Con los vientos del Cordobazo. Los trabajadores clasistas en tiempos de violencia y represión | María Laura Ortiz

A cincuenta años del Cordobazo, María Laura Ortiz nos invita a reflexionar sobre el mundo obrero cordobés con esta exhaustiva investigación. Enmarcada en un análisis históricamente situado que vincula coyunturas con estructuras y acciones sociales con condiciones de posibilidad, la autora realiza una relectura de la emergencia y la trayectoria del clasismo cordobés entre 1969 y 1982. A partir del reconocimiento de otras propuestas interpretativas, este estudio profundiza en los vínculos entre la cultura obrera local y las prácticas sindicales clasistas poniendo en cuestión diversas perspectivas nacionales generalizadoras. La estructura del trabajo reposa en una (re)conceptualización del clasismo que supera definiciones estáticas y dicotómicas en torno a la identidad clasista y las tradiciones políticas con las que se identifican.

A los efectos de ampliar las pesquisas y superar ciertos esquemas y barreras historiográficas, Ortiz recupera memorias del pasado reciente y objetiva los sentidos que subyacen en las tradiciones obreras, indagando en fuentes inéditas – como los “archivos de la represión” – mediante el uso de una pertinente metodología científica propuesta por la historia oral y cultural que dota de originalidad al texto. Dos partes organizan la investigación, siendo la primera la que por un lado refuerza aquella conceptualización a partir de los aportes culturalistas de algunos autores como Raymond Williams, Eric Hobsbawm, Richard Hoggart y James Petras. Por otro lado, y al mismo tiempo, la noción de clasismo es reinterpretada a partir de la caracterización del modelo industrial cordobés, la lógica de funcionamiento entre lo industrial y lo territorial en la ciudad y las transformaciones económicas, sociales y culturales ocurridas con el Cordobazo, el Navarrazo y el golpe de Estado de 1976; acontecimientos que incidieron sobre las posibilidades de expresión de las organizaciones clasistas. Leia Mais

Manifestações de re-existência: a literatura em tempos de repressão | Literatura, História e Memória | 2020

“A América Latina está em chamas”, estampada em cartazes ou compartilhada pelas redes sociais, essa frase resumiu a soma de vários elementos que começaram a eclodir contemporaneamente no continente – a despossessão econômica gradativa das classes baixas e médias e a crescente concentração de renda nas mãos de um pequeno número de pessoas, o recrudescimento da violência policial contra comunidades periféricas e/ou manifestantes em protestos políticos, o enfraquecimento da democracia por meio de decisões judiciais e/ou criação de leis que contrariam explicitamente os princípios constitucionais, discursos políticos que incitam e/ou legitimam manifestações de ódio e violência social etc. Tal conjunto, não à toa, parece ecoar a dimensão espectral dos regimes totalitários que há algumas décadas assolaram o continente.

A literatura, sendo igualmente uma construção sócio-histórica, compartilha com a sociedade as condições materiais de existência; entretanto, visto ser também processo criativo, abandona a condição de ser meramente espelho social (CANDIDO, 2000) e se torna via de acesso para a compreensão, a denúncia e o rompimento de percepções automatizadas da realidade, torporizadas pelas reiteradas manifestações da violência social (GINZBURG, 2012) e dissimuladas por variados mecanismos ideológicos que negam a ferocidade nas relações com tantos “outros” intimidados, reprimidos, reificados e proscritos às margens (CHAUÍ, 2017). Além disso, a literatura também é um campo privilegiado para o surgimento de renovadas conformações estéticas, novas poieses a figurar, entre tantas relações, a articulação entre violência, repressão e sociedade. Leia Mais

Utopia e repressão: 1968 no Brasil – NUNES et al (FH)

NUNES, Paulo Giovani Antonio; PETIT, Pere; LOHN, Reinaldo Lindolfo (org.). Utopia e repressão: 1968 no Brasil. Salvador: Sagga, 2018. 355p. Resenha de: VENTURINI, Luan Gabriel Silveira. Um país de vários rostos, várias culturas e várias lutas: o ano de 1968 no Brasil. Faces da História, Assis, v.6, n.2, p.553-558, jul./dez., 2019.

Nesta coletânea, os professores Paulo Giovani A. Nunes, do Departamento de História da Pós-Graduação em História da UFPB, Pere Petit, associado da UFPA, e Reinaldo L. Lohn, do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em História da UDESC, organizam quatorze textos – divididos em capítulos – sobre o período da Ditadura militar brasileira em várias localidades do país, dando vida, assim, ao livro “Utopia e Repressão: 1968 no Brasil”, publicado no ano de 2018. Estes capítulos seguem, de certa forma, uma ordem de organização de acordo com a temática, nos quais grande parte dos textos tem como foco o tema entre memória e movimento estudantil universitário e secundarista, passando pela memória social e pela imprensa da época. Desse modo, vemos que as ações do Regime não se concentraram apenas nos grandes centros, pois movimentaram outros segmentos da sociedade na luta pelas liberdades, como estudantes secundaristas, indígenas, comunidades extrativistas, etc.

Torna-se necessário, portanto, destacar as motivações dos organizadores com a publicação da coletânea aqui apresentada. O intuito desses autores é mostrar, particularmente, os acontecimentos do ano de 1968 no Brasil ditatorial; momento de muitas agitações, manifestações, embates, perseguições e da imposição escancarada da repressão e censura, por meio do AI-5. Além disso, querem expor a enorme diversidade de atores sociais e também espacial, ou seja, apresentar que o Regime militar brasileiro e as suas determinações e consequências motivaram mais do que os principais políticos, artistas, estudantes, jornalistas e intelectuais das principais cidades brasileiras (Rio de Janeiro e São Paulo). Os capítulos irão revelar um país mais plural, afirmando a diversidade durante esse período da História.

No primeiro capítulo, “Papagaio que está trocando as penas não fala: autoritarismo e disputas políticas no Amazonas no contexto do golpe de 1964”, César Augusto B. Queirós analisa as disputas políticas no Estado do Amazonas, no contexto do golpe de 1964. O autor salienta a cassação do mandato do governador Plínio Ramos Coelho (PTB) e a consequente posse de Arthur César Ferreira Reis, político indicado à Assembleia Legislativa do Estado pelas Forças Armadas e pelo presidente Castelo Branco.

A coletânea segue para o próximo texto, permanecendo ainda na região Norte, só que agora o foco não são mais os políticos e, sim, os povos indígenas. Em “Os involuntários da pátria: povos indígenas e Segurança Nacional na Amazônia Ocidental (1964-1985)”, Maria Ariádina C. Almeida e Teresa A. Cruz destacam a situação dos povos indígenas no Estado do Acre, durante um momento em que se acentuavam as ações de controle e violência contra eles por parte de alguns órgãos do Governo Federal. Segundo elas, isso ocorria graças à doutrina de Segurança Nacional e ao objetivo de incentivar a integração tanto socioeconômica quanto cultural da Amazônia ao centro-sul do país. Elas não deixam de salientar a resistência desses povos e também a dos seringueiros na defesa dos seus territórios.

Já em “Memórias de luta: eventos estudantis contra a ditadura na ‘Fortaleza 68’”, há um deslocamento da região Norte para o Nordeste, além da mudança de objeto. O autor Edmilson A. Maia Jr. apresenta a memória sobre a organização do movimento estudantil e conta a trajetória dele em Fortaleza, desde a retomada das instâncias dos interventores, a partir de 1966, até o ápice deste movimento na capital cearense, que foi a Passeata dos Vinte Mil. O autor utiliza-se principalmente de fontes orais.

