Mauad, 2015. Resenha de: SANTOS, Eder Soares. Revista de Filosofia Aurora, Curitiba, v.28, n.43, p.365-372, jan./abr, 2016.

Lançado na Alemanha no início de 2014 e publicado em língua portuguesa no Brasil, no final de 2015, pela editora Mauad, com tradução de Soraya Guimarães Hoepfner, o livro Heidegger e o mito da conspiração judaica mundial, de Peter Trawny, tem se tornado um novo ponto de partida para a discussão do chamado “caso Heidegger”, ou seja, o envolvimento de Heidegger com o nazismo.

O livro surge como resultado do trabalho de edição, realizado por Trawny, dos Cadernos negros, lançados na coleção das obras completas de Heidegger pela editora Vittorio Klostermann. Neles, o autor discute e comenta algumas das passagens mais polêmicas escritas por Heidegger sobre os judeus e o judaísmo. Destacamos algumas delas:

Também a ideia de um entendimento com a Inglaterra, no sentido de compartilhar as “prerrogativas” do imperialismo, não alcança o processo historial em sua essência, pois a Inglaterra, agora no âmbito do americanismo e do bolchevismo, por sua vez, também no âmbito do judaísmo mundial, participa do jogo até o fim. A pergunta pelo papel do judaísmo mundial não é racial, mas sim uma pergunta metafísica pelo modo de ser do tipo de ser-homem, que, completamente desarraigado, pode assumir o desenraizamento de todos os entes de Ser, enquanto “tarefa” histórica mundial. (HEIDEGGER, 2014, GA 96, p.243; TRAWNY, 2015, p.38-39)

Por meio de um talento calculador acentuado, os judeus “vivem” de há muito sob o princípio de raça, razão pela qual resistem veementemente contra a sua aplicação irrestrita. A instituição da cria racial não tem origem na própria “vida”, mas sim na subjugação da vida pela maquinação. O que se opera com esse planejamento é a desrracialização total dos povos através de seu próprio assujeitamento à instituição e recorte uniformizado e unidimensional dos entes. Com a desrracialização, um autoestranhamento dos povos – a perda da história – ou seja, o âmbito de decisão de Ser vira um só. (HEIDEGGER, 2014, GA 96, p.56; TRAWNY, 2015, p.30)

A escalada momentânea do judaísmo tem, porém, seu fundamento no fato de a metafísica do Ocidente, especialmente em seu desdobramento moderno, ser o ponto de ancoragem para o alargamento de uma racionalidade vazia e uma aptidão para o cálculo que, desse modo, ganham morada no “espírito”, sem jamais alcançar sua própria decisão. Quanto mais originárias e principais as futuras decisões e questões, mais inacessíveis elas permanecem para essa “raça”. (HEIDEGGER, 2014, GA 96, p.46; TRAWNY, 2015, p.37)

Partindo de passagens como as elencadas, Trawny sustenta duas teses em seu livro: 1) há um antissemitismo onto-historial nas reflexões de Heidegger; e 2) essas reflexões provocam um movimento de contaminação em sua obra. Trawny deixa isso claro ao afirmar que:

A visão sobre Heidegger ganha uma nova faceta, até então desconhecida: em uma determinada parte do seu percurso filosófico, o filósofo tornou público um certo antissemitismo em seu pensamento, que pode ser precisamente descrito como um antissemitismo onto-historial. (TRAWNY, 2015, p.17)

O conceito de “contaminação” é para o que se segue, de um modo específico, muito importante. O antissemitismo que infesta determinadas passagens dos Cadernos negros, contamina, toca outras. Como consequência, o pensamento que até então foi comprometido teoricamente sob uma perspectiva neutra se mostra sob uma outra ótica. (TRAWNY, 2015, p.18)

Trawny tenta justificar esses pressupostos fazendo uso tanto de passagens dos Cadernos negros, como de textos publicados nas obras completas de Heidegger, mostrando que este constrói uma narrativa de um início e de um outro começo da história do ser. Para o editor, “tudo o que em Heidegger está associado ao nacional-socialismo tem sua proveniência na narrativa do ‘primeiro começo’ com os gregos e do ‘outro começo’ com os alemães” (TRAWNY, 2015, p.33).

Em seguida, o autor se concentra em retomar diferentes passagens dos Cadernos negros que deixam claras as posições antissemitas de Heidegger, expressas nesses seus diários pessoais, em especial nas reflexões entre os anos de 1938 e 1945. São destacados, em especial, os tipos de antissemitismo onto-historial em Heidegger (cf. TRAWNY, 2015, p.37-62), o conceito onto-historial de “raça” (cf. TRAWNY, 2015, p.63-72), um possível efeito da contaminação antissemita de Heidegger em relação a seu mestre Edmund Husserl (cf. TRAWNY, 2015, p.88) e a questão da exterminação dos judeus e a indiferença de Heidegger (cf. TRAWNY, 2015, p.101-112). Por fim, Trawny levanta a tese da contaminação do pensamento do filósofo com a seguinte questão:

Como devemos lidar com antissemitismo onto-historial de Heidegger em relação à Shoah? Agora não está mais apenas em debate a necessidade ou não de se defender o “erro político” de Heidegger contra um “politicamente correto” e assim defender, voluntária ou involuntariamente, as relações que destroem a esfera pública (se é que seja possível). Há um antissemitismo no pensamento de Heidegger que – como é próprio a um pensador – corresponde a uma (impossível) justificativa filosófica, mas que não vai ultrapassar dois ou três estereótipos. A construção da narrativa onto-historial o torna ainda pior; é o que conduz à contaminação desse pensamento. (TRAWNY, 2015, p.123)

Quanto aos Cadernos negros, eles são compostos por 34 cadernetas de notas de capa preta, tendo sido escritos entre 1930 e 1970. Neles, Heidegger dá vazão a seus pensamentos privados, classificando-os como Considerações, Observações, Quatro Cadernos, Indicações e Provisórios, além de Vigília e Noturnos. Dessa série de cadernos, faltam as Considerações I, que não foram encontradas em seu espólio (cf. TRAWNY, 2015, p.19). Esses cadernos foram reunidos nos volumes 94, 95, 96 e 97 das Obras completas.

