Os antigos habitantes do Brasil | Pedro Paulo Abreu Funari

FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Os antigos habitantes do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2019. Resenha de: SILVA, Filipe Noe da. Arqueologia para uma outra história do Brasil. Revista Nordestina de História do Brasil. Cachoeira, v. 2, n. 4, p. 243-247, jan./jun. 2020.

Mesmo se considerarmos o abismo provocado pela desigualdade social, ainda nos parece possível afirmar que o vastíssimo (e diverso) universo escolar brasileiro, nos dias atuais, funciona a partir de metodologias e ferramentas de ensino bastante variadas. Apesar da paulatina informatização do ensino, com o uso cada vez mais frequente de videoaulas, canais e redes sociais, as apostilas e livros didáticos de todas as disciplinas ainda constituem suportes informativos de ampla difusão no quotidiano das escolas brasileiras1. Em muitos casos, pode-se mesmo conjecturar que o material didático é o primeiro livro da vida de muitos de nossos estudantes, e permanece como “[…] o principal instrumento do qual se podem valer os professores” 2.

No ensino de História, em particular, os livros didáticos e paradidáticos coexistem com documentos que, a priori, não foram elaborados com finalidades pedagógicas, mas que são empregados na sala de aula para tal fim: filmes, músicas, imagens, fotografias, documentários, obras de arte, poemas e artefatos arqueológicos, com frequência, são convertidos em documentos de grande valia para o estudo da História3. Do mesmo modo, narrativas pessoais e memórias orais, igualmente convertidas em fontes históricas, têm revelado aos(às) jovens estudantes as percepções daqueles e daquelas que, em muitos casos, testemunharam as inúmeras transformações, invenções e rupturas que atingiram suas sociedades no último século4.

São muitas as investigações sobre os discursos históricos apresentados pelos livros didáticos do presente e do passado: além das tradicionais memórias nacionais, temas referentes às questões étnico-raciais, às relações de gênero e ao silenciamento das populações subalternas, em geral, têm colocado em evidência os propósitos políticos e identitários das publicações didáticas mundo afora5.

Como no caso do estudo da Antiguidade, cujos livros didáticos apresentam “[…] anacronismos, erros, simplificações, juízos de valor e, principalmente, falta de atualização dos assuntos tratados” 6, não é raro encontrarmos, em muitos materiais voltados ao ensino da História, narrativas eurocêntricas, elitistas e baseadas em uma perspectiva “civilizadora” dos colonizadores. Dentro dessa perspectiva histórica, como constatou Francisco Silva Noelli7, a experiência dos povos indígenas do Brasil, por vezes, figura de maneira apenas preambular nos livros escolares: “[…] se compararmos o status desses temas com os demais conteúdos do currículo básico de História do Brasil e das Histórias Regionais, facilmente constataremos que eles são irrisórios em termos quantitativos”8.

Apesar de não ser um livro didático stricto sensu9, a segunda edição d’Os antigos habitantes do Brasil, de Pedro Paulo Funari, docente da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), oferece uma alternativa valiosa para o atual ensino da História das populações indígenas do território brasileiro. Em consonância com as teorias sociais pós-colonialistas, sua narrativa constitui uma ferramenta pedagógica fundamental para a superação do senso comum e dos muitos estereótipos racistas e etnocêntricos associados a esses povos. Ao demonstrar, por exemplo, que a ocupação humana no Brasil extrapola os 10 mil anos, a referida publicação coloca em xeque a hipótese, ainda vigente em âmbito escolar, de que não existe História onde inexiste a escrita. Frente à escassez de documentos escritos, por sua vez, o autor recorre à Arqueologia, ao estudo da cultura material produzida de maneira espontânea e quotidiana pelos próprios indígenas.

Reconhecida no Brasil e em âmbito internacional, a trajetória acadêmica do professor Funari promove uma profícua (e original) amalgamação de estudos sobre História Antiga (com ênfase nas camadas populares sob uma perspectiva da História Cultural), Antropologia e Arqueologia: reflexo de uma formação híbrida e da abertura, por parte do autor, ao diálogo e à interdisciplinaridade. Ao converter tal erudição em uma linguagem acessível e agradável aos estudantes de nível Fundamental e Médio, Funari, em seu livro sobre Os antigos habitantes do Brasil, aproxima seus leitores e leitoras de temas particularmente complexos à História e à Arqueologia contemporâneas, tais como a origem das populações ameríndias e as transformações (territoriais, sociais e faunísticas) decorrentes das mudanças climáticas.

A relação entre os seres humanos e o meio-ambiente, fonte fundamental de sobrevivência às populações indígenas, não é apresentada de maneira determinista, como se as populações nativas fossem apenas submissas e passivas frente às imposições da natureza hostil. Ao contrário, com o intuito de evidenciar o protagonismo e a originalidade desses povos, o autor demonstra, de maneira sutil e didática, que atividades como a caça, a coleta e a pesca teriam coexistido com a agricultura no território brasileiro desde antes da chegada dos portugueses.

Devido às escolhas curriculares, é bastante usual nas escolas brasileiras que a agricultura seja apresentada enquanto um apanágio restrito às civilizações localizadas no Crescente Fértil mesopotâmico, e que dali teria se difundido a outros povos e lugares. Nas escolas do estado de São Paulo, por exemplo, o desenvolvimento da agricultura, outrora denominado por Vere Gordon Childe como “Revolução Neolítica”, ou simplesmente a “[…] progressiva utilização de técnicas para a produção de alimento (agricultura e criação de gado) em substituição das técnicas da simples exploração (caça e coleta) de tudo quanto já estava presente na natureza”10 tem integrado, ainda que de maneira subordinada ao tema do “Oriente Próximo”, o grupo de habilidades e competências previstas para o 4º e 6º anos do Ensino Fundamental e à 1ª série do Ensino Médio. Em nenhum dos currículos11 (2010 ou 2019), no entanto, há qualquer referência aos processos de desenvolvimento agrícola ocorridos de maneira independente no continente americano em períodos pré-coloniais, ou noutras localidades do planeta12.

Sobre a chegada dos primeiros seres humanos à América, em particular, o autor apresenta duas hipóteses principais: por um lado, os ameríndios seriam descendentes de asiáticos que teriam atravessado os noventa quilômetros do chamado Estreito de Bering em uma época em que o nível das águas teria sido mais baixo. Por outro lado, devido à presença de restos mortais de indivíduos oriundos da Oceania, outras possibilidades de povoamento, seus limites e incertezas, também são apresentadas de maneira didática e elucidativa. O uso de mapas e ilustrações na explicação das duas hipóteses também constitui uma boa opção pedagógica acerca do tema.

Por meio da cultura material produzida pelos indígenas, Funari demonstra toda a diversidade, autonomia e criatividade das etnias espalhadas pelo Brasil. Entre tupis e marajoaras, a cerâmica, as habitações, os sambaquis, os artefatos líticos e as pinturas, todos ilustrados pelos belíssimos traços de Isabel Voegeli Stever, aproximam alunos e alunas de civilizações complexas e cuja produção material, segundo o próprio autor, nada deixaria a desejar se comparada àquela dos gregos e egípcios da Antiguidade, por exemplo. Sem prescindir do rigor necessário às investigações sobre o passado, os inúmeros artefatos arqueológicos são apresentados em fotografias de alta resolução e suas descrições convidam os(as) estudantes a tecerem suas próprias interpretações sobre esses objetos.

Para além do eventual diálogo com as teorias pós-processualistas da Arqueologia13 e sua respectiva ênfase na subjetividade do conhecimento arqueológico, também julgamos pertinente uma aproximação às considerações do educador Paulo Freire sobre o respeito às formas de conhecimento trazidas pelos(as) discentes como forma de respeito e estímulo à autonomia intelectual:

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente construídos na prática comunitária (…). Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm dos indivíduos?14

Temas contemporâneos, como a divisão social do trabalho e o protagonismo das mulheres nas sociedades indígenas, ajudam a compor um livro que, embora verse preponderantemente sobre o passado, fá-lo a partir das demandas e reivindicações sociais do tempo presente. Conforme consta na recente Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a compreensão sobre “Os povos indígenas originários do atual território brasileiro e seus hábitos culturais e sociais”15 constitui um objeto de estudo a ser explorado nas aulas de História do 6º Ano do Ensino Fundamental. Se for este, de fato, o documento fundamental que norteará os rumos da educação básica no Brasil durante os próximos anos, o livro Os antigos habitantes do Brasil, uma vez inserido nos currículos estaduais e municipais, parece-nos profundamente necessário e atual, principalmente porque apresenta uma perspectiva democrática e inclusiva sobre a História dos indígenas a todos os estudantes brasileiros.

Notas

1. CHOPPIN, Alain. História dos livros e das edições didáticas: sobre o estado da arte. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n. 3, p. 549-566, set./dez. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v30n3/a12v30n3.pdf  Acesso em: 12 abr. 2020; BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História. Fundamentos e Métodos. São Paulo: Editora Cortez, 2005.

2. SILVA, Glaydson José. Os avanços da História Antiga no Brasil. SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais eletrônicos […]. São Paulo: ANPUH, 2011.

3. BITTENCOURT, op. cit.

4. Sobre este tema, em particular, vide: BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade. Lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 1979.

5. CHOPPIN, op. cit., p. 554.

6. SILVA, Semíramis Corsi. Aspectos do Ensino de História Antiga no Brasil: algumas observações. Alétheia: Revista de estudos sobre Antiguidade e Medievo, São Paulo, v. 1, p. 145-155, jan./jul. 2010. Disponível em: https://periodicos.unipampa.edu.br/index.php/Aletheia/article/view/73/62. Acesso em: 12 abr. 2020.

7. NOELLI, Francisco Silva. Resenha: Os antigos habitantes do Brasil. Educ. Soc, Campinas, v. 24, n. 82, p. 341-342, abr. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302003000100027.  Acesso em: 12 abr. 2020.

8. Ibidem, p. 341.

9. De acordo com Circe Bittencourt, os livros didáticos convencionais estariam sujeitos a interesses editoriais e de mercado: “[…] Como produto cultural fabricado por técnicos que determinam seus aspectos materiais, o livro didático caracteriza-se, nessa dimensão material, por ser uma mercadoria ligada ao mundo editorial e à lógica da indústria cultural do sistema capitalista”. Ver: BITTENCOURT, op. cit., p. 301.

10. LIVERANI, Mario. Antigo Oriente. História, Sociedade e Economia. São Paulo: EDUSP, 2016. p. 71.

11. No antigo currículo (2010), o tema do “Oriente Próximo” integrava os estudos de História do 6º Ano do Ensino Fundamental e 1ª Série do Ensino Médio. Conferir: SÃO PAULO. Currículo do Estado de São Paulo. Ciências Humanas e suas tecnologias. São Paulo: Secretaria da Educação, 2010. Já o novo Currículo Paulista aborda o tema da Agricultura de maneira genérica por meio do objeto de conhecimento: “A ação das pessoas, grupos sociais e comunidades no tempo e no espaço: nomadismo, agricultura, escrita, navegações, indústrias, entre outras”. Cf.: SÃO PAULO. Currículo Paulista. São Paulo, 2019. p. 466.

12. Para uma síntese desses processos, vide: MAZOYER, Marcel; ROUDART, Laurence. História das agriculturas no mundo. Do neolítico à crise contemporânea. Lisboa: Instituto Piaget, 2001. p. 66-67.

13. HODDER, Ian. Interpretación en Arqueología. Barcelona: Crítica, 1994. p. 195; TRIGGER, Bruce Graham. História do Pensamento Arqueológico. São Paulo: Editora Odysseus, 2004. p. 373.

14. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Editora Paz & Terra, 2011. p. 21-22.

15. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ensino Fundamental. Brasília: MEC, 2018.

Filipe Noe da Silva –  Doutorando em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Professor das Faculdades Integradas Maria Imaculada (FIMI) Mogi Guaçu, SP, Brasil. E-mail: [email protected]  Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5075-0131

Acessar publicação original [DR]

 

1499: o Brasil antes de Cabral – LOPES (RMAE)

LOPES, Reinaldo José.  1499: o Brasil antes de Cabral. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2017. 246 p. Resenha de: CAVLAC, Carolina Limonge. Uma incursão à pré-história brasileira. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, São Paulo, v.31, p.131-134, 2018. LOPES, Reinaldo José.

Este livro do jornalista Reinaldo José Lopes, publicado em 2017, é uma incursão ao universo pré-histórico da região hoje chamada Brasil. Ele publicou outros livros de divulgação científica: Além de Darwin (2009), Os 11 maiores mistérios do universo (2014), Deus: como Ele nasceu (2015), Luz, ciência e muita ação (2016) e Darwin sem frescura (2019). Lopes é também repórter, colunista e blogueiro do jornal Folha de S.Paulo. É autor do blog Darwin e Deus e youtuber, com o canal “Reinaldo José Lopes – Darwin Deus Tolkien Mozart”. Além de escrever sobre história e pré-história, Lopes tem grande interesse por narrativas de ficção com temas medievais e as influências histórico-culturais que as permeiam.

Nesta obra, Lopes traz informações para um público abrangente, que vai de curiosos não acadêmicos a estudiosos de várias áreas de conhecimento – arqueologia, história, antropologia, sociologia, paleontologia, biologia, geologia, geografia etc. Ele oferece um texto de leitura fluida, com muito bom humor e embasamento científico. Com incursões explicativas, nas seções explicação técnica” aborda assuntos específicos, como datação radiocarbônica, análise genética e isotópica, e deriva linguística, incluindo ainda assuntos mais complexos e que não são o tema central da narrativa, deixando o leitor inteirado do que há por vir.

Na introdução “O passado não é mais como era antigamente”, o autor trata brevemente de alguns dos principais temas abordados no livro: a chegada dos seres humanos nessa região onde é hoje o território brasileiro, as hipóteses sobre essa chegada e as descendências dos povos nativos atuais, a famosa Luzia (nome dado ao fóssil humano mais antigo encontrado na América do Sul, de uma mulher, que foi descoberto numa gruta da Lapa Vermelha/MG), as comunidades criadoras dos sambaquis, o surgimento da agricultura da Amazônia, a chamada “terra preta de índio”, algumas sociedades pré-históricas que se estenderam da Amazônia central até o litoral oceânico e em direção ao Alto Xingu, a complexidade linguística registrada nesse território e uma contextualização do limiar entre a pré-história e a história propriamente dita. O autor trata de uma questão genética, comentando algumas pesquisas que abordam a descendência da população brasileira atual, incluindo a dos povos nativos, mostrando que no Brasil também ocorreu o padrão de colonização humana amplamente difundido no mundo: os homens dos grupos vencidos são mortos ou escravizados, e as mulheres viram concubinas.

[…] Para ser mais exato, entre 20% e 30% dos brasileiros vivos hoje descendem de uma tataravó índia, como mostra o mtDNA (DNA mitocondrial). Enxergar com mais clareza a ascensão e queda de povos e culturas do Brasil pré-histórico abre, portanto, uma janela com vista para o passado familiar remoto de quase todos nós (Lopes 2017: 23).

Finaliza a introdução trazendo uma questão para seus leitores: como o que está sendo descoberto sobre a pré-história do antigo território do Brasil pode ter implicações no modo de vida que temos hoje? No capítulo um, “Quem é você, Luzia?” o autor traça um contexto “pré-histórico” faunístico da cena sul-americana há cerca de 12 mil anos, quando viveu Luzia. Ossadas de muitos exemplares da megafauna extinta encontradas nessa região e em outros locais do Brasil, como as preguiças gigantes (Catonyxcuvieri, Eremotheriumlaurillardi), o dente-de-sabre (Smilodonpopulator), os tatus gigantes, conhecidos como gliptodontes, os toxodontes, parecidos com o hipopótamo, e macrauquênias, parecidas com lhamas de tromba. O autor foi bem feliz na contextualização da megafauna, mas o achei bem diplomático ao tratar da extinção desses grandes mamíferos, mantendo-se longe da discussão atual da ciência: mudanças climáticas versus ação antrópica/caça. Ele comenta também a colonização das Américas por (outros) primatas e roedores, e o intercâmbio faunístico entre as Américas do Norte e do Sul.

Grande parte da discussão sobre Luzia gira em torno da polêmica sobre os traços africanos de seu rosto. Lopes mostra informações de pesquisas genéticas com dados moleculares de outros paleoíndios, de populações pré-históricas nativas com morfologia mongoloide e dos povos nativos atuais, e esmiúça as hipóteses da origem dos paleoíndios e desses traços, que apresentam morfologia autralomelanésia (negra) em contraste com a morfologia mongoloide (traços asiáticos) dos nativos atuais e de nativos pré-históricos mais recentes. Justifica ter mantido a narrativa na região de Lagoa Santa por ter mais informações diretas e dados mais consensuais. Lopes comenta ligeiramente os vestígios dos sítios arqueológicos encontrados no Parque Nacional da Serra da Capivara/PI e a contradição entre as possíveis datações desses sítios, propostas por diferentes pesquisadores.

Porém, a enorme coletânea de sítios que apresentam inscrições rupestres e material lítico atualmente no Brasil me deixa a sensação de que Lopes poderia ter explorado o assunto muito mais.

No capítulo dois, “As conchas e os mortos”, Lopes discute a cultura e os modos de vida dos antigos habitantes do litoral brasileiro, os criadores dos “morros de conchas” conhecidos como sambaquis. Para que serviam? Que tamanho têm? Em quanto tempo esses povos os construíam? De que são feitos? Quão abrangente se tornou essa cultura na costa do Brasil? O autor tenta responder essas e outras perguntas citando pesquisas atuais, que curiosamente se valeram da exploração mineradora irregular dos séculos anteriores, que usou os sambaquis como matéria-prima para a construção civil. Sem querer, essa exploração revelou (juntamente com pesquisas arqueológicas) informações cruciais sobre a cultura e ecologia dos povos dos sambaquis.

O capítulo três, “Revolução agrícola made in Brazil”, funciona como uma coletânea de informações sobre a temática do manejo e cultivo de vegetais nativos da região amazônica.

Trata do surgimento de florestas antropogênicas e das plantas nativas domesticadas, como a mandioca, a pupunha, o abacaxi e o cacau, e traça algumas possíveis rotas de domesticação, como a difusão da mandioca da Amazônia até o Pacífico, e do milho, domesticado na região do México e espalhado pelas Américas.

Os modos de vida dessas sociedades, que passam a ter uma diversidade de alimentos manejados ou cultivados, formam um elo com as informações e hipóteses abordadas sobre a “terra preta de índio” encontrada em muitos locais da Amazônia.

Nos capítulos quatro (“Os filhos da serpente”) e cinco (“No reino das Amazonas”) o autor trata das culturas dos antigos marajoaras, povo que residiu na Ilha de Marajó e dos povos de diversos outros locais na Amazônia, respectivamente. De cerca de 2 mil a.C. aos primeiros séculos da Era Cristã, o autor identifica o crescimento da densidade populacional como indicador para tratar da complexidade social, política e cultural dessas sociedades estabelecidas ao longo do Rio Amazonas. Os antigos marajoaras aproveitavam as condições do ambiente, como a topografia, o clima, o solo e a maré, para criar intervenções em seu ambiente natural, como os Carolina Limonge Cavlac 133 tesos, morros artificiais criados para formarem lagos rasos que armadilhavam uma grande variedade de peixes nas “cheias”. A complexidade das intervenções do ambiente natural e da produção da cerâmica marajoara marcou a cultura e o modo de vida desse povo.