No próximo capítulo, o objeto de análise continua sendo o movimento estudantil, além do estudo acerca da imprensa na cidade de Florianópolis, ou seja, agora desloca-se para a região Sul. Em “1968 entre utopias e realidades. Imprensa e protesto estudantil: o caso de Florianópolis”, Reinaldo L. Lohn e Silvia Maria F. Arend analisam a complexidade entre imprensa e movimento estudantil com as mudanças sociais ocorridas naquele momento em diferentes cidades brasileiras, principalmente Florianópolis. Eles buscam demonstrar que a temática da juventude e da inovação social implicava tanto nos projetos de quem ia às ruas combater a Ditadura quanto também nutriam os empolgados com o crescimento econômico que estava transformando as cidades de porte médio no Brasil.

Novamente ocorre um deslocamento de cenário, agora para a região Sudeste, porém, o movimento estudantil e a imprensa continuam sendo os objetos de análise em “A UNE na mira da VEJA desde 1968”. A autora Maria R. do Valle ressalta as lutas deste movimento estudantil em São Paulo, a partir de 1968, não só contra a repressão política, mas também contra a narrativa elaborada pela grande imprensa – especialmente a VEJA – que estigmatizava os personagens e as tomadas de decisões do movimento, produzindo assim uma memória pejorativa em relação aos ativistas.

O movimento estudantil continua como objeto de estudos no trabalho de Paulo Giovani A. Nunes, que analisa a luta armada na região Nordeste. Assim como no trabalho de Edmilson A. Maia Jr., em “O ano de 1968 no Estado da Paraíba: militância estudantil e opção pela ‘luta armada’: trajetórias, história e memória”, vemos a trajetória e as memórias de alguns militantes de esquerda, vinculados ao movimento estudantil no Estado da Paraíba. Além disso, alguns estudantes optaram por participar da luta armada no Estado e, segundo o autor, faziam parte do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário).

A questão da memória estudantil continua como foco no trabalho “O poder jovem: memória estudantil e resistência política na obra de Arthur Poerner”, no qual Rodrigo Czajka e Thiago B. Castro observam a influência do livro O poder jovem, que trata da memória social elaborada acerca dos fenômenos sociais que definiram aquela geração (década de 1960). Segundo os autores, o livro ainda é considerado uma referência para o movimento estudantil.

Após alguns trabalhos sobre movimento e memória estudantil, há uma mudança no objeto de estudo no capítulo “Anticomunismo, evangelização e conscientização: igreja e trabalhadores rurais em Pernambuco (1968-1978)”, no qual Samuel C. de Maupeou estuda a atuação da Igreja Católica no meio rural do estado nordestino, especialmente na zona canavieira, mostrando que apesar do viés social, atuava nessa área com um caráter anticomunista. O autor ainda ressalta que apesar do movimento religioso ter defendido o Golpe de 1964, ele foi abalado após a tomada do poder pelos militares; e, com isso, houve a sua reorganização e uma nova articulação.

Seguindo nesse viés de análise da Igreja no contexto do Regime militar, em “Dominicanos, 1968”, Américo Freire discorre sobre a atuação dos religiosos da Ordem dos dominicanos na luta contra a Ditadura militar e como se tornaram alvos dos militares a partir dos contatos de frades com Carlos Marighella. Segundo o autor, as razões para o envolvimento deles na luta contra o Regime vão além das questões políticas.

No texto “O 68 no Rio Grande do Sul”, Enrique S. Padrós analisa a atuação do movimento estudantil secundarista na cidade de Porto Alegre e como as aproximações e os engajamentos com a luta armada estiveram interligados com aspectos da vida cultural, particularmente o teatro.

E no capítulo “1968, memória e esquecimento: como recordar a Bahia?” Lucileide C. Cardoso analisa, especialmente, as memórias acerca do movimento estudantil secundarista e universitário, que iniciaram suas lutas em 1966, mas chegaram ao auge das mobilizações em 1968, além de diferentes interpretações sobre fatos ocorridos no estado nordestino.

Em “Partidos e Eleições no Pará nos tempos da Ditadura Militar”, Pere Petit – assim como César Augusto B. Queirós na análise sobre o Estado do Amazonas – ressalta o desfecho do Golpe de 1964 no Pará e a consequente perseguição aos opositores “comunistas”, seguida pela cassação do mandato do atual governador Aurélio do Carmo. O autor também apresenta os resultados eleitorais de 1965 e a disputa pelo controle do partido ARENA entre duas principais lideranças golpistas no Estado, Jarbas Passarinho e Alacid Nunes.

No trabalho “Do uso das tecnologias e dos dispositivos de poder: ditadura militar e empresários na Amazônia”, em que Regina Beatriz G. Neto e Vitale J. Neto apresentam o processo de colonização e violência imposto no Mato Grosso como padrão de desenvolvimento econômico. Para isso, analisaram as alianças entre as elites econômicas e órgãos do governo federal e estadual, que ignoraram a territorialidade dos povos indígenas e dos extrativistas. Trata-se também de mais um trabalho sobre a região Amazônica no livro.

No último texto da coletânea, “Considerações sobre a ditadura civil-militar no sul de Mato Grosso (1964-1968)”, Suzana Arakaki analisa a atuação dos membros da Ademat (Ação Democrática de Mato Grosso) e também do Comando de Caça aos Comunistas no combate a esses “subversivos”, além do papel da imprensa da região antes e durante a Ditadura.

Como vimos, o intuito desta coletânea é apresentar aos leitores as diversas realidades brasileiras que compuseram o período de Ditadura militar, bem como a luta e resistência desses “novos” segmentos. Além disso, ela nos mostra possiblidades e objetos de pesquisa, que ainda são pouco explorados pela historiografia sobre o tema, como o uso das memórias na reconstituição da história dos movimentos estudantis, o papel das alianças entre grandes proprietários de terras e os órgãos do governo federal, a utilização de obras contemporâneas do período como forma de recuperar a memória social daquela geração etc. Assim sendo, trata-se de uma obra que traz importantíssimas contribuições e novos problemas de pesquisa.

Os organizadores cumpriram com o que se propuseram ao apresentar um Brasil plural durante a Ditadura militar, por meio da exibição de diversos cenários – tanto urbano quanto rural – e atores sociais do nosso território nacional. Desse modo, passaram por todas as regiões do país, isto é, mostrando que o Regime militar fez-se presente em cada região e não só nos principais centros. No entanto, o modo como organizaram e distribuíram esses temas no decorrer dos capítulos não valorizou a coletânea, uma vez que, aparentemente, o livro segue uma ordem de apresentação, mas em certos momentos é interrompida, ficando, assim, dispersas as regiões e assuntos que tinham relação um com o outro. Por exemplo, os dois primeiros capítulos tratam de temáticas da região Norte, sendo que o primeiro discorre sobre as questões políticas no Estado do Amazonas, antes e após o Golpe de 1964. A região Norte retorna ao livro no antepenúltimo capítulo, no qual Pere Petit também ressalta as questões políticas no Estado do Pará durante o processo do Golpe de 1964, ou seja, trata-se da mesma região e tema, que poderiam estar próximas na organização do livro.

Todavia, observamos ao longo dos capítulos a atenção dada ao tema da memória e, consequentemente, ao uso da fonte oral como recurso para se chegar a ela. No trabalho de Edmilson A. Maia Jr., por exemplo, a História Oral é utilizada como metodologia de pesquisa e constituição de fontes, permitindo “o registro de testemunhos e o acesso a ‘histórias dentro da história’ e, dessa forma, amplia as possibilidades de interpretação do passado” (ALBERTI, 2008, p. 155). Assim, a História Oral permite o estudo das formas como pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram as suas experiências, como vemos na narrativa de Maia Jr. sobre a trajetória de embates e resistência do movimento estudantil de Fortaleza. A combinação da história com a experiência relatada significa entender como pessoas e grupos experimentaram o passado, tornando possível questionar interpretações generalizantes de certos acontecimentos (ALBERTI, 2008).

