A criação do patriarcado: história da opressão das mulheres pelos homens | Gerda Lerner

Gerda Lerner in her office in Madison 2002 Foto Andy ManisThe New York Times
Gerda Lerner in her office in Madison (2002) | Foto: Andy Manis/The New York Times

A Criação do Patriarcado foi publicado pela editora Cultrix em 2019. A obra da historiadora e pesquisadora americana Gerda Lerner – uma das grandes desenvolvedoras do currículo da disciplina de História das Mulheres na Universidade de Wisconsin (EUA) – enfatiza o paradoxo entre o papel decisivo das mulheres na criação da sociedade e seu caráter marginal no processo histórico. Dessa forma, esses dilemas levaram-na a explorar cerca de 2600 anos de história da cultura do antigo oriente próximo, dando maior ênfase às sociedades mesopotâmica e hebraica.

Tendo como objeto de estudos as mulheres e o início das sociedades patriarcais, busca através dessa análise mostrar como esses sujeitos são peças centrais, e não marginais, para a criação da sociedade e a construção da civilização. Assim, como as mulheres foram impedidas de contribuir com o fazer História, Lerner se faz a seguinte pergunta norteadora de sua obra: quais são as definições e os conceitos necessários para que possamos explicar a relação única e segregada das mulheres em relação ao processo histórico, ao fazer história e a interpretação do próprio passado? Logo, a autora traça como objetivo principal mostrar que quando a mulher busca por uma compressão das relações de gênero e do seu passado, ela possui a força do fazer história. Leia Mais

Nova História das Mulheres no Paraná | Georgiane Garabely Heil Vázquez

Em um contexto de negação dos direitos das minorias, de aumento da violência contra mulheres, bem como de discursos que procuram negar as relações de gênero existentes na sociedade, ganha ainda mais importância e surge como sinônimo de coragem a obra coletiva Nova História das Mulheres no Paraná, organizada pela professora Georgiane Garabely Heil Vázquez. O livro, composto por 8 capítulos, foi escrito por pesquisadoras ligadas a diferentes instituições. O que estabelece a unidade da obra é a discussão da mulher a partir das discussões teóricas de gênero nas mais variadas perspectivas, bem como recortes temporais distintos e em diversos municípios do Paraná.

A publicação é voltada principalmente para as pessoas que se dedicam à pesquisa histórica. No entanto, não apenas historiadores e historiadoras poderão utilizar o livro como referência quando estiver em pauta a História das Mulheres ou discussões teóricas e metodológicas a respeito dos Estudos de Gênero. Pesquisadores (as) de áreas como Psicologia, Ciências Sociais, Direito, entre outras, que constantemente dialogam com a História e que discutem as implicações de gênero na sociedade, terão no livro uma contribuição importante. Leia Mais

Histórias e conversas de mulher | Mary Del Priore

A historiografia contemporânea tem focado cada vez mais nos estudos acerca da história das mulheres, principalmente pondo-as como sujeito histórico, consciente ou não de sua condição de submissão e passividade ao longo da história, e que hoje já se percebe transitando espaços antes ocupados pelos homens. Nesta seara, a historiadora Mary Del Priore tem se debruçado em arquivos diversos, traçando assim a história do Brasil desde o período colonial aos nossos dias, com foco em questões tidas como tabu, como é a questão da sexualidade e do erotismo; as mulheres na sociedade; enfatizando os acontecimentos com riqueza de detalhes, prendendo assim seu leitor até o final.

A autora é referência em história das mulheres, tendo publicado os clássicos: História das Mulheres no Brasil, Ao Sul do Corpo, Corpo a Corpo com a Mulher, Histórias Íntimas, Histórias e Conversas de Mulher e contribuiu na organização de outras obras sobre a História do Brasil. Leia Mais

Mujeres y hombres en la historia: Una propuesta historiográfica y docente – BOLUFER PERUGA (I-DCSGH)

BOLUFER PERUGA, M. Mujeres y hombres en la historia: Una propuesta historiográfica y docente. Granada. Pomares, 2018. Resenha de: GUILLOT, Helena Rausell. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, n.97, p.85-86, out./dez. 2919.

El libro que presenta Mónica Bolufer dentro de la colección «Mujeres, historia y feminismos» tiene como objeativo fundamental contextualizar el surgimiento de la historia de las mujeres dentro de la renovación historiográfica del siglo xx, además de reivindicar sus aportaciones y de analizar su presencia en la historia ensenada a nivel universitario. Pero Mujeres y hombres en la historia no es tan solo un texto historiográfico, ya que incluye reflexiones sobre la historia ensenada, además de exponer y argumentar una propuesta didáctica propia, basada en más de veinte anos de experiencia docente e investigadora.

La obra se estructura en tres partes, que se corresponden con cada uno de los capítulos. La primera de ellas está consagrada a la renovación historiográfica que se inicia en el siglo xx con la Escuela de los Annales y el marxismo. Este repaso historiográfico sirve para explicar la aparición y el afianzamiento de la historia de las mujeres como campo historiográfico y de investigación desde los anos setenta del siglo xx.

Sus reflexiones se construyen a partir de la lectura de algunas de las aportaciones sobre epistemología de la historia más valoradas de las últimas décadas (Iggers, Hernández Sandoica, Aróstegui o Moradielos), además de incluir referencias a los autores clásicos del siglo xx. Están igualmente presentes algunas de las voces más autorizadas de la historiografía de género, la historia de las mujeres o del movimento feminismo (Mary Astell, Inés Joyce, Jane Austen, Joan Wallach Scott, Virginia Woolf…), junto a fragmentos de obras literarias, en una aproximación ya clásica dentro de los estudios de género que valora la literatura como fuente histórica y como instrumento para recuperar las voces de las mujeres del pasado.

Quizá sea el tercer apartado, el dedicado a «ensenar la historia de las mujeres en la universidad», el que pueda resultar más interesante desde el punto de vista de la didáctica de las ciencias sociales. Entre sus reflexiones, encontramos el reconocimiento a figuras como Dolores Sánchez Durá, Pilar Maestro, Joaquín Prats o Rafael Valls y a aquel sector más implicado del profesorado de secundaria que impulsó los Movimientos de Renovación Pedagógica. La autora llega a argumentar la necesidad de que el cambio historiográfico y pedagógico vayan estrechamente unidos, además de criticar la falta de aportaciones con respecto a la ensenanza de la historia de las mujeres en el ámbito universitario. Asimismo, razona que esta historia del género pueden desempenar un papel especialmente fecundo en la actualización de las formas de entender y de ensenar la historia en los distintos niveles educativos, a partir de algunas de las posibles aportaciones de la historia de las mujeres a la historia ensenada, entre las que destaca: aprender a pensar históricamente (historicidad de las categorías de femenino y masculino); la existencia en el tiempo de modelos no hegemónicos, minoritarios o discordantes; la necesidad de enriquecer la reflexión sobre la complejidad de las relaciones y las desigualdades sociales; o la atención a las formas variadas de la presencia y protagonismo de las mujeres en la historia.

Otra de las aportaciones más sugerentes de la obra es el balance que realiza con respecto a la presencia de la ensenanza del género en los grados de historia y en otras titulaciones y posgrados. La autora documenta que, en la actualidad, se imparten, con denominaciones distintas (historia de las mujeres, del género, de las relaciones de género…), asignaturas especializadas en veintiocho universidades, en algunas de ellas desde hace casi veinte anos o más (caso de las universidades de Barcelona, Valencia, Granada, Oviedo, Complutense y Autónoma de Madrid) y otras en las que gozan de una trayectoria más reciente. Dichas materias se insertan en treinta y cuatro grados, entre ellos veintiuno en historia, pero también en historia del arte, historia y ciencias de la música, humanidades y otras disciplinas científicas y sociales (como medicina o comunicación audiovisual). Dentro de los estudios de posgrado, estas asignaturas están presentes en veintisiete másters, ocho de ellos interuniversitarios, tanto en historia como en historia del arte y patrimonio, y aquellos dedicados a estudios de género (Bolufer, 2018, pp. 85 y 86).

La obra concluye con un muy buen aparato crítico que distingue entre lecturas básicas, textos de época y lecturas complementarias y que se complementa con una filmografía escogida. Esta misma autora ha lanzado de forma casi simultánea otro libro, Arte y artificio de la vida en común: Los modelos de comportamiento y sus tensiones en el Siglo de las Luces, en la editorial Marcial Pons (2019). Dicho texto reflexiona en torno a la civilidad y la circulación de libros e ideas en la Europa de la Ilustración. Mónica Bolufer Peruga es catedrática de historia moderna en la Universidad de Valencia.

Helena Rausell Guillot – E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

 

História oral e história das mulheres: rompendo silenciamentos – ROVAL (RTA)

ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira (Org.). História oral e história das mulheres: rompendo silenciamentos. São Paulo: Letra e Voz, 2017. Resenha de: MOUSINHO, Amanda Arrais. Uma história oral narrada por vozes femininas na luta contra as hierarquias de gênero. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v.11, n.26, p.630-634, jan./abr., 2019.

“História oral e história das mulheres: Rompendo silenciamentos” é um livro composto por estudos baseados nas vidas de mulheres de diferentes origens territoriais, sociais, culturais e políticas e suas relações com os homens, com o propósito de refletir sobre essas experiências femininas diante das mais diversas práticas culturais que perpassam o cotidiano. Segundo a organizadora da obra, Marta Gouveia de Oliveira Rovai, essas mulheres detêm a possibilidade de se manifestar, por intermédio da história oral, contra toda forma de opressão, indiferença e esquecimento com o objetivo de publicizar e enfrentar dores na luta contra o silenciamento.

O livro tem início com uma entrevista realizada com Rachel Soihet no intuito de contar a trajetória da estudiosa de gênero e história das mulheres. Realizada por Natália de Santanna Guerellus, a entrevista descreve o percurso pessoal e profissional de Rachel e narra como o fato de as mulheres ocuparem espaços separados nas festas e comporem rodas de conversa cujos temas eram casa e filhos – enquanto homens debatiam temas como política e negócios – acabou por despertar seu interesse sobre o estudo da divisão de papéis entre homens e mulheres.

Mais adiante, a pesquisadora tenta compreender de que forma a segregação e a opressão sofridas pelas mulheres prejudicavam suas potencialidades intelectuais e profissionais, e também defende a complementariedade dos estudos de gênero e da história das mulheres. A entrevistada se denomina feminista ao buscar direitos para as mulheres de modo a constituir uma sociedade igualitária com a qual contribui em termos intelectuais, por exemplo, fazendo uso da história oral para trazer à tona temas que não foram explorados nas décadas anteriores e resgatar, através de memórias, uma história até então não registrada.

O restante do livro é dividido em três partes, sendo cada parte composta por dois capítulos. A primeira parte, “Narrativa de militância feminina: Desvelando relações hierarquizadas de gênero”, debate a relação entre gênero, feminismo e ditadura buscando compreender de que forma as relações de gênero afetam a narrativa e a trajetórias de mulheres que participaram de algum tipo de militância. No primeiro capítulo, “Viver o gênero na clandestinidade”, Joana Maria Pedro aborda a experiência de mulheres militantes que vivenciaram a clandestinidade. A autora faz uso da história oral para entrevistar mulheres que, após se conectarem às organizações políticas, tiveram que utilizar a clandestinidade como recurso para fugir da repressão no período da ditadura no Brasil. Durante as entrevistas, as memórias foram utilizadas como fonte e, por mais que algumas mulheres tenham exercido protagonismo político ao desempenhar cargos de destaque, o que chama a atenção é o fato de algumas das mulheres entrevistadas se colocarem à sombra de seus parceiros ao desqualificarem a própria militância, o que reforça a hierarquia de gênero vigente e minimiza a atuação feminina nos espaços públicos e políticos que são tidos como naturalmente masculinos. Segundo Joana Pedro, essa autodesqualificação da mulher militante reitera que a memória é gendrada e, por consequência, a forma como histórias são narradas e rememoradas também o são, o que acaba por fazer com que o reconhecimento das mulheres na condição de sujeitos históricos e protagonistas seja atravessado por relações de gênero.

No segundo capítulo, intitulado “Ditadura civil-militar e relações de gênero: Uma análise das experiências de mulheres na guerrilha urbana no eixo Brasília-Goiânia”, Eloísa Pereira Barroso e Clerismar Aparecido Longo entrevistam mulheres que militaram na organização de guerrilheiras urbanas que se apresentou como resposta à repressão ditatorial. Nesse caso, a entrevista oral visou entender a condição gendrada da mulher nesse movimento, abarcando hierarquias e estratégias de poder, bem como compreender como os discursos dos sujeitos envolvidos em projetos políticos de esquerda estão condicionados a configurações de gênero.

Já a segunda parte do livro, “Experiências desviantes: a ousadia de ser mulher em contextos autoritários”, tem início com o capítulo “O herói e a deslocada: História oral, gênero, ditadura, emoções”. Escrito por Ana Maria Veiga, o estudo explora a vida de Valdir Alves e Elaine Borges: jornalistas que exerceram a profissão durante a censura da ditadura civil-militar. A autora frisa que apesar de ambos os sujeitos terem tido formação profissional semelhante, o gênero feminino e masculino – opostos e hierarquizados – foram definitivos na construção de uma experiência divergente separada por um abismo do binarismo, de forma que Valdir ficou conhecido como herói e mito, enquanto Elaine não ganhou o mesmo título, mas sim o de “incendiária do cenário político” (2017, p. 92), que poderia prejudicar a imagem dos jornalistas por gostar de criar confusão. E é por isso que Ana Maria Veiga nomeia Elaine como “deslocada”, pelo fato de a jornalista ter se destacado em um meio profissional predominantemente masculino e fugir do suposto papel tradicional da mulher.