Nos arredores da atual Santarém se estabeleceu o domínio dos Tapajós. Descritos como um povo guerreiro e com uma poderosa chefia ribeirinha, os Tapajós também possuíam ampla diversidade de cultura material, abrangendo artefatos em madeira, algodão e cerâmica, como os muiraquitãs, estatuetas replicadas e bem conhecidas hoje. No atual território do Amapá, a cultura Maracá tem instigado pesquisadores, tanto por conta do sítio com estruturas megalíticas quanto das grutas descobertas com grandes quantidades de urnas funerárias antropomórficas ricas em detalhes. Utilizadas em cerimônias religiosas, tal como os artefatos das culturas Tapajó e Marajoara, essas cerâmicas podem ser indicadores da complexidade econômica e social desses povos.

No Alto Xingu, as estruturas das aldeias pré-históricas descritas eram compostas de enormes áreas circulares, algo em torno de dez vezes maior que as aldeias atuais da mesma região. Elas possuíam áreas com lavouras de milho, mandioca, pequi e outros cultivos, assim como florestas manejadas nas proximidades da região habitada. Os antigos xinguanos dispunham de lagos artificiais e armadilhas nos cursos dos rios.

Pontes, muralhas, grandes fossos e estradas largas e limpas que cortavam as aldeias e as conectavam, também faziam parte da exímia organização estrutural que comportava milhares de moradores. Na região da atual Manaus os pesquisadores identificaram uma grande variedade de tradições de produção cerâmica, pois esses objetos são os mais preservados naquelas condições de clima.

O texto descreve algumas poucas características dos sítios associados à fase Manacapuru, à fase Paredão, à fase Axinim e à fase Guarita. Lopes menciona sítios com estruturas de defesa, como valas, paliçadas e trincheiras, que datam da mesma época em que as aldeias circulares são substituídas por povoados lineares à beira dos rios. Essas mudanças levaram pesquisadores à hipótese da ocorrência de importantes alterações socioculturais. A mais recente incógnita da Amazônia pré-histórica são os geoglifos (estruturas geométricas no solo) encontrados no atual território do Acre e do Amazonas. Essas estruturas foram descobertas recentemente por conta da intensificação do desmatamento na região. Cerca de trezentas estruturas identificadas até agora foram feitas provavelmente em uma época em que o território era muito mais densamente habitado e a floresta era manejada, com forte presença de espécies nativas úteis ao consumo humano.

Apesar de dar grande ênfase à Amazônia e deixar de trazer informações importantes de sítios das áreas abertas, o autor alcança muitas “Amazônias”, como citado neste trecho: “Não existe ‘uma’ Amazônia, mas uma imensa variedade de florestas ditas ‘de terra firme’ e alagadas, áreas de savanas e de campos abertos, matas mais ou menos sujeitas à seca e até uma ou outra região montanhosa” (Lopes 2017: 86).

No capítulo seis, “Tupi or not tupi”, o autor descreve a diversidade linguística dos povos nativos, quão diversa pode ter sido a árvore linguística dessa região no passado e como ela está representada hoje. É estimado que, no contato inicial com os europeus, havia cerca de 1.500 línguas nessa região. Essa diversidade se expressa atualmente em 108 famílias linguísticas sul-americanas (de um total de 420 no mundo). Essa diversidade é inigualável em qualquer outra região do planeta. Os principais grupos linguísticos tratados nesse capítulo são: (1) o Aruak, com aproximadamente sessenta línguas atuais, espalhadas na América Central, Pantanal e Chaco, além da Amazônia; (2) o Tupi, com perto de quarenta línguas, ocupando áreas enormes do Brasil, em especial no litoral e na Amazônia; (3) o Carib, com cerca de trinta línguas, espalhadas pela parte norte da Amazônia, Xingu e algumas ilhas do Caribe; e (4) o Macro-Jê, que soma entre vinte e trinta línguas, que hoje ocupam regiões abertas (o Cerrado) ao sul da Amazônia e áreas de mata de araucária de São Paulo e da Região Sul do Brasil. O autor relata um pouco da cultura e distribuição dos povos falantes dessas línguas, as relações entre eles, com o ambiente e com os europeus. Comportamentos diplomáticos, com relativo pacifismo, habilidades de navegação, boas redes de trocas, alianças matrimoniais intergrupos, generosidade e habilidade de fala se contrapõem a comportamentos de agressividade, com ideologia bélica, rituais antropofágicos, dominação de novos territórios com ciclos intermináveis de vingança. Esses são comportamentos culturais descritos de alguns povos nativos da época da colonização, que representam as extremidades de uma palheta muito diversa e complexa da estrutura cultural dessa grande quantidade de povos.

Por fim, no epílogo, “Por que o Brasil préhistórico foi derrotado”, o autor conta como uma região habitada por cerca de 8 milhões de pessoas não impediu a colonização ou por que essa colonização não ocorreu de outra forma. Entre os maiores culpados desse roteiro, estão as reações biológicas que levaram às epidemias. A falta de contato dos nativos com muitos dos micro-organismos trazidos pelos europeus e seus animais causou devastações populacionais generalizadas nos grupos nativos, muito mais do que a presumível superioridade bélica dos portugueses e espanhóis e o uso da cavalaria.

Também foi marcante a desconexão da comunicação e a (des)organização entre as chefias dos grupos nativos, quando havia chefias, frente à organização estatal dos europeus ao longo do processo. Assim, a dominação e a expansão das áreas conquistadas pelos europeus foram aumentando, como mostra nesse trecho: “muitas das sociedades ameríndias do litoral ficavam cada vez mais desarticuladas diante das epidemias, da conversão religiosa e das exigências de mão de obra dos colonizadores – uma desarticulação demográfica, política e cultural que provavelmente foi sendo transmitida pouco a pouco” (Lopes 2017: 227).

O livro de Lopes aborda a arqueologia do território brasileiro e cumpre muito bem o seu papel de obra de divulgação científica, com a explanação das muitas pesquisas que envolvem o tema. Como não poderia deixar de ser, traz muito mais dúvidas do que certezas, de forma elegante. Apesar de ter deixado de abordar centenas de sítios com inscrições rupestres e com material lítico de que temos registros hoje, a obra contribui muito para a importância da arqueologia dessa parte do mundo, ainda tão pouco explorada. Prova disso é a frase final do livro:

“A pré-história é a chave para entender a importância dessas condições iniciais e para demonstrar – como espero ter demostrado – que o passado profundo do Brasil é tão rico e complexo quanto o do Velho Mundo. Em nome dos que são herdeiros dele, convém não esquecê-lo” (Lopes 2017: 232).

Lopes finaliza assim o livro, mostrando mais uma vez, com excelência, que debruçar o olhar curioso e metódico sobre o passado pode também apontar direções para o futuro.

Referências

Lopes, R.J. 2017. 1499: o Brasil antes de Cabral. Harper Collins, Rio de Janeiro.

Carolina Limonge Cavlac – Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável, no Centro de Desenvolvimento Sustentável, da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected].

Acessar publicação original

[IF]

Mil 1499: O Brasil Antes de Cabral – LOPES (RA)

LOPES, Reinaldo José. 1499: O Brasil Antes de Cabral. Rio de Janeiro: Harper Collins, 2017. 248p. Resenha de SOUZA, João Carlos Moreno de. Resenha de: SOUZA, João Carlos Moreno. Revista de Arqueologia, v.31, n.1, 2018.

Reinaldo José Lopes é jornalista científico, escreve para a Folha de São Paulo e é autor do blog ‘Darwin e Deus’. A publicação de matérias de temas arqueológicos é muito frequente, e tornam o autor um dos maiores divulgadores do conhecimento arqueológico para o grande público a nível nacional, e ‘1499: O Brasil Antes de Cabral’ é uma prova disso.

O livro se propõe a realizar um apanhado geral da história pré-colonial do território atualmente conhecido como Brasil. O autor, no entanto, pouco escreve sobre as ocupações mais antigas que 14 mil anos atrás ou sobre o povoamento inicial da Américas, provavelmente para evitar ir de frente ao consenso da arqueologia norte-americana, começando a retratar a (pré-) história do Brasil a partir de 13.500 anos antes do presente. É importante notar que as idades mencionadas no livro são idades calibradas e podem dar a impressão de serem equivocadamente mais antigas do que costumamos ver em outras obras não acadêmicas, quando na verdade foram representadas de uma forma mais acurada.

A introdução do da obra realça o fato de que o entendimento que possuímos atualmente sobre o passado da humanidade é nitidamente diferente e muito mais detalhado do que tínhamos há poucos anos atrás e explicita a importância que os estudos sobre o passado humano têm nas sociedades atuais. Os próximos seis capítulos do livro são focados em realizar um apanhado cronológico dos grupos de primeiros habitantes do território brasileiro.

O primeiro capítulo trata sobre os grupos caçadores-coletores da transição Pleistoceno-Holoceno e Holoceno Inicial. Por um lado, o Lopes retrata muito bem aspectos biológicos destas antigas populações. Por outro lado, ignora os aspectos culturais. As únicas (e raras) menções às mais antigas indústrias líticas e representações rupestres brasileiras são todas relacionadas à microrregião de Lagoa Santa, em Minas Gerais, deixando de lado a associações de diferentes conjuntos de cultura material a diferentes grupos humanos.

Já o segundo capítulo é totalmente voltado aos grupos litorâneos, especialmente os Sambaquis. Mais uma vez, o autor se preocupa em retratar a biologia e a idade destes grupos humanos, mas ignora quase que totalmente os aspectos culturais e materiais destas sociedades. Não são retratadas as indústrias de artefatos de pedra e osso, é mencionada apenas brevemente a construção dos sambaquis, os zoólitos e os aspectos simbólicos dos sepultamentos.

Posteriormente, o terceiro capítulo retrata o início do manejo e domesticação das plantas, com foco na Amazônia. O autor descreve bem as principais hipóteses sobre os processos que iniciaram a domesticação das plantas, mas volta a ignorar a cultura material que acompanha esse novo modo de vida nas populações pré-cabralinas.

O quarto e o quinto capítulo também são voltados à “queridinha” da pré-história brasileira: a Amazônia. Ambos os capítulos, mais uma vez, retratam muito bem as discussões teóricas de complexidade social, política e econômica sobre as populações que ali viviam durante o Holoceno Tardio, e desta vez menciona alguns importantes aspectos de cultura material, como as estruturas de montículos e geoglifos, e a cerâmica tupi-guarani e marajoara.

Ainda, Reinaldo José Lopes, no sexto capítulo, trata de descrever a dispersão dos grupos ameríndios em território brasileiro, baseando-se nas famílias linguísticas destes mesmos grupos. Mais uma vez, o autor se prende na Amazônia, tendo como exceção uma menção aos estudos de grupos Jê em Santa Catarina.

Por fim, Lopes encerra o livro com um epílogo, em que discute como a chegada dos colonizadores (invasores) europeus causou diversos problemas para a sobrevivência das populações que vieram a ser referidas como indígenas, e como a relação entre as sociedades indígenas e a sociedade “moderna” poderia ter sido diferente desde o começo.

A obra não é voltada ao público acadêmico, mas a um público muito mais abrangente. O autor escreve de forma pela qual a leitura flui facilmente, evitando o uso de termos técnicos os quais apenas arqueólogos e outros cientistas entendem. No entanto quando o faz, o autor busca explicá-los de uma forma simples, porém acurada, para que o leitor os compreenda. Quando o autor entende que o assunto tratado no livro é muito complexo para a maioria dos leitores, ele se dá ao direito de realizar pausas para “explicações técnicas” e elucida estes mesmos assuntos, tais como datação radiocarbônica, análise genética, análise isotópica e estudos de complexidade social. Apesar de não ser um arqueólogo, Lopes, enquanto jornalista científico, toma o cuidado para respeitar e utilizar termos que evitam a propagação de estereótipos pré-históricos. Um exemplo disso é a aplicação correta do termo “humanos anatomicamente modernos”, ao invés de Homo sapiens, para se referir aos seres humanos atuais em certos momentos.

As principais falhas do autor estão em retratar a pré-história brasileira com um foco quase que limitado aos aspectos biológicos dos primeiros grupos humanos do atual território brasileiro, e no foco quase que limitado à Amazônia ao tratar de grupos menos antigos. Lopes é muito preciso no apanhado que realiza sobre a pré-história, mas esta poderia ser muito mais acurada se ele tivesse descrito os principais conjuntos de materiais (representações rupestres e indústrias de artefatos líticos e cerâmicos) que levaram arqueólogas e arqueólogos a identificar diferenças culturais em todo o território brasileiro. Talvez em uma segunda edição da obra algumas páginas que descrevam resumidamente a diversidade de cultura material pré-histórica brasileira seja possível.

Apesar das falhas em sua obra, Reinaldo José Lopes claramente tem uma noção excelente da importância da arqueologia para as sociedades atuais e é muito feliz em transmitir esta mensagem. O último trecho da obra é a prova disso, sendo uma perfeita resposta à questão da importância dos estudos de arqueologia pré-histórica brasileira: “A pré-história é a chave para entender estas condições iniciais [de contato de indígenas e europeus] e para demonstrar que o passado profundo do Brasil é tão rico e complexo quanto o do Velho Mundo. Em nome dos herdeiros dele, convém não esquecê-lo” (p. 232). Enfim, ‘1499’ é uma obra que definitivamente despertará o interesse de muitas pessoas à pré-história brasileira e convém ser lida por acadêmicos não arqueólogos que buscam ter uma mínima noção no tema.

João Carlos Moreno de Sousa – PPGArq, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Acessar publicação original

Fundamentos da Paleoparasitologia – FERREIRA et al (CA)

FERREIRA, Luiz Fernando; REINHARD, Karl Jan; ARAÚJO, Adauto (Orgs.). Fundamentos da Paleoparasitologia. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 483 páginas, 2011. Resenha de: MARTIN, Gabriela. Clio Arqueológica, Recife, v. 32, n. 1, p. 189-191, 2017.

A Paleoparasitologia tem-se desenvolvido amplamente no Brasil nas últimas décadas, e esse avanço deve-se em grande parte aos trabalhos dos pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, sediada no Rio de Janeiro.

Desde o edifício de arquitetura eclética, conhecido como Castelo Mourisco e que se destaca na paisagem de Manguinhos, na cidade do Rio de Janeiro, os pesquisadores que organizaram a obra que aqui resenhamos foram pioneiros no Brasil ao tratar de uma ciência que hoje representa um pilar inamovível no estudo da Pré-história. Das ciências propedêuticas da Arqueologia, é a Paleoparasitologia a disciplina que, junto à Antropologia Física, mais auxilia no estudo e no conhecimento do homem antigo.

Trinta e um autores participam de Fundamentos da Paleoparasitologia, que, com 28 trabalhos de síntese, compõe a coletânea mais completa já publicada sobre o tema no Brasil e extrapola o conhecimento puramente parasitológico para adentrar nas origens e nos caminhos seguidos pelo Homo sapiens no povoamento das Américas.

O livro está dividido em quatro partes claramente diferenciadas. Na primeira, os oito artigos incluídos no item Os Parasitos, Hospedeiros Humanos e o Ambiente apresentam um viés histórico, que se completa com o artigo Parasitos como Marcadores de Migrações Pré-históricas, de autoria de Adauto Araújo, Karl Jan Reinhard, Scott Gardner e Luiz Fernando Ferreira, trabalho especialmente importante para os arqueólogos.

A Parte II versa sobre Vestígios de Parasitos Preservados em Diversos Materiais, Técnicas de Microscopia e Diagnóstico Molecular, com 11 artigos que nos informam sobre os diversos materiais onde os parasitos são detectados, âmbar incluído. A Parte III, denominada O Encontro de Parasitos em Material Antigo: Uma Visão Paleogeográfica, relaciona os mais importantes achados arqueológicos nos cinco continentes. Finalmente, essa importante obra encerra-se na Parte IV, intitulada Estudos Especiais e Perspectivas, com trabalhos sobre documentação histórica e métodos em Paleoepidemiologia.

Fundamentos da Paleoparasitologia é sem dúvida um dos grandes logros da Fiocruz e uma obra que não deve faltar na biblioteca de pré-historiadores e arqueólogos em geral.

Gabriela Martin – Programa de Pós-graduação em Arqueologia e Preservação Patrimonial, UFPE. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

Côa e Seridó, dois rios na Pré-História – MARTINHO et al (CA)

MARTINHO, António; MARTIN, Gabriela; PESSIS, Anne-Marie. Côa e Seridó, dois rios na Pré-História. Recife: Editora da UFPE, 2017. Disponível em:  https://www3.ufpe.br/editora/ufpebooks/serie_extensao/coa_serid/html5forwebkit.html?page=0 . Resenha de: CISNEIROS, Daniela. Clio Arqueológica, Recife, v.2, n.2, p.247-252, 2017.

Este livro é uma idéia original que liga Portugal ao Brasil de uma maneira nova e que tem um alcance que ultrapassa o seu conteúdo. Forma parte de uma série de publicações realizadas sob o lema Movimento Recife Porto na Arte, criado em 1992 e caracterizado como um espaço de articulação entre artistas e pesquisadores brasileiros e portugueses procedentes de várias universidades e centros culturais de Portugal e Brasil no intuito de constituir uma rede de relações culturais de amplo espectro. Nesse âmbito, já foram publicados vários livros de conteudo diverso, embora no denominador comúm da cultura luso-brasileira sob a coordenação de Maria Betânia Borges Barros.

O livro Côa e Seridó, Dois Rios na Pré-História é dedicado à arte rupestre préhistórica do Brasil e de Portugal, centrado na apresentação de dois rios e duas culturas num futuro comum. Seguindo-se o roteiro da ocupação humana préhistórica nos vales de dois rios: Côa, em Portugal, e Seridó, no Brasil, apresentam-se as raizes de dois povos que, milênios depois, o destino uniria numa cultura semelhante: as dos caçadores-coletores pré-históricos.

Descrevem-se e analisam as gravuras rupestres existentes no vale do rio Côa, afluente do rio Douro, e as gravuras e pinturas rupestres do vale do Rio Seridó no Rio Grande do Norte. Duas regiões muito distantes, sem contacto possível numa época longinqua. O contexto arqueológico e ecológico das respectivas áreas tem em comum os vales de dois rios nos quais assentaram-se grupos humanos que deixaram as marcas do seu passo, representadas nas gravuras e pinturas rupestres.

A sobriedade das representações rupestres paleolíticas de Foz Côa, contrastam com a riqueza das informações antropológicas e as manifestações da vida cotidiana das pinturas do Seridó.

A primeira parte do livro é da autoria de António Martinho Baptista que há décadas estuda as gravuras rupestres do vale do Côa e que, como diretor do Parque Arqueológico do Côa, criado em 1996, empenhou-se no reconhecimento do mesmo como Patrimônio Mundial (1998).