Portanto, a História Oral é muito útil para a História da Memória, pois, segundo Alberti (2008), apesar das críticas no início – afirmando que as fontes orais diziam respeito às “distorções” da memória –, hoje em dia, os historiadores consideram a análise dessas “distorções” como a melhor forma de levar a compreensão dos valores coletivos e das ações de um grupo, como o caso dos movimentos estudantis.

Ela [a memória] é resultado de um trabalho de organização e de seleção do que é importante para o sentimento de unidade, de continuidade e de coerência – isto é, de identidade. E porque a memória é mutante, é possível falar de uma história das memórias de pessoas ou grupos, passível de ser estudada por meio de entrevistas de História oral. As disputas em torno das memórias que prevalecerão em um grupo, em uma comunidade, ou até em uma nação, são importantes para se compreender esse mesmo grupo, ou a sociedade como um todo (ALBERTI, 2008, p. 167).

Por fim, como nos sustenta René Rémond (2003), não há muitas realidades da nossa sociedade que o político não está presente, e isso vale para as memórias também. Admitindo-se, então, essa dimensão política no funcionamento da memória – já que seu caráter instituinte se realiza no campo conflituoso das escolhas, dos valores, dos significados –, os historiadores da memória tratam, segundo Meneses (2009), de examinar na contemporaneidade aspectos da memória politicamente marcados. Desse modo, a coletânea aborda constantemente temas relacionados à memória da Ditadura militar brasileira, especificamente a memória estudantil, que querem trazer um significado, transformando-se em elemento simbólico (MENESES, 2009), ou seja, a Ditadura em si é carregada de significados, formando uma memória coletiva a respeito dela; e as lutas e resistências destes segmentos também carregam significados próprios, formando também uma memória coletiva. Estas memórias coletivas convergem entre si e ajudam a formar a história da Ditadura militar brasileira.

Referências

ALBERTI, Verena. Fontes orais – Histórias dentro da História. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2008. p. 155-202.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Cultura política e lugares de memória. In: AZEVEDO, Cecília et. alli, (org.). Cultura política, memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009. p. 445-463.

NUNES, Paulo Giovani Antonio; PETIT, Pere; LOHN, Reinaldo Lindolfo (org.). Utopia e repressão: 1968 no Brasil. Salvador: Sagga, 2018. 355p.

RÉMOND, René. Do político. In: RÉMOND, René (org). Por uma história política. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. p. 441-454.

Luan Gabriel Silveira – Graduado em História pela UFMS/CPTL, Três Lagoas, estado do Mato Grosso do Sul (MS), Brasil. Professor substituto da Educação Básica. E-mail: [email protected].

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Informação, repressão e memória / Marcília Gama Silva

Entre os anos de 2012 e 2014, com a criação de diversas comissões da verdade no Brasil e próximo à passagem dos cinquenta anos do golpe civil-militar de abril de 1964, as discussões a respeito da derrubada do presidente João Goulart e do regime autoritário que se seguiu cresceram de maneira considerável, fomentando a realização de audiências públicas, reportagens especiais, seminários, documentários, filmes e, principalmente, novas e ricas produções bibliográficas. Uma destas produções, por exemplo, foi o livro da historiadora Marcília Gama da Silva, Informação, repressão e memória: a construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985), de 2014.

Fruto de sua tese de doutorado, defendida, em 2007, no Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Federal de Pernambuco, o livro, que tem uma agradabilíssima escrita, teve como foco estudar a “rede de informações” instalada, em Pernambuco, durante o regime militar (1964-1985), tomando como base o intercâmbio informacional criado entre o Departamento de Ordem Política e Social de Pernambuco (DOPS-PE) e os demais órgãos de informação em nível regional e nacional.

Ao se dedicar à questão da “espionagem/monitoramento/vigilância”, Marcília Gama se associou a um tema que, dentro da historiografia brasileira, tem crescido, qualitativa e quantitativamente, durante os últimos anos. O interesse por essa temática remonta à metade da década de 1980, quando importantes jornalistas lançaram sólidas obras, desnudando a face vil da comunidade de informações. Na década de 1990, uma nova contribuição ao tema foi dada com o lançamento de uma trilogia pela CPDOC da Fundação Getúlio Vargas (FGV), na qual os próprios militares expunham diretamente opiniões, pontos de vista, críticas ou elogios acerca de sua atuação no exercício do poder. Nos anos 2000, o tema teve uma nova alavancada com a publicação de centenas de artigos em revistas especializadas e a produção de riquíssimos trabalhos acadêmicos.

O estudo de Marcília Gama, portanto, ao tratar da questão do monitoramento feito pela ditadura, não apenas complementa as obras clássicas sobre o tema, mas, principalmente, por seu recorte espacial local e pela vasta documentação apresentada, avança no cerne da questão, trazendo à tona as nefastas atividades de informações produzidas pela ditadura em Pernambuco. Atividades que, além de levianas e fincadas no preconceito e na ignorância, eram conduzidas pela suspeição universalizada, ou seja, sob o lema da “inculpação”, já que partia da pressuposição de que todos poderiam ser subversivos, até que provassem o contrário.

O livro de Marcília é composto por três capítulos, ao longo dos quais se buscou refutar a tese de que as atividades de informação no Brasil eram precárias ou amadoras. Marcília procurou mostrar que longe de um amaradorismo, as atividades de informações faziam parte de uma complexa rede de especialistas que tudo buscava anotar, captar, ouvir, enxergar e arquivar. O grande desejo da comunidade de informações sempre foi, na verdade, o de ser onipresente. Para conseguir a tão sonhada vigilância total da população, a ditadura, por exemplo, contratou e/ou deslocou de outros órgãos centenas de agentes e peritos, utilizou centenas de agentes infiltrados nas organizações clandestinas e nos movimentos sociais, além de instigar, cotidianamente, considerável parcela da população a colaborar com as atrocidades cometidas pelo regime.

Uma das primeiras preocupações de Marcília foi mostrar como a questão das informações passou a ocupar um lugar estratégico dentro da ditadura, ou seja, como a extensa e dinâmica rede de informações serviu de base para a manutenção do próprio regime e de seu aparato repressivo. No primeiro capítulo da obra, ao analisar a conjuntura do pré-golpe de 1964, Marcília demonstrou que não é afeita a modismos historiográficos e ao recente “revisionismo historiográfico” que vem sendo denunciado nos últimos tempos, entre outros, pelos professores Caio Navarro de Toledo e Renato Lemos. E isto é um ponto digno de ser ressaltado, especialmente no atual momento historiográfico que apresenta uma notável relativização de certos eventos e agentes históricos.

Retomando análises clássicas de autores como René Dreifuss, Maria Helena Moreira Alves, José Comblin e Caio Navarro de Toledo (hoje, esquecidas ou descartadas por vários acadêmicos), Marcília apontou a atuação do “complexo IPES-IBAD” na desestabilização do governo João Goulart e, principalmente, o importante papel que a ESG desempenhou, durante os anos 60, como núcleo formador de opiniões, de visão de sociedade e de comportamento, através dos discursos proferidos, das palestras e cursos ministrados por civis e militares sobre a Doutrina de Segurança Nacional.

É de suma importância ressaltar que embora o livro de Marcília possa ajudar a entender a lógica e o modus operandi dos órgãos de segurança em Pernambuco, o foco da autora não foi o estudo da estrutura da repressão tout court, mas sim o desenvolvimento da complexa “rede de informações” montada pela ditadura nesse estado. A sua ideia foi enfatizar as rotinas policiais de investigação, mostrar as estratégias de vigilância e identificar os discursos policiais produzidos a respeito de alguns grupos, tais como os camponeses, estudantes e grupos de luta armada, que eram taxados de “comunistas”, “subversivos” e “perigosos” à ordem política e social do país. E tal escolha se deu justamente porque a autora entendeu que os conceitos “informação” e “repressão”, embora conexos, tinham objetivos e atuações diferentes dentro do regime.