No segundo capítulo, “Médica, resistente e condessa: A história da militante potiguar Laly Carneiro Meignan”, a autora Maria Cláudia Badan Ribeiro narra a vida da primeira mulher potiguar a ser presa por motivos políticos devido à sua militância ir de encontro com o coronelismo, as oligarquias rurais e a ala conservadora do Rio Grande do Norte. Laly, uma mulher nordestina, médica, militante, exilada e professora consagrada no exterior, faz parte de uma resistência construída coletivamente que utilizava como instrumento principal a educação popular.

Na terceira e última parte do livro, “O privado como dimensão pública: Rompendo territórios”, as autoras exploram temas que abarcam a naturalização das funções sociais das mulheres em uma sociedade patriarcal. No primeiro capítulo, “Ser mãe ou não ser: Afinal, qual é a questão? A história oral desvendando o mito do amor materno”, Marcela Boni Evangelista entrevista dois grupos de mulheres que vivenciaram a experiência da maternidade na adversidade. Primeiramente, a autora conversou com mulheres-mães de jovens envolvidos com atos infracionais que foram privados de liberdade; e em um segundo momento, Marcela conversou com mulheres que passaram pela experiência do aborto induzido, o que evidencia a maternidade enquanto uma escolha. Em ambas as situações, a história oral serviu como instrumento para dar voz a essas mulheres a fim de problematizar a ideia do mito do amor materno, bem como a imposição da obrigatoriedade da maternidade para que a mulher alcance a plenitude. Nesses dois casos, a história oral aproxima o leitor das realidades obscurecidas pelas quais passam essas mulheres diante de uma função social a elas atrelada e que é há muito tempo naturalizada.

No capítulo final, “Romper o silenciamento: Narrativas femininas sobre violência de gênero e desvitimização”, Marta Gouveia de Oliveira Rovai e Naira de Assis Castelo Branco relatam casos de mulheres piauienses, moradoras da Parnaíba, que sofreram violência de gênero no período de 1995 a 2014. Segundo as autoras, ouvir as vítimas de violência simboliza o incentivo a uma reflexão acerca das relações entre domínio público e privado e a tentativa de desconstruir a ideia de que a violação dos direitos no espaço privado é um assunto conjugal. Entretanto, é primordial ressaltar que, apesar da violência sofrida, as mulheres não podem ser reduzidas ao papel de vítima, logo, o papel da história oral, nesse caso, é justamente o de fazer com que esses testemunhos atinjam a esfera pública a fim de criar medidas protetivas e desnaturalizar violências e hierarquias de gênero.

No decorrer dos capítulos desse livro, o que se percebe é a necessidade de assegurar às mulheres o direito de contar suas próprias experiências de modo que suas histórias não sejam reduzidas a uma narrativa terceirizada contada sob a ótica masculina. Em vista disso, a história oral funciona como instrumento metodológico ao dialogar diretamente com essas mulheres e permitir que suas experiências sejam publicizadas sem a mediação de instituições atravessadas por uma cultura permeada por práticas e discursos androcêntricos.

Amanda Arrais Mousinho Mestranda em Estudos Culturais na Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, SP – BRASIL E-mail: [email protected].

“Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz”. A Trajetória Esportiva de Duda | Suellen dos Santos Ramos

Ao falar sobre biografias são escassas as obras que abordam as mulheres no meio esportivo, mais raras ainda são aquelas que abordam o futebol de mulheres. No país do futebol as histórias das mulheres futebolistas passam a margem dos grandes salários, dos espaços midiáticos e do grande número de competições disponíveis. No entanto, a grandeza de suas trajetórias é o que fizeram e fazem a construção histórica do futebol de mulheres no Brasil.

A obra de Suellen do Santos Ramos e Silvana Vilodre Goellner intitulada “Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz”. A trajetória esportiva de Duda” focaliza a história da ex-atleta de futebol Eduarda Maranghello Luizelli, um nome de referência do futebol de mulheres no Rio Grande do Sul. Ao narrar a trajetória de Duda a obra contribui para reconstruir a história do futebol praticado pelas mulheres no Sul do Brasil. Leia Mais

Mujeres en la Nueva España – ZAPATERO; SOBERÓN (RBH)

El libro Mujeres en la Nueva España, coordinado por Alberto Baena Zapatero y Estela Roselló Soberón, forma parte de la prestigiada serie “Historia Novohispana” del Instituto de Investigaciones Históricas de la Universidad Nacional Autónoma de México y es producto de coloquio internacional, celebrado en dicha institución, con el mismo título, en octubre de 2012. Los participantes en el acto académico, ahora coautores del libro, dispusieron de tiempo para transformar sus presentaciones orales en textos escritos formales, actualizados y corregidos. El índice de la obra advierte al lector que se analizarán una variedad de temas: la construcción historiográfica de las mujeres en la segunda mitad del siglo XX; los conventos femeninos y el monacato novohispano; la joyería femenina y la estética de los adornos; las mujeres fandangueras; en fin, el castigo judicial de los pecados públicos.

La introducción corre a cargo de Pilar Pérez Cantó, misma que no sólo consiste en un discurso sobre los trabajos reunidos, sino que ofrece una reflexión sobre la condición, papel y circunstancias de las mujeres a lo largo del tiempo en América Latina, y sobre las teorías que han moldeado los comportamientos entre los géneros.

El primer capítulo, escrito por Isabel Morant, se titula “Mujeres e historia. La construcción de una historiografía 1968-2010”, cuyo contenido ofrece una periodización de la etapas por las que a atravesado la historia de las mujeres, rescatando los más significativos debates, problemas epistemológicos y autoras.

El análisis de las mujeres privilegiadas en el Valle de Orizaba, con el recurso a la microhistoria, es lo que se presenta en el segundo capítulo, “El Condado del Valle de Orizaba a través de sus mujeres”, de Javier Sanchiz. El tratamiento investigativo a las mujeres con títulos nobiliarios, titulares o consortes, tiene que hacerse, muchas veces, con relación a su esposo ya que, con base en la documentación, su papel era de gestoras de la “casa nobiliaria”, haciendo a un lado su protagonismo, quedando, en consecuencia, bajo la sombra masculina. De esta manera, el papel hombre-esposo era determinante y predominante en el destino de las condesas y, podríamos decir, de las mujeres novohispanas.

“Hermanas en Cristo. Balances, aproximaciones y problemáticas del monacato novohispano” es el capítulo que sigue, el tercero, en el que su autora, Rosalva Loreto López, analiza los conventos de mujeres, en particular de los franciscanos, cuyo legado cultural es profundo en la Nueva España (fansciscanismo femenino cultural), su implantación y expansión, así como los éxitos de la rama femenina de los mendicantes; asimismo, se señalan las diferencias entre las hermanas de la orden.

Por su parte, Antonio Rubial García examina en el capítulo cuatro, “Las beatas, la vocación de comunicar”, con base en las fuentes de la Inquisición y la hagiografía, a las mujeres que formaban parte del espacio beateril: aquellas que no estaban casadas y no eran profesas recluidas en un monasterio o beaterio, vestidas con atuendos particulares, y piadosas, situadas, no obstante, en los márgenes de alguna orden religiosa que les diera legitimidad.

“La joyería femenina novohispana. Continuidades y rupturas en la estética del adorno corporal” de Andreia Martins Torres, es el capítulo número cinco, en donde se señala que vida de la Nueva España, simbólicamente vista, fue organizada sobre la base de un complejo sistema social con personajes de tierras continentales diversas: indias, españolas, negras y chinas asimilaron los signos “externos dentro de los límites de su estructura mental” (Baena Zapatero; Roselló Soberón, 2016, p.172). Con todo, la singularidad de la joyería de la época radica en la “añadidura” o combinación que le dio la población heterogénea del territorio; es decir, la joyería europea o asiática que llegaba fue usada por grupos distintos con significados también diferentes.

El único capítulo escrito en coautoría es el sexto, “Surcando el lado oscuro de la luna. Mujeres fandangueras”, de Lizette Alegre González, Gonzalo Camacho Díaz, Lénica Reyes Zúñiga y José Miguel Hernández Jaramillo. En él, los autores rastrean las “huellas” de la mujer como símbolo de subversión, mediante el fandango – son de mujeres -, ya que ellas, las “fandangueras”, usaban la fuerza simbólica de su cuerpo para exhibir a la sociedad que las ­negaba como personas, viéndolas, entonces, de forma exclusiva como cuerpos-símbolos.

El trabajo de Andrea Rodríguez Tapia, “‘La Castrejón’, una ‘alcahueta’ o ‘lenona’ ante la justicia criminal en Nueva España, 1808-1812”, integra el séptimo capítulo, en el que se examina el proceso judicial contra María Manuela González Castrejón, formado por la Real Sala del Crimen por el delito de lenocinio, que había sido reconocido como tal desde Las Siete Partidas. Rodríguez Tapia señala que la actitud de las autoridades asentadas en sus territorios continentales de Occidente, a diferencia de aquellas en los ayuntamientos de Madrid y Sevilla, durante la Edad Moderna, era ambigua, ya que las mujeres que incurrían en la prostitución eran descalificadas, mientras que el hombre que se relacionaba con ellas no sufría sanción alguna. Manuela González fue sometida a proceso no por las prácticas que tenían lugar en su casa sino por el escándalo que denunciaron los vecinos. La sanción hacia ella fue más bien una advertencia para quienes ejercían la prostitución o “alcahueteaban” a las “mujeres públicas”. En fin, conviene decir que los delitos sexuales, como el imputado a “La Castrejón” eran, hasta cierto punto, menores.

El penúltimo capítulo, el octavo, es responsabilidad de Estela Roselló Soberón y se titula “El mundo femenino de las curanderas novohispanas”. Con un esbozo biográfico de María Calderón – curandera y mujer lejos de ser pasiva, encerrada y callada -, la autora centra su atención, precisamente, en las curanderas y en su actuar en las fronteras o márgenes de la sociedad como “negociadoras culturales”, haciendo evidente los estereotipos que quienes practicaban ese oficio tenían sobre sí y el posterior reconocimiento, prestigio y fama de los que fueron merecedoras.

En fin, en el noveno capítulo, “Salir del silencio: lecturas y escritos femeninos en la prensa mexicana de principios del siglo XIX”, de Esperanza Mó Romero, se destaca la participación de las mujeres en las discusiones en la prensa, particularmente a través del Diario de México y se estudian el modelo de sociedad ilustrada al que se enfrentaron las mujeres decimonónicas y sus respuestas a dicho marco, enriqueciendo, con ello, el debate público. La presencia de algunas mujeres en los periódicos supuso un quiebre cualitativo significativo en la sociedad, ya que se proyectaba una “nueva imagen femenina, a la cual las lectoras podían conformarse, que desbordaba los límites del modelo tradicional que se divulgaba a través de [las] páginas” (Baena Zapatero; Roselló Soberón, 2016, p.273).

En suma, los trabajos contenidos en Mujeres en Nueva España exponen, con un lenguaje diáfano, las circunstancias, coyunturas y pormenores de las mujeres durante el siglo XIX, a excepción del texto de Isabel Morant, cuyo aporte teórico en torno a las etapas por las que ha pasado la historia de las mujeres, lo hace singular.

Referências

BAENA ZAPATERO, Alberto; ROSELLÓ SOBERÓN, Estela (Coord.) Mujeres en la Nueva España. México: Universidad Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Históricas, 2016. [ Links ]

Eduardo Torres Alonso – Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), Facultad de Ciencias Políticas y Sociales. Ciudad Universitaria, Delegación Coyoacán, D.F., México. E-mail: [email protected]

ZAPATERO, Alberto Baena; SOBERÓN, Roselló Estela. Mujeres en la Nueva España. México: Universidad Nacional Autónoma de México, Instituto de Investigaciones Históricas, 2016. 280p. Resenha de: ALONSO, Eduardo Torres. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.38, n.77, jan./abr. 2018. Acessar publicação original [IF]

 

História das mulheres e do gênero em Minas Gerais / Cláudia Maia e Vera L. Puga

Escrever a história das mulheres e do gênero ainda é uma tarefa ousada. Desde os anos 1980, o tema chega ao Brasil e se consolida como um campo definido de pesquisa para as/os historiadoras/es ganhando visibilidade, apesar de ainda sofrer restrições no interior das instituições acadêmicas. O número significativo de publicações revela gradativo fortalecimento desse campo, como atesta o crescimento das publicações de livros, artigos em revistas especializadas, teses, dissertações e simpósios temáticos versando sobre o tema. O que significa escrever uma história das mulheres e do gênero? A história se tornou o lugar a partir do qual o feminismo questionou o sujeito universal moderno (homem, branco, heterossexual e cristão), fazendo emergir uma vasta gama de sujeitos históricos em suas especificidades de gênero, étnico-raciais, sociais e sexuais.