Além do enorme valor intrínseco das gravuras do Côa, a sua descoberta modificou o conceito de que a “arte das grutas” seria a manifestação artística quase exclusiva dos tempos paleolíticos. Mais, a partir de 1994, com a revelação das primeiras gravuras paleolíticas na Canada do Inferno, na margem esquerda do Côa, perto do local onde se pretendia construir uma grande barragem, mudou a forma de entender a arte do homem fóssil. Foram identificados 26 sítios com arte paleolítica num total de 234 rochas gravadas ao ar livre, embora algumas estejam permanentemente submersas pela construção de uma barragem da década de 1980. Os sítios estão integrados na área do Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC), criado em 10 de Agosto de 1996, com sede em Vila Nova de Foz Côa.

Gabriela Martin e Anne-Marie Pessis assinam em parceria a segunda parte da obra dedicada às pinturas e gravuras localizadas no vale do Seridó e de seus afluentes, no Rio Grande do Norte. As duas autoras, professoras da Universidade Federal de Pernambuco e membros da Fundação Museu do Homem Americano e da Fundação Seridó, pesquisam há décadas a Arte Rupestre nas diferentes regiões do Nordeste Brasileiro, onde está situado o Parque Nacional Serra da Capivara, Patrimônio Mundial desde 1991.

As pesquisas arqueológicas iniciadas na região do Seridó a partir da década de 1980 demonstraram a semelhança das pinturas rupestres de mais de um centenar de sítios daquela região, com as registradas na Serra da Capivara. A diversidade das figuras, as características técnicas e a existência de figuras emblemáticas permitiram identificar o padrão gráfico de um tronco cultural, conhecido como Tradição Nordeste. Há cerca de 9.000 anos começou o processo de mudança climática que vai radicalizar as condições de existência na região. Ocorre uma diminuição das chuvas, iniciando-se uma gradativa transformação do clima tropical-úmido em semiárido, época em que se inicia a diáspora das comunidades humanas pertencentes à Tradição Nordeste a partir de um epicentro localizado no SE do Piauí. Pelos dados disponíveis podemos estabelecer que, em torno do nono milênio BP, grupos originários da área do atual Parque Nacional Serra da Capivara, dispersaram-se por outras regiões do Nordeste brasileiro, abandonando seu primitivo habitat. Uma das levas da diáspora se instala na região de Seridó.

Os grupos étnicos que pintaram os abrigos do Seridó, enriquecerem a sua arte originaria com elementos novos, entre os quais destacam maior riqueza nos ornamentos, na pintura corporal e nos objetos que as figuras humanas carregam.

Cenas violentas de luta e de atividade sexual estão também presentes. A escolha da região do Seridó deve-se primeiramente à existência de numerosos pontos d’água e ao fato de constituir uma área de Brejo, que teria características climáticas mais favoráveis e melhores condições de sobrevivência.

Niède Guidon, Presidente da Fundação Museu do Homem Americano, instituição que cela pelo acervo cultural do Parque Nacional Serra da Capivara, tece no Prefácio uma série de comentários oportunos e que merecem uma reflexão no dizer da própria autora ao refletir sobre a Arte Rupestre de dois mundos tão diversos e distantes, tanto no clima como nos biomas e nas representações rupestres das figuras humanas e animais. Mas, como pano de fundo dessa diversidade existe, também, um bloco cerrado de semelhanças. As populações autoras dessa arte tinham um mesmo estilo de vida de caçadores e coletores.

O Parque Nacional Serra da Capivara e a área arqueológica do Seridó na região Nordeste do Brasil abrigam centenas de sítios com pinturas rupestres notáveis por seu caráter narrativo, realizados no decorrer de milênios. É fonte inesgotável de dados para a reconstituição da vida das populações que habitaram o Nordeste do Brasil na Pré-história.

Como em Foz Côa, as gravuras do Nordeste brasileiro são sempre ligadas à presença da água, geralmente foram realizadas nas vizinhanças de corredeiras, quedas de água, ou poços profundos nos leitos dos rios. Hoje, em Foz Côa, o rio corre no fundo de um canyon estreito e profundo, na Serra da Capivara os rios secaram faz cerca de 8.000 anos e no Seridó, o rio é um fio de água.

Praticamente em todo o mundo, no mesmo momento o Homem iniciou a prática rupestre, e, na aparente diversidade de suas manifestações, encontramos sempre o mesmo fundo espiritual, a forte ligação entre essas representações e o universo mítico e estético dos homens do paleolítico que externa suas ligações com os ecossistemas no qual viviam.

Outro ponto de convergência entre as duas provincias rupestres, neste caso relativo ao mundo das relações humanas, os intereses políticos e economicos e do reconhcimento científico é que a descoberta da Arte do Côa nasceu envolta em polémica, da mesma maneira que mais de um século antes acontecera com a revelação de Altamira, embora na atualidade o Vale do Côa é hoje reconhecido como um dos primeiros e mais notáveis centros da arte paleolítica da Europa.

Da mesma forma, encontramos também que a resistencia ao cambio e ao reconhecimento do que poderia ser mais antigo e impactante do ponto de vista estético, criou polêmicas sobra a importância e a antiguidade dos registros rupestres do Nordeste do Brasil, com é também o caso do Seridó em franca fase de destruição pelos interesses das mineiradoras e da ocupação das terras.

Este livro mostra que a globalização não é um fenômeno novo. O Homem moderno vem de uma só raiz pré-histórica e sua evolução seguiu um mesmo caminho em todo o mundo, embora as manifestações do fenomeno gráfico sejam tão diferentes. O livro apresenta, também, numerosas fotografias de ambas regiões que ilustram os respectivos textos dos autores.

Daniela Cisneiros – Departamento de Arqueologia, UFPE. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[MLPDB]

Ovcarovo-Gorata. Eine frühneolitische Siedlung in Nordostbulgarien – KRAUß (DP)

KRAUß, Raiko. Ovcarovo-Gorata. Eine frühneolitische Siedlung in Nordostbulgarien. Mit Beitragen von Gerwulf Schneider, Malgorzata Daszkiewicz, Ewa Bobryk, Nguyen Van Binh, Petar Zidarov, Florian Klimscha, Norbert Benecke und Elena Marinova (Archaologie in Eurasien 29). Bonn: Habelt-Verlag, 2014. 350p. Resenha de: GATSOV, Ivan; SIRAKOV, Nikolay. Documenta Praehistorica, v.43, 2016.

In the first half of the 1980s, lithic materials from the prehistoric settlement of Ovcarovo-Gorata in northern Bulgaria were studied by Vietnamese archaeologist Nguyen Van Binh. At that time, he was a doctoral student in the Department of Prehistory of the National Archaeological Institute and Museum Bulgarian Academy of Sciences. In 1985, Nguyen Van Binh completed his doctoral thesis “Prehistoric flint artifact assemblages from the Late Pleistocene and Early Holocene on the basis of materials from North East Bulgaria”, which presents the results of lithic assemblages processed from the site.

Three decades later, thanks to Raiko Krauss, the work of Nguyen Van Binh on the flint assemblages of this prehistoric settlement was published with his consent in Krauss’ monograph Ovarovo-Gorata. Eine fruhneolitische Siedlung in Nordostbulgarien. Archaologie in Eurasien, Herausgegeben von Svend Hansen, Band 29, DAI, Eurasien-Abteilung, Habelt- Verlag Bonn, 2014.

The study of flint assemblages from Ov≠arovo-Gorata by Nguyen Van Binh is one of the first comprehensive and professional studies in Bulgaria of chipped stone artefacts from the Neolithic period. Naturally enough, this analysis of flint assemblages bears the imprint of its time.

Work on the thesis was carried out in the early 80s and is consistent with the then prevailing methodological trends in lithic studies. These were associated with traditional technological and typological analyses, which still focused heavily on typology and the more formal treatment of technological aspects.

With regard to the work of Nguyen Van Binh, the valuable results of such a study of flint raw materials used in the preparation of flint tools should be particularly noted. The Neolithic flint industry at the prehistoric settlement of Ov≠arovo-Gorata has largely been associated with the use of local varieties of raw materials, which were processed mainly in the area of the settlement.

The analysis conducted by Nguyen Van Binh allows us to trace chaines operatoires stages within a prehistoric settlement as well as see that the core preparation stage was not done at the site under discussion.

The evidence for this is the absence of cortical flakes and the lower frequency of crest specimens compared to sites where core preparation occurred on site. Flint production focused mainly on the acquisition of flakes; moreover, the presence of splintered pieces was also noted. With regard to the core knapping process, the initial exploitation was linked to single platform specimens which were later transformed into two platform cores. The last stage of core knapping usually occurred on cores with an altered orientation – e.g., all surfaces were used. Nguyen Van Binh’s work revealed the relationship between technological characteristics and the type of raw material and nodule dimensions.

The lithic assemblage’s typological structure includes flakes, end scrapers, and retouched flakes; perforators and drills are relatively poorly represented, straight and oblique truncations, and denticuled tools and fragments. Microliths occur in single items in the form of micro end scrapers and bladelets. According to Nguyen Van Binh, this was due to the lack of sieving rather than other factors. It should be noted that some of the conclusions drawn by Wang Bin Ngun have not lost their relevance today, such as the similarity of Ovarovo-Gorata lithic assemblages and those of Ussoe I and Podgorica in northeastern Bulgaria.

On the other hand it is regrettable that the lithic assemblage was not available along with other groups of finds from the site in the monograph on Ov≠arovo- Gorata, so that the analysis could be updated and the possibilities for interpretation increased.

Van Binh assumed that they were at least two chaines operatoires, one of which is relatively poorly represented – for lamellar production (see bladelet cores – Abb.130: 1–3 and bladelet/microbladelet debitage products – Abb. 152: 9; Abb. 164: 6; Abb. 171: 1, 3; Abb. 173: 3–5, 7, 8, 19; Abb. 174: 4; Abb. 184: 1, 4, 5, 11). While there are no data on the processing of these bladelets in geometric microliths (which may be due to the lack of sieving and washing), there is still a series of retouched microlithic forms, sufficiently distinctive semi-circular and circular micro end scrapers (Abb. 155: 3, 10–12; Abb. 159: 9–12).

Although these elements are less represented in the Ov≠arovo-Gorata lithic collection, they deserve more attention than they were given years ago in Nguyen Van Binh’s dissertation.

The quality of illustrations is very high and allows one to get a good idea of the core types and retouched tools, all of which are accompanied by technical and typological characteristics.

It should be pointed out that it was Krauss’s ambition to present as fully as possible the results of different studies from this settlement in order to create a general background for studies of the Neolithic in the Central and Eastern Balkans. Although these studies were done more than 30 years ago, most of Nguyen Van Binh’s conclusions are relevant today and have their place and weight in the study of the Neolithic in the Lower Danube basin.

The professional level of the study of chipped-stone assemblages as presented by Nguyen Van Binh in the monograph Ov≠arovo-Gorata is undoubtedly to the great merit of Kraus, to whom we owe the invaluable opportunity to add these almost unknown data to our general scientific knowledge and to advance the debate on Neolithisation in Southeast Europe.

Ivan Gatsov – New Bulgarian University, Sofia.

Nikolay Sirakov – National Archaeological Institute and Museum, Bulgarian Academy of Sciences, Sofia.

Acessar publicação original

[IF]

 

Os biomas e as sociedades humanas na Pré-História da região do Parque Nacional Serra da Capivara, Brasil. Vol. II A-B – PESSIS et al (CA)

PESSIS, Anne- Marie; MARTIN, Gabriela; GUIDON, Niéde (Org.). Os biomas e as sociedades humanas na Pré-História da região do Parque Nacional Serra da Capivara, Brasil. Vol. II A-B, Fundação Museu do Homem Americano – FUMDHAM: São Paulo: IPSIS Gráfica e Editora, 2014. 852p. Resenha de: MAIOR, Paulo Souto. Clio Arqueológica, Recife, v. 30, n.2, p.241-249, 2015.

O projeto, Síntese dos biomas e sociedades humanas da região do Parque Nacional Serra da Capivara, no Sudeste do Piauí, apoiado e financiado pelo Ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil, abre um espaço editorial destinado a divulgar o conhecimento resultante do trabalho dos pesquisadores da Fundação Museu do Homem Americano – Fumdham – e outras entidades científicas associadas em rede no decorrer de três décadas de pesquisa nessa região.

Cabe lembrar que inicialmente as pesquisas no Parque Nacional estiveram centradas nos sítios com pinturas rupestres pré-históricas em razão do seu extraordinário acervo, tanto pelo número de sítios achados, como sua densa concentração e seu estado de conservação. Em 1991, por essa riqueza gráfica e cultural, a Unesco inscreve o Parque Nacional Serra da Capivara na Lista do Patrimônio Mundial de Humanidade. As escavações arqueológicas foram no começo realizadas em função da procura de informações complementares sobre esse patrimônio cultural, mas rapidamente as descobertas extrapolam as metas e as expectativas formuladas. A inesperada antiguidade da presença humana na região requer, para desvendar esse universo desconhecido, uma abordagem de pesquisa interdisciplinar. Desde a criação do Projeto, em 1986, o tema de pesquisa proposto pela Fumdham foi definido como a interação do homem com o ambiente, desde a Pré-História até os dias atuais. Varias gerações de pesquisadores brasileiros e estrangeiros sucederam-se num fluxo contínuo de trabalhos interdisciplinares para configurar um mapa multidisciplinar que enquadrasse o tema central das pesquisas no Parque Nacional. A participação das diversas disciplinas na pesquisa evoluiu de maneira diferenciada, o que se traduz num grau distinto das colaborações. Algumas salientam o estado da arte, outras a evolução da pesquisa, outras, também, os aspectos inovativos e a introdução de novos dispositivos técnicos dentro do dispositivo de pesquisa.

Até agora, foram publicados três volumes, sendo que é no volume II, dividido nos tomos A e B, que se resenha aqui e integra artigos com uma diversidade temática salientando a importância da interdisciplinaridade entre as ciências que interagem na formulação de um objetivo comum. O volume II reúne trabalhos inéditos de 42 autores em artigos individuais ou em equipe, apresentando uma amostragem representativa do trabalho realizado naquela região.

Dividido em oito temas, a obra abre com um breve histórico introdutório, desde a chegada dos primeiros pesquisadores numa região praticamente desconhecida.

Niède Guidon relata essa trajetória, de forma sucinta e quase coloquial, com o texto: A Fundação Museu do Homem Americano e o Parque Nacional Serra da Capivara. Relato sucinto de três décadas de pesquisa.

O primeiro tema tratado considera o ambiente e paleoambiente na região do Parque Nacional Serra da Capivara com as contribuições de três artigos.

Apresentam-se os resultados de pesquisas paleoambientais que tiveram um sólido avanço, ampliando o conhecimento das drenagens e dos vales arcaicos. As escavações arqueológicas e paleontológicas evidenciaram perfis estratigráficos, viabilizando a extração de amostras de sedimentos que forneceram informações palinológicas e antracológicas, datações que permitiram compreender os processos deposicionais e contextualizar os vestígios arqueológicos subsedimentares nos sítios. Para entender a interação entre os grupos humanos e a paisagem no decorrer do tempo, requer inserir os vestígios arqueológicos e paleontológicos nos contextos estratigráfico, cronológico e cultural da paisagem.

A reconstituição dos contextos faz com que as pesquisas arqueológicas e paleoambientais sejam interdependentes. Dados obtidos nas escavações das lagoas fósseis e sondagens realizadas nas redes de drenagem permitiram demonstrar que o clima da região foi tropical úmido até há cerca de 10.000 anos. No alto da planície, dominava a floresta amazônica e, na planície, a mata atlântica. Hoje, apesar de a caatinga ter coberto a região, nos vales mais úmidos, ainda existem espécies animais e vegetais desses dois biomas.

O segundo tema apresenta, com duas contribuições, os resultados da pesquisa em Paleontologia. Os fósseis da região da Serra da Capivara foram descobertos ao longo das últimas décadas através das escavações e sondagens realizadas nas numerosas lagoas da região. As datações absolutas permitiram posicionar as associações fossilíferas dentro do limite Pleistoceno final/Holoceno. Uma síntese do conhecimento atual dessas associações apresenta-se nos dois capítulos. Novas espécies foram descritas pelos paleontólogos que participam das pesquisas desde os anos oitenta do século XX.

A Biologia e Antropologia Física compõem o terceiro tema apresentado. No decorrer de décadas de pesquisa, os dados coletados permitiram realizar importantes contribuições ao conhecimento nas áreas da Biologia, Zoologia e Botânica graças à estreita colaboração entre pesquisadores da Fiocruz e da Fumdham. A descoberta de vestígios de ancilostomídeo nas populações préhistóricas do Piauí, há pelo menos 7.000 anos, rompeu o paradigma de que a ancilostomíase havia sido trazida da Europa e da África para América pelos colonizadores. Também ficou evidenciado que os piolhos chegaram a América com seus hospedeiros humanos muito antes dos europeus. A pesquisa de parasitos de animais em coprólitos humanos revelou os hábitos alimentares do Homo sapiens pré-histórico a partir da identificação, nas fezes humanas, de parasitos específicos de animais, utilizados como alimento. São quatro os artigos que apresentam o estado da arte da Biologia.

Em Antropologia Física, foi revelada a diversidade morfocraniana dos remanescentes ósseos humanos, acrescentando dados significativos ao estudo da evolução humana e da origem do homem americano. Na dimensão de biodiversidade de fauna existente com os resultados da pesquisa, foi possível identificar uma fauna de vertebrados composta aproximadamente de 370 espécies.

A floral local formada por vegetação xerofítica é decídua e adaptada à seca. A flora de caatinga atual e os restos da mata atlântica e de espécies amazônicas permitiram identificar os diferentes ambientes em que os grupos humanos viveram durante milênios.

A caracterização do ambiente apresentado nos três primeiros temas é fundamental para contextualizar os temas relativos às populações pré-históricas, que se estruturam em torno da sua evolução tecnológica e que aparecem nas manufaturas líticas, nos grupos ceramistas, nos registros gráficos rupestres, nas escolhas dos espaços ocupados e nos processos rituais fúnebres.

O Homem na Pré-História do Parque Nacional Serra da Capivara é o título do tema 4, que aborda assim a longa sequência cultural que caracteriza as ocupações humanas pré-históricas da região, desde o Pleistoceno Superior até a extinção das etnias indígenas. Um longo caminho de adaptação às limitações imposta pela evolução ambiental, para o qual as populações humanas inovaram tecnologicamente para se defender, coexistir e se afastar dos perigos como os da presença da megafauna, com a qual coexistiram cronologicamente. Eram observadores da mudança climática e da extinção da fauna de grande porte, multiplicando-se a fauna de pequeno porte, roedores, pequenos mamíferos, peixes que passaram a participar da suas novas dietas. A inovação na manufatura cerâmica, as primeiras roças de subsistência, o aumento das terras disponíveis para seus assentamentos provocados pela seca e sua consequente diminuição do volume das águas.

A pesquisa sobre a manufatura cerâmica não se formula para analisar os detalhes do procedimento técnico de sua elaboração, mas como meio de chegar ao conhecimento das populações que a fabricaram e utilizaram; interessa a funcionalidade e o uso da cerâmica pré-histórica. Nas análises dos perfis técnicos das cerâmicas é seguramente onde mais se tem avançado a nível regional.