Em outras palavras, apesar de absolutamente relacionadas, as atividades de informações (espionagem) e as de segurança (repressão) eram normatizadas, coordenadas e executadas em esferas próprias. Os órgãos de informação trabalhavam na busca, coleta, análise e “pescagem” da informação para alimentar os Inquéritos Policiais Militares, enquanto os órgãos de segurança atuavam diretamente no “estouro” de aparelhos, na prisão, nos interrogatórios, no combate direto ao inimigo.

A discussão sobre o “auxílio” do governo norte-americano para a montagem, robustecimento, atualização e modernização da polícia política e técnico-científica, em Pernambuco, no início da década de 1960, foi outro grande trunfo trazido por Marcília Gama para o conhecimento da nossa recente história política. Ela mostrou que Pernambuco – visto como um dos principais focos de comunismo e subversão do país – recebeu altas somas de dinheiro, recursos (transportes, equipamentos de escuta e telefonia etc.) e inúmeros cursos, no país e no exterior, destinados ao aperfeiçoamento de agentes públicos às atividades de informação e repressão. Para a autora, esse apoio financeiro e técnico foi completamente minado com a posse do governador Miguel Arraes, em janeiro de 1963, que desmontou o poderoso “programa de auxílio americano” chamado Ponto IV, gerando forte descontentamento por parte dos policiais estaduais e dos EUA. Com a deposição de Arraes em abril de 64, os acordos foram retomados, tendo a USAID fornecido, já no início de 1965, despesas de viagens e estadias para que técnicos americanos ministrassem “cursos de aperfeiçoamento” a policiais e gestores estaduais.

Em diversas passagens da obra, Marcília analisou com riqueza de detalhes, sobretudo por intermédio de excelentes diagramas, tabelas e organogramas, a superestrutura da polícia política em Pernambuco. Convém aqui ressaltar que a polícia política pernambucana não foi montada com o advento do golpe de 1964. Embora aperfeiçoada durante o regime militar, tal polícia foi montada ainda na década de 1930, através da Lei nº 71, de 23 de dezembro de 1935, com a clara finalidade de coibir o avanço do comunismo, cuja atuação era vista como grande ameaça à ordem, sobretudo após o levante comunista de novembro do mesmo ano, ocorrido em Natal, no Recife e no Rio de Janeiro. Seis segmentos passaram então a ser vigiados de perto pela recém-criada Delegacia de Ordem Política e Social de Pernambuco (DOPS): a imprensa, as entidades de assistência social (incluindo os sindicatos), determinadas lideranças; os partidos políticos e associações; a zona urbana (indústria, comércio e empresas) e a zona rural (os camponeses).

Em 1961, a Delegacia foi transformada em “Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)”, aumentando a vigilância e a repressão aos trabalhadores urbanos e rurais durante o governo Cid Sampaio (1959-1962). Essa “modernização” da estrutura policial atendeu à necessidade de aperfeiçoar a máquina estatal para o combate das ações consideradas “subversivas” (manifestações, protestos, greves, passeatas, pichações etc). Os corriqueiros abusos cometidos pela polícia estadual só foram contidos, de fato, com a posse de Miguel Arraes no início de 1963.

Contudo, com o advento do golpe de 64, os abusos foram retomados e intensificados pelo DOPS. Com a deflagração do golpe iniciou-se uma fase de puro ódio, uma verdadeira caça às bruxas. Somente nos primeiros dias de abril de 1964, quase duas mil pessoas foram presas em Pernambuco. Em milhares de casos, as prisões políticas não tinham formalidade legal. Entre as prisões, havia centenas de detenções por desavenças pessoais. Naquele contexto, nas águas da perseguição política, tudo era válido.

Nos limites desta resenha, importa valorizar a riqueza do trabalho de Marcília Gama e a sua contribuição para o conhecimento da polícia política pernambucana e das ações (legais e ilegais) da comunidade de informações, suas formas de atuação, a cadeia de comando, sua organização e funcionamento. No entanto, não poderia aqui de deixar de mencionar alguns problemas que permaneceram na obra. O primeiro, a meu ver, é a utilização da expressão “regime civil-militar”. A autora faz uso desse conceito sem problematizá-lo. É importante destacar que há, atualmente, uma rica discussão historiográfica sobre o caráter civil ou não do regime.

O segundo problema é a interpretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) como um “golpe dentro do golpe”. Na verdade, quando usamos essa expressão, muitas vezes, estamos refletindo a própria leitura feita pela “linha dura” a respeito do regime. Entre os anos de 1964 e 1968, o que grande parte dos meios de comunicação e do oficialato então denominava de “linha dura” ou de “força autônoma dentro das Forças Armadas” (autodeclarada a verdadeira guardiã dos princípios da “revolução”) foi se constituindo como um grupo de pressão muito eficaz e conquistando, paulatinamente, consideráveis espaços de poder no interior do governo. A caminhada e a evolução da presença desse grupo são essenciais para entender diversos episódios do regime, pois evidencia que o projeto repressivo baseado numa dura “operação limpeza” estava presente desde os primeiros momentos do golpe de 64. Neste sentido, o AI-5 deve ser entendido como o amadurecimento de um processo que se iniciara muito antes, e não uma decorrência dos episódios de 1968, diferentemente da tese que sustenta a metáfora do “golpe dentro do golpe”, segundo a qual o AI-5 iniciou uma fase completamente distinta da anterior.

O terceiro problema identificado na obra de Marcília é a larga utilização de expressões como “populismo”, “democracia populista”, “colapso do estado populista implantado por Vargas”, sem as devidas ponderações e críticas que esses conceitos certamente requisitam. Não vou aqui entrar no mérito da discussão sobre a utilização ou não do conceito de “populismo”, mas considero que Marcília deveria indicar ao seu leitor o aporte teórico-metodológico que estaria orientando os seus estudos.

Outra crítica que lanço ao trabalho da autora é a falta de discussão sobre a relativa diminuição de poder dos DOPSs após a criação e fortalecimento, no final da década de 1960 e início de 1970, de outros órgãos de informações no país (a exemplo do CIE, CISA e CENIMAR). Apesar da alta complexificação da estrutura do DOPS, o órgão passou a perder espaços de poder, ao longo dos anos 70, nas atividades de investigação e repressão política. A Doutrina de Segurança Nacional estabeleceu como seus órgãos centrais o recém-criado SNI e os órgãos de inteligência militares. Elaborando estratégias, produzindo informações e centralizando os informes estes órgãos eram, indubitavelmente, os agentes mais categorizados da repressão. O processamento e a elaboração das estratégias e “informações” estavam confiados aos órgãos centrais (SNI e agências militares); cabia ao DOPS, na maioria dos casos, municiá-los de “informes”.

Por fim – e talvez seja o mais problema sério da obra –, há o argumento de Marcília de que a ditadura encerrou-se no ano de 1979. Esta concepção, que tem os historiadores Daniel Aarão Reis e Marco Antonio Villa como os seus principais expoentes, é política e historicamente complicada. Já não bastasse a afirmação de que a ditadura brasileira foi uma “ditabranda” – pois teria sido “mais branda” e “menos violenta” do que outras ditaduras latino-americanas –, busca-se difundir nos últimos anos a falácia da “ditacurta”, segundo a qual a ditadura brasileira teria se encerrado em 1979, com a aprovação da anistia e a revogação dos Atos Institucionais draconianos lançados pelos militares.