O livro História das mulheres e do gênero em Minas Gerais, organizado por Cláudia Maia (UNIMONTES) e Vera Puga (UFU) resulta de uma parceria de longa data entre as organizadoras, que são pesquisadoras conceituadas e bastante atuantes nos simpósios sobre “História das mulheres e do gênero” na Associação Nacional de Professoras/es Universitários de História (ANPUH). Cláudia Maia é doutora em História pela Universidade de Brasília, na área de Estudos Feministas e de Gênero, e pós-doutora pela Universidade Nova de Lisboa. Atua como professora adjunta do Departamento de História e dos Programas de Pós-graduação em História e de Letras/Estudos Literários, da Universidade Estadual de Montes Claros. Vera Puga é doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), desde 1998, e atualmente faz parte de algumas comissões: do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (ENADE-Formação Geral) e da Secretaria de Políticas para as Mulheres (Comitê Técnico-Institucional, questões de gênero). É professora Associada II da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde atua no Programa de Mestrado e Doutorado em História Social, no Núcleo de Estudos de Gênero e Mulheres (NEGUEM) e na Revista Caderno Espaço Feminino, como editora.

O livro em questão conta ainda com a participação de pesquisadoras/es de vários estados brasileiros que se debruçaram sobre  diferentes momentos da história das mulheres em Minas Gerais, partindo de variados tipos de fontes e abordagens metodológicas. Foi publicado pela Editora Mulheres e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Trata-se de uma coletânea de 552 páginas, organizada em quatro partes que indicam os múltiplos olhares sobre as mulheres mineiras: 1) transgressoras e insubmissas mineiras; 2) damas, donas do sertão; 3) saberes e fazeres femininos; 4) casamento e maternidade: mecanismos de um destino social.

A primeira parte da obra é constituída por textos que tratam das variadas ações de mulheres mineiras em diferentes temporalidades e espaços, para romper com as amarras das tradições patriarcais. Através da escrita sensível da pesquisadora Diva do Couto Muniz, conhecemos professoras mineiras cujo conjunto de ações “insubordinadas, indóceis e indisciplinadas” fincaram um marco de resistência ante o conjunto das estratégias elaboradas nas Minas oitocentistas, para circunscrevê-las a um ideal de mestra, recatada e submissa. Encontramos também as mulheres que ousaram contrariar regras “sagradas” e constituíram famílias com padres, mesmo estando sujeitas a sanções sociais, conforme divisou Vanda Praxedes. Mulheres mineiras livres ou escravizadas com suas práticas e estratégias em favor da abolição, como a escravizada Catarina que se destacou pela “astúcia empreendida em seus projetos de liberdade” (p.87), são desveladas por Fabiana Macena. A mineira Maria Lacerda de Moura, sua trajetória e escrita libertárias compõem o texto escrito por Cláudia Maia e Patrícia Lessa. Os três últimos textos discorrem sobre a escrita feminina: Maura Lopes Cançado e sua vida marcada pela insanidade e transgressão das normas de gênero, cuja obra Hospício é Deus foi discutida de forma densa por Márcia Custódio e Alex Fabiano Jardim. Contribuindo para visibilizar as mulheres negras e suas escritas, Constância Duarte nos presenteia com uma análise belíssima de parte da obra da escritora mineira Conceição Evaristo. Nos contos analisados, as personagens negras nos convidam a conhecer suas trajetórias, nas quais a intersecção entre gênero, etnia e classe se fazem presentes nas suas estratégias, vivências e resistências cotidianas. Fechando a primeira parte, conhecemos Márcia, prostituta de Pouso Alegre, cujas cartas são analisadas por Varlei do Couto a partir da noção foucaultiana de escrita de si. Vivendo e lutando num contexto em que as campanhas de moralização e higienização sociais têm como foco seu local de trabalho e residência, Márcia elabora táticas de resistência, enquanto troca correspondências com pessoas de sua estima, nas quais fala de si e de sua posição frente à sociedade em que vive.

Na segunda parte da obra, intitulada “Damas, donas do sertão”, os olhares das/os pesquisadoras/es se voltam para as regiões consideradas mais distantes de Minas Gerais: os sertões longínquos, tradicionalmente considerados como espaços do desmando e poderio falocêntricos, agora são relidos sob novo viés. Assim, conhecemos por meio do texto de Gilberto Noronha as imagens contraditórias construídas sobre Joaquina de Pompéu e sua atuação no Oeste de Minas Gerais, entre os séculos XVIII e XIX. Em alguns discursos, ela é a mulher reta, recatada e justa; em outros, figura como “caudilho de saias” ou “sinhá Braba”, colérica, descomedida sexualmente e cruel com seus subordinados. Dona Tiburtina de Andrade Alves é outra mulher cuja posição ativa suscitou inúmeras representações: seu envolvimento em episódio sangrento da política de Montes Claros, no início do século XX, foi lido e relido ao longo do tempo a partir de várias perspectivas, sendo ora louvada, ora criticada, conforme destacam as autoras Maria de Fátima Nascimento e Filomena Cordeiro Reis. Correndo mundo através da literatura, as personagens femininas de Guimarães Rosa, tão vivazes quanto os viventes de carne e osso, em suas ações destecem o tecido da tradição falocêntrica e conduzem os destinos por caminhos por elas mesmas traçados. Zidica, Rivília e “Dlena, aranha em jejum” apresentam possibilidades de “desarticular o estabelecido” e nos são apresentadas com sua astúcia, pela pena sutil de Telma Borges.

Os textos que compõem a terceira parteda obra, denominada “Saberes e fazeres femininos”, têm em comum o cuidado das/o autoras/res em ouvir as próprias mulheres acerca de seus conhecimentos e práticase das formas pelas quais atuaram em suas comunidades. As falas das narradoras são permeadas de satisfação em rememorar suas trajetórias de vida e, ao mesmo tempo, reiteram sentidos tradicionais sobre as atividades consideradas como apanágio feminino ou masculino. Através do texto de Lúcia Helena da Costa, acessamos as narrativas das parteiras do norte de Minas Geraiscujas práticas de partejar sofreram a interferência dos médicos no processo de medicalização da saúde das mulheres e dos recém-nascidos, a partir dos anos de 1950. No texto de Cairo Katrib e Fernanda Naves, nas memórias de mulheres congadeiras em Ituiutaba se entrelaçam trajetórias pessoais e a prática cultural do Congado. Durante muito tempo silenciadas pela tradição judaico-cristã, as vozes das mulheres que atuaram na fundação de Igrejas pentecostais no Norte de Minas Gerais são enfim ouvidas por meio da pesquisa de João Augusto dos Santos. A ligação entre os fazeres considerados como femininos ligados à cozinha e aos hábitos alimentares mineiros são discutidos por Mônica Abdala. Ainda sobre saberes, temos as narrativas das mulheres trabalhadoras rurais no Triângulo Mineiro, visibilizadas por Maria Andréa Angelotti. A exclusão feminina do acesso à educação formal é discutida por Leila Almeida, que se debruça sobre as narrativas de mulheres de Januária acerca de suas trajetórias de escolarização. As hierarquias de gênero que comumente estabelecem restrições diversas às mulheres marcaram a vida de muitas das narradoras, que foram impedidas de estudar durante a juventude por maridos ciumentos e obrigações domésticas. Encerrando a terceira parte, conhecemos a luta pela terra travada pelas mulheres negras remanescentes de um Quilombo em Paracatu, através da pesquisa de Maria Clara Machado e Paulo Sérgio da Silva.

O casamento e a maternidade têm sido apontados enfaticamente como formas de aprisionamento das mulheres, transformados em destinos social e biológico circunscrevendo as mulheres na esfera da casa e da família, submetidas a cerceamentos e violências. A quarta e última parte do livro se caracteriza por discutir os dispositivos sociais responsáveis por restringir as mulheres às funções de esposas e mães, bem como as estratégias encontradas por muitas para se livrarem de situações de violência em casamentos infelizes. Helen Ulhôa Pimentel examina documentação do século XVIII do tribunal eclesiástico instalado em Paracatu. A autora estuda o papel da Igreja quanto ao casamento e a possibilidade de anulação do mesmo. Entre a documentação encontrou vários casos nos quais as mulheres resistiram às imposições da Igreja e a procuravam buscando se livrar de situações intoleráveis, como casamentos violentos, o caso, por exemplo, de Joana de Souza Pereira. Na sequência, também tratando de casamento e divórcio, temos o texto de Dayse Lúcide Santos, que discute a legislação brasileira, do final do século XIX e início do século XX, acerca do tema e analisa alguns processos de separação ocorridos em Diamantina. Uma das conclusões a que chega é a de que havia um descompasso entre as normas instituídas pelo Estado e pela Igreja e as vivências de homens e mulheres, o que levava a transgressões da norma. Os discursos produzidos no início do século XX sobre os papéis das mulheres na formação dos cidadãos nas regiões do triângulo mineiro constituem foco da pesquisa de Florisvaldo Ribeiro Júnior. As mulheres eram “alvos de prescrições físicas e morais de jornalistas, médicos, intelectuais, políticos e padres”, que procuravam estabelecer normas e controle sobre os seus corpos e condutas. Temos, aqui, excelente análise a respeito da relação entre as representações de gênero e os projetos de Nação Moderna do período. Na sequência, os discursos de mães adolescentes sobre maternidade e casamento, em Uberlândia, são analisados por Carla Denari, que percebe um descompasso entre os discursos do Estado acerca da gravidez na adolescência e os sentidos positivos que as mães adolescentes atribuem à maternidade e ao casamento. A educação enquanto espaço de produção das diferenças de gênero é objeto de Vera Lúcia Puga que percorre criticamente o processo educacional dicotômico, desde o século passado, com os internatos separados por sexo, até o presente, com a permanência da educação binária que se evidencia pelo funcionamento da escola deprincesas em Uberlândia.

Enfim, o livro como um todo oferece uma importante contribuição paraa história eos estudos de Gênero; seu diferencial é a abordagem centrada nas mulheres mineiras de várias regiões do estado, suas atuações em cada contexto ondese inseriram na luta pela liberdade de existir e agir. Se por um lado a obra congrega estudos variados que pretendem visibilizar as ações das mulheres mineiras, por outro tem nessa diversidade de perspectivas a emergência de alguns problemas: em alguns textos percebe-se que as mulheres estão subsumidas nas condições históricas de suas sociedades, em outros é possível vislumbrar a ideia de predestinação de determinadas mulheres para a atuação política em seus contextos. Notam-se também algumas lacunas no que tange às mulheres indígenas e às lesbianas, denotando uma ausência de estudos sobre essas mulheres em Minas Gerais e apontando, por outro lado, para a possibilidade de exploração destes campos pelas novas levas de historiadoras/es feministas. As brechas apontadas não diminuem o mérito da obra, visto que, nós historiadoras/es feministas somos conscientes de que todo texto histórico é parcial. Nesse sentido, as organizadoras na apresentação explicam que o “livro não teve a pretensão de percorrer o conjunto dos estudos que têm sido desenvolvidos sobre mulheres e gênero em Minas Gerais no campo da História, mas é uma pequena mostra desses estudos”1. Dentro do proposto, o livro contribui imensamente para que se conheça um pouco mais da história das mulheres mineiras.

Rosana de Jesus dos Santos – Doutoranda em História na Universidade Federal de Uberlândia.Bolsista Fapemig.E-mail: [email protected].


MAIA, Claúdia; PUGA, Vera Lúcia (Org.). História das mulheres e do gênero em Minas Gerais. Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres, 2015. 552p. Resenha de: SANTOS, Rosana de Jesus. História histórias. Brasília, v.3, n.6, p.223-227, 2015. Acessar publicação original. [IF]

Mujeres en el cambio social en el siglo XX mexicano – FERNÁNDEZ (RHYG)

FERNÁNDEZ, María Teresa. Mujeres en el cambio social en el siglo XX mexicano. Ciudad de México: Siglo XXI Editores y Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social CIESAS, 2014. 348p. Resenha de: ULLOA INOSTROZA, Carl. Revista de Historia y Geografía, Santiago, n.31, p.179-182, 2014.

Mujeres en el cambio social en el siglo XX mexicano es la culminación de un largo proceso de investigación que llevó a cabo la Dra. María Teresa Fernández Aceves como epílogo a su tesis doctoral y a una vasta experiencia en trabajos dedicados a la historiografía de mujeres en México. Centrado en la historia de la participación política y cultural de cinco pioneras, el libro expone el ingreso de las mujeres al debate por una sociedad don­de gocen de derechos, libertad y autonomía, tanto en México como en Hispanoamérica. Desde un renovado estudio biográfico (que enfatiza la agencia transregional y los flujos de ideas) esta investigación descubre la importante obra que realizaron Belén de Sárraga (1872-1950), Atala Apo­daca (1884-1977), María Arcelia Díaz (1896-1939), Guadalupe Martínez Villanueva (1906-2002) y Guadalupe Urzúa Flores (1912-2004) a favor del impulso de las mujeres cívicas y sobre todo de la autorreflexión, autocrea­ción y autoevaluación de ellas mismas. Estas cinco mujeres ingresaron a partidos políticos y formaron parte de directivas, fueron cacicas o gestoras, fueron activistas por las mujeres y activas opositoras de la pobreza y el sufrimiento de los otros. Leia Mais

El Sufrágio – VASQUES (REF)

VASQUES, Maria L. Osta. El Sufrágio. Montevidéu: Obsur, 2006. 155 p. Resenha de: ZOMER, Lorena; VIANA JR, Mário Martins. Por uma história social das mulheres: os movimentos sufragistas uruguaios. Revista Estudos Feministas v.18 n.2 Florianópolis May/Aug. 2010.