O estilo de escrita presente nessas cadernetas – diferente de muitos escritos de Heidegger, que parecem tratados – aparece na forma de aforismos que variam entre curtos e longos, às vezes assumindo o formato de pequenos ensaios. Muitos temas são tratados neles, como linguagem, palavra, verdade, ciência, ser e ente, temas esses já conhecidos de seus leitores. O que há de novo nesse material são os comentários antissemitas de Heidegger e o modo como esses conhecidos temas se relacionam a essas declarações.

A linguagem desses Cadernos beira o incompreensível, variando das mais obscuras e ininteligíveis passagens à tentativa de uma escrita poética que toca em temas já publicados em Contribuições à filosofia: do acontecimento apropriador (cf. HEIDEGGER, 2015), atingindo o ponto máximo em um destilar de bílis contra tudo e todos (os americanos, os ingleses, os franceses, os bolcheviques e os judeus).

Embora sejam anotações privadas e declarações de seu foro pessoal, para Trawny, não se trata de meras anotações: “trata-se de escritos filosóficos elaborados” (TRAWNY, 2015, p.20). Tendo o próprio Heidegger declarado sua aversão à publicidade (cf. TRAWNY, 2015, p.16), pergunta-se qual papel desempenham seus escritos “públicos”, ou seja, aqueles destinados a uma contribuição filosófica, e qual o papel dessa elaboração filosófica privada no conjunto inteiro de suas obras. Há um topos privilegiado onde se expressa de fato a filosofia de Heidegger?

O antissemitismo onto-historial teria sido motivado pela procura por uma história do ser em sua verdade, procura essa que Heidegger começa depois de 1930, quando se dá conta de que Ser e tempo ainda é insuficiente para responder a Seinsfrage, a pergunta pelo ser. Essa história do ser se estende entre um começo e um fim da filosofia e a necessidade de se pensar de uma vez por todas em um novo começo. O começo da filosofia é grego; seu fim, a maquinação em sua essência técnica; seu outro começo, o evento apropriador (Ereignis).

A “verdade” desses acontecimentos não se encontra fundada em nenhuma teoria da verdade, nem mesmo na alétheia, na verdade como desvelamento. Encontra-se no conto, no dito, na própria narrativa (cf. TRAWNY, 2015, p.19). Toda boa história necessita de um inimigo poderoso. A maquinação, enquanto resultado da técnica moderna, se enquadra nesse papel. Esse inimigo se mostra nas mais diferentes formas: imperialismo, cristianismo, protestantismo, americanismo, judaísmo (cf. TRAWNY, 2015, p.32). Aqueles capazes de dar movimento ao novo início são os alemães, apoiados por um nacional-socialismo espiritual que, diferente do nacional-socialismo vulgar praticado por Hitler e seus asseclas, poderia conduzir o povo alemão em sua missão de ser o destino do Ocidente (cf. HEIDEGGER, GA 95, p.24; cf. TRAWNY, 2015, p.34).

Assim, a base do antissemitismo de Heidegger é metafísica, onto-historial, apoiada em sua ambição de encontrar um novo começo para a história do ser. Contudo, nem por isso ela é menos desastrosa e insuportável.

No âmbito da maquinação, os judeus desempenham um papel essencial, na medida em que, para Heidegger, eles representam a essência da modernidade técnica. Para o filósofo, os judeus possuem o dom acentuado do cálculo e vivem segundo a ideia de raça, cujo princípio é uma subjugação da vida ao domínio da maquinação. Vivem ainda segundo um planejamento que provoca sua total desracialização, produzindo um estranhamento entre os povos e uma perda da história, tornando, assim, impossível a decisão pelo ser (Seyn) (cf. HEIDEGGER, GA 96, p.67; cf. TRAWNY, 2015, p.43).

O calcular – e o poder calcular antecipadamente – é o símbolo maior da maquinação, é o seu gigantesco (das Riesige). O calcular próprio da maquinação provocaria uma determinação de mundo que traria como consequência, para os judeus, a falta de mundo (Weltlosigkeit). Segundo Trawny, Heidegger quer “transformar uma atribuição antissemita muito banal (de um ‘talento acentuado’) em historicidade do ser – e é nessa figura de pensamento que seu antissemitismo está ancorado” (cf. TRAWNY, 2015, p.41). Nessa história, calculabilidade, racionalidade e judaísmo andam de mãos dadas para Heidegger. Até que ponto levar a sério as considerações dos Cadernos negros quando se vê o filósofo querer imputar ao judaísmo a descoberta da racionalidade calculadora num contexto onto-historial? (cf. TRAWNY, 2015, p.43).

Trawny levanta um problema metodológico: como lidar com o antissemitismo onto-historial de Heidegger? E essa questão se torna ainda mais grave: os Cadernos negros revelam que estão presente em suas reflexões um antissemitismo que faz parte de seus pensamentos filosóficos. Então, até que ponto e em qual extensão não há uma contaminação geral na obra de Heidegger?

Vendo por esse ângulo, esse antissemitismo onto-historial estaria infiltrado em várias dimensões da filosofia de Heidegger, o que implicaria revermos sua recepção. Na opinião de Trawny:

Até hoje, o envolvimento de Heidegger no nacional-socialismo foi um problema que resultou em condenações parcialmente exageradas, mas também em reservas justificadas. Agora com a publicação dos Cadernos negros, a existência de um antissemitismo específico que de fato surge em uma época na qual o pensador se posiciona de maneira muito crítica contra o nacional-socialismo real existente não pode ser ignorada. (TRAWNY, 2015, p.131)

Os Cadernos negros exigem uma reflexão em vários níveis: em relação a seu conteúdo, é preciso investigar qual é o significado das declarações antissemitas de Heidegger, assim como também investigar suas outras passagens e saber até que ponto elas se inter-relacionam. É necessário verificar ainda como essas reflexões privadas se relacionam com o restante de sua obra. Além disso, é preciso refletir sobre o estilo filosófico de apresentação desses cadernos: seu modo de apresentação e reflexão apresentam elementos suficientes para afirmarmos que algo de filosófico acontece ali? Essa questão, por sua vez, remete a outra: o que a filosofia se tornou? O que Heidegger queria nos mostrar ao autorizar que esses cadernos só fossem publicados no final do conjunto total de suas obras reunidas? Por fim, precisamos saber como devemos trabalhar com seus textos e tratar seu pensamento filosófico.

No Brasil, o trabalho mais sensato e instigante continua a ser o livro de Zeljko Loparic, Heidegger réu: um ensaio sobre a periculosidade da filosofia (1990), em que o autor coloca a questão de como, afinal, podemos julgar não só a filosofia de Heidegger, mas toda e qualquer filosofia.