Rafael Leite FerreiraDoutorando em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]

 


SILVA, Marcília Gama da. Informação, repressão e memória: a construção do estado de exceção no Brasil na perspectiva do DOPS-PE (1964-1985). Recife: Editora UFPE, 2014. Resenha de: FERREIRA, Rafael Leite. Manduarisawa – Revista Discente do Curso de História da UFAM, Manaus, v.1, n.1, p.151-156, 2017. Acessar publicação original. [IF]

Represión, tolerancia e integración en España y América. Extranjeros, esclavos, indígenas y mestizos durante el siglo XVIII | David González Cruz

La compilación Represión, tolerancia e integración en España y América. Extranjeros, esclavos, indígenas y mestizos durante el siglo XVIII, coordinada por David González Cruz, ofrece un amplio y sugerente panorama de las diversas metodologías de contención y acogida de especiales contingentes poblacionales en la centuria decimoctava a los dos lados del Atlántico. El volumen, que consta de un prefacio y trece capítulos, se reparte en dos secciones, la primera dedicada a los extranjeros y la segunda a esclavos, indios y mestizos.

El mundo hispano ante los extranjeros se intitula la primera fracción que empieza con el lucido texto de Óscar Recio Morales, en el cual se examina la élite de poder extrapeninsular en España y la América hispana: su análisis empieza desde el reinado de Carlos II y su segunda esposa, Mariana de Neoburgo, periodo que vio presente en la corte un gran entorno germano y que anticipó el uso de fórmulas más comunes para el siglo XVIII, como “camarilla” y “covachuela”, y termina cuando se conforma una nueva identidad “nacional” que hacía inadecuado el uso de no hispánicos para el servicio al rey (pp. 33-34); por razones oportunistas, los locales pretenden una “secularización” de la función pública y, así, una simultanea reducción del poder autónomo de gracia de la máxima autoridad del reino. Leia Mais

A escrita da repressão e da subversão | Vivien Ishaq, Endrico P. Franco e Teresa E. Sousa

O livro “A escrita da repressão e da subversão” reúne uma coletânea das palavras e expressões, seus significados e sentidos, mais usadas durante a ditadura militar (1964-1985), tanto por agentes da repressão, quanto por militantes de esquerda considerados subversivos. Para a redação do glossário, foram usados como fontes diversos acervos e documentos do período do regime que estão sob custódia do Arquivo Nacional.

A historiadora Vivien Ishaq, juntamente com Pablo Endrigo Franco e Tereza Eleutério de Sousa, pesquisadores do Arquivo Nacional, se debruçaram especialmente sobre o acervo do Serviço Nacional de Informações (SNI). A escolha segue uma lógica importante. O órgão coordenava toda a atividade de informação e espionagem do regime e recebia compulsoriamente dados de órgãos municipais, estaduais e federais do Poder Executivo, tendo então uma abrangência nacional. Além do enorme volume de documentos reunidos. Além do SNI, também foram usados documentos do Conselho de Segurança Nacional (CSN); do Serviço Secreto da Aeronáutica (Cisa); da Divisão de Inteligência da Polícia Federal, entre outros. Todos esses acervos são compostos por diferentes documentos: fichas pessoais dos militantes da esquerda, análises da conjuntura nacional e internacional, relatórios secretos de informação e contrainformação, entre outros. Além dos documentos citados, os pesquisadores também buscaram fotografias para ilustrar os verbetes nos acervos do jornal Correio da Manhã e da Agência Nacional. Leia Mais

Repressão e Resistência. Censura e Livros na Ditadura Militar / Sandra Reimão

Desde a década de 1980, em que ocorreu a abertura política no Brasil, não se assistia a tão grande empenho em desvelar fatos relacionados ao período da ditadura militar brasileira, empenho que se verifica tanto em atos políticos deliberados (como a criação de uma Comissão da Verdade ou o acesso a documentos considerados sigilosos) quanto em estudos, acadêmicos ou não, voltados à compreensão e elucidação daquele conturbado período de nossa história recente.

Em Repressão e Resistência. Censura e Livros na Ditadura Militar, Sandra Reimão lembra que uma das primeiras ações dos regimes autoritários é, justamente, a censura da liberdade de expressão, por meio da repressão à imprensa, aos livros, aos meios de comunicação etc. Nesse sentido, a autora se propõe estudar a censura de livros de ficção brasileira durante do regime autoritário de 1964 a 1985, em especial aqueles cujos processos (atualmente no Arquivo Nacional de Brasília) ficaram sob a responsabilidade do Departamento de Censura e Diversões Públicas (DCDP), órgão vinculado ao Serviço de Censura e Diversões Públicas e ao Ministério da Justiça. Em relação ao conceito de censura, define a autora: “concebemos a censura como parte de um aparelho de coerção e repressão que, muito mais do que afetar a circulação de alguns bens culturais, restringia a produção e a circulação da cultura, implicando uma profunda mudança no exercício da cidadania e da cultura em geral” (p. 14).

A autora lembra que, antes do golpe de 1964, consolidou-se no Brasil uma “reflexão social de ideário esquerdista” (p. 19), presente em parte da produção artística e intelectual, manifestações que, num primeiro momento, foram relativamente preservadas pelos militares, permitindo, por exemplo, a publicação da revista Pif-Paf (1964, por Millôr Fernandes), dos livros O ato e o fato (1964, de Carlos Heitor Cony), Quarup (1964, por Antônio Callado), Senhor Embaixador (1968, por Érico Veríssimo) etc., embora alguns outros livros tenham sido apreendidos já naquele momento, sobretudo os que tratavam do próprio golpe militar, como Primeiro de abril (de Mário Lago), O golpe de abril (de Edmundo Muniz), História Militar do Brasil (de Nelson Werneck Sodré) e outros. Ações mais intensas e direcionadas foram, igualmente, perpetradas pelo poder constituído, ainda nessa primeira fase do golpe, como a perseguição ao editor Ênio Silveira, o expurgo de bibliotecas pelo Ministro da Educação Flávio Lacerda, a perseguição das obras de Nelson Rodrigues pelo Ministro da Justiça Carlos Medeiros Silva, uma série de atentados a editoras e livrarias (Editora Tempo Brasileiro, Editora Civilização Brasileira, Livraria Forense) etc.

Com a edição do Ato Institucional n. 5 (AI-5) pelo Presidente Costa e Silva, em dezembro de 1968, a censura se adensa, espalhando-se por todo o país e atingindo todos os meios de comunicação, mas, ao mesmo tempo, dando ensejo ao aparecimento de uma imprensa alternativa e, às vezes, clandestina (O Pasquim, Opinião).

Apesar da diferença de números entre pesquisadores do assunto (Zuenir Ventura fala em 200 livros; Deonísio da Silva fala em 430 livros), a censura à produção editorial no período da ditatura foi intensa, atingindo inclusive a publicação de peças de teatro (Guilherme Figueiredo, Oduvaldo Vianna Filho, Nelson Rodrigues, Plínio Marcos etc.), filmes (Macunaíma, São Bernardo, Toda nudez será castigada etc.), livros teóricos (Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro, Guilhon Albuquerque, Rose Marie Muraro etc.) ou considerados pornográficos (Cassandra Rios, Adelaide Carraro, Márcia Fagundes Varella, Brigitte Bijou etc.).

Objeto de estudo da autora, os livros de ficção censurados, que constam nos arquivos do DCDP, são Quatro contos de pavor e alguns poemas desesperados (Álvaro Alves de Faria), Dez histórias imorais (Aguinaldo Silva), Meu companheiro querido (Alex Polari), Zero (Ignácio de Loyola Brandão), Em câmara lenta (Renato Tapajós), Aracelli, meu amor (José Louzeiro), Feliz ano novo (Rubem Fonseca), Diários de André (Brasigóis Felício) e os contos “Mister Curitiba” (Dalton Trevisan) e “O cobrador” (Rubem Fonseca), obras bastante diferentes, mas cujo tema comum a quase todas é a violência física e psicológica.