Há aproximadamente vinte anos iniciavam-se os trabalhos do Observatório do Sul (OBSUR), que tinham como pretensão investigar as atividades desenvolvidas pelas mulheres uruguaias. Nas mais diversas áreas das Ciências Humanas, mais do que temáticas e objetos de pesquisa, o OBSUR buscava inclusive transformar as próprias pesquisadoras em sua trajetória investigativa. Tratava-se, portanto, de um duplo trabalho em que objeto e pesquisadora eram os alvos e do qual o presente livro de Maria Laura Osta é tributário ao se apresentar como o primeiro número da série de Cadernos do OBSUR.

Calcada em uma perspectiva de História Social, essa obra, ainda que se diferencie da literatura de gênero, tem como principal pretensão enxergar as mulheres uruguaias como sujeitos ativos com importante participação no avanço das conquistas políticas durante fins do século XIX e início do XX. Essas mulheres modificaram os papéis sociais femininos e imprimiram importantes transformações no seio da sociedade uruguaia, como a conquista do voto em 1932. Leia Mais

Mujeres en la sociedad argentina. Una historia de cinco siglos – BARRANCOS (REF)

BARRANCOS, Dora. Mujeres en la sociedad argentina. Una historia de cinco siglos. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2007. 351 p. Resenha de: VÁZQUEZ, María Laura Osta. Uma síntese da história das mulheres na Argentina. Revista Estudos Feministas v.17 n.3 Florianópolis Sept./Dec. 2009.

Dora Barrancos viveu a experiência do exílio no Brasil, durante a ditadura militar argentina (entre os anos de 1976 e 1983), onde teve contato com o movimento feminista e com o campo da história pela primera vez. No ano de 1985 fez o mestrado em Educação na Universidade Federal de Minas Gerais. Desde 1986, Barrancos é investigadora do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas – CONICET. Em 1993 fez o doutorado em Ciências Humanas, na área de História, na Universidade Estadual de Campinas. é professora em várias universidades argentinas e diretora do Instituto Interdisciplinar de Estudos de Gênero – IIEG, da Faculdade de Filosofia e Letras, da Universidade de Buenos Aires. Como historiadora, Dora Barrancos dedica-se a estudar a agência feminina e o feminismo na Argentina.1

“Mujeres em la sociedad argentina” faz parte da coletânea História Argentina, dirigida pelo historiador José Carlos Chiaramonte. Essa coletânea busca chegar a um público que exceda ao universitário, mas que o compreenda. As obras são sínteses que “prescindirão da erudição comum dos trabalhos profissionais” (p. 351). é importante esclarecer isso, já que a obra utiliza informações oriundas de textos já publicados, sem dar as referências e sem problematizá-los. Além disso, ao final do livro há um guia bibliográfico para cada capítulo, realmente uma historiografia das mulheres argentinas. As fontes são constituídas de livros, capítulos de livros e artigos pertencentes aos anos 1980, 1990 e 2000.

A autora faz uma síntese substanciosa da história das mulheres argentinas durante cinco séculos. Historiograficamente, poderíamos localizá-la na linha da história das mulheres, já que toda a obra está destinada a visualizar o agir feminino. “Este libro es uma contribución para repensar los acontecimientos de nuestro pasado a la luz de los aportes, mas viejos y más nuevos, del trayecto ya efectuado por la historia de las mujeres” (p. 13). Seu propósito não é problematizar o caminho historiográfico feito pela história das mulheres, mas continuar os passos de visualização da mulher na história.

Durante toda a obra, vários tópicos vinculados às mulheres se vislumbram transversalmente: vida cotidiana (lugar das mulheres no núcleo familiar e na sociedade), legislação, trabalho, educação, direitos políticos e sexualidade. Em cada capítulo a autora tenta contextualizar temporalmente cada aspecto mencionado da vida das mulheres.

A obra, composta de sete capítulos, começa a partir da vida das mulheres indígenas nos séculos XVI e XVII, nas distintas comunidades pertencentes às atuais regiões argentinas. Comunidades incas, guaranis, mapuches e mocovíes deixam entrever timidamente alguns espaços de participação feminina, principalmente, no papel destinado a conectar o mundano com o sagrado. Muitas mulheres portadoras de papéis ritualistas ou fetichistas tiveram lugares destacados naquelas comunidades. Entretanto, a autora destaca que dificilmente poderiam influenciar nas decisões de poder. Ilustra, também, as vivências das primeiras espanholas que chegaram, algumas delas destacaram-se por sua valentia, capazes de estar à frente de batalha e dirigir expedições durante muitos meses.

No Capítulo 2 a obra fala sobre a vida das mulheres durante a época colonial e sua participação na vida política da revolução. Assinala a autora que foi nesse período que se começou a exaltar a maternidade como um valor primordial. As mulheres que não seguiram os valores esperados foram duramente julgadas pela sociedade e, muitas vezes, encarceradas em conventos de freiras para serem disciplinadas. São “mujeres movilizadas, convencidas de sus actos políticos mas alla de las influencias de padres y maridos” (p. 83), afirma Barrancos.

O Capítulo 3 está temporalmente localizado na segunda metade do século XIX, desenvolvendo também os mesmos tópicos: vida cotidiana, política, direitos, trabalho, educação e sexualidade. Apresenta o refinamento dos costumes das mulheres da classe alta argentina, influenciada pela imigração europeia e impregnada da experiência da industrialização, das revoltas dos proletários e das primeiras feministas. A autora dá destaque para o projeto educativo proposto por Sarmiento, no qual as mulheres teriam um lugar primordial como educadora e como beneficiária da educação. Com o impulso da educação para ambos os sexos, surgiram também as primeiras universitárias. No ano de 1885 foi formada a primeira farmacêutica.

O Capítulo 4 reproduz o despertar feminista, anarquista e socialista na Argentina da primeira metade do século XX. Socialismo e feminismo, anarquismo e feminismo, esses entrecruzamentos se produziram, muitas vezes, na hora de apresentar projetos de lei vinculados à proteção infantil e das mulheres no trabalho. São dessa época, também, os primeiros projetos de lei relativos ao voto das mulheres (1919, apresentado pelo deputado Radical Rogelio Araya) e ao divórcio (1902). No caso do anarquismo e do feminismo, sua vinculação se deu mais quanto aos princípios antipatriarcais e a favor da liberdade dos corpos das mulheres para controlar a gravidez. Nesse período surgiram os primeiros congressos de feministas a favor da igualdade dos direitos civis e políticos. Terão importante atuação na luta pelo voto feminino a uruguaia radicada na argentina Maria Abella de Ramirez e a italiana Julieta Lanteri.

O Capítulo 5 descreve os passos dados pelo peronismo em relação às mulheres, que tiveram pela primeira vez a participação política no governo e uma entrada massiva no mundo laboral. Entretanto, destaca a autora que os valores peronistas relacionados às mulheres eram muito conservadores e paradoxais. Barrancos assinala claramente a contradição de Eva Perón, que, por um lado, reivindicava que o lugar das mulheres era no lar, junto a seus filhos e marido, e, por outro, solicitava apoio político para difundir o peronismo, enviando-as pelo interior da Argentina e afastando-as de suas famílias. O peronismo foi muito contraditório em relação às mulheres, devido ao poder que a Igreja Católica exerceu. Assim, por um lado, pulularam as associações femininas: em 1947 aprovaram o voto para as mulheres e foi reformulado o Código Civil. Entretanto, o projeto de divórcio foi rejeitado. A imagem das mulheres refletida em Eva Perón era a de esposa submetida à autoridade do homem e a de mãe por excelência.

Nos últimos capítulos, Barrancos localiza o feminismo da segunda onda na Argentina, no meio das revoluções de esquerda e da posterior ditadura militar. A década de 1960 marcou o começo da feminização das universidades, principalmente nas faculdades de Filosofia, História, Letras, Sociologia, Educação, Psicologia, Odontologia, Química e Farmácia, mas mostra como essa feminização se deu somente nas matrículas, já que o corpo de professores seguiu sendo até a década dos 1990, em sua maioria, masculino. Os costumes e os valores tiveram certa liberalização, as jovens sentiram mais liberdade em seus relacionamentos e saídas noturnas. O corpo feminino encontrou maior mobilidade, foi mais exibido pelo surgimento da minissaia e das novas danças e protegido da gravidez pelas pílulas. Porém, tanto o governo militar quanto as facções de esquerda limitaram seu uso por meio de políticas populacionistas. Em 1968 foi aprovada uma reforma no Código Civil que estabeleceria que nenhum dos cônjuges poderia administrar os bens do outro, estabelecendo-se, assim, a administração separada de bens dentro do casamento. Outra reforma importante do Código foi o estabelecimento do divórcio por mútuo consentimento. O feminismo da segunda onda esteve refletido em numerosas agrupações, como o Movimento de Libertação das Mulheres – MLM, o Centro de Investigação e Conexões sobre a Comunicação Homem- Mulher – CIC, a União Feminista Argentina – UFA, o Movimento de Libertação Feminina – MLF, a Associação pela Libertação da Mulher Argentina – ALMA, o Movimento Feminista Popular – MOFEP, o Centro de Estudos Sociais da Mulher – CESMA, entre outras. Com respeito às mulheres na guerrilha, a autora descreve seu perfil: em sua maioria eram menores de 30 anos e pertencentes a setores urbanos. Os Montoneros tinham um código moral estrito que estabelecia sanções para aqueles que fossem infiéis a seu cônjuge.2

Barrancos expõe que as violações das mulheres produzidas durante a ditadura militar, as condições de parto que viveram na cadeia e os sequestros dos recém-nascidos aumentaram a vitimização das mulheres. Afirma que, para elas, foram “infligidos repertórios mais amplos de suplício” (p. 253) do que para os homens. As mulheres, segundo Barrancos, sofreram mais do que os homens. Baseia essas afirmações nas obras das autoras argentinas Pilar Calveiro – Política y violência. Una aproximación a la guerrilla de los años 70 (2005) – e Ana Longoni – La figura del traidor en los relatos acerca de los sobrevivientes de la represión (2007). No Colóquio Internacional Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul, realizado em maio de 2009, em Florianópolis, foi questionada em várias oportunidades essa ideia de “vitimização” das mulheres na tortura militar. Ver as mulheres torturadas como frágeis, débeis e vítimas em contraposição com a visão do torturador, visto como viril, forte e homem, apenas aumenta a divisão polarizada entre o feminino e o masculino, em vez de contribuir para uma análise menos tendenciosa. Pressupor que as mulheres sofreram mais na tortura pode esconder a experiência masculina.

A autora se pergunta “que hubiera pasado si la sensibilidad de las mujeres – su aguzado auscultamiento de la realidad y su cuota de sensatez acerca de los caminos de la política – hubieran tenido mas voz y mas poder em las organizaciones armadas” e responde “Tal vez muchos errores y horrores hubieran podido haberse evitado” (p. 255). Nessa frase e durante toda a obra, a autora nos revela sua concepção, por vezes, essencialista com respeito às mulheres. Parte da ideia de que existe um ser feminino “sensível”, com maior capacidade de visualizar a realidade e mais paixão e que foi mais vítima das torturas.3 O termo “gênero” é utilizado pela autora muitas vezes, mas sempre em substituição ao termo “sexo”. Como o título da obra diz, Dora Barrancos fez uma grande síntese da história das mulheres, partindo de uma ideia de mulheres definida por seus genitais.

A autora descreve o surgimento das Mães da Praza de Maio e das Avós, reafirmando sua legitimidade como protagonistas na busca da memória dos familiares perdidos: “Só as mães, nenhum outro intermediário, podiam levar de modo conseqüente e infatigável o rito de pedir, reclamar, inquirir a forças incomensuravelmente potentes […]” (p. 268, tradução nossa). A respeito dessa legitimidade pelos vínculos de sangue, Elizabeth Jelin questiona se os familiares seriam os únicos agentes capazes de procurar a memória perdida, já que isso limita a sua construção: “Es como si en la esfera publica del debate, la participación no fuese igualitária sino estratificada de acuerdo a la exposición pública del lazo familiar”.4

Dora Barrancos, no correr de sua obra, critica a desigualdade com que a historiografia tem trabalhado os homens em relação às mulheres como objeto de estudo. Segundo ela, sua obra procurou reduzir essa desigualdade, tornando visíveis as mulheres. Porém, ao não problematizar a diferenciação sexual e conceber os homens e as mulheres como seres essencialmente diferentes, com caracteres diferenciados na forma de ser, o que faz é continuar a desigualdade e o contraste que critica. Torna visíveis as mulheres, mas de forma dicotômica com respeito aos homens.

Notas

1 MUJERES Y GéNERO EM AMéRICA LATINA, 2009.
2 Sobre as mulheres na guerrilha armada a partir de uma perspectiva de gênero, ver Cristina Scheibe WOLFF, 2007, p. 19-38.
3 Com respeito a essas caracterizações das mulheres, ver p. 254-255 e p. 329.
4 Elizabeth JELIN, 2007, p. 45.