Recentemente, a obra Cadernos negros foi tema de debate no XIX Colóquio Heidegger, de 2014, que contou com a presença do editor Peter Trawny. A reação dos pesquisadores presentes no evento variou entre a necessidade de uma revisão de seus próprios posicionamentos sobre a filosofia de Heidegger, a partir das declarações nesses Cadernos, e a impressão de que tais escritos deveriam ser lidos à parte diante de toda a filosofia heideggeriana, não sendo esses Cadernos por si só suficientes para contaminar o que já conhecemos das profundas discussões filosóficas trazidas por Heidegger. Esse é um debate aberto que começa a tomar corpo em solo brasileiro. A recente tradução do livro de Trawny poderá fomentar com excelência essas discussões.

Referências

LOPARIC, Z. Heidegger réu: um ensaio sobre a periculosidade da filosofia. Campinas: Papiros, 1990.

HEIDEGGER, M. Überlegungen VII-XI (Schwarze Hefte 1938/39. GA 95. Ed. Peter Trawny. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 2014. HEIDEGGER, M. Überlegungen XII-XV (Schwarze Hefte 1939/41). GA 96. Ed. Peter Trawny. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 2014.

HEIDEGGER, M. Contribuições à filosofia do acontecimento apropriador. Tradução M. Casanova. Rio de Janeiro: Via Veritas, 2015.

TRAWNY, p.Heidegger e o mito da conspiração judaica mundial. Tradução Soraya Guimarães Hoepfner. Rio de Janeiro: Mauad, 2015.

Eder Soares Santos – Universidade Estadual de Londrina, (UEL), Londrina, PR, Brasil. Pós-doutorado em Filosofia. E-mail: [email protected]

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Heidegger urgente: introdução a um novo pensar – GIACOIA JÚNIOR

GIACOIA JÚNIOR, Oswaldo. Heidegger urgente: introdução a um novo pensar. São Paulo: Três Estrelas, 2013. Resenha de: PROVINCIATTO, Luís Gabriel. Conjectura, Caxias do Sul, v. 21, n. 1, p. 232-237, jan/abr, 2016.

Já há no Brasil uma imensidão de obras, quer originais em português, quer oriundas de traduções de outros idiomas, que se propõem a comentar, introduzir, explicar ou compreender o pensamento de Martin Heidegger (1889-1796). A obra de Oswaldo Giacoia Junior, publicada em 2013, encontra-se nessa lista e conta com algumas peculiaridades que dão a ela um destaque diante das outras. Isso não sem justificativa: há elementos que somente um bom leitor, intérprete e escritor conseguiria captar diante dos volumosos números das Obras completas (Gesamtausgabe) do filósofo alemão; uma leitura atenta e refinada e, sobretudo, um olhar filosófico, estão presentes nesse pequeno ensaio que leva como subtítulo “introdução a um novo pensar”. Desse modo, a presente obra de Giacoia conduz não somente a uma introdução ao pensamento de Heidegger, mas a um pensar filosofante com Heidegger.

Para um bom entendimento daquilo que aqui se propõe, é muito interessante apresentar a estrutura da referida obra: Introdução; O pensador do fim da metafísica; O primeiro Heidegger; A viravolta e a história da verdade do Ser; Como ler Heidegger; Conclusão. As divisões da obra, com certeza, possuem uma lógica baseada na estrutura do pensamento de Heidegger, o que, de fato, deve ser considerado. Porém, mudanças no trajeto de leitura serão propostas com o presente trabalho, bem como a intersecção de textos do próprio Heidegger para que, assim, o “pensar com Heidegger” ganhe maior clareza e, ao final do texto, tenha-se reais condições para construir um “novo pensar”, singular e autêntico. Deve- se destacar ainda que o foco maior do presente trabalho recai sobre a penúltima parte da obra acima referida, pelo fato de ela mostrar a grande erudição do autor. Leia Mais

Arte e técnica em Heidegger – BORGES DUARTE (C-FA)

BORGES DUARTE, Irene. Arte e técnica em Heidegger. Lisboa: Documenta, 2014. Resenha de: PASQUALIN, Chiara, Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, v .21, n.1, Jan./Jun., 2016.

O livro de Borges-Duarte propõe uma investigação límpida e rica sobre as questões entrelaçadas de arte e técnica, consideradas como fios condutores da reflexão heideggeriana posterior à Ontologia Fundamental. A contribuição original da autora não se endereça apenas aos especialistas de Heidegger, mas se apresenta também como uma imprescindível introdução ao pensamento do filósofo, pelo menos no que diz respeito ao período que vai desde inícios dos anos 1930 até o final dos anos 1960. Excluindo o primeiro capítulo, que oferece uma visão geral e introdutiva dos conteúdos apresentados, o volume reúne sete ensaios, concebidos originariamente como trabalhos autônomos, mas coesos em seus objetivos. Enfeitam o volume tanto a tradução inédita de alguns textos menos conhecidos de Heidegger, quanto a inserção de reproduções das obras de arte mais significativas a que Heidegger se refere nos seus escritos. Entramos, dessa maneira, não somente no processo genético da elaboração de algumas ideias centrais do filósofo, mas, especialmente, no seu “imaginário” íntimo, que é assim desvelado ao leitor.

O segundo capítulo se dedica à análise da entrevista concedida por Heidegger à revista alemã Der Spiegel em 1966, publicada postumamente. A autora lê esse breve texto não tanto como documento biográfico, mas como uma via de acesso preferencial aos densos assuntos do pensamento heideggeriano. Baseando-se no comentário da famosa afirmação heideggeriana “já só um deus nos pode ainda salvar”, a análise se concentra sobretudo na questão de qual salvação é ainda possível na época do atual domínio da técnica. Segundo a leitura proposta, o deus mencionado por Heidegger não deve ser confundido com qualquer representação histórico-religiosa de deus, mas circunscreve a dimensão do divino que sempre escapa ao controle e à manipulação do homem, não obstante o envolva na profundidade da sua essência. De acordo com a autora, não é, contudo, o próprio deus quem salva o homem. Uma tal perspectiva só iria reiterar a imagem tradicional de um deus todo-poderoso, invocado, como ex machina, para restaurar a ordem no caos produzido pelos homens. Pelo contrário, o que salva é o cultivo da recordação de deus, a saudade de nosso vínculo com algo que transcende o âmbito ôntico e o horizonte do manipulável. Nessa perspectiva, tornase claro o convite de Heidegger, sugerido pela entrevista, a colocar em prática um “outro pensar”, depois do fim da filosofia, que seja capaz de despertar o homem para aquela dimensão ulterior que permanece escondida no febril planejamento técnico.