Tratando, em especial, do livro Feliz ano novo (1975, de Rubem Fonseca) e Zero (1976, de Ignácio de Loyola Brandão) – publicados num período (década de 1970) em que, segundo a autora, “a literatura tornou-se um centro de atenções” (p. 62) da ditadura militar -, Sandra Reimão afirma tratar-se de obras que têm no tema da violência um de seus assuntos principais. Sobre o livro de Aguinaldo Silva (Dez histórias imorais), afirma ter sido censurado quase dez anos após sua publicação, muito provavelmente em razão de sua militância contra o regime autoritário (trabalhou nos jornais Opinião e Movimento, ambos periódicos de resistência à ditadura) e em favor dos direitos dos homossexuais (foi, ao lado de outros escritores e intelectuais, fundador do jornal O Lampião, órgão da imprensa pioneiro nesse tema). Em relação ao livro Em câmara lenta (1977), de Renato Tapajós, a autora afirma ter sido um “caso único de autor preso durante a ditadura militar por causa do conteúdo de um livro” (p. 89), sendo, além disso, “o primeiro livro de memórias de ex-militantes políticos da década de 1960” (p. 91), a que se seguiram Os carbonários (Alfredo Sirkis) e O que é isso companheiro? (Fernando Gabeira). A autora trata, finalmente, dos dois contos censurados de, respectivamente, Dalton Trevisan e Rubem Fonseca (ambos publicados na revista erótica Status, em 1978), tendo sido, ambos, no ano seguinte à censura, publicados em livro, sem contudo sofrerem censura desta vez.

Como conclusão, a autora chega a três constatações gerais: primeiro, a de que toda coação é temporária e limitada; segundo, a de que o ato censório é uma violência à própria cidadania, ultrapassando os limites da circulação de bens culturais; terceiro, a de que há quase sempre um grande número de ações de resistência à censura aos livros, da parte de editores, escritores, leitores etc.

O livro traz ainda alguns anexos: leis e pareceres, lista de livros censurados etc., o que, no conjunto, faz dele uma referência para os estudos sobre o tema e uma leitura necessária aos pesquisadores da censura cultural no Brasil do século passado.

Maurício Silva –Doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Nove de Julho (SP).


REIMÃO, Sandra. Repressão e Resistência. Censura e Livros na Ditadura Militar. São Paulo, Editora da USP/FAPESP, 2011. Resenha de: SILVA, Maurício. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.24, p.195-197, jan./jul., 2014. Acessar publicação original. [IF].

Franco: la represión como sistema | Julio Aróstegui

Recentemente, a historiografia espanhola perdeu um de seus maiores expoentes. Em 28 de janeiro de 2013, faleceu o granadino Julio Aróstegui Sánchez, com 74 anos. A grande quantidade de manifestações publicadas na imprensa e na Internet, provenientes dos mais diversos lugares da Espanha e de vários outros países, dão uma ideia do amplo reconhecimento que possuía o catedrático emérito da Universidad Complutense de Madrid (UCM) e diretor da Cátedra Memoria Histórica del Siglo XX. No Brasil, sua obra mais conhecida é certamente La investigación histórica: teoría y método (Barcelona: Crítica, 1995), com uma tradução para o português publicada há alguns anos (Bauru: EDUSC, 2006).

A aposentadoria não afastou-o do trabalho. Na cátedra, em cujas atividades tive a satisfação de participar desde setembro de 2012, a presença de Aróstegui era constante. Com seu falecimento, os demais componentes do grupo viram-se diante de uma difícil questão: faria sentido dar continuidade às atividades da cátedra sem ele? Ao final, optaram pela criação do Seminario Complutense Historia, Cultura y Memoria, no âmbito do qual continuam desenvolvendo suas pesquisas e atividades acadêmicas. Leia Mais

Censura e propaganda: os pilares básicos da repressão | Carlos Fico

O presente texto divide-se em seis tópicos, dos quais se faz presente a narrativa do processo da ditadura militar no Brasil: a) introdução; b) Espionagem; c) Polícia Politica; d) Censura; e) Propaganda; f) Conclusão; Logo na Introdução o autor aborda a questão teórica da historia do regime militar, enfatizando que há varias maneiras de se contar a história, partindo por diversas perspectivas. Mostrando o interesse pelo período da ditadura militar no Brasil que não é recente, destacando dois aspectos interessantes: “a facilidade com que a desarticulada conspiração se tornou vitoriosa, no dia 1º de abril de 1964 e o pasmante crescimento da repressão – que prendeu arbitrariamente e torturou desde o primeiro momento, e não somente depois de 1968…” (p.169). Depois temos o relato a partir de fontes de jornais como O Correio da manha e outros, que demonstram variam denuncias sobre as torturas. Essas perspectivas históricas de abordagem são ressaltadas na introdução onde vemos que “existem miudezas que são fundamentais para o entendimento da história , tanto algumas explicações estruturais tendem a claudicar quando confrontadas com os fatos discretos”. (p. 173), onde vemos a importância das fontes em questão.

No tópico seguinte, temos A Espionagem, que relata a experiência de Golbery do Couto Silva, que foi responsável pelo recolhimento de informações anterior ao Golpe militar. Contudo é Costa e Silva que em 1965 com o Ato Institucional nº2, “aumenta o prazo para as cassações e suspensões de direitos políticos” (p.175). Havia vários órgãos responsáveis pela espionagem: O Sisni: Sistema Nacional de Informação; Aesi: Assessoria Especial de Seguranças e Informações; CGI: Comissão Geral de Investigação; Sissegin: Sistema de Segurança Interna, dentre outros. Uma questão relevante abordada é que muitos foram prejudicados, por causa das interpretações que esses órgãos poderiam fazer, pelo fato por exemplo de uma simples pichação em um determinado muro poderia “conter ameaças à segurança nacional” (p.180).

Durante a ditadura, além dos casos óbvios de perseguição, prisão, tortura e morte de militares e quadros organizados, praticados pela polícia política, milhares de pessoas foram espionadas, julgadas e prejudicadas pela comunidade de informações. (FICO, 2007, p.181)

Assim, a espionagem que garantiria a manutenção da ordem no país e o domínio do governo militar, também não estava isento de erros e falhas. Pois cada órgão possuía uma determinada autonomia, contudo estavam interligados.

No tópico Policia Politica o autor destaca “o endurecimento da repressão a partir do Ato Institucional nº5, de dezembro de 1968” (p.181). Esse ato foi motivado pela insatisfação da linha dura, que viam as punições sendo barradas pela justiça, por meio de habeas corpus. O órgão citado acima, Sissegin foi implantado que propunha diretrizes uniformes para cada estado brasileiro. Assim eram criados os Condi: comandos de defesa interna; Codi: Centro de Operações de Defesa Interna; DOI: Destacamento de Operações de Informações; todos sobre o comando do Exercito respectivo, ou ZDI: zona de defesa interna. Mais tarde com a morte do jornalista Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho, que morreram no DOI de São Paulo em 17 de janeiro de 1976, o órgão Sissegin foi se desestruturando.

No tópico Censura, o autor desperta o leitor ao se referir que antes da ditadura já havia censura, onde este afirma: “não se pode falar propriamente no “estabelecimento” da censura durante o regime militar porque ela nunca deixou de existir no Brasil”. (p.187). “A censura estava em todos os lugares” Além da imprensa e mídia, as atividades artísticas, culturais, e recreativas eram reguladas pela ditadura, como o cinema, o teatro, o circo, os bailes musicais, as representações de cantoras em casas noturnas, etc.” (p.189) foram estabelecidas diversas leis de segurança nacional, que abriram margem e fortificadas pelo Ato institucional nº5, para censurar a imprensa. Tudo o que fosse contra a defesa da moral e dos bons costumes, estipulados pela ditadura militar no Brasil, deveria ser censurado.