Referências

JELIN, Elizabeth. “Víctimas, famliares y ciudadanos-as. Las luchas por la legitimidad de la palabra”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 29, p. 37-60, jul./dez. 2007.         [ Links ]

MUJERES Y GÉNERO EM AMÉRICA LATINA. Dora Barrancos: biografía. Fragmentos de una biografia. Disponível em: http://www.lai.fuberlin.de/es/e-learning/projekte/frauen_konzepte/projektseiten/frauenbereich/barrancos/index.html. Acesso em: 23 jun. 2009.         [ Links ]

WOLFF, Cristina Scheibe. “Feminismo e configurações de gênero na guerrilha: perspectivas comparativas no Cone Sul, 1968-1985”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 27, n. 54, p. 19-38, 2007.         [ Links ]

María Laura Osta Vázquez – Universidade Federal de Santa Catarina.

Acessar publicação original

História das mulheres e as representações do feminino – TEDESCHI (REF)

TEDESCHI, Losandro Antonio. História das mulheres e as representações do feminino. Campinas: Curt Nimuendajú, 2008. 144 p. Resenha de FARIAS, Marcilene Nascimento de. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.17 n.3 Florianópolis Sept./Dec. 2009.

Nas últimas décadas do século XX, a história sofreu grandes transformações teóricas e metodológicas que direcionaram os olhares dos historiadores a temas e grupos sociais que, até então, estavam à margem dos estudos históricos, como as mulheres, os velhos, os operários, os camponeses e os escravos. Daí a história das mulheres emerge como um campo de estudo, influenciada pelos novos interesses da disciplina histórica e pelas campanhas feministas. Os reflexos dessas renovações não demoraram a alcançar o Brasil, e o aumento dos estudos sobre as mulheres nos programas de graduação e pós-graduação fez com que a história das mulheres se consolidasse rapidamente em nosso país.

Dentro desse contexto, o livro História das mulheres e as representações do feminino, de Losandro Antonio Tedeschi, publicado em 2008 pela editora Curt Nimuendajú, é mais uma contribuição aos que se ocupam em entender as mulheres na história. O autor, atualmente professor da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, onde atua no curso de graduação e pós-graduação em História, tem ampla experiência nesse tema, fruto de seus estudos de mestrado e doutorado, bem como de sua atuação junto a organizações como o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais – MMTR e a Red de Educación Popular entre Mujeres de America Latina – REPEM.

O livro, dividido em três capítulos, busca, pela análise dos discursos filosófico-religiosos, compreender como em diferentes momentos históricos a sociedade enxergava o comportamento feminino e criava representações para as mulheres. Eram discursos legitimadores da inferioridade “natural” das mulheres. Nas palavras do próprio autor,

Esses discursos recorrentes exerceram influência decisiva na elaboração de códigos, leis e normas de conduta, justificando a situação de inferioridade em que o sexo feminino foi colocado […] Assim, a desigualdade de gênero passa a ter um caráter universal, construído e reconstruído numa teia de significados produzidos por vários discursos, como a filosofia, a religião, e educação, o direito, etc. perpetuando-se através da história, e legitimando-se sob seu tempo (p. 123).

Nessa perspectiva, Tedeschi utiliza-se das articulações entre história e gênero para demonstrar as inter-relações socialmente construídas entre os sexos. Sobre os estudos de gênero, o autor adverte serem importantes, na medida em que possibilitam a análise “das relações entre os sexos, buscando principalmente contribuir para os estudos sobre a condição feminina e a vida familiar na sociedade” (p. 10). Nesse sentido, o autor apresenta importantes considerações sobre os estudos de gênero na atualidade, mostrando os ganhos obtidos com essa nova abordagem histórica, que trouxe consigo “uma diversidade de documentações, uma teia de novos sentidos e significados, e requerem uma paciente busca de indícios, sinais e sintomas, uma leitura detalhada para descortinar a história das mulheres” (p. 11).

No primeiro capítulo – “História das mulheres: abordagens” -, como o próprio título evoca, o autor faz um breve apanhado sobre a história das mulheres, bem como sobre as diferentes abordagens da moderna historiografia, que perpassam essa área do conhecimento histórico, tais como imaginário, sexualidade, corpo, trabalho, relações de poder, relações de gênero, dominação simbólica, práticas discursivas, religiosidade, relações sociais, vida econômica e representações. Nesse sentido, a história cultural da maneira como é trabalhada por Roger Chartier mereceu especial destaque por parte do autor, que analisou formulações discutidas por esse historiador sobre a importância da representação para o entendimento do universo cultural, destacando os benefícios de se estudar a história das mulheres pelas representações: “Ao abordar a história das mulheres pelas representações, busca-se trazer para o cenário os discursos de construção das identidades e da interpretação masculina do mundo. Cabe então a nós, homens e mulheres, contribuir para desnaturalizar essa história” (p. 40).

O segundo capítulo, intitulado “Representações do feminino”, busca analisar, segundo o autor, “a construção históricofilosófica dos vários discursos que em certa época conferiram um caráter científico e natural aos papéis da mulher, do que significa ser mulher” (p. 12). Para tanto, Tedeschi elegeu dois discursos fundamentais para a compreensão das primeiras representações construídas na história sobre o feminino: o discurso de matriz filosófica grega e o discurso da moral cristã no mundo medieval.

No discurso de matriz filosófica grega, o autor destaca o olhar masculino da teoria filosófica, que pensava a mulher como um objeto, ou seja, “criaturas irracionais, sem pensar próprio”, que deveriam viver sob o controle dos homens. Representações estas que, segundo o autor, é possível perceber no pensamento filósofo de Platão, Aristóteles e Hipócrates, que, por meio de um discurso masculino sobre o corpo feminino, construíram mitos que justificavam a inferioridade e a fragilidade feminina.

Quanto às representações femininas presentes no discurso da moral católica, o autor ressalta que o modelo judaico-cristão exerceu influência significativa na definição do lugar ocupado pela mulher na Igreja, na sociedade e na cultura ocidental, não restando dúvidas de que esse discurso foi fundamental para reforçar as desigualdades de gênero. Ao buscar os modelos do feminino veiculados e defendidos pela Igreja Católica, Tedeschi identifica dois “paradigmas do feminino” que procuram enquadrar a percepção social das mulheres para a criação de seus modelos de autorrepresentação. Tais paradigmas são representados por duas mulheres centrais na tradição cristã, “Eva pecadora” e “Maria virtuosa”, que, devido às suas características antagônicas, são utilizadas pelo cristianismo para representar todo o universo feminino.

No terceiro e último capítulo – “A confluência dos saberes: as representações e os espaços sociais das mulheres” -, o autor se propõe a “pensar e aprofundar a questão dos lugares e funções, que se constroem pelo casamento e reforçam o ideal de lar e de maternidade – como papéis historicamente construídos e legitimados pela moral cristã” (p. 101). O autor ressalta que os papéis atribuídos à mulher, de mãe e esposa, foram representações que contribuíram para a definição de alteridade e identidade feminina, resultando em práticas culturais que a limitaram ao espaço privado. Tedeschi também trata das representações sociais das mulheres na modernidade, destacando que nesse período o poder patriarcal e a delimitação dos papéis das mulheres no espaço privado não diferiram das representações do feminino observadas na Antiguidade e no Medievo.

Nesse sentido, a leitura da obra História das mulheres e as representações do feminino, de Losandro Antonio Tedeschi, permite ao leitor conhecer e analisar os discursos responsáveis por construir a desigualdade de gênero como “natural”, bem como as representações sociais que esses discursos constroem sobre a mulher. Sintético, porém temporalmente abrangente, o livro permite uma visão panorâmica sobre o tema tratado, sendo, dessa maneira, extremamente útil aos estudantes dos cursos de graduação e pós-graduação e aos demais pesquisadores que têm em comum o interesse pela história das mulheres.

Marcilene Nascimento de Farias – Universidade Federal da Grande Dourados

Acessar publicação original

(P)

Narrativas e Experiências: Histórias orais de mulheres brasileiras (CP)

VÁRIOS AUTORES. Narrativas e Experiências: Histórias orais de mulheres brasileiras. São Paulo, D’Escrever/Letra e Voz, 2009. Resenha de: CÁSSIO, Fernando Luiz. Faces do feminino em histórias de vida: Narrativas e experiências de mulheres brasileiras. Cadernos Pagu, Campinas, n. 32, Jul./Dez. 2009.

Narrativas e experiências: histórias orais de mulheres brasileiras é para ser lido sem pressa. A estrutura é despretensiosamente simples: dez histórias de vida de mulheres brasileiras apresentadas e comentadas por dez historiadores-oralistas fortemente envolvidos com o ofício. O trabalho textual é a marca formal comum – entrevistas transcritas e transformadas em textos de qualidade literária, autobiográficos, confessionais – em muito distantes da sisudez não rara nos volumes voltados exclusivamente ao público acadêmico.

O prefácio de Esmeralda Blanco B. de Moura dá o tom da obra: “a circularidade da qual resulta, o entrelaçar de entrevistadores, entrevistadas e entrevistas que não subverte o singular” (p.7). Idade, local de nascimento, cor da pele, vivências familiares e profissionais – marcas do individual – não isolam estas mulheres do resto do mundo; as insculpem nele. Singularidade sim; excentricidade jamais. Nem heroínas nem vítimas. Mulheres, apenas. Lê-las é deixar-se arrebatar e carregar por suas histórias – fluxos vivos, pungentes, generosos – para destinos deliciosa e inevitavelmente desconhecidos.

Podemos começar por Monalisa, garota de programa que ganha a vida no Sul da Flórida. No hotel cinco estrelas onde atendia a seus clientes, entre um e outro programa, cedeu entrevista a Valéria Barbosa de Magalhães. Oportunidades financeiras, desapontamentos profissionais, o afastamento da família e a estereotipia da mulher brasileira no exterior talham a sua fala corajosa e oferecem outro olhar para a profissão de prostituta – mais que “vida fácil”, efeito de uma causa, a imigração para a Flórida e os seus desdobramentos sociais e pessoais. “O dinheiro pesa para eu continuar dançando. É muito dinheiro, ganho mais do que um gerente de banco, só que o gerente vai ter a profissão a vida inteira, eu não”.

Noah Osman Turk, entrevistada por Samira Adel Osman, é da primeira geração brasileira da família de imigrantes libaneses. Se Monalisa se afasta dos seus, estes sempre estiveram presentes na história de Noah como guardiões das tradições e protagonistas de confrontos socioculturais inconciliáveis. “Foi na adolescência que eu comecei a sentir o peso dos costumes familiares…”. A demarcação dos papéis masculino e feminino – o primeiro provedor e o segundo mantenedor – forja o ambiente infantil de Noah, em muito dependente das relações entre mãe, filha e irmãs. Ao mesmo tempo, a difícil adaptação à vida no Brasil parece reforçar o valor da cultura árabe: Noah mantém os filhos dentro das tradições e planeja viver com o marido no Líbano.

Dona Ana, Ana Luiza da Silva, é devota de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Quase octogenária, viúva e mãe. Assim o historiador Rodrigo de Almeida Ferreira nos apresenta a sua entrevistada, cuja história é a própria história da Marujada e da Festa do Rosário, festas religiosas das quais participa desde os doze anos. Na atmosfera cálida da casa simples, aquecida pelo fogão de lenha no qual cozinha a comida dos Marujeiros, fala sobre as graças recebidas de Nossa Senhora do Rosário com alegria e devoção – mas sem exageros: “O que eu quero mais? Se eu pedir muito, ela fica com raiva de mim” (p.72). Tradições seculares mantidas por sutilíssimas ações: “Já estou esperando a festa deste ano! E vou ajudar com muito café!” (p.73).

Tata Fernandes é artista, filha, neta, tia, amiga, namorada, vizinha, fonoaudióloga, divulgadora, leitora, ouvinte. E musa. Tata é todas. Ricardo Santhiago, de maneira impressionista, descreve a gracilidade que emana de Tata – a mulher encantadora seguida por uma multidão colorida de crianças, alunas da sua oficina de composição. Tata, mais que impressionista – lírica -, narra a partir das felicidades do dia-a-dia, das pequenas delícias: ouvir bolerões de Glenn Miller durante a faxina, fingir tocar violão na praia com as primas, assistir a séries policiais nas madrugadas da TV, cuidar das plantas em casa – do mais singelo brota uma potente paixão pela vida. Não é de espantar que a foto de abertura de sua entrevista seja um gregário entrelaçar de mãos, marca distintiva de uma existência sempre compartilhada.

Também artista, Joana D’Arc foi vedete do teatro rebolado. Entre álbuns de fotografias e jornais antigos, narrou sua história de vida a Maria Aparecida Blaz Vasques Amorim. A extrema pobreza na infância, o glamour dos palcos, a vida na Europa, suas relações com os presidentes Getúlio e JK. Depois de circular pelos salões do poder no Brasil do século XX, Joana, na velhice, reflete sobre sua trajetória sem arrependimentos: “Sabe, costumo dizer que minha vida se divide em três atos: um miserável, paupérrimo, outro de total apogeu e agora, tenho o terceiro, tranquilo, sem recalques” (p.124).

Suzana Lopes Salgado Ribeiro entrevistou Dona Ana Ramos, dona-de-casa e assentada rural. Escolhendo os legumes, preparando a comida do dia e falando quase sempre no diminutivo, ela conta sua história desde o nascimento no interior de São Paulo até a vida cooperativa do assentamento. O cotidiano perpassa sua fala: em detalhes, Dona Ana relata o trabalho na horta medicinal comunitária, o cuidado das crianças, o serviço da casa: “O meu dia aqui é bom. Acordo, arrumo o café, saio, bato um papo com os vizinhos” (p.140). O que há de mais extraordinário neste cotidiano (como estampado no título do texto) é justamente o que ele tem de ordinário, de mais trivial.