O terceiro capítulo aborda a reflexão heideggeriana sobre a arte e pretende mostrar a sua importância para uma plena compreensão do ser humano. A esse respeito, a autora propõe uma reformulação do conceito de “ser-aí”, tradução corrente do termo alemão Dasein, que nos ajuda explicar o papel da arte na realização existencial: o Da-sein é o “aí-do-ser”, ou seja, o lugar em que o ser se manifesta e ilumina. A arte constitui uma modalidade exemplar por meio da qual o Dasein realiza esse seu posicionamento essencial, na medida em que, criando a obra, funda um espaço, um “aí”, para o descobrir-se do ser. Ao cumprir essa função, a arte tem, de acordo com a autora, uma vantagem sobre o pensamento. Se o pensar só raramente seria capaz de ser mais do que uma preparação da possibilidade do encontro homem-ser, na arte, diversamente, essa reunião se daria de maneira direta e imediata. Partindo dessas coordenadas gerais, o terceiro capítulo segue a evolução da longa reflexão heideggeriana sobre a arte, esclarecendo, em particular, o contexto especulativo – a exploração da verdade e do seu acontecer histórico-epocal – que leva Heidegger a focalizar a arte no começo dos anos 1930. A autora se afasta da tese de Pöggeler, segundo a qual a abordagem heideggeriana da arte seria uma simples fuga romântica depois da desilusão política (cf. Pöggeler, 1972), reivindicando, pelo contrário, a íntima ligação dessa abordagem com o percurso especulativo do filósofo e, sobretudo, a função privilegiada que ela vem a assumir servindo a Heidegger de premissa indispensável para a reflexão posterior sobre a técnica. Adotando uma perspectiva diacrônica, a autora defende que as conferências sobre a origem da obra de arte dos anos 1930 (Heidegger, 2002, pp.5-94) já contêm as linhas essenciais da concepção heideggeriana sobre a arte, a qual não seria depois posta em questão, mas só retocada parcialmente nos anos 1950 e 1960 para ser integrada à reflexão sobre a essência do mundo técnico e sobre a Quadrindade ( Geviert ). Para oferecer um exemplo e uma demonstração dessa tese, a autora passa a traduzir e analisar um breve texto heideggeriano do ano de 1955 sobre o quadro de Rafael, a Madonna Sixtina. Esse escrito não somente conteria todos os elementos-chave definidos na reflexão dos anos 1930, mas também acrescentaria tanto uma meditação mais consciente sobre o destino da obra de arte na época contemporânea, quanto a referência ao conceito de Quadrindade, implícito na ideia de um encontro entre o celestial e o terreno na imagem artística. O quarto capítulo se abre com a afirmação de que a consideração heideggeriana da arte está centrada, desde o começo até o final, na crença básica de que a obra representa o ponto de intersecção entre, por um lado, homem e ser e, por outro, entre humano e divino. Em cada fase da sua história, a arte continuaria a executar essa tarefa, oferecendo-se como manifestação do invisível, como espaço de epifania do sagrado. O que muda é, na visão da autora, a maneira como o homem, em diferentes épocas, experiencia o sagrado: se, no mundo grego, o homem parecia dócil e temeroso frente à poderosa manifestação divina, na época contemporânea ele tem apenas um contato frágil com o sagrado através das experiências da morte e da ausência. A autora estuda como exemplos desses dois extremos do processo histórico da arte, por um lado, a figura imponente do templo grego, referência favorita de Heidegger nos anos 1930; e, por outro, a arte minimalista de Klee, à qual o filósofo se aproxima, sobretudo na década de 1960, vendo, na obra do artista, um testemunho da arte pós-metafísica.

No quinto capítulo, a análise se dirige a duas traduções/interpretações que Heidegger conduz a respeito do primeiro estásimo da Antígona de Sófocles: em 1935, no contexto do curso Introdução à Metafísica e, em 1943, para preparar uma edição privada como presente de aniversário a sua esposa. Esse trabalho de assimilação do texto grego, de intensidade análoga àquele dedicado por Hölderlin à mesma fonte nos anos de 1799 e de 1802-1803, é considerado pela autora como um laboratório fundamental para a gênese da concepção heideggeriana da técnica. No comentário interpretativo do estásimo, desenvolvido no curso Introdução à Metafísica, começa a anunciar-se o interesse de Heidegger pela questão da técnica, a qual se tornará tema central a partir dos anos 1950. Com base no texto de Sófocles, Heidegger elabora uma ontologia da essência do humano como ser duplamente inquietante ( unheimlich ): num sentido positivo, ele é unheimlich em virtude do seu poder criador e violento que força o ser a manifestar-se no ente; por outro lado, o ser humano se revela terrível também num sentido negativo, podendo perverter a sua energia criativa num exercício de controle e de programação rígida que oprime a livre doação do ser. O sexto capítulo examina o particular estilo de pensar posto em prática nos Beiträge zur Philosophie de Heidegger. O problema que surgiu na elaboração dessa obra, e que deve ter sido um motivo para a decisão heideggeriana de não a publicar imediatamente, foi o de individuar uma linguagem adequada para captar e manifestar o Ereignis. A autora traduz esse conceito fundamental dos Beiträge como “acontecimento propício ”, destacando, assim, tanto o aspecto de apropriação recíproca (sublinhado na ressonância da raiz latina prope ), quanto a componente cairológica do instante propício em que acontecem simultaneamente o lance do ser ( Zuwurf ) e o projeto humano ( Entwurf ). Como o ser é em si indizível, o pensar que lhe pode dar voz é nomeado por Heidegger de “sigética” (com referência ao verbo grego sigân, “calar”) e é caracterizado, por um lado, como um acolher cauteloso e reservado, não impositivo; e, por outro, como um dizer não assertivo, mas questionador, aberto e itinerante. Esse estilo de pensamento, que deixa para trás os sistemas da metafísica, é enraizado no afeto fundamental ( Grundstimmung ) da reserva ( Verhaltenheit ), entendida como proximidade discreta e receptiva ao acontecimento do ser. O reconhecimento desse enraizamento do pensar na dimensão afetiva é bem detectado pela autora e a leva à justa intuição de identificar o medium da inter-relação entre ser e homem na disposição ( Stimmung ), na “porosidade afectiva” (p.151). Desse acolhimento afetivo do lance do ser surge um pensar que se configura como obra de arte arquitetônica ou musical, na medida em que ele oferece ao ser um espaço internamente construído e articulado (na sequência harmônica das chamadas “fugas”) para a sua manifestação.