Constata-se que a cerâmica utilitária em nada difere da utilizada nos rituais fúnebres.

O tema 5 trata dos materiais líticos pré-históricos, e as pesquisas contam com duas colaborações que coincidem com dois momentos metodológicos. O primeiro elaborado para o estudo da Toca do Sítio do Boqueirão da Pedra Furada, em que se estuda e relaciona os produtos líticos finalizados, com ou sem marcas de uso.

Utiliza-se uma classificação analítica dos implementos desse sítio segundo a estratigrafia do Pleistoceno superior ao Holoceno antigo. O segundo tempo metodológico trabalha com os processos de realização dos produtos líticos a partir de um grupo de sítios apresentando a evolução dos implementos líticos nas diferentes fases, por níveis estratigráficos da ocupação pré-histórica.

O sexto tema trata dos registros gráficos rupestres do Parque Nacional, que foram objeto do primeiro volume dessa Síntese, apresentando os primeiros resultados dos sítios descobertos e fornecendo uma proposta preliminar classificatória do acervo de pinturas e de gravuras. O número de sítios pintados ou gravados documentados experimentou, nas últimas décadas, um crescimento surpreendente permitindo dispor de um acervo de registros gráficos maior para uma mesma área e enriquecer o banco de dados imagéticos do Parque Nacional. Hoje, os novos aportes da pesquisa sobre as pinturas e gravuras rupestres, que fazem a diferença na última década, são de natureza técnico-metodológica. Sua aplicação atinge o grau de precisão do registro documentário imagético, permitindo obter um documento final, exaustivo e preciso dos sítios. Viabiliza a criação de bancos de dados imagéticos georreferenciados, tanto bidimensionais como tridimensionais.

No plano analítico dos registros rupestres, a introdução de novas técnicas de medição permite aceder a um espaço analítico ampliado para o estudo e a interpretação dos registros imagéticos. Essas contribuições são verdadeiros instrumentos para formular diagnósticos, planejar intervenções preventivas para a conservação das primeiras obras gráficas da humanidade O sétimo tema trata das pesquisas em Metrologia Arqueológica e Patrimonial desenvolvidas pelo grupo de pesquisa (UFPE/CNPq), que está especializado na análise de elementos-traços em amostras arqueológicas e geológicas e na datação de sedimentos, vestígios cerâmicos e dentes através de métodos de Termoluminescência (TL), Luminescência Opticamente Estimulada (LOE) e Ressonância Paramagnética Eletrônica (EPR). As técnicas apresentadas estão acompanhadas por um estudo de caso, sendo que um deles trata das análises dos pigmentos das pinturas rupestres do Parque Nacional Serra da Capivara. Esse grupo de pesquisa trabalha de forma articulada com as equipes arqueológicas da Fumdham no desenvolvimento de novas metodologias, buscando uma maior precisão nos resultados e adequação ás necessidades da pesquisa.

Finalmente, no oitavo tema, abre-se um espaço para a consideração do fim do mundo indígena e o começo dos tempos históricos. Nele, são apresentadas duas colaborações evidenciando a carência de documentos históricos que tratem do fenômeno indígena ou a existência de documentos históricos deturpados, apresentados pelo filtro dos valores dos três primeiros séculos da presença de europeus no Brasil. A imagem do indígena construída segundo a funcionalidade às necessidades da conquista, da colônia e do valor da produtividade. O indígena sem valor algum em relação ao escravo africano, que tem um preço de compra e um potencial de produtor de bens. O indígena protegido em certa forma da escravidão e do sistema desaparece gradativa e silenciosamente.

Os resultados de trabalhos de impacto social, desenvolvidos paralelamente à pesquisa científica, estão incluídos no volume III da Síntese, que, sob o título Arqueologia, Ambiente e Inclusão Social no Plano Diretor de São Raimundo Nonato, PI, estará disponível no decorrer do ano 2015.__

Paulo Souto Maior – Departamento de Arqueologia, UFPE.

Acessar publicação original

[MLPDB]

Space and Time in Mediterranean Prehistory – SOUVATZI; HADJI (DP)

SOUVATZI, Stella; HADJI, Athena (Eds.). Space and Time in Mediterranean Prehistory (Routledge Studies in Archaeology). London: Routledge, 2014. 304p. Resenha de: SRAKA, Marko. Documenta Praehistorica, v.41, 2014.

The collection of papers Space and Time in Mediterranean Prehistory is an outcome of the collaboration between Stella Souvatzi, who regularly writes on spatiality within social archaeological themes such as households, as in her recent book A Social Archaeology of Households in Neolithic Greece, and Athena Hadji, whose Berkeley PhD thesis was entitled on The Construction of Time in Aegean Archaeology.

The editors invited researchers from a predominantly interpretative (post-processual) archaeological tradition who deal with Mediterranean prehistory and included a few selected revised contributions to the similarly named session at the 16th Annual Meeting of the European Association of Archaeologists in the Hague. The collection of papers contains 15 chapters by archaeologists, anthropologists and an architect.

This timely volume is an anticipated continuation of the critique of space and time as passive and homogenous backdrops to human life, and treats them as socially constructed, as well as inseparable from human lives and experience. It not only restates the urgency of a theoretical discussion of the conceptualisation of space and time in archaeology, but attempts, perhaps for the first time in archaeology, to treat them as inseparable and as essential to understanding past social relations at different scales. The volume is also innovative in its focus on the whole of the prehistoric Mediterranean, which is too often fragmented in narratives along national, linguistic, academic and other boundaries. The volume stems from

“… the ever-growing interest in space and spatiality across the social sciences; the comparative neglect of time and temporality; the lack in the existing literature of an explicit and balanced focus on both space and time; and the large amount of new information coming from the prehistoric Mediterranean”, which serves “… as an empirical archaeological background for the application and detailed analysis” (Preface, p. xv).

The first chapter, written by the editors, serves as a theoretical introduction to the volume and reviews some focal points of research into Mediterranean prehistory, which is then further developed in the following chapter by Robert Chapman. Although not complete in its coverage of the theoretical discussions, the editors’ introduction separately presents the conceptualisation of both space and time first in the social sciences in general and then within theoretical archaeology. The volume is an engaging and diverse collection of papers, and the reader can find plenty of useful information and thought-provoking ideas. The editors point to diverse and interesting topics and concepts applied to Mediterranean prehistory in this volume (p. 19–20): houses, households, settlements and communities (Stavrides, Harkness, Watkins, Düring, Marketou, Márquez- Romero & Jiménez-Jáimez and Athanasiou), urban space and planning (Athanasiou), architecture and the built environment (Harkness, Meegan and Márquez- Romero & Jiménez-Jáimez), the social production of space and the dialectical relationship between people and space (Stavrides), embodied space, movement (Harkness, Meegan and Skeates), cultural diversity and differences, social transitions, meaning, identity and memory (Skeates, Miller Bonney, Marketou, Murrieta-Flores and Yasur-Landau and Cline), the concepts of time in terms of social memory, identity and continuity, the transmission of social knowledge and reproduction of architecture (Meegan, Watkins, Düring, Miller Bonney Murrieta-Flores, Márquez- Romero & Jiménez-Jáimez and Yasur-Landau & Cline) as well as residential mobility, discontinuity, abandonment and destruction (Skeates and Marketou).

Many contributors deal with similar topics and concepts, but approach them from different spatio-temporal scales. The editors (p. 19) recognise the importance of time perspectivism and of

“… a multiscalar approach to both space and time that will explore linkages between a whole range of spatial an temporal relationships”, critique the overuse of the large-scale, long-term approach and express the “… lack of a sense of short-term and small-scale social action and the bewildering and contradictory complexity of everyday lived reality”.

However, many contributors retain the large-scale, long-term approach, even if enriched by perspectives offered by local contexts, by selecting case studies from across the Mediterranean region or the millennia-long periods of prehistory (Watkins, Düring, Bonney). Some articles are more descriptive (Marketou, Yasur-Landau & Cline) with the addition, of course, of a theoretical commentary.

A critical weakness of the volume is the lack of more contributions from archaeologists more affiliated with what it is known as archaeological science, since space and time are central concepts for archaeology in general. The volume would certainly benefit from being more of a bridge between theory and practice in archaeology. When discussing time, the authors, informed of the development in anthropological theory, go further than most other theoreticians; for example, they present a critique of the established dichotomy of linear versus cyclical time, one identified with Western thought and the other with ‘traditional’ or ‘primitive’ societies, as well as the dichotomy of objective and subjective time (p. 6). But they do not problematise the related dichotomy of abstract and substantial time or measured time (chronology) and experienced time, which was established by proponents of interpretative archaeology Michael Shanks and Christopher Tilley in their book Social Theory and Archaeology (Albuquerque: University of New Mexico Press) and which continues to polarise the treatment of time and perpetuates “The Two Cultures” (cf. C. P. Snow’s 1959 lecture) divide in archaeology. Substantial versus abstract time is of course a valid observation, but it tends to alienate proponents of social archaeology on the one and archaeological science on the other hand. The editors as well as the contributors (with a couple of exceptions: Skeates, Murrieta-Flores) do not attempt to bridge this gap. Most of the articles are written from a phenomenological perspective, which is not contradictory to, and would benefit from, ‘scientific’ approaches, such as a variety of spatial GIS analyses and temporal Bayesian modelling of calendar chronologies.

Nevertheless, this collection of papers is innovative in that it specifically tries to link the top-down with the bottom-up, the large-scale with the small-scale, the long-term with short-term, and most importantly, structure with agency. As expected, the contributors achieve this with varying success. The diversity of themes and views conveyed by individual papers preclude further summary in the context of this short review. We would, however, like to highlight the excellent paper by Patricia Murrieta-Flores (chapter 11). The author of the paper Space and Temporality in Herding Societies (p. 196-213) discusses prehistoric pastoralism and transhumance since the Chalcolithic in the Sierra Morena mountain range of the Iberian Peninsula and integrates space and time through GIS analyses. Time is introduced into the spatial GIS analysis with the help of cost-time models and by accounting for the different types of pasture available during different seasons. The analyses show patterns of regular distances between settlements in travel time. Furthermore, by mapping megaliths, she is able to show that they are located along preferred herding routes. According to the author, “For herders, to travel through the landscape is also to travel through time, as movement resonates with the seasonal changes of the landscape”.

Furthermore, “Through time, the monuments as works of the ancestors might have served as material reminders of the deep past, of a temporality that extended beyond the seasonal cycle, where every movement acquired time depth, becoming the reiteration of the actual movements of the ancestors” (p. 209). The monuments along the herding routes thus connect the immediate here-and-now experience of the traveling herder with social memory, the deep past and the ancestors, who perhaps tracked the same routes. In a way, the herder travels both through space and time. We believe this paper is the closest to the ideal to which the volume aspires, namely the multiscalar integration of spacetime with social archaeology, and goes a step further with the much needed bridging of the divide between social archaeology and archaeological science.

In the last chapter, which serves as a discussion (p.262–291), Stephanie Koerner provides a useful commentary on the major themes and concepts in the volume and ‘contextualises’ the volume within the framework of a broader interdisciplinary discourse of space and time and how these relate to concepts such as structure and agency. The discussion is a challenging yet compelling philosophical text, which adds the finishing touches to the whole volume by stressing the relevance of issues explored in the volume not just for archaeology, but for the social sciences in general. Space and Time in Mediterranean Prehistory is an exciting and innovative collection of papers that should be read by students and researchers interested in the prehistoric Mediterranean, conceptualisations of space and time and those interested in social archaeology and anthropology in general.

Marko Sraka – University of Ljubljana

Acessar publicação original

[IF]

Imagens da Pré-história. Parque Nacional Serra da Capivara – PESSIS (CA)

PESSIS, Anne-Marie. Imagens da Pré-história. Parque Nacional Serra da Capivara. Images de la Prèhistorie; Images from Pre-History. 2ed. (Edição ampliada e atualizada). São Paulo: Fumdham, 2013. 320p. Resenha de: MARTIN, Gabriela. Clio Arqueológica, Recife, v.28, n.1, 2013.

A nova edição do livro de Anne-Marie Pessis Imagens da Pré-História significa também o primeiro volume da Síntese dos biomas e sociedades humanas do Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, obra em vários volumes apoiada e financiada pelo ministério de Ciência e Tecnologia do Brasil – MCT, que reúne o conhecimento obtido do trabalho dos pesquisadores da Fundação Museu do Homem Americano ao longo de três décadas de pesquisas interdisciplinares na região.

Não há duvida de que o carro chefe das pesquisas no Parque Nacional Serra da Capivara fora desde o início o estudo dos registros rupestres pré-históricos seguido da constatação da presença humana na região desde o Pleistoceno Superior. O Parque foi declarado Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO em 1991, em virtude da diversidade dos seus sítios arqueológicos e, muito especialmente, pela extraordinária riqueza das pinturas rupestres existentes nos seus abrigos sob-rocha que reúnem um dos maiores acervos arqueológicos do mundo, numa concentração ímpar.

Dada a acumulação de dados obtidos na última década em torno das pinturas e gravuras rupestres e, principalmente, a aplicação de novas técnicas de registro digital, justifica-se plenamente uma segunda edição atualizada do livro Imagens da Pré-história, já de longo esgotado e que, dez anos depois da sua exitosa publicação se apresenta como o primeiro volume da Síntese sobre a região. Uma parte importante desta segunda edição da obra de Anne-Marie Pessis é o capitulo inicial colocado como adenda à primeira edição. Nele se relacionam as novas técnicas desenvolvidas e empregadas no registro dos grafismos, tanto para se obter melhores imagens como relatando as técnicas que permitirão a preservação digital desse grande acervo gráfico pré-histórico destinado a desaparecer vítima dos intemperismos e da intervenção predatória humana. Para a autora, a história do registro dos
acervos rupestres é a historia da procura de recursos técnicos para obter uma documentação completa e inalterada do estado de conservação do sítio no momento em que ela foi realizada. Assim, nos últimos anos, as pesquisas sobre as pinturas e gravuras rupestres foram especialmente de natureza técnico metodológica, atingindo maior precisão no registro documentário permitindo se obter uma documentação final exaustiva e precisa dos sítios e a criação de bancos de dados imagéticos georeferenciados bidimensionais e tridimensionais. A autora salienta também que a introdução de modelos digitais tridimensionais no dispositivo da pesquisa não exclui outros métodos de registro e análise dos grafismos rupestres. A digitalização das pinturas e gravuras torna-se uma poderosa ferramenta complementar se utilizada conjuntamente com fotografias de alta resolução, microscópios digitais, espectrofotômetros e equipamentos para determinar a composição dos pigmentos.

No estado atual das pesquisas fica evidenciado que além do estudo das variáveis estilísticas que caracterizam as diversas tradições rupestres ao longo do tempo e do espaço regional, se faz imprescindível o aporte de novos conhecimentos obtidos com procedimentos científicos confiáveis. Esses procedimentos conduzem pelo rumo da física e da química, da geoarqueologia e da metrologia arqueológica mais que das ciências humanas, onde o desmedido entusiasmo pela compreensão do fenômeno rupestre pode enganar não raramente com explicações infundadas. A utilização de procedimentos de análise cada vez mais seguros, a cronologia relativa através do estudo detalhado das sobreposições e as diferentes composições dos pigmentos utilizados para a confecção dos grafismos rupestres são as novas apartações que, a autora, considera imprescindíveis na preservação e o estudo desses registros rupestres que são Patrimônio Cultural Mundial da Humanidade.

Embora Anne-Marie Pessis informe que o centro do seu trabalho neste livro segue sendo o Parque Nacional da Capivara e o estudo da classe conhecida como Tradição Nordeste, reconhece, nesta segunda edição da obra, que nos anos transcorridos desde a publicação da primeira edição foram pesquisadas com marcada intensidade outras regiões no semiárido nordestino onde foi possível registrar um número suficiente de sítios que permitiram inferir um universo rupestre diferente em amplas áreas do vale médio do São Francisco, aparentado com as tradições rupestres do alto São Francisco de Minas Gerais e com a tradição Agreste de Pernambuco. Paralelamente, a descoberta de abrigos pintados no Parque Nacional Serra das Confusões, situado também no SE do Piauí a 60 km do Parque Nacional Serra da Capivara nos sugere a possibilidade de que a dispersão da Tradição Nordeste seguiu rotas diferentes às das populações da grande bacia sanfraciscana, cujos remanescentes mais afastados podem ter-se refugiado nas brenhas da Serra das Confusões.

A confiabilidade nas interpretações arqueológicas dos registros rupestres da pré-história é tema sempre presente nesta e noutras obras de Anne-Marie Pessis, na procura do conhecimento dos diferentes perfis gráficos e de sua contribuição às reconstruções pré-históricas, mas sem concessões a interpretações subjetivas e muito menos fantasiosas do fenômeno rupestre. Para a autora, os registros rupestres precisam ser tratados como mais um elemento da base de dados das pesquisas arqueológicas e submetidos aos mesmos procedimentos de pesquisa aplicados a todos os vestígios arqueológicos. Em outros termos, para que exista a confiabilidade mínima em qualquer interpretação, é necessário o fundamento fatual que apresente o benefício da prova. Os grafismos realizados sobre um
suporte rochoso são o produto final de uma prática milenar, resultado da acumulação de imagens realizadas quase sempre em períodos que ignoramos. Entre uma imagem e outra, desconhecemos o tempo que decorreu, assim como as diferentes autorias. Portanto, é necessário aplicar um procedimento de segregação de conjuntos gráficos para fundamentar e delimitar as unidades de análise.

O livro Imagens de Pré-história demonstra, também, um esforço inovador na compreensão do imaginário visual das sociedades indígenas brasileiras com uma abordagem teórica que conduz a análises rigorosas das imagens rupestres da pré-história.

Gabriela Martin

Acessar publicação original

[MLPDB]

Brasil rupestre: arte pré-histórica brasileira – JORGE et al. (E-CHH)

JORGE, Marcos; PROUS, André; RIBEIRO, Loredana. Brasil rupestre: arte pré-histórica brasileira. Curitiba: Zencrane Livros, 2007. Resenha de: MARQUES, Marcélia. Especiaria – Cadernos de Ciências Humanas, Ilhéus,  vs. 11 e 12, ns. 20 e 21, p.309-316, jul./dez. 2008 e jan./jun. 2009.

Em Brasil rupestre: arte pré-histórica brasileira, as palavras que descrevem e interpretam o acervo de arte rupestre se aliam à imagem fotográfica numa afirmação eficaz da interrelação entre os “sentidos visuais e verbais”. A composição gráfica do livro é primorosa; destaque especial para caixas de texto onde são apresentadas especificidades dos sítios, de estilos, de técnicas e de instrumentos de elaboração da arte rupestre. Nas páginas iniciais, as fotografias de estradas recortando paisagens e um mapa do Brasil (apontando os 32 municípios brasileiros visitados) anunciam o longo trajeto realizado pela expedição. Na primeira parte do livro, o arqueólogo Pedro Ignácio Schmitz, numa narrativa poética na primeira pessoa, e o fotógrafo Marcos Jorge relembram e revelam vivências e paisagens nos cenários recriados com a arte rupestre. Pessoas no passado e no presente, ao seu modo, teriam encontrado refúgio nestes ambientes que persistem.