No tópico Propaganda, temos a exaltação do Brasil, como o país que ia pra frente no desenvolvimento graças à politica militar. Contudo, essa propaganda era negada pelos militares, mas era formada pelo jargão: “motivar a vontade coletiva para o esforço nacional de desenvolvimento” (p.196). “Na verdade, Otávio Costa negava, em entrevistas aos jornais da época, que estivesse fazendo divulgação do governo ou propaganda politica: estava, apenas, estimulando a “vontade coletiva para o fortalecimento do caráter nacional”. (p.196). A televisão passava por uma grande fase de desenvolvimento no País, e Otavio Costa a utilizou com pequenos filmes que eram divididos em: “natureza educativa e caráter ético-moral” (p.197) enaltecendo assim o governo militar da época.

Na Conclusão o autor destaca que os sistemas que compunham o aparato da ditadura militar não foram inventados no regime militar no Brasil, mas que foram reinventados, de tal maneira que foram até copiados fora do Brasil. Esse aparato não foi harmônico nem integrado, onde “os setores estavam que praticavam a tortura e o assassinato politico estavam bastante cingidos aos DOIs e aos Dops” (p.199), mas claro que os órgãos reinventados não estavam também sobre completa autonomização. O autor ressalta que “a anistia de 1979 foi reciproca, isto é, os torturadores também foram anistiados.” (p.200) também interessante destacar que alguns órgãos permanecem hoje, como por exemplo o SNI, sistema Nacional de Informação, hoje é a ABIN que é a Agencia Brasileira de Inteligência, sendo “ainda mal estruturada, não havendo mecanismos sociais de controle efetivo, através do Congresso Nacional, de suas atividades, e, de tempos em tempos, temos noticias de atividades escusas de espionagem no país” (p.200).

Concluímos portanto que o presente texto se faz de fundamental importância para compreendermos o sistema politico brasileiro, dado pelo regime militar de 1964 a 1985, observando novas perspectivas abordadas pelo autor Carlos Fico, alargando assim a nossa zona de conhecimento do processo histórico em questão. Percebendo que os órgãos criados, mesmo assim eram falhos, onde como exemplo, podemos citar: O caso do Maranhão onde em 9 de abril de 1969 José Sarney assume o governo, e logo o capitão de infantaria Marcio Viana Pereira entrega ao seu comandante direto um dossiê de 17 paginas com 25 documentos anexados, com o título “Corrupção na área do estado”. Esse documento foi enviado para a base do Comando Geral de Investigação , onde foi apenas arquivado. Os órgãos de combate a corrupção haviam sido criados, contudo ainda existia corrupção politica. Mas não cabe o historiador julgar os fatos e sim analisá-los.

Ricardo de Moura Borges – Graduado em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Piauí. Graduando em Licenciatura em Filosofia pelo Instituto Católico de Estudos Superiores do Piauí, ICESPI.


FICO, Carlos. Censura e propaganda: os pilares básicos da repressão. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Orgs). O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. (p. 167 – 201). Resenha de: BORGES, Ricardo de Moura. Contraponto. Teresina, v.2, n.2, jan./dez. 2013. Acessar publicação original [DR]

Dictadura, represión y sociedade en Rosario, 1976/1983: Un estudio sobre la represión y los comportamientos y actitudes sociales en ditadura | Gabriela Aguila

O livro é resultado da tese de doutoramento da autora, Historia social, memoria e dictadura. El GranRosario entre 1976 y 1983, apresentada e defendida em 2006 na Universidad Nacional de Rosario. Já no prefácio Gabriela alerta que a proximidade do período estudado, a influência que aqueles anos tiveram em sua trajetória e, principalmente, as demandas ainda existentes por justiça e pela busca da verdade interferem sim no trabalho científico e intelectual e obrigam uma reelaboração permanente de posições, suposições e praticas no ofício do historiador. Para ela, embora a repressão nas diversas províncias da Argentina fizesse parte de um amplo plano nacional, ela assumiu características peculiares nas diferentes regiões do país. Descobrir quais foram estas especificidades em Santa Fé e na sua capital é um dos objetivos de seu trabalho.

Além de mostrar como se operou a violência do Estado em Rosário, quais foram seus agentes e principais vítimas, Gabriela procura analisar aquelas pessoas que atravessaram este período num espaço intermediário, em outras palavras, que não estiveram ao lado da repressão – pelo menos diretamente – nem foram atingidos por ela. Ou seja, como a sociedade de Rosário comportou-se e de que maneira esse comportamento coletivo se articulava com a brutalidade do regime. Assim como na ditadura civil-militar brasileira de 1964, na Argentina, segundo a autora, esse consentimento se deu em termos de silêncio e passividade, mas à medida que mais pessoas foram sendo atingidas não apenas pela violência física, mas também pela crise econômica, isso foi diminuindo e vozes de oposição, não necessariamente de grupos de esquerda, começaram a se ouvir. Atitudes e práticas sociais, tanto de resistência como de conivência, foram se alterando com o decorrer do regime. Leia Mais

Caricatura y poder político. Crítica, censura y represión en la ciudad de México, 1876-1888 – GANTÚS (H-Unesp)

GANTÚS, Fausta. Caricatura y poder político. Crítica, censura y represión en la ciudad de México, 1876-1888. Ciudad de México: El Colégio de México, 2009, 441 p. Resenha de COSTA, Alexandre Andrade da. Caricatura y poder político. Crítica, censura y represión en la ciudad de México, 1876-1888. História [Unesp] v.30 no.1 Franca Jan./June 2011.

O renovado interesse dos historiadores no que concerne ao estudo das imagens, tema que ganhou novo ânimo devido à transformação ocorrida no campo historiográfico a partir dos anos 1970 e 1980, torna a leitura desta obra, ainda não traduzida, mais que oportuna. Os estudos culturais que, a partir de então, tomaram as diferentes formas de mídia não mais como mecanismo de comprovação de teses previamente estabelecidas mas, principalmente, como fonte primária que poderia contribuir para a compreensão das formas de atuação dos distintos grupos no espaço público, encontraram na iconografia um manancial de problemáticas e questionamentos.

A imprensa, diferentemente do que ocorreu no Brasil, onde só foi permitida no século XIX, esteve presente na história do México desde o século XVI. Todavia, as primeiras caricaturas, tema central do livro, surgiram somente na primeira metade do século XIX, por volta de 1847. A partir de então, elas foram utilizadas pelos diversos periódicos que circulavam na capital, ora para reforçar, ora para minar o poder estabelecido.

A preocupação precípua da autora nas páginas iniciais é explicar a periodicidade e a especificidade do objeto por ela analisado: as caricaturas. No que se refere à primeira questão, o livro trata da imprensa durante a etapa tuxtepecana, de 1876 a 1888, marcada pela chegada do general Porfírio Díaz ao poder.

Fausta Gantús apresenta, no que concerne à singularidade do gênero estudado, uma elaborada apreensão do que significa trabalhar com uma fonte complexa como a caricatura. De acordo com a autora,

[…] la caricatura es aquí un documento fundamental, cuya lectura y desciframiento permite entender la época en estudio observando las dinámicas de los enfrentamientos facciosos por el usufructo del poder y el papel que desempeñaba la prensa como parte de la estrategia de esas luchas entre grupos rivales; igualmente, es un recurso que permite descubrir la forma en que se generaban determinados imaginarios en torno de ciertas personalidades del momento. Asimismo, desde la sátira y el humor, posibilita el análisis de los discursos oficiales y contestarios y el develamiento de los intríngulis políticos (p. 19).

O livro é dividido em sete capítulos, sendo o último reservado às conclusões. No primeiro deles, La caricatura política en la prensa periódica de la Ciudad de México 1876-1888, Gantús insere o leitor nos debates políticos que mobilizaram intelectuais e caricaturistas na luta por um projeto de poder e de país que se utilizaram da imagem para forjar realidades com o fim de produzir e controlar os imaginários coletivos.

Uma questão fundamental discutida pela professora do Instituto de Investigaciones Dr. José María Luis Mora/México é a recepção desse material pela opinião pública mexicana, assunto problemático nos estudos de história da imprensa em virtude da falta de dados que comprovem como os indivíduos liam ou reagiam a determinados textos ou imagens. As caricaturas demandavam, para serem compreendidas, certo conhecimento das personagens envolvidas e ainda de questões relacionadas ao campo político, à cultura e à sociedade em geral.