No sétimo capítulo, expõe-se a concepção heideggeriana da técnica, com base no escrito Die Frage nach der Technik, publicado em 1954. Pensar a técnica representa a tarefa fundamental do “outro pensar”, pela qual Heidegger pretende ultrapassar a metafísica. Querendo imprimir à sua reflexão uma marca estritamente ontológica, Heidegger distancia-se tanto de uma abordagem ética, que implicaria uma tomada de posição a favor ou contra a técnica, quanto da concepção vulgar desse fenómeno enquanto instrumento funcional às finalidades humanas. A forma de relacionamento técnico em que o homem moderno está preso, ou seja, o desfrutamento calculador da natureza para fins de autoconservação, pode ser compreendida plenamente somente a partir do reconhecimento da essência da técnica, que consiste no chamado Ge-stell.

Segundo a autora, esse termo conceitual não é “infeliz”, mas é muito adequado, pois permite explicar três traços fundamentais da técnica. Em primeiro lugar, o prefixo ge revela que essa palavra define um conjunto de comportamentos sociais e humanos e que, aliás, é o resultado de um processo genético. Em segundo lugar, o verbo stellen evidencia o ato do pôr, que é ambivalente, pois indica tanto o “deixarser” da techne grega, isto é, o libertar a natureza para a sua luminosa manifestação no ente produzido, quanto a tendência a im -por, típica da racionalidade moderna.

Finalmente, Ge-stell traz à mente a Gestalt, a figura, sendo que a técnica é a forma, o esquema prévio aplicado à realidade para torná-la correspondente à exigência de uma vontade dominadora e interessada na conservação e no progresso do bemestar humano. A tradução mais apropriada para exprimir essa tripla determinação presente no termo Ge-stell é, de acordo com a autora, a de “com-posição”. Partindo dessa precisa análise lexical, a autora descreve a essência da técnica moderna como uma “estrutura estruturante”, pois ela é, ao mesmo tempo, tanto a configuração moderna da relação homem-ser e quanto aquilo que determina de antemão cada comportamento humano. Ao expor o raciocínio heideggeriano, a autora sublinha, enfim, a duplicidade, a natureza de Jano, da técnica moderna, a qual não representa somente o perigo extremo, enquanto esquecimento do ser, mas contém em si também a chance de salvação. Essa última repousa no vínculo originário homem-ser, que ainda é perceptível, embora fracamente, em nosso mundo técnico. A experiência repentina desse vínculo pode levar o homem a recuperar o sentido primitivo da técnica que estava em vigor no mungo grego, e a exercer um saber criativo, que não é mais um fazer opressivo, mas um pôr-se-em-obra da verdade.  No último capítulo do livro, a autora volta à questão da técnica e esclarece a sua íntima conexão com a da arte. Com a publicação do texto Die Frage nach der Technik, a meditação heideggeriana sobre a arte, iniciada nos anos 1930, chegaria ao seu pleno desdobramento. Nesse texto, seria trazido à luz e explicitado um elemento que, nas conferências dos anos 1930, ainda permanecia implícito: o da união profunda entre arte e técnica em virtude da sua comum proveniência, a techne grega. No seu sentido autêntico, arte e técnica são modos da techne, isto é, do pôr-se-em-obra da verdade do ser. Contudo, esse “pôr”, no mundo grego, correspondia, de maneira dócil e cheia de assombro, ao desencobrir-se do ser. Assim, foi apenas a partir da modernidade que se perdeu a capacidade de se surpreender, e que se afirmou a necessidade de certeza e segurança – a qual transformou o saber produtivo originário num ávido projeto calculador. A única salvação que se delineia para a nossa época é aquela que consiste na realização do “passo atrás”, isto é, na recuperação do perdido sentido antigo da técnica como saber produtivo, respeitoso da dinâmica de manifestação-retraimento do ser. Nisso resume-se, substancialmente, a mensagem da conferência de Atenas de 1967, intitulada A proveniência da Arte e a determinação do Pensar, cuja abordagem representa a conclusão do livro e o ápice da longa interrogação heideggeriana sobre a essência da arte. Depois dessa breve exposição das teses principais defendidas no texto, gostaríamos de apontar algumas questões que são aludidas pela autora, sem, contudo, ser objeto de uma tematização detalhada, e que estimulam possíveis caminhos para um aprofundamento futuro.

Para uma plena compreensão da reflexão heideggeriana sobre a arte, parecenos imprescindível levar em conta os Beiträge zur Philosophie, nos quais a arte é definida, ao lado de outros modos, como uma das vias de abrigo ( Bergung ) da verdade no ente. Dentre esses outros modos, é mencionada a fabricação de utensílios (cf. Heidegger, 2015, §32, p.73) 1, isto é, a técnica artesanal. Então, no conceito de Bergung, Heidegger pensa, já nos anos 1930, a essência comum da arte e da técnica, ambas as quais são, no seu sentido autêntico e primordial, produções capazes de incorporar a verdade do ser no ente produzido. Além disso, com os Beiträge, cujo projeto já está fixado no seu núcleo central em 1932, surge o primeiro contexto de investigação sobre a essência da técnica moderna, que aqui é designada como maquinação ( Machenschaft ). A esse respeito, não se pode esquecer que, dentre os sintomas da época da maquinação, é mencionado o generalizado mal-entendido acerca da essência da arte, a qual – observa Heidegger – está sujeita hoje ao consumo cultural e é reduzida a mero estimulador de vivências subjetivas ( Erlebnisse ) (cf.