No primeiro capítulo, a diversidade da arte rupestre brasileira é constatada e a análise estilística se apresenta como recurso de entendimento; as semelhanças e as diferenças são passíveis de reconhecimento mediante a identificação de estilos, que adquirem expressão em figuras ou formas representadas (seres humanos, animais, plantas, objetos e figuras geométricas), segundo a particularidade das regras de cada grupo. As representações humanas estão presentes em todo o país, assumindo diferentes maneiras de composição. O potencial interpretativo destas figuras sugere posições de status (relacionadas ao gênero e à idade) e, ainda, é passível situar o papel social do indivíduo. As especificidades gráficas de todas as demais representações documentadas são também detalhadas de acordo com os elementos de composição das figuras. Prous e Ribeiro despertam um olhar relacional entre a arte rupestre e as experiências etnográficas convocando, de certo modo, o leitor a adentrar o mundo das concepções pré-históricas possíveis. Ao longo de quase todos os escritos, a analogia etnográfica é solicitada para aclarar manifestações gráfico-culturais do mundo pré-histórico. Estas possibilidades interpretativas também se estendem para figuras, a princípio, irreconhecíveis. Tais perspectivas conferem singularidade a esta obra, na medida em que se ampliam as análises que recaem, frequentemente, sobre o estudo taxonômico das tradições da pintura rupestre em regiões brasileiras (GUIDON, 1992; PESSIS; GUIDON, 2000; PROUS, 2007).

A duração da arte, a expressão dos grafismos gravados e sua autoria, especialmente no sul do país, são temas centrais do segundo capítulo. O suporte da arte rupestre é considerado no âmbito das escolhas e do seu grau de resistência às intempéries. Na extensão do Planalto Meridional sul-rio-grandense, as “pisadas”, grafismos que sugerem rastros de animais, são recorrentes. Se até o momento, as considerações acerca da arte rupestre versavam sobre “o quê, como, e onde faziam?”, as reflexões sobre as gravuras da costa de Santa Catarina se tornam bastante instigantes, na medida em que ampliam as indagações para “quem fazia?” As escolhas do posicionamento dos painéis e a localização dos sítios são relacionadas às ocupações dos guarani históricos e sambaquieiros.

No entanto, algumas argumentações não sustentam estas autorias artísticas. Por outro lado, é sugerido que os “letreiros” insulares, especificamente, tenham sido concebidos pelos habitantes dos pequenos sambaquis que, ao marcarem graficamente os rochedos, estariam afirmando a posse territorial.

Antes de apresentar a arte rupestre do Centro e do Nordeste do Brasil, Prous e Ribeiro, no quarto capítulo, fazem alusão especialmente às ocupações e à cultura material destes territórios num horizonte cronológico de 12.000 a 9.000 anos atrás (sugiro consultar uma escala esquemática, nas páginas 110 e 111, intitulada: linha do tempo da pré-história brasileira). Os vestígios mais antigos de arte rupestre foram datados entre 9.000 e 7.000 anos atrás, em um painel de pintura, no Piauí, e num bloco desabado com gravuras em Minas Gerais. No entanto, a crescente correspondência de aumento de pigmentos e de objetos coloridos ocorre entre 7.000 e 4.000 anos atrás; nesse período, pode ser observada uma variação de estilos na pintura rupestre. No início, as formas animais predominam diante da pouca representatividade das figuras geométricas e, posteriormente, este estilo irá ser mais evidenciado juntamente com as representações alusivas a corpos celestes. A partir de 2.000 anos atrás, em diversas áreas, grupos agricultores representaram figuras relativas aos vegetais cultivados nas paredes de abrigos. Nesse percurso temporal, algumas das pinturas (machados de pedra semilunares) podem ser atribuídas às populações indígenas tardias, os antepassados de grupos Jê do Brasil Central; neste caso, não se trata de analogia etnográfica, mas de autoria artística.

Após este panorama cronoestilístico geral do Centro e Nordeste do Brasil, as regiões que concentram possivelmente a maior diversidade de arte rupestre na extensão do continente, Prous e Ribeiro apresentam particularidades de sítios de alguns estados (Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Tocantins, Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte e Minas Gerais).

As abordagens dos sítios estão centradas, principalmente, nos aspectos geomorfológicos, na antiguidade da ocupação na região e, pontualmente, na visibilidade segundo a localização na paisagem. Para alguns dos abrigos, são atribuídos o uso e a função.

No que diz respeito às representações gráficas, propriamente, são ressaltados os temas, os estilos e, em alguns casos, a sucessão de pinturas segundo a autoria de diferentes grupos. As considerações acerca da coexistência de vários estilos num mesmo painel redimensionam o termo “superposição”, referido na literatura sobre arte rupestre brasileira para indicar autorias em diferentes períodos. Neste sentido, Prous e Ribeiro apontam a “interação” entre figuras (novas e antigas) e combinações gráficas respeitando espaços previamente pintados ou, ainda, com superposições harmônicas (segundo observado no sítio Fonte Grande, na Bahia e em sítios localizados na Serra do Lajeado, em Tocantins). Os contatos intertribais e as retransmissões gráficas entre grupos distintos que se deslocavam nos compartimentos ambientais locais (na região da Serra do Lajeado) podem ser considerados a partir de grafismos intrusivos, aos quais os autores se referem como redes de “conversações” da pré-história. No Estado de Minas Gerais, o estudo cronoestilístico se torna mais amplo devido à considerável variedade de estilos das pinturas rupestres que foram mudando ao longo do tempo.

Alcançando o norte do Brasil, arqueólogos e fotógrafos revelam a arte rupestre amazônica no quinto capítulo. A apresentação inicial da pré-história daquela região, assim como de outras áreas abordadas neste livro, se deteve nas ocupações mais antigas e em vestígios da cultura material. No que diz respeito à arte rupestre, há especificidades estilísticas ao longo do rio Amazonas e de seus afluentes; na porção setentrional, predomina a figura humana em pinturas e gravuras, com especial representação do rosto, enquanto que a noroeste do rio Amazonas sobressaem as figuras geométricas, e ao longo dos afluentes ao sul do rio Amazonas, as pinturas mantêm semelhança ou “parentesco” com estilos rupestres do Brasil Central. Esta correlação estilístico-espacial é passível de ser mais bem visualizada pelo leitor graças à abrangência territorial e à vasta documentação fotográfica desta obra. Prous e Ribeiro, em mais uma feliz interrelação entre as expressões arqueológicas e etnográficas, consideram semelhanças entre os motivos rupestres e os elaborados na cerâmica de algumas populações indígenas. Penso que tal perspectiva possa ser inspiradora para os leitores que buscam ampliar o entendimento das representações gráficas rupestres a partir do modo e dos instrumentos de elaboração, da autoria e, ainda, da configuração dos sistemas semióticos. Outra relação pode ser apontada entre povos indígenas e sítios arqueológicos no plano da reconfiguração da identidade étnico-territorial. Em Roraima, algumas populações indígenas elegeram os sítios de arte rupestre como marcos ou sinais que conferem legitimidade à antiguidade de ocupação da região.

Reflexões: eis a tônica da conclusão do livro. Indagações sobre o “por quê” e “para quem” seriam realizadas, e as representações artísticas rupestres são dimensionadas em dois modelos de explicação revisitados: a “magia simpática” e a “experiência xamânica”. No que diz respeito à autoria da arte rupestre (“por quem?”), as relações de gênero e os papéis sociais em algumas sociedades indígenas são considerados e repensados quanto aos autores (homens e/ou mulheres) da arte rupestre. Após estas reflexões iniciais, Prous e Ribeiro dedicam atenção ao potencial do universo de significação e à busca de explicações para as semelhanças e diferenças entre os grafismos (alertando para a precipitação em explicações difusionistas e para a projeção de categorias do próprio pesquisador). Dando prosseguimento a esta percepção relacional, são apontadas as tradições da arte rupestre brasileira (Planalto, São Francisco, Nordeste, Guyano- -Amazônica, Litorânea e Agreste), cuja definição está relacionada aos “atributos temáticos, técnicos e morfológicos das figuras”.

As palavras finais do livro são instituídas de sentido humanista e preservacionista. Embora alguns sítios tenham sido tombados e outros se encontrem em áreas de preservação, ainda são pouco representativos diante da quantidade de sítios a serem protegidos. As maiores ameaças são decorrentes das minerações industriais, usinas hidrelétricas, rodovias e linhas de transmissão.

Diante deste potencial de interferências, são avaliados os processos dos licenciamentos públicos e o reconhecimento da necessidade de políticas públicas eficazes para a proteção de sítios arqueológicos. O espaço museológico de exibição, e as relações entre as populações tradicionais e os bens patrimoniais devem ser redimensionados e respeitados para que haja reconhecimento no horizonte de significações do passado, do presente e das gerações futuras.

Brasil Rupestre: arte pré-histórica brasileira é um livro que, a todo momento, se reporta ao geral e ao particular – os sítios são relacionados a contextos nacionais e a alguns países da América do Sul. Imagens e palavras, numa aliança de sentidos, reforçam mutuamente as representações estilísticas, as temáticas gráficas e os contextos geoambientais. As interpretações decorrentes de analogias etnográficas detêm um forte potencial de ampliação, “tanto do concebido quanto do vivido” nas sociedades pré-históricas.

A atenção dedicada às análises estilísticas demonstra que os universos das formas de representar desvendam um “mundo pré-histórico da arte rupestre” marcado pela diversidade.

Referências

GUIDON, Niéde. As ocupações pré-históricas do Brasil (excetuando a Amazônia). In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

PESSIS, Anne-Marie; GUIDON, Niéde. Registros rupestres e caracterização das etnias pré-históricas. In: VIDAL, Lux (Org.). Grafismo indígena. São Paulo: EDUSP, 2000.

PROUS, André. Arte pré-histórica do Brasil. Belo Horizonte: C/Arte, 2007. (Coleção Didática).

Marcélia Marques – E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

Los Antiguos Habitantes del Salar de Atacama, Prehistoria Atacameña – MARTÍNEZ (C-RAC)

MARTÍNEZ, Agustín Llagostera. Los Antiguos Habitantes del Salar de Atacama, Prehistoria Atacameña. Antofagasta: Universidad Católica del Norte, Editorial Pehuén, 2004. 215p. Resenha de: SANTORO, Calogero M. Chungara – Revista de Antropología Chilena, Arica, v.39, n.1, p.137-139, jun. 2007.

Esta nueva obra de Agustín Llagostera es para disfrutarla y descubrir que es posible difundir el conocimiento científico a un público lector, que va más allá del reducido grupo de especialistas que componen nuestra disciplina y con ello cultivar el interés por conocer la prehistoria atacameña. Con esta obra Agustín abre la puerta para que cualquier persona pueda adentrarse a través de sus relatos, fotos y dibujos, en la historia de los distintos pueblos que habitaron el territorio atacameño en épocas anteriores a la invasión europea en el siglo XVI, de allí el término de prehistoria Atacameña.

Como autor, Agustín integra dos grandes talentos que se ven muy bien reflejados en esta obra, por un lado su gran rigurosidad científica y, por otro una habilidad plástica para reproducir distintas escenas de la vida diaria de los antiguos habitantes del Salar de Atacama. Desde un punto de vista formal, el libro impresiona por la finura artística de la diagramación, que integra un texto ameno, generoso de espacio para hacer notas al margen, acompañado de ilustraciones, la gran mayoría de ellas dibujos a mano alzada realizadas por el propio Agustín, y la de otros artistas. Estas ilustraciones son, también, una manera distinta de presentar su “ensayo” sobre la prehistoria Atacameña; a través de lo que define como la “máquina del tiempo llamada arqueología” en un genuino intento por descubrir la “presencia de mujeres y hombres detrás de los artefactos y de acercar a los lectores a la calidez de lo humano de los protagonistas”.

El libro está estructurado en seis capítulos bien balanceados en cuanto a la extensión de su contenido, por lo que dan buena cuenta de una construcción de la prehistoria de los territorios atácamenos, con un fuerte apego a los datos disponibles e interpretaciones que distan mucho de ser historias imaginarias, veta que a su vez no ha sido explorada en la literatura chilena como en otros lugares del mundo, donde la vida de los pueblos antiguos ha inspirado una serie de historias noveladas o novelas históricas.

En el capítulo 1 el autor magistralmente muestra los detalles de los diferentes ambientes que integran el Salar de Atacama, que a pesar de ser un gran territorio yermo, sirvió como eje articulador y de referente geográfico para las poblaciones que se parapetaron en los oasis, quebradas y zonas altas al este de esta cuenca salada. En este contexto el autor presenta a los grupos de cazadores que comenzaron a colonizar estos territorios hace cerca de 13.000 años. Enfatiza, por un lado, su capacidad para integrar recursos de caza y recolección de frutos silvestres de las escasas plantas que crecen en la zona, y cómo a partir de ello estructuraron modos de vida más bien móviles, lo que les permitió mantenerse en estos territorios a pesar de las importantes fluctuaciones climáticas que por momentos provocaron condiciones mucho más secas que las actuales. Es interesante notar que Agustín no sólo hace una descripción interpretativa de la vida de los primeros habitantes del Salar de Atacama, sino también va explicando cómo se ha generado el conocimiento que permite darle sustento científico a su visión de los hechos rescatados a través de la arqueología, lo que en los capítulos siguientes se hace implícito.

El capítulo 2 está dedicado a una de las fases de cambio más significativas en la historia de la humanidad y que en este caso representan lo que Agustín define como “los cimientos de la sociedad atacameña” en la medida que se estructuraron pequeñas aldeas de comunidades de horticultores lo que permitió dejar de depender completamente de los medios de la subsistencia de caza y recolección. Con ello adquieren mayor estabilidad económica que da pie para el establecimiento de aldeas pequeñas y nuevas formas de convivencia social. Las comunidades se organizaron política y económicamente de manera distinta a sus antecesores los cazadores recolectores de quienes mantuvieron la destreza en la fabricación de instrumentos líticos y toda la experiencia de manejar plantas y animales silvestres por más de 8.000 años. Esta es la época de la domesticación de camélidos, proceso que Agustín deja caer en la experiencia de las mujeres, a través de la crianza de “chulengos” huérfanos. Esto es una propuesta interesante, dado que en literatura clásica de cazadores recolectores se estima que las labores de caza la realizaban los hombres, por lo tanto teóricamente habrían tenido una relación más cercana con los animales silvestres. Las mujeres y los niños, en cambio, dedicados corrientemente a la recolección de frutos silvestres, habrían tenido una mayor relación con el proceso de domesticación de plantas, que incluyó productos hoy día de gran valor comercial como el maíz y la quínoa. Detrás de estas actividades económicas se esconde un complejo mundo que abarca la materialización de nuevas prácticas religiosas, descritas, por ejemplo, a través de lo que interpreta como “infante mensajero” sobre la base de los objetos rituales que acompañan a este infante en su tumba. El capítulo tiene además detalles respecto del uso de tecnologías como la cerámica, la textilería, la metalurgia, el uso de piedras preciosas y la relación de esta zona con áreas alejadas como el oriente de los Andes, donde destaca el rol de las caravanas de llamas, uno de los rasgos culturales que caracterizarán luego a las poblaciones del Salar.

En el capítulo 3 el autor lleva adelante una tesis interesante que lo desliga de la clásica secuencia histórica cultural que marca a las reconstrucciones históricas a lo largo de los Andes. Propone que una vez consolidadas las aldeas de los horticultores de la época anterior las comunidades del Salar enfrentaron la tarea de buscar y crear una identidad propia. Para sustentar esta propuesta el autor revisa, describe e ilustra distintos aspectos de la forma como se estructuró la vida en el Salar, donde resaltan variadas expresiones de identidad que no sólo se reducen a las formas e iconografía de los tejidos y cerámica, sino también a los peinados, gorros, collares, deformación craneana y otros ornamentos que fueron estructurando una identidad étnica. Resalta el rol de las tabletas de rituales de madera tallada ligadas a la absorción de sustancias alucinógenas, que partiendo de formas simples terminan grabándose con sofisticados personajes que Agustín ha definido como los “dioses atácamenos”. Esta época, señala el autor, se caracteriza también por el surgimiento de estructuras políticas centralizadas donde surgen símbolos de prestigio y poder, cuyos líderes posiblemente manejaron una red de “tráfico” exterior.

En el capítulo 4 Agustín se aboca a mostrar cómo las sociedades muy bien afincadas en el Salar se integran a un gran sistema político, económico y cultural representado por el estado imperial de Tiwanaku. De esta manera, el acento del relato no radica en la “influencia de este imperio en la zona” sino en las transformaciones que ocurren en las sociedades atacameñas a consecuencia de la interacción con Tiwanaku y con otras sociedades de regiones aledañas como el noroeste argentino. Esta época de cambios se visualiza muy bien a través de la rica iconografía de personajes mitológicos, antropo y zoomorfos desplegados en las tallas de madera de las tabletas para alucinógenos, que contrastan con la iconografía más naturalista de la época anterior. Este cambio representaría profundas transformaciones en las sociedades atacameñas, donde resalta una ideología de sacrificios humanos, cuyas características y significados trata de explicar el autor. En la esfera tecnológica sobresale la introducción del bronce, lo que sumado a una proliferación de piezas de oro, representa el surgimiento de linajes o señoríos complejos, como el de Larache.

En el quinto capítulo relata primero los efectos de la desarticulación del sistema imperial de Tiwanaku, lo que habría provocado también que los líderes locales atácamenos, como los de Larache perdieran prestigio y poder. Se produce un fraccionamiento político y los tradicionales bienes de prestigio dejan de producirse y reaparecen otros como los objetos de plata, que el autor interpreta como signo de la competencia entre distintas facciones de las sociedades atacameñas. Desaparecen también del escenario social las imágenes todo poderosas de los dioses tiwanacotas, lo que muestra un cambio ideológico importante, donde el único “sobreviviente” es el personaje conocido como el “Sacrificador”, plasmado en otro tipo de soporte, como los tubos de inhalación de alucinógenos. El “empobrecimiento cultural” se expresa también en la discontinuación de la producción de objetos finamente labrados, reemplazados por bienes de corte más bien utilitarios. La fragmentación política se expresa en el surgimiento de poblados defensivos, junto a un decaimiento del poder de los shamanes de la época anterior, reemplazados por líderes más preocupados de la defensa física de sus comunidades, a través de alianzas estratégicas interétnicas para hacer frente a presiones tanto externas como internas. En ese nuevo orden social se imponen otros personajes ideológicos, donde destaca la figura del cóndor.