A presença e a atuação feminina no futebol brasileiro são retratadas por Marcel Diego Tonini, autor da entrevista com a árbitra-assistente Aline Lambert. Atento à posição da mulher em um ambiente predominantemente masculino, Tonini oferece importante contribuição documental ao discutir relações de gênero no seio da cultura futebolística. As influências familiares, vindas do pai árbitro, e o desenrolar de sua carreira na profissão pontuam um relato marcado pela consciência da especificidade de ser mulher, e das implicações que daí derivam, neste campo.

Edna Pereira é soldado da Polícia Militar do Ceará. Por ter participado do movimento grevista de 1997, foi excluída da corporação, sendo reintegrada quase oito anos depois. Voltada ao estudo da repercussão nacional deste movimento, a pesquisadora Juniele Rabêlo de Almeida insere a história de vida numa trama complexa. Para Almeida,

Edna aponta em sua narrativa importantes questões para o estudo do repertório da ação coletiva dos policiais grevistas, destacando a dificuldade de se compatibilizar o princípio da igualdade e o direito de participação, com preceitos militarizantes de disciplina e hierarquia (p.175).

Marta Gouveia de Oliveira Rovai nos apresenta Sônia Miranda, mulher que, segundo ela, “foge ao estereótipo feminino de fragilidade” (p.193). De formação católica, Sônia frequentou as reuniões promovidas pela Juventude Operária Católica e ganhou consciência sobre o momento histórico que vivia: a ditadura militar brasileira após 1968. Seu marido, sindicalista-metalúrgico, foi levado para o DOPS, onde foi preso e torturado. Escondida no interior do Rio de Janeiro, viu-se só: “Estava sozinha com três crianças! Lavava e secava fralda com ferro. E só chovia!” (p.205). Apesar disso, os traumas e as lutas diárias moldaram a educação de seus filhos, “pessoas conscientes e comprometidas com a solidariedade, a ética, a justiça” (p.209).

Surda desde os 11 anos, em decorrência de uma meningite, Sônia Oliveira é a última entrevistada do livro. Fábio Bezerra de Brito introduz a entrevista enfatizando que Sônia viveu uma “experiência de inclusão extemporânea”, numa escola regular, aprendendo a falar e a entender a palavra falada via leitura labial – adaptando-se a um mundo oralizado. Só depois de adulta, contudo, Sônia descobriu a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e, a partir daí, passou a se reconhecer como surda (“Conheci um mundo diferente e fiquei dividida entre eles, o mundo surdo e o mundo ouvinte, até dar um jeitinho de transformá-los num único, pelo menos na minha vivência” (p.231) e a construir uma outra inclusão.

A relação da história oral com a história das mulheres e os estudos de gênero é bastante conhecida, seja na produção nacional ou estrangeira, na forma de trabalhos teóricos ou temáticos. Narrativas e Experiências dialoga com essa tradição, mas possui uma qualidade singular. Além das histórias de vida, matéria primeira do livro, os textos dos entrevistadores exibem a dimensão metodológica de seus trabalhos individuais, como notas de um caderno de campo; oscilam entre etnografias impressionistas e relatos minuciosos sobre os caminhos de suas pesquisas. Contribuições consistentes tanto à prática da história oral (área de atuação dos autores) como à sua aplicação direta aos estudos de gênero.

Narrativas e Experiências é para ser lido a partir da capa. Fugindo a convencionalismos, ela reproduz uma folha de planta bem de perto, com suas cores e nervuras – dando a ver aproximações e afastamentos entre essas mulheres, suas narrativas e experiências, sempre em movimento. A brasilianista Daphne Patai, na quarta-capa, define a obra como “um mosaico rico de memórias e vivências”. Longe da aleatoriedade de uma colcha de retalhos, um mosaico tem caráter dual: a individualidade das tésseras, visto de perto; e o coletivo da forma, visto de longe. Igualmente, o leitor deve mover-se entre o que cada uma destas mulheres tem de particular e o quadro que juntas compõem: modos de viver o feminino no Brasil contemporâneo.

Fernando Luiz Cássio – Aluno de Doutorado no Instituto de Química da Universidade de São Paulo, com bolsa FAPESP. E-mail: [email protected].

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

Vozes femininas do Império e da República – LÔBO; FARIA (REF)

LÔBO, Yolanda; FARIA, Lia (orgs.). Vozes femininas do Império e da República. Rio de Janeiro: Quartet : FAPERJ, 2008. Resenha de: PAIVA, Kelen Benfenatti. Contar, é preciso. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v.17 n.2 May/Aug. 2009.

É fato que a história das mulheres e sua inserção no espaço público foram marcadas por uma longa trajetória de preconceitos e de dificuldades, por isso faz-se, ainda hoje, necessário contar essa história tantas vezes silenciada ao longo dos séculos. E com certeza foi essa a intenção de Yolanda Lôbo e Lia Faria quando reuniram, em Vozes femininas do Império e da República, uma coletânea de artigos com a intenção de “descortinar ideologias e utopias presentes no imaginário feminino, apontando assim para a construção histórica do gênero feminino em Portugal e no Brasil” (p. 16).

Com 368 páginas, o livro publicado pela Editora Quartet e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), em 2008, está a serviço de contar a história das mulheres por meio de experiências pessoais que ultrapassam a esfera do individual. Pode-se afirmar que a diversidade de assuntos abordados e os diferentes enfoques são perpassados e conduzidos por dois eixos centrais: educação e gênero.

Estruturalmente, o livro apresenta-se dividido em três partes: “Falas Imperiais”, “Falas Literárias” e “Falas Apaixonadas”. Na primeira constam dois artigos cuja temática é a educação no Oitocentos. Na segunda aparecem cinco textos que tratam de nomes importantes de mulheres na imprensa, na educação e na literatura. E em “Falas Apaixonadas” concentram-se quatro artigos que enfocam a atuação política e as intervenções de mulheres na educação e na cultura.

Sobre educação, é possível uma “volta” ao passado com Maria Celi Chaves Vasconcelos em “Vozes femininas do Oitocentos: o papel das preceptoras nas casas brasileiras”, em que a autora recupera parte da história das mulheres que encontraram nessa prática educativa um meio de subsistência. Como destaca a autora, as preceptoras foram, no século XIX, as primeiras educadoras “oficialmente instituídas que tornaram o seu ‘fazer’ uma ‘atividade profissional’ remunerada, representando a abertura do mercado de trabalho intelectual à condição feminina” (p. 38).

Sobre a educação feminina, cabe destacar o enfoque dado por Suely Gomes Costa em “Diário de uma e outras meninas: práticas domésticas e educação”, em que o olhar da pesquisadora se volta ao Diário de Helena Morley, publicado em 1942. A partir das experiências pessoais vividas na infância em Diamantina, narradas no diário, registra-se “um painel de trabalho de muitas mulheres a sua volta, das mais às menos instruídas, entrelaçadas em rede, nessa luta comum por sobrevivência” (p. 67). As confissões relatam a participação de meninas nos afazeres domésticos diários e a dificuldade de conciliar a casa e a escola. Destacam, ainda, como aponta Suely, a participação feminina na captação de moedas por meio do trabalho restrito ao âmbito do lar, as chamadas “prendas femininas”. Por fim, o artigo ressalta que a luta pela sobrevivência, nesses casos, criou “reiteradas restrições de acessos à educação” (p. 70).

Será a educação, ainda, pano de fundo em “Vozes católicas: um estudo sobre a presença feminina no periódico A Ordem (anos 1930-40)”. No artigo, Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi resgata a participação de algumas mulheres na revista e destaca o caráter de “apostolado doutrinário e espiritual” da publicação. Atenta para a participação, dentre outras, de Lúcia Miguel Pereira na seção “Crônica feminina”, criada em 1932. Nas crônicas assinadas pela autora, há uma reflexão sobre os novos rumos da vida social que impactariam na condição feminina. Sobre o assunto, a cronista deixa explícita sua preocupação com risco de a mulher deixar-se seduzir por um ritmo, uma “trepidação”, própria dos tempos modernos, que a conduziria ao trabalho remunerado na esfera pública, quase sempre marcado pelo individualismo. É o foco no social a maior defesa da autora, que enfatiza a importância da educação feminina para um projeto segundo o qual a mulher deveria “pôr a serviço do bem comum as riquezas de sua psicologia materna “(p. 98), como bem destaca a autora do artigo.

É ainda pelo viés da educação e da literatura que Constância Lima Duarte nos apresenta Nísia Floresta, nome importante no avanço da educação feminina no Brasil, que traz em quase todos os seus livros “o propósito de formar e modificar consciências” e o projeto de “alterar o quadro ideológico-social” (p. 106). Em “Nísia Floresta e a educação feminina no séc. XIX”, a pesquisadora destaca o caráter inovador das ideias e práticas educativas de Nísia, como sua defesa por uma educação feminina pautada menos na educação da agulha e mais em uma formação multifacetada. Lembra ainda que, na produção da escritora, há textos que se inscrevem na tradição de uma “prosa moralista de intenção nitidamente doutrinária”, com o objetivo principal de “transformar a mulher indiferente em mãe amorosa e responsável”, contribuindo – sem o saber – para a cristalização de uma “mística feminina” (p. 140). A pesquisadora afirma que, a posteriori, “é fácil de perceber a manipulação ideológica desse discurso e as conseqüências na vida das mulheres” e destaca como o elogio da maternidade tornou-se uma “nova forma de enclausuramento” (p. 140).

Em “Carmen Dolores: as contradições de uma literata da virada do século”, Rachel Soihet e Flávia Copio Esteves se unem para apresentar ao leitor outra mulher à frente de seu tempo. Ciente das aptidões e dos papéis de cada gênero como construções sociais, Carmen Dolores usou a escrita para tratar de assuntos de interesse das mulheres, como a desmistificação da maternidade como seu único destino e a defesa do divórcio em nome da integridade familiar, da política, da educação e do trabalho feminino. Convivem nas crônicas assinadas pela autora a busca da libertação feminina pela educação e pelo trabalho e a manutenção de alguns comportamentos femininos. Tal paradoxo, claramente apontado pelas autoras, deve-se ao fato de que a escritora é, como tantas outras, uma “expressão da cultura de seu tempo e de sua classe”, sendo preciso considerar “a flexibilidade da ‘jaula’ representada pela cultura” (p. 165-166).

Pelo viés memorialístico e pelo cunho autobiográfico dos diários, dos cadernos de anotações e dos álbuns de memórias da professora Maria Luiza Schmidt Rehder, textos analisados por Marilena A. Jorge Guedes de Camargo, em “Ecos de um passado feminino: entre escritos e sentimentos”, chegam a nós relatando a trajetória de uma mulher movida pelos sentimentos que se propõe a “fazer história com sua experiência”. Assim, ao narrar sua vida, em Rio Claro, registra também acontecimentos importantes da década de 1930. Relata, por exemplo, a formação de um exército de voluntários unidos sob ideais patrióticos em defesa de São Paulo e registra a participação das mulheres paulistas na Revolução de 1932, costurando fardas e cobertores, angariando donativos para a manutenção dos batalhões, além da atuação das enfermeiras em hospitais de campanha.

Ao falar da condição feminina impressa no romance A doce canção de Caetana, de Nélida Piñon, Tânia Navarro Swain propõe uma “leitura ativa” que em nada se pretende imparcial ou distanciada, “apropriando-se” da narrativa para criar e atribuir-lhe sentidos múltiplos. Assim, em “A doce canção de Caetana: meu olhar” busca investigar as imagens e representações sociais do feminino e do masculino que habitam o romance. Discute, entre outros assuntos, a instituição do casamento como valor social na manutenção do poder masculino; a “ilusória força masculina” pautada no “fantasma da potência sexual” e na “posse de corpos alheios”; e a prostituição como “criação social”, na qual, como destaca a autora, há “violência de corpos desprovidos de subjetividade” (p. 216).

Atravessando o Atlântico, Áurea Adão e Maria José Remédios detêm-se na participação política das mulheres em Portugal de 1946 a 1961. Em “Os discursos do poder e as políticas educativas na governação de Oliveira Salazar: as intervenções das mulheres na Assembléia Nacional”, as autoras atentam para a atuação das deputadas na Assembleia Nacional bem como para a imagem do feminino que subjaz, explícita ou implicitamente, nas suas intervenções. Para tanto, analisam os discursos de seis mulheres parlamentares e observam que algumas áreas estavam restritas à intervenção pública feminina: a educação, a família, a assistência social e a saúde. Toda tentativa de ir além de tais assuntos era marcada por justificativas das parlamentares diante de seus pares. Ainda nos discursos dessas mulheres pode-se perceber, como destacam as autoras, a defesa da permanência da mulher no âmbito do lar, numa “valorização da função de mãe de família” e de “guardiã vigilante da harmonia e da felicidade do lar”, numa “verdadeira vocação de mulher” (p. 272), contribuindo para a manutenção de um questionável modelo social.

Seguindo ainda a trilha de mulheres que fizeram história, Lia Ciomar Macedo de Faria, Edna Maria dos Santos e Rosemaria J. Vieira da Silva seguem os passos da professora e historiadora Maria Yeda Linhares. De perfil “questionador e combativo” e de trajetória marcada “pela irreverência e coragem intelectual”, Maria Yeda se colocou em defesa do direito à educação e à garantia de uma escola pública efetivamente republicana, pois, para ela, segundo destacam as autoras em “Os múltiplos olhares de Maria Yeda Linhares: educação, história e política no feminino”, o sucesso da escola pública significa uma “questão de sobrevivência se quisermos existir como povo e nação” (p. 297).