idem, § 56, p.116; § 44, p.92). Essa referência aos Beiträge permite afirmar que, desde a sua primeira concepção, a reflexão heideggeriana sobre a arte está ligada à meditação sobre a técnica: o que Heidegger argumentará nos anos 1950 e 1960 é apenas um desenvolvimento mais amplo do que está contido de forma substancial nos Beiträge. Já nos anos da elaboração (desde 1932) e, depois, da redação dos Beiträge (1936-1938), Heidegger, portanto, não somente concebia a arte como uma maneira de abrigar a verdade ao lado da produção técnica de utensílios (no sentido da techne grega), como também estava perfeitamente ciente do risco ao qual a arte está submetida na época da maquinação. Mas isso não é tudo. Muitos anos antes da conferência de Atenas, Heidegger formulara de maneira explícita, embora ainda de forma interrogativa, a ideia de “uma outra origem da arte” (idem, § 277, p.489), isto é, a possibilidade de que ela volte a ser novamente um meio para a fundação da verdade. A confirmação dessa possibilidade parece vir das anotações heideggerianas sobre a arte de Klee. De fato, o artista personifica, aos olhos de Heidegger, a figura exemplar do “vindouro” (um dos poucos raros Zukünftige de que Heidegger fala nos Beiträge ). Enquanto vindouro, Klee está imerso no afeto fundamental da reserva e na experiência autêntica da morte e, por isso, está receptivo para o dar-se do ser e o acenar do “deus derradeiro ” ( letzter Gott ). Em última análise, vê-se que a própria obra dos Beiträge, e a filigrana conceitual aqui delineada, lançam luz sobre toda a sua produção posterior. É essa obra que representa a “chave hermenêutica” para compreender tanto a filosofia da arte heideggeriana quanto a reflexão sobre a técnica 2, mas, sobretudo – ao que nos parece – para entender a conexão entre elas.

Com a menção dos conceitos heideggerianos de afeto fundamental e de deus derradeiro, levantam-se duas outras questões que podem integrar, de maneira frutífera, o já rico conjunto de problemáticas abordadas pela autora: 1. para compreender a arte é necessário meditar de maneira essencial sobre a essência da Stimmung, do afeto ou da tonalidade; 2. a arte é possibilidade de abertura àquela que poderíamos chamar de “transcendência teológica”. Nesse contexto, pode-se oferecer só algumas sugestões nas duas direções mencionadas. No que diz respeito ao primeiro ponto, a possibilidade de “ uma outra origem da arte” parece-nos depender tanto da experiência real da Grundstimmung pelo artista e pelos espectadores, quanto de uma compreensão filosófica transformada, não-metafísica, da afetividade.

Se o sentir é reduzido a mero Erlebnis, isto é, a emoção superficial, autocentrada e pobre de verdade, a arte é destinada a sucumbir (cf. Heidegger, 2002, pp.85-6).

De fato, como emerge claramente do curso sobre os hinos de Hölderlin dos anos de 1934-1935 (cf. idem, 2004), a obra pode surgir somente de um afeto fundamental e da experiência de verdade que ele oferece. Isso significa que o saber produtivo autêntico, tanto aquele artístico quanto aquele técnico, está sempre fundado na Grundstimmung, pois a afetividade é o medium do encontro entre homem e ser (como já mencionado justamente, mas só brevemente, pela autora). Voltando ao segundo ponto, a arte possibilita a chamada “transcendência teológica”, isto é, a relação do homem com o divino, que transparece na ideia heideggeriana do deus derradeiro. O motivo dessa revelação concedida pela arte está implícito no fato de que a obra é o que funda a verdade do ser. Sabe-se, de fato, que já nos Beiträge Heidegger distingue o seu conceito de ser daquele de deus, e que ele considera o acontecimento do ser como o horizonte em que o deus se pode ainda manifestar (cf.idem, 2015, § 123, pp.236-238 e § 126, pp.239-240). Portanto, se a obra funda o ser, ela desenrola, assim, o horizonte em que o homem poderia, talvez, encontrar deus.

O desenvolvimento das duas questões delineadas precisaria, enfim, de um esclarecimento genuíno da Geworfenheit típica da obra de arte. A sua Geworfenheit não exprime somente o fato de que a obra está situada no âmbito mundano e está exposta ao consumo e à decadência. A Geworfenheit da arte sugere o que Platão, de maneira poética, exprimia na ideia da manía erótico-criativa enquanto dom de deus. Analogamente, a arte é, segundo Heidegger, sempre o fruto de uma dádiva que provém do ser. Além disso, o que se pode extrapolar da reflexão inteira do “segundo” Heidegger é a ideia de que esse lance do ser consiste na kháris, isto é, na dinâmica de uma Stimmung originária, sobre-humana e sobre-linguística, que é amor que possibilita, Mögen que ermöglicht (cf. Heidegger, 2005, p.12) 3. Seguindo essa linha de leitura, aqui só esboçada, a arte resulta ser, em última análise, a resposta hermenêutica possibilitada pelo acontecimento “pático” ou afetivo daquela doação originária.

Notas

1 Veja-se também: Heidegger, 2015, § 242, p.378; § 243, p.379

2 Veja-se: Herrmann Von, 1997, pp.75-86 e também Herrmann von, 1994.

3 Ver também: Heidegger, 2006, p.180.

Referências:

Heidegger, M.( 2002 ). “ A origem da obra de arte”. In: Caminhos de Floresta. BorgesDuarte, I. (ed.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

___________. (2004).Hinos de Hölderlin.Tradução de Lumir Nahodil.Lisboa: Instituto Piaget.

___________.(2005).Carta sobre o Humanismo. Tradução de Rubens Eduardo Frias São Paulo: Centauro.

___________.(2006).“…poeticamente o homem habita…”. In: Ensaios e conferências.Tradução de Emmanuel Carneiro Leã o, Gilvan Fogel e Marcia Sá Cavalcante Schuback. 3ª ed. Petrópolis: Vozes.

___________. ( 2015).Contribuições à filosofia (Do Acontecimento Apropriador) Tradução de Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Via Verita.

Herrmann von, F.-W. ( 1994).Wege ins Ereignis. Zu Heideggers »Beiträgen zur Philosophie«. Frankfurt a.M.: Klostermann.

___________. (1997). „Die „Beiträge zur Philosophie“ als hermeneutischer Schlüssel zum Spä twerk Heideggers”. I n : H appel, M. ( Org.) Heidegger neu gelesen. Würzburg : Königshausen und Neumann, pp.75-86.

Pöggeler, O. (1972).Philosophie und Politik bei Heidegger. Friburg/München: Alber

Chiara Pasqualin – Universidade de São Paulo. [email protected]

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Hegel-Husserl-Heidegger – GADAMER (FU)

GADAMER, H-G. Hegel-Husserl-Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2012. Resenha de: KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S. Filosofia Unisinos, São Leopoldo, v.15, n.1, p.84-87, Jan./abr., 2014.