Toda esta dinámica interna se vuelve a transformar con las enmiendas impuestas por el estado imperial del Inka, que entre otras cosas dota de mayor prestigio y poder a los líderes locales para que sirvan a los propósitos del Estado. Destaca en este nuevo escenario una baja importante en los índices de violencia, marcado en fracturas y otros traumas corporales muy comunes en la época anterior. En el ámbito ideológico el estado imperial introduce nuevas prácticas como son los sacrificios en santuarios localizados a gran altura sobr la cima de los principales cerros y volcanes que bordean al Salar de Atacama. Lo interesante de todo este proceso de integración social es que ocurre, como destaca el autor, sin la instalación de asentamientos imperiales propiamente tal. Toda esta dinámica social estaba en proceso de cristalización cuando la capital del Cuzco fue invadida por el Estado de Castilla, lo que dio inicio a un nuevo proceso de interacción social, en desigualdad de condiciones, lo que no sofocó sin embargo una serie de episodios de resistencia que retardaron, pero no detuvieron el proceso de transformación de las sociedades atacameñas en los ámbitos políticos, económicos, ideológicos y tecnológicos.

Al terminar la lectura, el lector coincidirá con Don Misael Camus, Rector de la Universidad Católica del Norte, que el libro es “fascinante y acogedor” y querrá volver a repasar los detalles de la epopeya histórica de la “gente de esta tierra” o likan-antai.

Reseñado por Calogero M. Santoro – Instituto de Alta Investigación, Departamento de Antropología y Centro de Investigaciones del Hombre en el Desierto, Universidad de Tarapacá, Arica, Chile. E-mail: [email protected].

Acessar publicação original

[IF]

 

The Agricultural Revolution in Prehistory. Why did Foragers become Farmers – BARKER (DP)

BARKER, Graeme. The Agricultural Revolution in Prehistory. Why did Foragers become Farmers. Oxford: Oxford University Press, 2006. 598p. Resenha de: BUDJA, Mihael. Documenta Praehistorica, v.34, 2007.

The Agricultural Revolution in Prehistory addresses some of the most debated questions as to why, how, when and where foraging societies decided that Ôthe advantages of food production outweighed the options available to them as foragersÕ. Graeme Barker first discussed these questions in his Cambridge PhD on the transition from hunting to farming in central Italy. Some years later he focused on the evolution of farming in Europe. His recent book is an attempt to bring to bear a global holistic approach to the problem of why foragers became farmers. The book is in ten parts: (1) Approaches to the Origins of Agriculture, (2) Understanding Foragers, (3) Identifying Foragers and Farmers, (4) The ÔHearth of Domestication Õ? Transitions to Farming in South-West Asia, (5) Central and South Asia: the Wheat/Rice Frontier, (6) Rice and Forest Farming in East and South-East Asia, (7) Weed, Tuber, and Maize Farming in the Americas, (8) Africa: Afro-Asiatic Pastoralists and Bantu farmers?, (9) Transitions to Farming in Europe: Ex Oriente Lux?, and (10) The Agricultural Revolution in Prehistory: Why did Foragers become Farmers?

In the context of a short review, the range and rich detail of this book precludes further summary, and to engage in debate on any one section would be invidious. Suffice to say that the author believes that the process of transition to farming demands a regionally comparative approach. For every region, he suggests, we need to understand Òchanges in climate and environment, the nature of the plant and animal resources available, and how they were exploited by people on either side of the presumed transitional phase(s) from foraging to farming”. And, that “if we are to understand why prehistoric foragers become farmers” we have to “imagine how they must have viewed their world and the challenges and choices available to them”. There is no reason not to agree with these postulates.

The author develops a strong case for the development of agricultural systems in many regions as transformations in the life-styles of indigenous forager societies, and hypothesises that these were as much changes in social norms and ideologies as in ways of obtaining food. He argues at the same time that the transition to farming was a process consisting of many unwise, foolish and fatal decisions, and that what actually happened was not the discovery nor the invention of food production, but a by-product of decisions made without an awareness of their consequences (p. 392, quoting J. M. Diamond).

The author surprises us by reviving two old concepts and models, agricultural revolution (cf. V. G. Childe) and acculturation (cf. S. Piggott [Ancient Europe. 1965], missing from the bibliography). He argues strongly against the concept of demic diffusion and/or the wave of advance model (cf. A. J. Ammerman and L. L. Cavalli-Sforza). For him, the main problem with the demic diffusion model is Òits focus on the transition to farming as some kind of unique sequence of movements in an otherwise static world.Ó (p. 413).

By adopting a global perspective, the author integrates in the book a series of general and basic data that were discussed in the eighties and nineties in archaeology, anthropology, botany and zoology, climatology, and archaeogenetics. Unfortunately, he overlooks relevant information as much as the recent discussions of origins and diffusions of “Mesolithichic” and “Neolithic” Y-chromosomes and mitochondrial DNA haplogroups, and global human population trajectories in the context of the processes of the transition to farming. Human genetic studies show that the modern European paternal and maternal genetic landscape was not the result of farmers invading from the Near East, and that demic diffusion is not a realistic scenario for interpreting the transition to farming in either Europe or Central Asia. The lively debate on the “8.200 calBp climate event” Ð which undoubted correlates chronologically with the transition to farming on a global scale, and certainly affected environmental conditions Ð is not taken into account. How the event affected contemporary hunter-gatherers and farmers and the transition to farming still awaits an answer.

There is no question, however, that The Agricultural Revolution in Prehistory is a big step towards an unbiased interpretation of the processes of transition to farming in prehistory both regionally and globally.

Mihael Budja –  University of Ljubljana.

Acessar publicação original

[IF]

 

 

Parts and Wholes: Fragmentation in Prehistoric Context – CHAPMAN; GAYDARSKA (DP)

CHAPMAN, John; GAYDARSKA, Bisserka (with contributions from Ana Raduntcheva and Bistra Koleva). Parts and Wholes: Fragmentation in Prehistoric Context. Oxford: Oxbow Books, 2007. 233p. Resenha de: MLEKU, Dimitrij; BUDJA, Mihael. Documenta Praehistoricav.34, 2007.

The book Parts and Wholes is in many ways a supplement to Chapman’s previous book, The Fragmentation in Archaeology (2000), but it is also a new, highly innovative and interesting book. It is an ambitious attempt to write an integrated study which combines archaeology, social anthropology and material culture studies.

Chapman’s study focused on the complementary practices of fragmentation and accumulation, processes which link people to objects through production, exchange and consumption. He adopted an anthropological model of personhood, derived mainly from ethnographic analyses of Melanesian societies, where people are made up of the totality of their relations: they are not “individuals” but “dividuals”, made up of their relations and transactions with each other, places and material culture.

This study was founded upon the “fragmentation premise “, an idea that many artefacts in the past were deliberately broken and then re-used as fragments after that break. A crucial practice connected with the creation of personhood is “enchainment”, a social relationship between people and people and objects which emerges from the exchange of fragments. A related, complementary process is “accumulation”, which creates a hoard of objects.

Fragments are tokens of relations between people, places and objects, and thus create personalities. This model of personhood seems to fit the evidence of fragmented objects, hoards and partial deposits of human bone from southeastern Europe.

In the present book Chapman and Gaydarska elaborate on many points and arguments from Chapman’s previous book. In fact, the book addresses many criticisms of the first book and provides many case studies which support the theoretical issues raised in the both volumes.

The first two case studies are examples of the culturally specific creation of personhood, the first using whole pots and the principle of “categorisation” (Chapter 1). The second study discusses the anthropomorphic figurines from Hamangia (Chapter 3). Observation of the various biographies of Hamangia figurines, which were androgynous when whole, but change their rendered identity to male, female or genderneutral, or no-gender following the fragmented life history of the figurines. However, in graves, either complete figurines or fragments, which can be refitted to whole figurines, were deposited, which characterise Òa return to androgynous whole at death. “Two methodological studies focus on the correspondence between the mobility of objects and fragDocumenta Praehistorica 2007 book reviews 314 ments and the archaeological record. The first one Ð wittily named “Schiffer visits the Balkans” Ð discusses “rubbish” , the importance of deposition and disposal for the objects” biographies, the mobility of the fragments, the creation of context and the definition of “activity areas” (Chapter 4).

Meanwhile, the second approach mobilises the re-fitting studies and chine op.ratoire approach to answer the key question in fragmentation studies: “Where are the missing parts?” The study traces the dispersion of fragments both on-site and off-site (Chapter 5).

The final two studies combine a biographical approach with re-fitting studies. The first approaches the large assemblage of fragmented figurines from the Final Copper Age layers of the Dolnoslav tell (Chapter 6). The complex pattern of deposition at Dolnoslav seems to suggest that the tell was an accumulation site for the fragments, while the pattern reflects diverse principles of personhood, and thus offers an interesting contrast to the study of Hamangia figurines in the third chapter.

The second traces the ch.ine op.ratoire of Spondylus rings based on refitting studies of three sites (Chapter 7).

Chapman and Gaydarska succeed in demonstrating that the Ôfragmentation premiseÕ is well founded. The high level of object and fragment mobility Ð up to 80 % of objectsÕ mass is missing on some sites Ð suggest that fragments travel across sites and landscapes. Even more, they show that fragmentation studies can offer an insight into the creation of personhood and identity.

What we miss in the book is an acknowledgement of the social importance of the act or performance of deliberate breaking. Deliberate breaking is first an extremely important event in the biography of the object, not just “ritual killing”. It is an act of transformation, when a whole object is transformed into something other. The act of transformation Ð due to its visual or aural qualities Ð can bring people together and make the event an social one. Obvious examples are the “ritual explosions” of figurines at Dolni V.stonice, Balkan celebrations involving the ÔritualÕ breaking of glass against walls, or Leslie GrinsellÕs funeral cited in the introduction to the book. In such events it is the performance of deliberate fragmentation which has important social implications; it binds people together, the resulting fragments make those relations merely visible and tangible.

All in all this is a mind-boggling book. Chapman and Gaydarska’s study is a highly innovative and stimulating one. It opens completely new lines of enquiry into Balkan (and wider) prehistory.

Dimitrij Mleku and Mihael Budja – University of Ljubljana .

Acessar publicação original

[IF]

 

Prehistoric Herders of Northern Istria: the archaeology of Pupicina Cave – MIRACLE; RORENBAHER (DP)

MIRACLE, Preston T.; FORENBAHER, Staso (Ed.). Prehistoric Herders of Northern Istria: the archaeology of Pupicina Cave, Volume 1\Pretpovjesni stocari sjeverne Istre: arheologija Pupicine peci, 1. svezak (Monografije i katalozi 14). Pula. Arheoloski muzej Istre, 2006. 560p. Resenha de:  MLEKUZ, Dimitri. Documenta Praehistorica, v.34, 2007.

This monograph documents the results of the excavation of the post-Mesolithic layers in Pupi²ina Cave in Northern Istria. Pupi²ina Cave contains a deep, albeit interrupted sequence, which covers the last 12 000 years of occupation, with significant Neolithic and Bronze Age deposits. This is the first volume in a series of monographs which is intended to cover the whole occupational sequence of the Cave.

This substantial monograph is a very welcome contribution to studies of the Neolithic and Bronze Age in the Northern Adriatic, which has been relatively intensively researched, but lacks well- excavated and dated assemblages, and which is plagued by a lack of detailed publications.

The most obvious contribution of the monographs lies in the detailed specialist studies of the whole line of evidence, both ÔartefactualÕ and ÔecofactualÕ, including stratigraphic, micromorphological, taphonomical, palaeobotanical etc. data. Thus, aside from an introductory article (Miracle) and two overview contributions, the monograph consists of a series of detailed specialist reports covering different lines of evidence.

Miracle and Fornbaher describe the methodology of excavation and the stratigraphy of the post-Mesolithic layers in the cave in full detail. The sequence of five occupation horizons is dated with eight radiocarbon dates. Particularly interesting is the geoarchaeological report (Boschian), which clearly demonstrates that the stratigraphic sequence is almost entirely the result of anthropogenic processes, mainly the periodic burning of animal dung and cleaning of cave floors. The micromorphological data provide clear evidence that the cave was used as a sheep pen. The pottery analysis (Forenbaher and Kaiser) provides evidence of sharp contrast in the use of pottery at the site between the Bronze Age and Neolithic, while the analysis of stone artefacts (Forenbaher) questions previous assumptions that the Neolithic lithic industry in the region is based on a prismatic blade technology industry. An important observation is the intensification of long-distance interactions during the Neolithic, which can be clearly seen in an expanded range of raw materials. Different uses of raw materials can be seen in a small collection of bone and antler artefacts (Amatt and Miracle).

The report on vertebrate fauna (Miracle and Pugsley) clearly shows the major role in subsistence of herds of ovicaprines, thus complementing the micromorphological and stratigraphic evidence. The paper reveals substantial changes in cave use, animal management, during the Neolithic and Bronze Age.

The very small mollusc assemblage provides more evidence of site formation and taphonomical processes than of dietary or palaeo-environmental processes (Laurie, Miracle and Poje). The charcoal and phytolites analysis offer evidence of the utilisation of the landscape in the immediate enivrons of the cave (Fletcher and Madella) and thus complements a pollen analysis from an offsite core (Andri­), while the analysis of small vertebrate remains (Steward and Parfitt) focuses more on the formational processes which could have led to their accumulation in the cave. The specialist reports often include regional comparisons and set data within a wider regional context. Especially worth mentioning is the report on faunal assemblages (Miracle and Pugsley), which summarises zoo-archaeological data from the whole of the eastern Adriatic.

The last two chapters summarize the different lines of evidence and provide an overview and conclusion about the cave itself and its environment, and its position in the spread of farming in the eastern Adriatic.

The first synthetic contribution summarise changes in the activities in the cave and its immediate environs (Miracle and Forenbaher). Pupi²ina was a seasonally visited site, with changing patterns and intensity of use and occupation. It was used as a seasonal camp, with major periods of relatively intensive occupation during the second half of the 6th and the beginning of the 5th millennium BC (Middle Neolithic) and mid-second Millennium BC (Bronze Age).

The Middle Neolithic occupations were short; shepherds lived in the cave with their herds; animals were slaughtered and consumed on site. Although the authors admit that the data fits fairly well with J.-.. BrochierÕs Ôhabitat bergerieÕ, an occupational site used by shepherds and their herds, they anyway conclude Ð in my opinion too hastily Ð that ÒPupi²ina may have been a special-purpose site attached to the nearby villageÓ, and was therefore more a Ôgrotte bergerieÕ, a seasonal transhumance site linked to the (hypothetical) lowland village. This might be true of the Middle Bronze Age, with the appearance of fortified hill-forts in northern Istria and the immediate vicinity of the site.

An important observation is the existence of ÔgapsÕ in the deposition, a major one between the Mesolithic and Neolithic, and another between the Neolithic and Bronze Age, along with several others. These ÔgapsÕ also occur in other caves in the region. Unfortunately, the research does not provide a final answer to this problem, although it seems to be crucial for understanding the transition from the Mesolithic to the Neolithic in the cave and the wider region, which is the topic of the second synthetic contribution (Forenbaher and Miracle). There is a hiatus in occupation of around 1800 years between the Mesolithic and Neolithic occupations of the cave, therefore the evidence of a Mesolithic-Neolithic transition and the transition to farming has not survived. Unfortunately, this renders the cave less suitable for a discussion of the process of neolithisation. The earliest Neolithic layers in Pupi²ina are at least a few hundred years younger than the first Neolithic evidence in the region. Therefore, we might not agree with the authorsÕ conclusion that ÒPupi²ina has some of the strongest and clearest evidence of a new population of herders/farmers coming to the site in the Middle NeolithicÓ. Absence of evidence is not necessarily evidence of absence of absence of huntergatherers in the cave during the transitional period, especially when other lines of evidence (exclusive use of local lithic raw materials in the oldest Neolithic horizon) may suggest local ancestry of the first herders in the cave.

The first monograph in the series is a colossal contribution to Neolithic and Bronze Age studies in the area and sets high standards for future research and publications on the area. It is to be hoped that the quality of the research and publication seen in this monograph will be also reflected in publications by other researchers working in the area. I eagerly await further volumes from the series.

Dimitrij Mlekuz – University of Ljubljana

Acessar publicação original

[IF]

 

Ritual and Domestic Life in Prehistoric Europe | R. Bradley

O conceito de “ritual” tem sido largamente debatido por antropólogos desde a criação da Antropologia como disciplina. Em arqueologia, o âmbito do ritual, bem como aquele da religião, foi, até recentemente, considerado como vago, impreciso, irracional e incerto, e, por conseguinte, amplamente evitado por grande parte dos arqueólogos. Em verdade, ritual era mais freqüentemente empregado sem claros critérios e aleatoriamente para nomear estruturas e achados cuja função era, a princípio, obscura para os arqueólogos, a ponto de se tornar “anedota” – tudo o que não tinha função prática aparente, passava, então, a ser designado como “ritualístico” (cf. Orme 218-19; Whitehouse 1996). A década de 90 trouxe, porém, um largo manancial de estudos, sobretudo na academia de língua anglo-saxã, preocupados com questões referentes à religião e às formas rituais, visando “reabilitar” o âmbito do ritual para a pesquisa acadêmica, rompendo com a visão do sagrado como epifenômeno e demonstrando sua relevância para a interpretação da cultura material. Entre os préhistoriadores, destacou-se sobremaneira o trabalho de Parker Pearson (1996) [1], que descortinou novas possibilidades de análise, tornando-se grande divisor de águas. Seguindo a linha de análise apontada por Parker Pearson, a tese de doutoramento de J.D. Hill (1995) tornou-se, sem sombra de dúvida, um marco no campo. Hill questionou profundamente os modelos de análise de hillforts para os assentamentos da Idade do Ferro em Wessex (Sul da Inglaterra). Refutando a idéia desses assentamentos como centros controladores da produção e de redistribuição nessas sociedades, propôs ele que tais assentamentos eram, em verdade, centros cerimoniais. Isto porque os depósitos em poços/covas nos assentamentos eram resultado de rituais e não de restos de lixo residencial, de modo que tais depósitos constituíram vias de ritualização da vida cotidiana.

É justamente na trilha indicada por Hill, que Bradley (doravante referido como B.), desenvolve seu Ritual and Domestic Life in Prehistoric Europe. Rompendo com a visão bipolar de “sagrado” x “profano”, “irracional” x “racional”, procura B. demonstrar a profunda relação entre o sagrado e a vida cotidiana, entre práticas rituais e a vida nos assentamentos da Europa pré-histórica desde o Neolítico até a Idade do Ferro. Fazendo uso dos trabalhos de Bell (1992) e de Humphrey e Laidlaw (1994), prefere ele, tal como Hill, o uso do conceito de “ritualização” ao de “ritual”, pois que se trata de prática, que, como define Bourdieu (1977), consiste em habitus, isto é, um conjunto de disposições habituais que define e in-forma as convenções sociais. Tal fornece ao pesquisador meios de compreender a performance ritual não como algo distante e/ou a parte do cotidiano, mas sim como permeando todas as instâncias da vida de uma comunidade.