A trajetória de outra professora, Myrthes de Luca Wenzel, também é abordada em “Alcachofras-dos-telhados: lições de pedagogia de uma educadora”, por Yolanda Lôbo. À frente da Secretaria Estadual de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, a educadora reuniu em torno de si um seleto grupo de intelectuais e foi, como destaca a autora do artigo, idealizadora de uma “pedagogia libertadora”, uma proposta educacional inovadora, que buscava a felicidade dos alunos, “com liberdade de criar, de viver em sociedade e ao mesmo tempo preparados de modo completo e científico” (p. 316).

Voltando-se ao espaço sociocultural português, Zília Osório de Castro, em “Na senda do feminismo intelectual”, discute a condição feminina a partir da reflexão do papel do intelectual. Destaca a criação das revistas Pensamento, O Diabo e O Sol Nascente, na década de 1930, que “apostavam na reforma cultural” e traziam em suas páginas o tema do feminismo em meio ao “confronto de valores culturais presente na sociedade portuguesa de então” (p. 340). A participação das mulheres nessas revistas representou, segundo a autora, uma evolução, seja por sua inserção em um espaço majoritariamente masculino, seja pelo reconhecimento de suas potencialidades e sua “comparticipação na criação da nova sociedade” ou pela “conscientização de uma outra idéia de mulher” (p. 340), ser humano dotado de direitos e deveres. Por meio dessas mulheres se deu um “feminismo interventivo e não apenas participativo, um feminismo cívico e não apenas político” (p. 341). Zília lembra o nome de Ana de Castro Osório no feminismo cultural dos anos 1930, que defendia o trabalho como “carta de alforria” da mulher com o objetivo de responsabilizá-la por seu próprio destino. Observa ainda, nos periódicos analisados, dois tipos de feminismo: um “feminismo feminino”, pelo qual a mulher reivindicava uma função social, além da revisão da sua situação familiar, profissional e política; e um “feminismo masculino”, pelo qual os homens escreviam em “defesa” das mulheres.

É interessante notar, pela leitura dos artigos reunidos em Vozes femininas do Império e da República, como o lento processo de “libertação” da mulher está ligado à promoção de sua educação, de seu desenvolvimento intelectual e de seu trabalho, reafirmando o que Virgínia Woolf teorizou tão bem em Um teto todo seu. O leitor que se aventurar nas instigantes trilhas propostas pelas autoras deste livro chegará ao final de sua leitura com a visão panorâmica das principais lutas e obstáculos vivenciados pelas mulheres ao longo dos séculos, em diferentes contextos, dos quais o reconhecimento da diferença e o direito à educação foram fundamentais ao que se convencionou chamar de feminismo.

Pode-se dizer que, nas páginas deste livro, configura-se um feminismo crítico através das vozes de 13 mulheres que se unem para contar histórias de outras mulheres, que, por sua vez, superam os relatos pessoais e fazem coro com as autoras dos artigos para narrarem juntas uma história bem mais ampla: a história das mulheres.

Kelen Benfenatti Paiva – Universidade Federal de Minas Gerais

Acessar publicação original

Mujeres, entre la casa y la plaza – BARRANCOS (CA-HE)

BARRANCOS, Dora. Mujeres, entre la casa y la plaza. Buenos Aires: Sudamericana, 2008, 208 p. Resenha de: BORDAGARAY, María Eugenia. Clío & Asociados. La Historia Enseñada, La Plata, n. 13, p.186-191, 2009.

Este trabajo pertenece a la colección Nudos de la Historia Argentina, que dirige Jorge Gelman, la que es descripta por el director como una colección de libros atractivos, sólidos, susceptibles de ser leídos y cuyo objetivo es que sean disfrutados por la gente interesada en la historia. A través de las doscientas páginas de Mujeres, entre la casa y la plaza quien lea podrá acercarse a un relato cuyo objetivo es contribuir a renovar la interpretación sobre nuestro pasado y presente desde la perspectiva de la diferencia sexual.

La obra delinea las grandes nervaduras de la historia, sin embargo, ello no le impide a la autora profundizar y avanzar en algunos problemas que ha estudiado en otras oportunidades, por lo que la obra resulta de temáticas largamente meditadas a la vez que condensa un cúmulo de consideraciones surgidas de la producción de la historia de mujeres en nuestro país. Barrancos va desplegando sobre el relato esos problemas sin abandonar una narrativa construida sobre comprensiones más generales de la historia.

El relato se estructura en torno a un ordenamento cronológico que comienza a fines del siglo XIX y se extiende hasta fi nes del XX y recorre los problemas planteados por la historiografía para cada uno de estos nudos temáticos, puntualizando en aquellos que la autora imagina como adscriptos a la temática del género, la sexualidad y a las mujeres dentro del curso de “ la” historia argentina. A su vez, esboza las deudas que la sociedad mantiene con el presente y los compromisos que nos pueden exigir los escenarios futuros.

A diferencia del trabajo anterior de la autora, Mujeres en la Sociedad Argentina,1 en el que establece las diferentes concepciones de mujer entre las poblaciones originarias americanas en tiempos precolombinos y las provenientes de las sociedades europeas conquistadoras, el recorrido comienza hacia fi nes del siglo XIX.

Entonces primaba un orden patriarcal severo, cuya base era el matrimonio forzado, aunque hubo diferencias entre la elite local y las clases populares en cuanto a un mayor grado de libertad de elección para estas últimas. Las reformas liberales implementadas a partir de 1870 se pueden caracterizar por la promoción de una laicización general de lo público, las que no signifi caron lo mismo en el orden doméstico.

La autora percibe que es en la esfera familiar donde los valores patriarcales fueron defendidos con recelo colocando a la familia como “célula” moral de una sociedad que sufría profundos cambios en otras esferas: el ideal de mujer debía discurrir su vida en la domesticidad.

Así como lo hace en Inclusión/Exclusión, Historia con mujeres, 2 las biografías de deter minados/as personajes tienen un lugar muy importante en todos los capítulos de este libro a modo de señalar las imbricaciones individuales y sociales. Para este primer período, la autora considera a Dalmacio Vélez Sársfi eld quien en 1869 reforma el Código Civil y a partir del cual la mujer es considerada ante la ley como una menor de edad. También, rescata la fi gura de Rosa Guerra, escritora del primer manual argentino para enseñanza de urbanidad, buenos modales y otras conductas apropiadas para el sexo y, fi nalmente, recobra a quien introdujo por primera vez al país el concepto de “feminismo”: Ernesto Quesada.

Aunque con matices, estas tres fi guras representarán el ideal liberal burgués acerca del rol de la mujer en la sociedad de fi nes de siglo XIX y principios del XX.

Por esos mismos años, concomitantemente con la gran inmigración proveniente de Europa, comienzan a introducirse nuevas ideas al país. Barrancos destaca el accionar de los/las anarquistas, temática que conoce muy bien y que ya había abordado en obras señeras tales como Anarquismo, educación y costumbres en la Argentina de principios de siglo.3 Subraya que el anarquismo propone “la revolución también en la casa”, el amor libre, la limitación de los nacimientos y postulados relacionados con la teoría de la eugenesia. La autora evoca a Pepita Guerra con su periódico La Voz de la Mujer, a Juana Rouco Buela con Nuestra Palabra, a Salvadora Medina Onrubia en su amplia variedad de intervenciones políticas, poéticas y periodísticas. Paralelamente, las primeras feministas aparecen junto al ingreso de las mujeres a la educación. Primero a través del magisterio y como educadoras (Juana Manso), después en la Universidad (Élida Paso, Cecilia Grierson, Elvira López). María Abella Ramírez (con Nosotras, primera revista feminista) y Julieta Lanteri (la más activa y particular) representan lo más puro y dinámico del movimiento feminista. Elvira Rawson de Dellepiane y Eufrasia Cabral se sitúan dentro del radicalismo desde la “Revolución del Parque” que diera origen a ese partido. En el Partido Socialista, Alicia Moreau de Justo y Gabriela Laperriere de Coni actúan desde los primeros momentos del partido en nuestro país.

Con el fi n de la gran guerra y los cambios producidos en el escenario mundial y en el cuerpo social, las mujeres ganan mayor intervención pública. Se produce su ingreso masivo en el mercado laboral, aunque subraya que su presencia no evitó que las que debían ganarse la vida o arrimar sustento a los suyos no fueron bien observadas por la sociedad, por lo menos, hasta los 60.

En la Argentina, el movimiento feminista en la década de 1920 y el asomo de los primeros derechos para las mujeres se da con la continuación de la actividad de Lanteri, Rawson y Moreau. En el ámbito parlamentario se destacan los aportes de algunos notables legisladores de distintas fuerza políticas: Del Valle Iberlucea, Luis María Drago y Rodríguez Araya, quienes avanzaron con proyectos sobre la reforma política en relación a las facultades políticas de las mujeres, entre otros derechos.

El segundo capítulo trata sobre los cambios sociales y las mujeres entre 1930 y 1955. Se destaca el proyecto aprobado en diputados sobre el sufragio y el divorcio vincular en 1932 y la aparición de nuevas fuerzas que se suman a la defensa del voto femenino, como la agrupación de Carmela Horne de Burmeister que compenetrada con el ideal católico proponía un sistema de ampliación gradual y calificado. Del período, iniciativas muy valiosas por parte del Estado son la Caja de Maternidad, con la que se inicia la protección legal de la maternidad para obreras y empleadas; y el fi n de la prostitución reglamentada en 1936, que estaba legalizada y reglamentada desde fi nes del siglo XIX y permitía la existencia de prostíbulos y proxenetas.

Desde otro plano, la entreguerras signifi có un quiebre en los moldes arquetípicos de la moral sexual femenina: modas más osadas, erotismo en la publicidad, nuevos espacios para mujeres solas como hoteles, plazas, cine, etc. Ligada a una nueva subjetividad femenina aparece la idea del disfrute y del tiempo libre propio. También, la idea de un mejor porvenir para sus hijos relacionado directamente con la limitación en el número de vástagos a través de métodos anticonceptivos y contracepcionales.

La aparición de los estados totalitarios y “el fascismo” como fenómeno a ser combatido impulsa a las mujeres de los sectores de izquierda y liberales a colaborar con las expresiones que abogaban por la democracia y a tener un papel activo en el auxilio a las víctimas, especialmente las de la Guerra Civil Española que debían abandonar la península. La Junta de la Victoria fue uno de estos movimientos sostenido por mujeres antifascistas, entre 1941 y 1943, la que tuvo hasta 45 mil mujeres, con identidades políticas e ideológicas dispares, pero que marcan el interés femenino por la política nacional y mundial.

Cuando le toca el turno de hablar del peronismo, la autora opta por deshilvanar los signifi cados de la figura de Eva Perón, desde una óptica muy particular y no avizorada en ninguno de sus trabajos anteriores: la novedad es lo que simboliza, “(…) ofrece una paradójica alternancia entre la autonomía y la dependencia de Perón, porque a pesar de que la gravitación de la mujer del presidente tuviera tanta importancia y fuera algo inédito, reforzaba la fi gura masculina y aumentaba el reconocimiento del patriarcado político”.4

Pero por otro lado, se impulsa el debate acerca del voto femenino, frente al cual no hubo un rechazo directo de las otras fuerzas que lo habían impulsado anteriormente. La Rama Femenina del Partido Peronista, y luego el Partido Peronista Femenino, son un fenómeno totalmente nuevo y apreciable desde su organización, sistematicidad y operatividad, siempre de acuerdo a las prerrogativas cedidas por Eva Perón en un principio, y Juan Perón después de su fallecimiento. Desde lo biográfi co se destaca a la diputada Delia Deglioumini de Parodi, primera mujer en asumir la vicepresidencia de la legislatura de la cámara baja nacional y quien presenta el proyecto que da pie a la ley de divorcio vincular en 1954. En tono de balance, la autora señala que fueron muy importantes los avances en materia de derechos civiles para las mujeres, lo que contrasta con una fuerte represión y persecución a toda sexualidad alternativa, especialmente a la homosexualidad, durante esos años.

Las consideraciones sobre los antiperonistas tienen un papel muy importante en este trabajo. Sintéticamente, las socialistas estaban desilusionadas porque creían que el peronismo les había arrebatado la lucha por el voto y las leyes de protección de los trabajadores, lo que se expresa en La Vanguardia, donde escriben Alicia Moreau, Josefi na Marpons, María Luisa Berrondo, Leonilda Barrancos y Delia Etcheverry. El Partido Comunista caracterizó al peronismo de fascista, pero no dudó en tender lazos respecto a algunas cuestiones en las que coincidía con el régimen, como por ejemplo el voto femenino y las ideas acerca de la reforma agraria. La organización específi ca de las mujeres comunistas fue la Unión de Mujeres de la Argentina, cuya publicación Nuestras Mujeres da cuenta de los vaivenes de sus posiciones con respecto al accionar del gobierno peronista.

Sus figuras más destacadas fueron Alcira de la Peña, Fanny Edelman, Irma Othar, Nina Borzone. En las fi las del radicalismo se destaca la actuación de Clotilde Sabattini, quien adhiere al feminismo y motiva el Primer Congreso Femenino de la corriente en Córdoba. Si bien hubo numerosos congresos organizativos en el radicalismo, nada indica que hubiera existido una verdadera apertura por parte del partido hacia la participación de las mujeres en él.