Partindo dessa premissa, Gantús atribui dois prováveis níveis de leitura da referida iconografia a partir do capital cultural do leitor: o primeiro era composto por pessoas que se fixavam no sentido imediato da imagem, mais simplista; enquanto o segundo, compunha-se daqueles esclarecidos e engajados, que apreendiam as sutilezas e as mensagens implícitas que a imagem trazia a partir de sua visão de mundo.

No segundo capítulo, intitulado Los caricaturistas: trazos que dibujan filias y fobias, a autora discute o papel dos responsáveis pela criação dos desenhos que tinham por objetivo forjar realidades. Os caricaturistas mexicanos do século XIX eram homens de pouco dinheiro, sem reconhecimento social (diferentemente do que ocorria com os outros profissionais que trabalhavam em periódicos) que, compondo um grupo heterogêneo, tinham os traços determinados pelos proprietários dos órgãos aos quais se associavam. A autora elencou os nomes do “seleto grupo de engenhosas armas” (p. 106) e seus respectivos periódicos o que denota a preocupação em traçar um perfil do local de onde publicavam e de seus temas diletos.

Entre os citados, Gantús confere destaque a Daniel Cabrera, responsável pelas maiores críticas a Porfírio Díaz e preso inúmeras vezes, como consequência. Ele assinava suas obras com o pseudônimo Fígaro e, assim como o restante dos caricaturistas que tinham na figura presidencial seu principal tema, dedicou-se a dissecar as relações da cúpula do poder mexicano nesse início da profissionalização da profissão.

A relação entre o poder, os símbolos que o constituem e os governantes foi a temática discorrida no capítulo três, De la proclama tuxtepecana a la idea del ‘hombre necesario’. La construcción de imaginarios a través de la caricatura política. A autora utilizou os conceitos de Maurice Agulhon para demonstrar que diferentemente dos símbolos que conferiam poder e status aos goverantes, “[…] la caricatura se vale de los mismos recursos que avalan al poder pero para enfrentarlo y cuestionarlo”, (p.150).

As análises dos significados conferidos à cadeira presidencial, objeto de desejo, e da espada do general Porfírio Díaz, símbolo polissêmico, constituem o cerne do capítulo no qual Gantús descreve as caricaturas com um rigor metodológico substancial demonstrando como elas serviram aos críticos do governo porfirista. Uma vez na presidência, ao suceder Lerdo de Tejada, Díaz foi mostrado pelos caricaturistas como

[…] una persona de escaso brillo intelectual y un usurpador ambicioso; o lo que es lo mismo como un hombre ignorante, en algunos casos casi se le representaba como un tonto, y un tirano y así se le pintaba de manera franca y explícita (p. 190).

A Constituição do México não permitia a reeleição, projeto pelo qual Díaz se batera antes da chegada ao poder. Assim, uma vez concluído seu mandato, o general tratou de afiançar a candidatura de um aliado no intuito de que este último lhe devolvesse a cadeira, no quadriênio posterior. Esse aliado foi Manuel Gonzáles, “su compadre” (p. 195) que deu continuidade às políticas repressoras ao campo jornalístico.

Intitulado Las políticas de Lerdo, Díaz y Gonzalez en torno a la prensa, o quarto capítulo denota o esforço da autora em tecer uma análise comparativa dos governos dos três presidentes mexicanos no que se relaciona às mídias e às práticas repressoras. A partir dessa diretiva, Fausta Gantús conclui que havia uma permanência de disposições contrárias à liberdade de expressão iniciadas com Lerdo de Tejada, que enviou à prisão inúmeros jornalistas, e teve como corolário as sanções aplicadas por Díaz, que em um só dia emitiu ordens para que fossem presos redatores de sete publicações diferentes.

O governo ainda estimulou a criação de outros periódicos que combatessem os da oposição propugnando que a imprensa se combate a partir da própria imprensa, além de impedir que os dissidentes tivessem acesso ao papel, praxe no que se referia às relações entre a mídia impressa e o poder.

As ações governamentais regulatórias são demarcadas no capítulo cinco, Los marcos legal y jurídico para la instrumentación de una política de censura. El triunfo del gobierno sobre la prensa, no qual Gantús delineia que medidas foram implementadas e de onde elas emanaram. O governo mobilizou sua força na Câmara e no Senado para, sob o manto da legalidade, remover os obstáculos que o impedia de obter o comando da (in)formação da população mexicana.

Ambas as casas, pilares do regime democrático, concordaram em modificar um ponto específico do sétimo artigo da Constituição que sustentava a liberdade de expressão. A principal alteração ocorreu nas garantias que os acusados detinham quando sujeitos a um processo: ao invés de haver um foro próprio para os supostos delitos, a emenda de Díaz propunha que eles fossem julgados por tribunais comuns. Ainda no governo de Manuel Gonzáles, o projeto foi aprovado.

Quando Porfírio Díaz retornou ao poder, os mecanismos de censura estavam já instalados e seu papel foi o de impor aos inimigos a força da lei. Vários periódicos deixaram de circular vítimas da “psicologia”, mote das explanações propostas no penúltimo capítulo, ‘La psicología’ o la revancha de la prensa con caricaturas. Entre el recurso legal represivo y la estrategia contestataria, 1885-1888. Nele, há a discussão sobre o destacado papel que os juízes teriam no que se referia à repressão aos crimes de imprensa. De acordo com a autora,

Con base en el análisis de los alegatos legales, podemos definir a la función psicológica como la facultad que dejaba al arbitrio de los jueces la estimación de posibles motivaciones e intenciones que pudieran primar detrás de determinados actos y, en circunstancias particulares, conferirles carácter delictivo (p. 337).

Ao atuar dessa maneira, o juiz seria capaz de ‘captar una realidad más profunda’ (p. 347), uma vez que, ao submeter o periódico, o texto ou a caricatura, que eram, em si, as evidências dos crimes, ele inferiria as intenções dos autores num processo que Gantús compara ao descrito por Carlo Ginzburg quando este autor trata do paradigma indiciário e da busca por sinais, rastros, fios que remeteriam o leitor atento ao detalhe perdido.

Não obstante as tentativas de coerção, Gantús recordou que a caricatura cumpriu seu papel. Por meio dos trabalhos dos artistas do traço, a autora

[…] encontró los espacios para elaborar un discurso de cuestionamiento que hiciera frente a las políticas gubernamentales tendientes a censurar y limitar la libertad de imprenta, cobijadas al amparo de un marco legal y jurídico que permitía la represión sin menoscabar la legitimidad del régimen (p. 383).

Nas Reflexiones finales, a autora retoma as premissas essenciais que discutiu ao longo da obra, a saber: a metodologia de trabalho com as fontes iconográficas, a relação conturbada entre a imprensa e o governo mexicano. A despeito das emendas constitucionais e das violências que emanavam do poder Executivo, as críticas se fizeram presentes durante todo o governo de Díaz o que evidencia que as tentativas de instalar um regime que controle totalmente a mídia, apesar de recorrente na América Latina, é natimorta: sempre há resistências.

Este livro, em virtude das brilhantes ilações advindas da interpretação das caricaturas, da rigorosa sistematização das diversificadas fontes apresentadas em tabelas e gráficos e da pertinente bibliografia que serve de esteio às análises, contribui de maneira efetiva para o debate acerca das fontes iconográficas em história dialogando com distintas abordagens que se vinculam, concomitantemente, à História Política e à História Cultural.

Alexandre Andrade da Costa – Doutorando em História – Programa de Pós-Graduação em História – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Avenida Dom Antônio, 2100 Parque Universitário 19806-900 – Assis, SP – Brasil. E-mail: [email protected].