Para tanto, B. estrutura seu argumento em sete capítulos, organizados em duas partes – “Parte 1 – a importância das coisas comuns” (capítulos 1 a 3) e “Parte 2 – onde incide a ênfase” (capítulos 4 a 7). Parte 1 consiste, em verdade, no desenvolvimento do artigo “A life less ordinary: the ritualisation of the domestic sphere in later prehistoric Europe” publicado por B. em 2003, e originalmente apresentado como palestra em Cambridge em 2002. No capítulo 1, B. define a problemática e abordagem teórica adotada no livro, propondo que, ao invés da tradicional distinção entre sítios sagrados e assentamentos, encontra-se, na Europa pré-histórica, uma união desses âmbitos. No capitulo 2 “A consagração da casa”, ele aponta como aspectos da vida doméstica (e, sobretudo, das estruturas de habitat) da Europa pré-histórica estão marcados por um significado ritual que os distingue e torna não-ordinários, a ponto de em Heuneburg o local de uma habitação de alto status ter sido utilizado como base para a construção de um montículo funerário (p. 57). No capitulo 3 “Uma questão de Cuidado”, ele demonstra como “na pré-história, o ritual deu à vida doméstica sua força, e [como], em retorno, a vida doméstica proveu uma organização de referência para rituais públicos. [Donde,] ritual e vida doméstica (…) formavam duas camadas que parecem ter sido precisamente superimpostas” (p.120).

A parte 2 procura, então, pontuar: 1) os contextos e locais onde tal superposição pode ser encontrada: agricultura (cap. 4), enterramentos, depósitos votivos e metalurgia (cap. 5); e 2) as performances de rituais públicos e rituais domésticos (cap.6). Neste último, B. mostra ser impossível traçar uma distinção entre oferendas rituais e o conjunto doméstico, posto que as atividades em assentamentos, monumentos e santuários não estavam dissociadas e seguiam o mesmo padrão.

A título de conclusão, o capítulo 7 desvenda novos pontos a serem abordados em pesquisas futuras seguindo esta forma de abordagem. Primeiramente, a transformação da relação homem-ambiente e da noção de propriedade com o desenvolvimento do processo de domesticação e sedentarização das sociedades pré-históricas européias. Depois, a inter-relação entre assentamentos, monumentos e santuários, a construção de enterramentos sobre assentamentos e/ou terras aráveis nas Ilhas Britânicas (no continente, ao contrário, os enterramentos encontram-se em terras não-aráveis), e o significado dos celeiros e poços de estocagem de alimentos, bem como sua relação com o sagrado, isto é, com a arquitetura de certas fontes sagradas e com os enterramentos em poços (muitas vezes realizados em antigos poços de estoque de grãos, haja vista os achados de Danebury). Finalmente, alerta ele para a necessidade de futura reflexão acerca das categorias teóricas empregadas para o estudo tanto da esfera ritual quanto da doméstica.

B. vem, com maestria, unir pontos que têm sido amplamente debatidos para o estudo das sociedades “pré-históricas” européias na academia de língua inglesa, a saber: 1) entender que ritual não se encontra vinculado tão somente à religião, mas que permeia toda a vida de uma sociedade; 2) a necessidade de compreender que grande parte dos achados arqueológicos de que dispomos advêm de contextos rituais (não somente em santuários e enterramentos, mas em fundações de casas, atividades artesanais, poços de estocagem e extração); e 3) a necessidade de abandonarmos a lógica simplista do “utilitário” x “simbólico” na interpretação desses achados.

Eis, pois, que uma nova forma de abordagem se consolida, oferecendo-nos a possibilidade de compreender as estruturas de assentamentos através de um viés menos simplista, menos corriqueiro, ressaltando, no dizer de B. (2003), “uma vida menos ordinária”.

Nota

1 Apesar de só ter sido publicado em 1996, este trabalho circulou entre os colegas ingleses desde 1990, causando grande impacto (Woodward 2002: 71).

Referências

BELL, C. Ritual Theory, Ritual Practice. New York/ Oxford: Oxford University Press, 1992.

BOURDIEU, P. Outline of a Theory of Practice. Cambridge: Cambridge University Press, Cambridge studies in social anthropology – 16, 1977.

BRADLEY, R. A life less ordinary: the ritualisation of the domestic sphere in later prehistoric Europe. Cambridge Archaeological Journal 13 (1), 2003, pp. 5-23.

HILL, J.D. Ritual and Rubbish in the Iron Age of Wessex: a Study on the Formation of a Specific Archaeological Record. Oxford: Tempus Reparatum, BAR British Series 242, 1995.

HUMPHREY, C. & LAIDLAW, J. The Archetypal Actions of Ritual: A Theory of Ritual Illustrated by the Jain Rite of Worship. Oxford: Clarendon Press, 1994.

ORME, B. Anthropology for Archaeologists: an Introduction. London: Duckworth, 1992, Chap. 5, pp.218-254.

PARKER PEARSON, M. Food, fertility and front doors in the first millennium BC. In: CHAMPION, T.C. & COLLIS, J.R. (eds.) The Iron Age in Britain and Ireland. Sheffield: University of Sheffield; J.R. Publications, 1996, pp.117-129.

RENFREW, C. (ed.) The Archaeology of Mind. Cambridge: Cambridge University Press, New Directions in Archaeology, 2001.

WHITEHOUSE, R.D. Ritual objects – archaeological joke or neglected evidence? In: WILKINS, J.B. (ed.) Approaches to the Study of Ritual. London: Accordia Research Institute/University of London, 1996, pp. 9-30.

WOODWARD, A. Sherds in Space: pottery and the analysis of site organisation. In: HILL, J.D. & WOODWARD, A. Prehistoric Britain: the Ceramic Basis. Oxford: Oxbow, Prehistoric Ceramics Research Group/Occasional publication 3, 2002, pp. 62-74.

Adriene Baron Tacla – Doutoranda em Arqueologia St Cross College, Oxford. E-mail: [email protected]


BRADLEY, R. Ritual and Domestic Life in Prehistoric Europe. London: Routledge, 2005. Resenha de: TACLA, Adriene Baron. Práticas Rituais e Assentamentos Pré-históricos na Europa. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.6, n.1, p. 57-59, 2006. Acessar publicação original [DR]

Arqueologia dos buracos de bugre: uma Pré-História do Planalto Meridional | José Alberione dos Reis

O ponto de partida de José Alberione dos Reis, uma proposta que ganha força entre os arqueólogos que estão revisando e reorganizando dados acumulados por décadas em diversas regiões do Brasil, visa realizar “um trabalho de propostas, de sugestões, de sistematização, de apontar problemáticas”. O cumprimento deste objetivo foi possível graças a uma ampla organização e sistematização das informações contidas nos trabalhos sobre os sítios arqueológicos do tipo “buracos de bugre”, incluídos nas tradições Taquara, Itararé e Casa de Pedra presentes na Região Sul. O resultado é uma síntese balizada com rigor pelos parâmetros da Arqueologia Processual, que ordena os dados publicados e que realmente aponta para novos caminhos, a partir de uma minuciosa análise das informações coletadas desde a década de 1960. Ao mesmo tempo, o livro apresenta de forma didática os conceitos e a seqüência de passos necessários para análise de aspectos ambientais, tecnológicos, econômicos e sociais a partir da abordagem processual. Além disso, também mostra um histórico das pesquisas realizadas, examinando os itinerários intelectuais de onde saíram as idéias e as práticas daqueles que formataram a maior parte do conhecimento arqueológico sobre o sul do Brasil. Leia Mais

Arqueologia dos buracos de bugre: uma Pré-História do Planalto Meridional | José Alberione dos Reis

O ponto de partida de José Alberione dos Reis, uma proposta que ganha força entre os arqueólogos que estão revisando e reorganizando dados acumulados por décadas em diversas regiões do Brasil, visa realizar “um trabalho de propostas, de sugestões, de sistematização, de apontar problemáticas”. O cumprimento deste objetivo foi possível graças a uma ampla organização e sistematização das informações contidas nos trabalhos sobre os sítios arqueológicos do tipo “buracos de bugre”, incluídos nas tradições Taquara, Itararé e Casa de Pedra presentes na Região Sul. O resultado é uma síntese balizada com rigor pelos parâmetros da Arqueologia Processual, que ordena os dados publicados e que realmente aponta para novos caminhos, a partir de uma minuciosa análise das informações coletadas desde a década de 1960. Ao mesmo tempo, o livro apresenta de forma didática os conceitos e a seqüência de passos necessários para análise de aspectos ambientais, tecnológicos, econômicos e sociais a partir da abordagem processual. Além disso, também mostra um histórico das pesquisas realizadas, examinando os itinerários intelectuais de onde saíram as idéias e as práticas daqueles que formataram a maior parte do conhecimento arqueológico sobre o sul do Brasil. Leia Mais

Territoires Celtiques – Espaces ethniques des agglomérations protohistoriques d’Europe occidentale | D. Garcia e F. Verdin

Desde a década de 70, a partir das transformações na geografia, do diálogo com a história e a antropologia, bem como do surgimento de novas formas e técnicas de análise com o uso de SGI (Sistema Geográfico de Informação), o estudo do espaço e da paisagem despontou como área de interesse para a arqueologia. Encontrando fértil terreno, sobretudo nos países de língua anglo-saxã, veio ele a se consolidar nos anos 90 como área de debate e especialização sob a forma de ‘arqueologia da paisagem’. Tendo por base a relação homem-ambiente, o estudo das formas de apropriação da paisagem tem contribuído largamente para o desenvolvimento da análise das sociedades ditas “pré-históricas”, apontando novas perspectivas para a compreensão da dinâmica dos assentamentos e das práticas sociais e religiosas de tais populações.

O livro ‘Territoires celtiques. Espaces ethniques et territoires des agglomérations protohistoriques d’Europe occidentale’, organizado por Dominique Garcia e Florence Verdin, vem no bojo dessa transformação reunir pela primeira vez especialistas que não de língua inglesa para discutir a questão da interação humana com o ambiente e o espaço sob a forma de ordenação do território e, portanto, da paisagem nas sociedades pré-históricas da Europa ocidental. Consiste esta obra, em verdade, no resultado do ‘XXIV e colloque international de l’AFEAF. Martigues, 1-4 juin 2000’, onde ‘territórios dos assentamentos e dos povos proto-históricos da Europa ocidental’ constituiu o tema geral de debate com apresentação de vinte e dois artigos em contraposição a oito trabalhos em torno do tema regional ‘territórios étnicos e territórios cívicos no sudeste da Gália: permanência e mutação (sécs. II a.C. – II d.C.)’. Reúne ele, pois, especialistas franceses, espanhóis, suíços, alemães e belgas a tratar do estado atual da pesquisa arqueológica acerca da construção do território em diversas regiões da Europa ocidental a partir de diferentes metodologias de análise e teorias interpretativas.

Abrindo o volume, Philippe Leveau apresenta um balanço das linhas de estudo e abordagem do território, traçando a trajetória do termo e, tendo por base o contraponto com as sociedades greco-romanas, suas implicações políticas, étnicas ou cívicas. Porém, ao contrário do que se poderia supor, não está ele a propor a definição de fronteiras políticas estáveis de Estados tradicionais na Antigüidade, mas sim compreender a dinâmica dos territórios, apontando diferentes formas de uso do espaço e da paisagem. Conforme aponta o autor, mais do que um debate, apresenta-se aos pesquisadores o desenvolvimento do conhecimento arqueológico não só dos assentamentos, mas, sobretudo, da zona rural, que só recentemente, ainda que de forma restrita, começou a ser explorada.

Em verdade, esta obra procura pontuar os avanços do conhecimento e da prática arqueológica para a compreensão dos sítios e artefatos em relação aos locais onde foram encontrados. Assim é que a maior parte dos artigos concentra-se em estudos de caso ou estudos regionais, analisando a construção e a dinâmica territorial em regiões da Península Ibérica, França, Suíça, Alemanha e Bélgica, abrangendo desde o período do Bronze final até o período romano. Fazendo uso de diferentes métodos de análise – desde os polígonos de Thiessen até SGI, procuram os autores contribuir com estudos que combinam as mais diversas formas de documentos (assentamentos, enterramentos, cerâmica, numismática, epigrafia, depósitos votivos, santuários, textos clássicos e toponímia), dando uma noção de conjunto e complementaridade dos sítios e achados.

No entanto, não se pode dizer que haja um caráter uníssono nas contribuições (neste sentido, muito se lamenta a ausência das discussões na publicação). Por exemplo, os trabalhos de R. Plana Mallart e A. M. Ortega, de J. Sanmartí, e de C. Belarte e J. Noguera abordam a questão do território de sítios ibéricos segundo uma abordagem de cunho mais tradicional, que supõe a estruturação deste a partir da criação de lugares centrais (segundo a teoria de Christaller) que dominam vastas regiões (modelo/método dos polígonos de Thiessen), controlando vias de comunicação, a produção e toda uma hierarquia de assentamentos.

Dentre os numerosos artigos acerca das sociedades gaulesas, há igualmente uma predominância desta sorte de interpretação. Patrice Brun, em sua análise do território dos Suessiones, também emprega o método dos polígonos de Thiessen e o modelo de lugares centrais a fim de identificar a dinâmica do território dos Suessiones durante os séculos II e I a.C. Entende ele que os oppida constituiriam o centro de estruturação do território, constituindo um “… nó de redes econômicas, políticas, ideológicas que asseguram a coesão territorial” (p.313).

De forma um tanto diferente, Dominique Garcia faz um balanço das transformações do território no sul da Gália desde o Bronze final até fins da Idade do Ferro, traçando uma evolução do território, inicialmente ‘… pouco hierarquizado (…), descontínuo e temporário’ (p.91), sendo depois, durante a primeira Idade do Ferro, transformado em vastos territórios étnicos que sofreram profundas mudanças com a fundação de Massalía. Para a autora, o interesse massaliota no controle tanto da costa quanto da rota rodaniana altera a ordenação do território das populações indígenas da Gália meridional, ocasionando a criação de assentamentos ao longo dos rios e instigando, no seu entender, uma “urbanização” (pp.95-96). Em verdade, defende ela que tal fenômeno se deveria “… a uma evolução da organização social das populações indígenas (…), bem como da participação dos gauleses do sul na rede comercial mediterrânea” (p.100).

Já autores como Büchsenschütz, através do caso dos Bituriges, e Gruat e IzacImbert, com a análise do território dos Rutênios, procuram fazer uso de novos recursos e vertentes, aproximando-se da produção de linha anglo-saxã. Todavia, mesmo esses trabalhos não se desvencilham totalmente do modelo de lugares centrais a dominar e estruturar o território. Isso se deve em parte a uma limitação da documentação arqueológica, e parte ao uso de uma hierarquização tipológica das formas de assentamento.

Uma interessante contribuição para questionar os modelos generalizantes, em particular o monolitismo dos ‘lugares centrais’, é apresentada no artigo de P. Jud e G. Kaenel. Trabalhando com o caso das populações do Platô Suíço e sul do Reno na segunda Idade do Ferro ao início do império romano, eles demonstram a existência de três formas de ordenação do território, duas delas em regiões atribuídas aos Helvetes – na parte ocidental do Platô Suíço uma ocupação mais complexa, fortemente estruturada por meio da criação de pontes e rotas, santuários e numerosos oppida, enquanto no leste do Platô Suíço, ao contrário, não se verifica tão forte organização do território. Por outro lado, na região sul do Reno, atribuída aos Rauraci, revela-se uma ordenação do território com habitats fortificados localizados na periferia do território, assegurando suas fronteiras e o controle de vias de passagem essenciais para o eixo renaniano (p.304).

Vale, aqui, igualmente contrapor dois trabalhos que enfocam a relação entre território e enterramentos. Thierry Janin empreende uma análise das necrópoles e do espaço geográfico no Languedoc ocidental na primeira Idade do Ferro segundo uma ‘economia de bens de prestígio’, onde o processo de hierarquização promove a criação de centros ‘proto-urbanos’, que, por sua vez, vêm a estruturar o território dessas populações. Por outro lado, Laurent Olivier, Bruno Wirtz e Bertrand Triboulot, ao analisar os ‘Conjuntos funerários e territórios do domínio hallstattiano ocidental’, questionam as formas de análise espacial tradicionalmente empregadas na arqueologia, propondo, em seu lugar, o uso do conceito de informação espacial, obtido a partir do cálculo da combinação de atributos dos contextos funerários em estudo. Este método, que vai além dos métodos estatísticos geralmente empregados, permite traçar a posição e extensão dos grupos culturais e a agregação de suas necrópoles. Donde por meio de uma análise espacial aprofundada, propõem eles um estudo da distribuição e projeção territorial das populações da Idade do Ferro na Europa centro-ocidental.

Fechando a obra, Alain Daubigney articula um balanço das interpretações teóricas acerca da organização territorial e política aplicadas ao estudo do Bronze final e início da Idade do Ferro (até Hallstatt C) na França e na Europa ocidental, demonstrando a existência de elites locais emergentes controlando os territórios tribais.

Em verdade, evidencia-se, nesta obra, o conflito de paradigmas que hoje marca o estudo das sociedades “pré-históricas” européias. De um lado, as tradicionais abordagens estruturalistas, os modelos e métodos homogeneizantes amplamente empregados pela arqueologia processual, que mascaram as singularidades locais. De outro, temos as abordagens pós-processuais, chamando nossa atenção para estudos não generalizantes e uso de métodos que nos permitam analisar essas sociedades de forma mais aprofundada, enveredando pela dinâmica local.

Aqui, esse embate aparece de forma um tanto restrita, pois que a grande maioria dos autores se encontra parte ainda fortemente presa aos grandes modelos explicativos, e parte seduzida pelas possibilidades abertas por novas tecnologias e meios de análise da documentação. Trata-se, portanto, de um debate em aberto, e nem por isso menos fascinante.

Adriene Baron Tacla – Doutoranda em arqueologia Institute of Archaeology, University of Oxford. E-mail: [email protected]


GARCIA, D.; VERDIN, F. (eds.) Territoires Celtiques – Espaces ethniques des agglomérations protohistoriques d’Europe occidentale. Paris: Editions Errance, 2002. Resenha de: TACLA, Adriene Baron. Territórios celtas. Um debate acerca da relação entre paisagem, poder e religião. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.4, n.1, p. 103-105, 2004. Acessar publicação original [DR]

Sentido oculto dos ritos mortuários: morrer é morrer? – BAYARD (C-RMAX)

BAYARD, Jean-Pierre. Sentido oculto dos ritos mortuários: morrer é morrer? Tradução: Benôni Lemos. São Paulo: Paulus, 321 págs. Resenha de: CARVALHO, Fernando Lins de. Simbologia dos ritos funerários na Pré-História. Canindé – Revista do Museu Arqueológico de Xingó, Xingó, n.1, dez., 2001.

Há, na racionalidade humana, a maior das angústias: a consciência da finitude. A morte, enquanto rito de passagem implica em uma estrutura de sinalização. O rito, profano em sua aparência, abre-se para o sagrado. Na relação entre o caos (morte) e o equilíbrio (vida), os ritos funerários são possuidores da perturbação da morte mas instauram uma nova ordem. A morte introduz a desorganização no processo da vida diária.

As escavações arqueológicas revelam o culto prestado aos mortos na perspectiva de uma continuidade, de uma outra vida. A posição fetal do corpo, dominante nas culturas pré-históricas, simbolizaria um (re) nascimento, na mãe terra e seu fértil útero.

Nas culturas humanas, desde a neanderthal às contemporâneas, há modelos de ritualização do cadáver: aceleração da decomposição, inumação, defumação, embalsamamento, ingestão canibalesca, cremação e outros. Os ritos funerais estão em correspondência com os quatro elementos: o ar, com o cadáver exposto; a inumação no elemento terra, a mais praticada; a imersão no elemento água e , finalmente, o elemento fogo, com a incineração, praticada já no Neolítico. No fundo, apesar de suas múltiplas formas no tempo e espaço, as condutas apresentam um discurso manifesto: a aceitação de uma forma de sobrevivência.