O nome de Hans-Georg Gadamer (1900-2002) se confunde com a ideia de hermenêutica. Esta afirmativa se legitima ao conhecermos as contribuições que o filósofo trouxe a esse campo de saber. Retirar a hermenêutica do registro metódico, que fazia com que esta ainda permanecesse distanciada de seus objetos, trazendo-a para o domínio filosófico (nas esferas estética, histórica e da linguagem) talvez tenha sido o mais significativo acréscimo do pensamento gadameriano (Rohden, 2002). Não se pode, contudo, em detrimento de suas ideias próprias, desconsiderar as apropriações que o autor faz das figuras filosóficas que, de alguma maneira, se encontram atreladas à hermenêutica e fenomenologia contemporâneas. Com vivo interesse hermenêutico, Gadamer comenta pensadores que influíram decisivamente em sua formação acadêmica, em sua síntese filosófica original e, de modo mais amplo, na cena intelectual do século XX. Valendo-se de ensaios, conferências e falas de circunstância, o autor nos oferece, com a clareza que lhe é habitual, interpretações que – além de sempre contar com a atitude hermenêutica fundamental – se beneficiam da experiência deste que não apenas viveu as ideias do século passado quanto conviveu com alguns de seus propositores.

Algumas dessas interpretações estão já disponíveis em português na série Hermenêutica em retrospectiva, editada entre os anos 2007-2008 pela Editora Vozes (Gadamer, 2007a, 2007b, 2007c, 2007d, 2008). Recentemente, sob o mesmo selo editorial, o leitor brasileiro passou também a contar com mais dessas leituras de Gadamer enfeixadas sob o título de Hegel-Husserl-Heidegger. Com esta entrada, chegamos a nutrir expectativas (em parte induzidos pelo distinto e quase homônimo capítulo que Sartre [1997] consagra aos três filósofos no interior de O ser e o nada) quanto ao livro tratar-se de um único e coeso ensaio que tentaria mesclar as ideias dos três filósofos. Entretanto, mesmo vendo nossas expectativas neste sentido dissipadas, a obra, coletânea de textos de diversas épocas, não deixa de gratificar os interessados em questões hermenêuticas e fenomenológicas, bem como, pontualmente, os pesquisadores dos referidos filósofos germânicos.

Equivalendo ao terceiro volume das Obras Reunidas (Gesammelte Werke), Hegel-Husserl-Heidegger traz 28 escritos distribuídos em três partes referentes aos filósofos nomeados no título. Desiguais em número de textos, as partes são também diferentes em extensão e gênero; alguns são longos ensaios e, outros, recensões e alocuções menores.

É isso que se vê na primeira seção, composta por cinco escritos sobre Hegel: “Hegel e a dialética antiga” (p. 13-46), “O mundo às avessas” (p. 47-69), “A dialética da autoconsciência” (p. 70-92), “A ideia da lógica hegeliana” (p. 93-121) e “Hegel e Heidegger” (p. 122-140). No primeiro tópico, temos a tentativa de Gadamer (que também era filólogo clássico) de pensar a dialética antiga em sintonia com a moderna; nos demais, é possível entrever o procedimento hermenêutico do autor ao caracterizar a filosofia da subjetividade hegeliana a partir da noção de “entendimento” na Fenomenologia do espírito e nas doutrinas da Lógica maior. Embora Gadamer seja bem pouco pretensioso frente a estes trabalhos que, para ele, apenas contribuiriam para “se aprender a soletrar Hegel” (p. 8), nosso autor se mostra um distinto leitor de Hegel, mostrando-se familiarizado com a literatura que – de Rosenkranz a Kojève – compõe o repertório crítico junto ao qual os problemas hegelianos se adensam e se esclarecem.

Proporcionalmente reduzida é a seção reservada a Husserl. Isto, no entanto, não significa que Gadamer atribuía importância menor ao fundador da Fenomenologia. Reconhecendo a extensão e magnitude do pensamento de Husserl, Gadamer nos oferece um conjunto de recensões outrora publicadas no periódico Philosophische Rundschau; com essas, pretende escutar, uma vez mais, o que foi dito por Husserl e estabelecer os acentos cabidos aos pontos de convergência e ressonância da fenomenologia. Isso pode ser conferido em textos como: “O movimento fenomenológico” (p. 143-199), “A ciência e o ‘mundo da vida’” (p. 200-216) e “Sobre a atualidade da fenomenologia husserliana” (p. 217-232). Entre os três títulos, voltemos nossas atenções ao primeiro. Neste longo escrito, encontramos uma apresentação muito didática dos termos da fenomenologia husserliana em seus objetivos, aspectos metódicos e, principalmente, seus objetos de crítica (a teoria do conhecimento, a ideia de sujeito e outras hipostasias). Um pouco do nível dos textos que Gadamer consagra a Husserl, e uma ideia do que o leitor interessado nessa fenomenologia encontrará nessa segunda parte do livro, pode ser apreciado nas seguintes linhas:

A fenomenologia não era menos crítica em relação aos hábitos do pensamento da filosofia contemporânea. Ela queria dar voz ao fenômeno, ou seja, ela buscou evitar toda e qualquer construção indemonstrável e colocar à prova criticamente o domínio autoevidente de teorias fi losóficas. Assim, ela considerava, por exemplo, uma construção marcada por preconceitos, quando se procura deduzir todos os fenômenos da vida social humana de um único princípio, por exemplo, a partir do princípio da maior utilidade ou mesmo a partir do princípio do prazer. Mas ela se remete sobretudo contra a construção que imperava na outrora disciplina fundamental da filosofia: a teoria do conhecimento (Gadamer, 2012, p.144).

Dentre as três seções componentes do livro, a mais substancial é a terceira. Inteiramente dedicada a Heidegger (o que denota que é sobre este que recai a ênfase do livro), seus ensaios, conferências e discursos não são inteiramente inéditos, já tendo sido publicados originalmente entre os anos de 1964-1986. Na maioria desses escritos é possível identificar o interesse gadameriano em caracterizar o pensamento de Heidegger em dois tempos: o antes e o depois da chamada “virada hermenêutica”.