Trata-se da luta humana para dominar simbolicamente a morte, negando a nossa finitude. Em 1968, Arlette Leroi-Gourhan, examinando o chão da tumba neandertalense de Shanidar, no Iraque, mostrou que o corpo fora posto sobre leito de folhas de pinheiro e coberto de flores.

Jean-Pierre Bayard, importante semiólogo francês, disserta com propriedade sobre o assunto, talvez porque “falar da morte é o meio mais eficaz para superar nossa angústia”. Entendamos, portanto, o rito mortuário como um rito de passagem, configurando-se o esquema integração-separação-integração.

O entendimento da morte como um rito de passagem foi genialmente sintetizado por Marguerite Yourcenar em as Memórias de Adriano: “procuremos entrar na morte com os olhos abertos”.

Torna-se necessário morrer para renascer. Esse o constante diálogo homem-natureza em seu eterno cântico de renovação. Somos apenas um momento da vida eterna.

Para algumas culturas aceita-se a reencarnação, baseada na continuidade da consciência. Contos de inúmeros povos exprimem a crença na imortalidade da alma, que passa por diversas fases antes de voltar à terra: a cosmologia primitiva aceita a doutrina dos mundos superpostos.

A reencarnação é o retorno do princípio espiritual a um novo invólucro carnal.

O enterro sistemático dos corpos humanos remonta, pelo menos, a cem mil anos do presente, na cultura neandertalense. Os corpos eram depositados em posições variadas, com o arranjo das sepulturas modificado de acordo com as ferramentas, vestígios de fogueira e restos de animais. Em alguns sepultamentos os corpos eram salpicados de ocre.

Nos sepultamentos o esqueleto passa sempre a ser acompanhado de mobiliário funerário, característica cultural dos sapiens sapiens. As sepulturas passam também a ser agrupadas.

A prática funerária mais utilizada é a do enterramento primário, em covas pouco profundas (0,5m). Quatro as posições principais dadas aos corpos: alongada, semidobrada, amarrada e em flexão forçada (feto).

Em geral, a posição do esqueleto é orientada na linha leste-oeste, com a cabeça voltada para o sol poente. Trata-se, simbolicamente, do reconhecimento dos ciclos da finitude na natureza: o nascer e o morrer do sol. “O sol morre todas as noites, atravessa o mundo das trevas e ressuscita todas as manhãs”. Luz e trevas passam também a estar associadas à vida e morte. Os mortos devem encontrar o caminho do além, o qual, muitas vezes, é situado no oeste, lugar em que o sol desaparece e parece morrer.

Algumas culturas registram também o sepultamento em dois tempos (enterramentos secundários). Os ossos, perdidas as carnes, são exumados e lavados, sendo submetidos a novos funerais. Para Bayard, o rito cinde toda a relação do defunto com a vida terrestre pois é necessário que a carne deixe os ossos para libertar a alma.

No mobiliário funerário os adornos e suas forças simbólicas faziam-se e ainda se fazem presentes em larga escala, caracterizando classe ou posição social do defunto. É provável que flores, penas, agasalhos de pele e outros tenham acompanhado o corpo mas, restam-nos somente conchas, dentes de animais ou humanos, vértebras de peixes, pérolas, seixos, ossos, marfim como vestígios do mobiliário fúnebre, notadamente das culturas pré-históricas. Esses objetos formavam colares, braceletes, pendentes e anéis. Nos vasos funerários restos de comidas que permitiriam ao defunto empreender sua longa viagem. O fogo, em geral símbolo da vida é bem presente nessas cerimônias. Pela oferenda depositada sobre ou na sepultura estabelece-se um vínculo entre os vivos e os mortos.

Os artefatos líticos, pingentes de conchas e outros foram executados para embelezar a sepultura e nunca usados.

Todas as civilizações, desde os tempos mais remotos afirmam que o homem tem vários corpos invisíveis (almas), os quais, na hora da morte, separam-se do corpo físico e continuam a viver em outro espaço cósmico.

Para o autor, segundo os ritos funerários das diversas religiões, a alma do defunto comporta-se como o faria a de um mortal: procura um lugar privilegiado, atravessa países desconhecidos e empreendem viagem longa e penosa; depois de muitas armadilhas, o defunto chega a outro mundo, cuja organização assemelha-se à do clã do qual ele provém e no qual a vida é muito mais feliz. Em todas as épocas o homem procurou penetrar esse mistério e aprofundar essa tênue faixa imprecisa entre a vida e a morte. Todos os povos, em todos os tempos, dedicaram e dedicam, com o culto dos antepassados uma festa ou data específica anual, a fim de honrarem seus mortos.

Para o ser humano primitivo a morte definitiva não existia e continuava sua vida em outro mundo. A relação dialogada com o universo cósmico e os reinos vegetal e animal comprovam essas transformações constantes: o que nasce, morre e renasce. A imortalidade se identifica com o princípio de todas as coisas, restaurado em seu estado primordial.

Humanos, não somos mais que um instante na eternidade. A vida terrestre é somente uma parcela de nossa vida cósmica.

Bastante inspirador, o livro SENTIDO OCULTO DOS RITOS MORTUÁRIOS: MORRER É MORRER?, numa apresentação elegante e uso de ilustrações, peca em um ponto específico: não verticalizar alguns tópicos que são essenciais e ser repetitivo em outros. No entanto, o que não falta na obra de Bayard é matéria de reflexão e debate. Tais lacunas não comprometem a continuação da obra para os estudos da interface entre a vida e a morte em suas múltiplas linguagens. Há ainda um longo caminho a percorrer.

Fernando Lins de Carvalho – Professor do Departamento de Ciências Sociais.

Acessar publicação original

[IF]

 

Les Princes de la Protohistoire et l’Émergence de l’État | Pascal Ruby

Les Princes de la Protohistoire et l’émergence de l’État vem nos trazer o resultado da Table Ronde Internationale de Naples, organizada pelo Centro Jean Bérard e pela Escola Francesa de Roma em 1994, com o intuito de reunir arqueólogos e historiadores interessados em debater a questão do “poder” e da formação de “Estados” na pré-história, demonstrando que tais questões não são exclusividade das sociedades modernas e que as sociedades pré-históricas tampouco podem ser consideradas como “sociedades sem história”.

Os debates aqui apresentados fundamentam-se, sobretudo, na estreita relação entre a arqueologia e as ciências sociais para o estudo dos fenômenos evidenciados a partir da cultura material, tendo como preocupação central a emergência de “Estados tradicionais” e as desigualdades sociais, econômicas e políticas encontradas em tais sociedades. Não se trata, tão somente, de centralizar-se as discussões em torno do aumento de complexidade social, da mudança de “estágios”, como muitas vezes tem sido abordada essa questão, mas, em especial, de apontar outras possibilidades de interpretação dessas questões, indo além da dicotomia “sociedades de chefia” versus “Estados”. Mais do que explorar “… a validade (…) de um modelo evolucionista único, que faria dos ‘príncipes’ uma etapa necessária e suficiente, que, inevitavelmente, precede a emergência do Estado…” (p.7) ou do que avaliar o modelo de “sistema mundial”, visava-se aprofundar o diálogo acerca do “fenômeno principesco”, destacando outras perspectivas e formas de abordagem.

Contudo, isso não significa que tais questionamentos tenham sido abandonados (haja vista o acalorado debate que perdura entre Patrice Brun e Michael Dietler sobre as chefias celtas da Europa central durante a Idade do Ferro (1)), mas sim que esteja buscando outras teorias, a fim de diversificar o debate, afastando os pesquisadores da hegemonia de um modelo teórico. Assim, os trabalhos contidos neste livro priorizam três pontos: o reconhecimento do fenômeno principesco; a articulação das dimensões simbólicas, imaginárias e reais deste fenômeno principesco e a instabilidade característica deste fenômeno e suas possíveis relações com a formação dos Estados, apontando questões teóricas e sua aplicação ao caso das sociedades da Península Ibérica, helênica, etrusca, hallstattianas, cita, africanas e polinésias, destacando a diversidade do fenômeno principesco e as singularidades regionais.

Esse encontro veio, então, contribuir, por um lado, para a contenda acerca das categorias conceituais usualmente empregadas para o estudo das sociedades ditas “pré-históricas” (mormente aquelas da Idade do Ferro) e sua disparidade ou imprecisão com relação às especificidades históricas de cada uma dessas sociedades e, por outro, para indicar outras vias de análise, que abarquem quer o conflito e a instabilidade no seio dessas sociedades (pouco abordado até então), quer a dimensão simbólica do poder, sua relação com o sagrado, os rituais e a construção da coesão social (fundamentais para alicerçar o poder político).

No que tange aos Estudos Célticos, tal discussão se revela assaz importante, uma vez que a maior parte dos estudos tem sido norteada pelo debate acerca dos processos de hierarquização e de institucionalização da chefia e de emergência de Estado, havendo uma hegemonia, até hoje pouco questionada, do modelo de “sistema mundial”; o qual é defendido, neste livro, por Patrice Brun, no capítulo A gênese do Estado: as contribuições da arqueologia e por Jean-Paul Demoule, em A sociedade contra os príncipes. Este último, no entanto, apesar de se manter vinculado ao modelo de “sistema mundial” e à concepção de que as mudanças verificadas nas sociedades hallstattianas se devem ao contato com o Mediterrâneo e ao controle do acesso aos bens de prestígio importados, ao levantar temas como “conflito”, “manipulações ideológicas”, “monopólios do imaginário”, “violência do poder” e “resistência ao poder”, contribui para ampliar os questionamentos a propósito do poder nas sociedades celtas da Idade do Ferro, principalmente sobre a institucionalização da chefia nas tribos hallstattianas e a emergência de Estados em fins do período lateniano na Europa centro-ocidental.

Por outro lado, consideramos de suma relevância nos afastarmos da supremacia desse modelo, trazendo para este debate o âmbito do simbólico e do sagrado a fim de que possamos ampliar nosso conhecimento sobre essas sociedades, tal como no caso dos capítulos de Michael Dietler, Rituais de comensalidade e a política de formação do Estado nas sociedades “princiescas” do início da Idade do Ferro, e Michael Rowlands, A economia cultural do poder sagrado. O primeiro, centra-se no estudo da “dimensão política dos rituais de comensalidade” marcados nos achados dos assentamentos da zona ocidental de Hallstatt, estabelecendo a relação entre as práticas rituais e o processo de hierarquização e fortalecimento da chefia nas tribos hallstattianas, demonstrando serem elas instrumentos fundamentais para o desenvolvimento de tais processos. O segundo, apesar de trabalhar com as regiões ocidentais de Camarões, renova o debate acerca do “poder sagrado” com sua proposta de “economia sacrificial”, de modo a nos permitir alargar a reflexão a respeito da relação entre o poder e as práticas rituais, enfocando a necessidade de se enveredar por uma abordagem que não ignore a dimensão ritual/ simbólica, nem tampouco se limite a reproduzir categorias ocidentais/ não-ocidentais.

De modo geral, a questão do simbólico permeia a maior parte dos trabalhos apresentados neste encontro de Nápoles, destacando-se como um dos aspectos centrais para a análise do poder, das práticas políticas e da própria formação dos Estados nas sociedades pré-históricas, mostrando ser necessário abarcarmos não somente aspectos sociais, políticos e econômicos, mas, também, culturais, sem os quais não nos será possível aprofundar o debate acerca do fenômeno principesco nessas sociedades.

Nota

1. Sobre este debate, além dos trabalhos de Dietler e Brun presentes neste livro, ver: ARNOLD, B. and GIBSON, D.B. (eds.) Celtic Chiefdom, Celtic State. Cambridge: Cambridge University Press, New Directions in Archaeology, 1995; BRUN, Patrice. Contacts entre colons et indigènes au milieu du Ier millénaire av. J-C. en Europe. Journal of European Archaeology, 3 (2), 1995: 113-123; DIETLER, Michael. The Cup of Gyptis: rethinking the colonial encounter in early-Iron-Age western Europe and the relevance of world-systems models. Journal of European Archaeology 3(2), 1995: 89-111.

Adriene Baron Tacla – Probationer Research Student Institute of Archaeology, University of Oxford. E-mail: [email protected]


RUBY, Pascal (Dir.) Les Princes de la Protohistoire et l’Émergence de l’État. Naples-Rome: Centre Jean Bérard/École Française de Rome, 1999. Resenha de: TACLA, Adriene Baron. O Fenômeno Principesco e a Emergência do Estado. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.1, n.1, p.75-76, 2001. Acessar publicação original [DR]

Pré-História do Nordeste do Brasil – MARTÍN (RHAA)

MARTÍN, Gabriela. Pré-História do Nordeste do Brasil. 2ed. Recife: Editora da UFPE, 1997. Resenha de: ALLEN, Scott Joseph. Revista de História da Arte e Arqueologia, Campinas, n.4, p.131-132, ago., 2000.

Scott Joseph Allen – Universidade Federal de Alagoas. E-mail: [email protected].

Acesso somente pelo link original

[IF]

 

El collar del Neanderthal. En busca de los primeros pensadores – FERRERAS (PR)

FERRERAS, J. L. Arsuaga. El collar del Neanderthal. En busca de los primeros pensadores. Madrid: Col Tanto por Saber, Editorial Temas de Hoy, 1999. 311p. Resenha de:  Panta Rei – Revista de Ciencia Y Didáctica de la Historia, Murcia, n.4, p. 1998.

La lectura que Juan Luis Arsuaga, codirector del Proyecto Atapuerca y Paleoantropólogo reconocido, nos propone no es sólo una exposición de teorías científicas difíciles de entender paraun lector no habituado a ellas, sino que mediante un lenguaje llano, abierto y muy expresivo, junto aejemplos y paralelismos e, incluso, alguna anécdota, acerca al lector un poco más al conocimientode quiénes habitaron estas tierras en los orígenes de la Historia.

El autor nos lleva de la mano, por la Prehistoria en general, a través de un camino que haplanificado recorrer en tres etapas, es decir, en tres partes: “Sombras del Pasado” (sobre el origen dela especie humana); “La vida en la Edad del Hielo” (acerca de los modos de vida del hombre); y”Los contadores de historias” (el neanderthal frente al hombre moderno).

Cada una de ellas, a su vez, está estructurada en otros tres capítulos que pretenden darnos a conocerdistintos aspectos de la Prehistoria. Y para facilitar aún más ese conocimiento, los nueve capítulosestán subdivididos en diversos apartados que actúan como ventanas que van iluminando el senderopor el que caminamos.

Además en esta estructura se incluyen un Prólogo y un Epílogo, aparte de bibliografía sobre cada capítulo y otros apartados. Si nos detenemos un momento en cada capítulo observaremos qué podemos encontrar en ellos. El capítulo uno nos acerca a la propia evolución de la especie humana.

El autor muestra las relaciones existentes entre los hominoideos y los homínidos, y su evolución através de los estudios genéticos y de los restos fósiles encontrados hasta el momento.

El capítulo dos está dedicado al primer ser que se considera humano, el Homo Habilis, y alpoblamiento de Asia por un muy posible pariente suyo, el Homo Erectus. En el capítulo tres sehabla de una rama de los homínidos propiamente europea, los neanderthales. Se explican susprincipales características y se establecen comparaciones con el hombre moderno.

El siguiente capítulo trata la flora y, por extensión, la climatología que conocieron nuestrosantepasados, desde un punto de vista universal para llegar de forma gradual a otro únicamentepeninsular. El capítulo cinco está dedicado a la fauna, siguiendo el mismo esquema del capítuloanterior, desde lo general hasta lo particular. En el capítulo seis nos habla el autor de los medios desubsistencia de los grupos humanos en el momento en que los animales y plantas, de los quedurante generaciones se habían alimentado, comienzan a desaparecer. En el capítulo siete tratamosde descubrir cuál es la vida media de un hombre prehistórico para, de este modo, acercarnos alconocimiento de “qué pasó en la Sima de los Huesos” y por qué se acumularon los cadáveres de almenos treinta y dos individuos de distintas edades en el mismo lugar. El capítulo ocho trata dedilucidar qué surgió primero, si el lenguaje o el pensamiento, sobre todo para determinar en quémomento los homínidos comenzaron a ser realmente humanos. En el noveno se nos habla ya delhombre moderno y de sus cualidades, así como de sus diferencias con el neanderthal, cómo secomportaban y qué posible relación existía entre ambos.

Por último, en el Epílogo se hace un repaso rápido de lo expuesto en todos los capítulos y se hablade la Prehistoria en la Península Ibérica.

Hasta aquí hemos echado un vistazo a las etapas del camino de la Prehistoria que Arsuaga nospropone. Nos quedaría mencionar cómo y con qué debemos equiparnos en este viaje. Para ello elautor nos cita constantemente, a lo largo de todo el libro, mucha bibliografía y autores que hantratado, y tratan, cada uno de los temas que se exponen. El problema de estas citas es que la mayoríade las veces sólo aparecen los nombres del autor y de la obra, sin que se incluyan notas a pie depágina.

Además encontramos cuadros y dibujos que son bastante útiles para no perderse dentro delcontenido de cada capítulo. Y, por supuesto, multitud de referencias a los hallazgos de la Sierra de Atapuerca.

De este modo, al final de nuestro camino observamos que en el interior de este libro pueden hallarseplanteamientos y cuestiones muy interesantes y novedosas sobre la forma de ver la Prehistoria, quevan desde la simple excavación e interpretación de restos arqueológicos hasta los estudiosantropológicos y etnológicos acerca de tribus actuales como los Hadza, y la aplicación de métodosde investigación prestados por otras ciencias como la Geología, la Biología, la Genética, etc., a la investigación prehistórica.

Acessar publicação original

[IF]

Pré-História do Nordeste do Brasil 2ed – MARTIN (CA)

 

MARTIN, Gabriela. Pré-História do Nordeste do Brasil. Recife: Editora da UFPE, 1996. P.395. Resenha de: SCHMITZ, Pedro Ignácio. Clio Arqueológica, Recife, n.12, p.215-217, 1997.

Pedro Ignácio Schmitz – Professor do Programa de Pó-Graduação em História – UNISINOS e Diretor do Instituto Anchietano de Pesquisas – UNISINOS. Doutor em Geografia e História pela Pontofícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Acesso apenas pelo link original

[IF]

Pré-História do Nordeste do Brasil – MARTIN (CA)

MARTIN, Gabriela. Pré-História do Nordeste do Brasil. 2ed. Recife: Editora da UFPE, 1997. p.450. Resenha de: TEIXEIRA, Ivana; OLIVEIRA, Luciane Monteiro; SILVA, Sérgio Francisco Serafim Monteiro da. Clio Arqueológica, Recife, n.12, p.219-221, 1997.

Ivana Teixeira, Luciane Monteiro Oliveira, Sérgio Francisco Serafim Monteiro da Silva – Alunos do Mestrado em Arqueologia da Universidade de São Paulo.

Acesso apenas pelo link original

[IF]