Dos 20 textos sobre Heidegger, chama-nos atenção “Existencialismo e filosofia da existência” (p. 235-249). Esta distinção entre o pensamento do filósofo de Freiburg e a dita corrente existencialista poderia ser considerada uma temática “requentada” se fosse desconsiderado o fato de ele ter sido escrito em 1981, época em que se vivia uma verdadeira voga existencial ou um momento em que, como diz Gadamer (2012, p.235): “O que não era existencial não contava”. Problematizando a designação em pauta, nosso comentarista apresenta os termos das filosofias da existência na Alemanha e dos motivos da aversão de Jaspers e Heidegger ao rótulo. Gadamer ainda nos mostra o quanto reflexões desses autores apropriam certo “pathos existencial” presente na obra de pensadores fundamentais como Kierkegaard, Nietzsche e Husserl. Tal texto, se lido diante da consideração de seu contexto de época, ainda se presta a reforçar o quanto a filosofia de Heidegger não é existencialista.

O texto “História da filosofia” (p. 398-412), também de 1981, é outro que se destaca do conjunto. Lançando um olhar inteligente sobre o tema, Gadamer procura estabelecer um lugar para a história da filosofia no pensamento de Heidegger. Com isso, reforça o quanto, em Heidegger, a história da filosofia é menos historiografia dos problemas do pensamento do que questionamento filosófico propriamente.1 Entretanto, ao tomar este caminho, Gadamer se vê instado a tratar, também, do conceito heideggeriano de história, este que, como sabemos, possui acepções diversas em diferentes épocas (como se vê nos primeiros trabalhos de Heidegger, implicando as noções de historicidade e temporalidade existenciais e nos encaminhamentos para a obra tardia do filósofo, na qual a “história do ser” ganha proposição e relevo). Antes, porém, de chegar a esse ponto, Gadamer faz uma reconstrução histórica do conceito de história da filosofia mostrando o quanto ele surge do gesto inaugural de Hegel; como ganharia a acolhida de Schleiermacher; receberia contributos da escola histórica de Berlim e de pensadores a esta ambientados (como é o caso de Dilthey) e mereceria críticas quando é assumido como “história das ideias” no bojo do movimento neokantiano (em especial com Windelband).

“Martin Heidegger, 75 anos” (p. 250-264), “O pensador Martin Heidegger” (p. 298-305), e “Martin Heidegger, 85 anos” (p. 350-361) são discursos comemorativos por ocasião de aniversários do filósofo. Nesses (mais do que o registro de apreço de Gadamer a seu mestre) se encontra uma narrativa detalhada da trajetória de Heidegger, com ênfase em seus excitantes momentos iniciais. Longe do tom retórico e das formalidades (geralmente recorrentes em falas similares), o relato de Gadamer assume, por vezes, o tom de um memorialismo refinado. Em meio ao exercício de apresentar traços personais do filósofo, ilustrar o rigor de sua atitude fenomenológica, compreender seus conceitos fundamentais e revisitar as críticas voltadas à sua filosofia, é possível identificar o esforço de Gadamer em marcar suas posições frente ao pensamento de Heidegger, ou, como confessa o próprio Gadamer (2012, p.9):

Foi necessário o distanciamento que a conquista de um nível próprio pressupõe, até que eu estivesse respectivamente em condições de destacar a tal ponto o meu acompanhamento dos caminhos de Heidegger de minha própria busca por um caminho e uma senda, que eu pudesse apresentar por si mesmo o caminho do pensamento de Heidegger.

É claro que o recorte específico dado por nossa resenha não faz com que prescindamos da leitura dos demais textos do compêndio: “A teologia de Marburgo” (p. 250-264), “O que é metafísica?” (p. 281-285), “Kant e a virada hermenêutica” (p. 286-297), “A linguagem da metafísica” (p. 306-317), “Platão” (p. 318-332), “A verdade da obra de arte” (p. 333-349), “O caminho até a viragem” (p. 362-381), “Os gregos” (p. 382-397), “Há uma medida sobre a terra?” (p. 446-470), “Sobre o início do pensamento” (p. 507-531), “Em meio ao retorno ao início” (p. 532561) e “O caminho uno de Martin Heidegger” (p. 562-580). Afinal, estes escritos ajudam a introduzir o pensamento de Heidegger mostrando o quanto o autor foi tão obstinado quanto intrépido ao se afastar da filosofia e linguagem tradicionais, encaminhando-se a um pensamento novo e renovador.

Ao fim, é preciso indicar que, embora o título sugira apenas o universo de Hegel, Husserl e Heidegger, também comparecem no horizonte da obra autores (direta ou indiretamente) ligados ao pensamento dos primeiros. Destarte, vale conferir como Gadamer se posiciona frente a Natorp, Scheler e Hartmann.

Notas

1 Isso já poderia ser conferido pelo leitor brasileiro na preleção História da filosofia, de Tomás de Aquino a Kant (Heidegger, 2009).

Referências

GADAMER, H-G. 2012. Hegel-Husserl-Heidegger. Petrópolis, Vozes, 608 p.

GADAMER, H-G. 2007a. Hermenêutica em retrospectiva: Heidegger em retrospectiva. Petrópolis, Vozes, vol. 1, 132 p.

GADAMER, H-G. 2007b. Hermenêutica em retrospectiva: a virada hermenêutica. Petrópolis, Vozes, vol. 2, 212 p.

GADAMER, H-G. 2007c. Hermenêutica em retrospectiva: hermenêutica e a filosofia prática. Petrópolis, Vozes, vol. 3, 95 p.

GADAMER, H-G. 2007d. Hermenêutica em retrospectiva: a posição da filosofia na sociedade. Petrópolis, Vozes, vol. 4, 131 p.

GADAMER, H-G. 2008. Hermenêutica em retrospectiva: encontros filosóficos. Petrópolis, Vozes, vol. 5, 119 p.

HEIDEGGER, M. 2009. História da filosofia, de Tomás de Aquino a Kant. Petrópolis, Vozes, 271p.

ROHDEN, L. 2002. Hermenêutica filosófica: entre a linguagem da experiência e a experiência da linguagem. São Leopoldo, Editora Unisinos, 317 p.

SARTRE, J.P. 1997. Husserl, Hegel, Heidegger. In: J.-P. SARTRE; P. PERDIGÃ O, O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Petrópolis, Vozes, p.302-325.

Roberto S. Kahlmeyer-Mertens – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Toledo, PR, Brasil. E-mail: [email protected]

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Vidas em risco: crítica do presente em Heidegger, Arendt e Foucault – DUARTE (ARF)

DUARTE, André. Vidas em risco: crítica do presente em Heidegger, Arendt e Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. Resenha de: FERNANDES, Antônio Batista. Argumentos – Revista de Filosofia, n.7, p.135-140, 2012.

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