El capítulo 3, es caracterizado como “un cambio de época”, e intenta asomarse a las transformaciones de las décadas del 60 y 70.

La aparición de la “nueva izquierda” reformula algunos elementos del peronismo: “(…) comulga con las profundas razones del pueblo que se identificaba con Perón y eliminan la noción de fascismo que le era adjudicada por la izquierda antiperonista”.5

A este imaginario, se le suma el triunfo de la Revolución Cubana como símbolo de la liberación latinoamericana y el triunfo de las ideas socialistas. Lo nuevo para las mujeres es la habilitación de nuevos espacios de libertad, lejos de los cerrados ámbitos familiares; se percibe una nueva subjetividad de las mujeres jóvenes, relacionada con el compromiso con lo público y lo político.

El inicio de la libertad sexual y las relaciones prematrimoniales, ayudadas por la aparición de la píldora anticonceptiva son fenómenos de éste momento. “Se separaban así los vínculos afectivos, la experiencia amatoria, de la obligación reproductiva”.

6 Eso mismo contribuye al aumento de la participación de las mujeres en el mercado laboral en nuevas ocupaciones, lo que no cambia la segregación por sexo. La universalización de la educación universitaria para las mujeres jóvenes (y de clase media) aportará gran parte de esta fuerza laboral y signifi cará un nuevo espacio de acción para las mujeres. Desde allí se desarrollarán la mayoría de las agrupaciones que se guían bajo los preceptos marxistas leninistas. Posteriormente, la aparición de las agrupaciones armadas como Montoneros, ERP, FAP, FAL, cambió el eje de la política radicalizada. Tanto Montoneros como PRT-ERP defi nieron intervenciones estratégicas vinculadas a las mujeres de los diversos grupos populares donde anidaba.

En general, se oponían al feminismo pues lo consideraban una concepción burguesa, y en líneas generales, no hubo un planteo acerca de la liberación de las mujeres.

Otro punto que la autora resalta, y que ya fue trabajado en su libro anterior, es la aparición de la represión de la mano del terrorismo de Estado, para el que se implementaron distinciones de sexo. Hubo diferencias entre la violencia ejercida sobre hombres y mujeres: las violaciones, las condiciones del parto y el secuestro de los recién nacidos aumentaron la victimización de las mujeres. Siguiendo un análisis generizado de este oscuro período de la historia argentina, la autora se aproxima a las organizaciones de las Madres y Abuelas de Plaza de Mayo: las formas particularísimas que toman sus intervenciones, podrían estar ligadas al presupuesto por parte de las madres y abuelas, de que el ideal conservador que guiaba el ideario de los militares, funcionaría como freno para reprimirlas a ellas como madres y abuelas, y lo opuesto sucedería con sus maridos. Decidieron postular la idea de que era su condición de madres lo único que las movía.

En relación a la idea que atraviesa el texto, sobre los universos de lo público y lo privado, la autora afi rma: “Las madres y abuelas, que unieron rituales domésticos y escenarios públicos, dieron nuevo signifi cado entre la casa y la plaza”.

7 Para el mismo momento histórico, la autora visibiliza, y es una de las originalidades del trabajo, los movimientos feministas dentro de esta masiva participación de hombres y mujeres en pos de la transformación social, que coincide con la segunda ola del feminismo que se da a nivel mundial. Destaca el Movimiento de Liberación de Mujeres (MLM), cuyo medio de intervención era la “concienciación”, la Unión Feminista Nacional (UFN), el Movimiento de Liberación Femenina (MLF) y luego ALMA (Asociación por la Liberación de la Mujer Argentina). El aborto fue un tema central para todas éstas que abogaban por una nueva noción de cuerpo y sexualidad, pero la experiencia del terrorismo de Estado dio por tierra con todas sus aspiraciones y con las organizaciones mismas.

Con la vuelta de la democracia, aparecen expresiones feministas nuevas. Éstas comprendían reivindicaciones igualitarias en todos los planos de la vida, pero la preeminencia la tendrán la denuncia de la violencia doméstica, el reconocimiento de la sexualidad lésbica y el reto a las normativas heterosexuales. Desde el ámbito gubernamental, se destaca la creación del Programa de Promoción de la Mujer y la Familia en el ámbito del Ministerio de Salud y Acción Social, que luego sería la Subsecretaría de la Mujer y cuya principal fi gura es la de Zita Montes de Oca. Durante el gobierno de Menem se crea el Consejo Nacional de la Mujer, que apoyó lo que después sería la Ley de cupo femenino, bajo la dirección de Virginia Franganillo. Los Encuentros Nacionales de Mujeres son también fruto de la democracia.

Asimismo, desde los ‘90, hubo un desplazamiento de los feminismos a las universidades.

Es allí donde se introduce el término “género” al infl ujo de las infl uencias europeas y, rápidamente, se difunde como fórmula para una mayor aceptación por el mundo científi co.

El capítulo cuatro, titulado “ Progresos y Reveses ”, da cuenta del impacto del neoliberalismo sobre la condición de las mujeres y se resalta –entre sus consecuencias más nefastas– el fenómeno de la “feminización de la pobreza”.

Por otro lado, la brecha salarial entre hombres y mujeres se acentuó en los segmentos más califi cados y diminuyó en los de menor califi cación. A pesar de los cambios en la inclusión laboral de las mujeres, no hubo cambios en los roles dentro de la familia. Se destacan como positivos la obtención del divorcio vincular en 1987 (que en 1955 había sido suspendido tras el derrocamiento del peronismo), la ley de la patria potestad compartida de 1985, la ley de cupo femenino de 1993 y la ley sobre violencia familiar de 1995, entre otras.

La autora convierte las deudas sociales –todavía muy grandes– en un programa para la agenda pública: falta acatamiento a la normativa, equidad en la esfera laboral, mayor cobertura a las víctimas de la violencia doméstica y la trata, legalización del aborto, derecho a la identidad sexual.

Si en Mujeres en la Sociedad Argentina, la autora realizaba el ejercicio de construir una narrativa despojada de detalles pero sustentada en una rica comprensión de cuestiones de fondo, ello es aún más notable en este trabajo.

Ese despojo no implica el desconocimiento del método histórico, sino la agudeza en el análisis, 191 Dossier. museos, historia y memoria lo que le permite dar cuenta de los grandes problemas en unas pocas líneas, teniendo como eje la mirada analítica y crítica sin caer en descripciones adjetivas.

El mérito de este trabajo está en la forma en que la narración se convierte, a través de una atractiva y mordaz escritura, en un texto “apto para todo público”, al mismo tiempo que, parafraseando a la autora, intenta poner a la historia “patas para arriba”, con el fi n de hacer signifi cativa la condición femenina y la temática del género en sus múltiples acepciones.

Notas

1 Barrancos, D. B. (2007): Mujeres en la Sociedad Argentina. Una historia de cinco siglos. Editorial Sudamericana, Buenos Aires.

2 Barrancos, D. B. (2002): Inclusión/ Exclusión. Historia con Mujeres, Fondo de Cultura Económica, Buenos Aires.

3 Barrancos, D. B. (1991): Anarquismo, educación y costumbres en la Argentina de principios de siglo, Contrapunto, Buenos Aires.

4 Barrancos, D. (2008): Mujeres, entre la casa y la plaza, Editorial Sudamericana, Buenos Aires, p. 120.

5 Ibídem, p. 136.

6 Ibídem, p. 138.

7 Ibídem, p. 152.

María Eugenia Bordagaray – Universidad Nacional de La Plata – CONICET.

Consultar publicação original

[IF]

 

Entre a tinta e o papel. Memórias de leituras e escritas femininas na Bahia (1870-1920) – BARREIROS LEITE (CP)

BARREIROS LEITE, Márcia Maria da Silva. Entre a tinta e o papel. Memórias de leituras e escritas femininas na Bahia (1870-1920). Salvador, Quarteto, 2005. Resenha de: COSTA, Suely Gomes. Um encontro com Hans-Georg Gadamer e com muitas mulheres. Cadernos Pagu, Campinas, n. 32, Jan./Jun 2009.

O livro em pauta, originalmente tese de doutorado em História (PUC-São Paulo), sob orientação da historiadora Maria Odila Leite da Silva Dias, situa, oportunamente, revisões historiográficas abertas pelos debates contemporâneos sobre o tempo histórico, o discurso e a representação do e sobre o passado, a narrativa e a linguagem do historiador; enfim, sobre tudo aquilo que tem agitado os métodos da história. De especial interesse para a história das mulheres e das relações de gênero, o texto move-se “entre certezas e inquietude”, como observa Chartier (2002), quanto às tentativas intelectuais que “colocam no centro de seu método as relações que mantêm os discursos e as práticas sociais”. Ao trazer experiências femininas na cultura letrada da Bahia, entre 1870 e 1920, o livro associa a inquietude sobre a produção do conhecimento no âmbito das ciências humanas a certezas sobre a oportunidade de perseverar na crítica aos grandes modelos explicativos, que ainda rondam a produção da história das mulheres. A autora enfrenta, sem temor, os conhecidos desafios do ofício do historiador, por entender que “o passado sempre é o olhar do presente”; para desocultá-lo, apóia-se no senso histórico, modo de refinar sua sensibilidade de pesquisadora, tomando o passado “a partir do próprio contexto em que ele emerge”, como lhe sugere Gadamer (1998:18).

Voltada, em particular, para questões relativas à história das mulheres e aos estudos de gênero, a autora se afasta das construções genéricas, da noção de sujeito universal e, assim, localiza singularidades históricas pouco conhecidas. Isso porque escolhe um método de análise que, tanto é “capaz de pensar a complexidade do problema da consciência histórica, quanto também de desenvolver e instigar um pensamento mais plural, com vista à interpretação de passados múltiplos” (18) – grifo da autora. O livro prova, à farta, o quanto determinados canônes, ainda presentes numa certa história das mulheres, insistem numa presumida “condição feminina”, assentada em sistemáticas oposições de homens e mulheres e no forte legado da noção universal e abstrata de patriarcalismo (Piscitelli, 2004; Costa, 2004). Desmonta, pois, imagens correntes sobre mulheres brasileiras de todos os tempos, representadas como figuras esmaecidas e fugidias, submissas, de imprecisos contornos intelectuais, predestinadas a prendas domésticas, a habilidades para “artes menores” e para o trato da intimidade pensada sem qualquer sinal político, ou quando, diante de algumas outras, portadoras de idéias próprias, “pessoas de opinião” ou, transgressoras de certas “regras sociais”, as pensa como mitos. Como parte dos mesmos cânones ou reforçando-os, acumulam-se representações em relação ao inexorável poder dos homens sobre as mulheres. Em perspectivas como essas, é comum que veleidades intelectuais femininas sejam vistas como inexoravelmente submetidas a impedimentos ou desencorajamentos postos pelos homens. Ao contrário disso, o livro sugere, nas situações estudadas, relações de cumplicidade de homens e mulheres, que também favorecem uma considerável circulação de livros, periódicos e cartas, redes de bibliotecas privadas e públicas. Tais referências sobre acessos das mulheres à leitura e à vida intelectual ampliam as dimensões políticas do cotidiano familiar e expõem complexidades culturais pouco pensadas; a abordagem desse cotidiano se reconstrói e confirma a relevância de pesquisas voltadas para a história regional, recorte espacial que dá visibilidade a configurações singulares da presença de mulheres intelectuais na vida social. Lidando com maestria com uma enorme quantidade de fontes, a autora faz emergir a leitura e a escrita de mulheres intelectuais de Salvador, das cidades do recôncavo e do sertão baiano, e oferece ao seu leitor muito das sensibilidades, matéria plural ainda tão invisível, com que se tecem sociabilidades de cada tempo e lugar.

Na “Introdução” do livro, a autora faz uma cuidadosa exposição de caminhos percorridos de pesquisa: para as questões historiográficas enfrentadas, releva seu encontro com Gadamer e com mulheres baianas intelectuais, das quais se ocupa. Distingue o perfil dessas mulheres: “senhoras e senhorinhas da elite, educadas e instruídas dentro de modelos de letramento e socialização de códigos de cultura vigentes”. Não só: apresenta-nos mulheres, cujas experiências intelectuais “produziram e registraram uma memória coletiva acerca das relações entre os sexos no contexto em estudo”. Cuida bem para afastá-las do risco de serem enquadradas como mitos ou exceções, e as exibe em carne e osso, através de uma infinidade de registros – biografias, memórias, escritos literários, cartas, fotografias e periódicos.

Seguem-se quatro capítulos. A autora os agrupa em duas partes. Na primeira (Capítulo 1 – “História da leitura e leitoras baianas: práticas culturais e perfis femininos”; Capítulo 2 – “Os espaços e as experiências de leitura feminina: a aventura do livro”), os “atos de ler” estão nos espaços da casa, tomados como lugares de sociabilidades intelectuais, nem sempre visíveis nos estudos sobre brasileiras letradas. Além de recorrer às memórias de Anna Ribeiro de Góes Bittencourt, autora de Longos Serões do Campo, numa narrativa familiar, o texto examina escritos literários de cunho autobiográfico de Anna Teófila Autran, desvendando muito das relações da vida íntima com a pública, quando associa as práticas de leituras à circulação de livros, disponíveis em academias, institutos, grêmios, gabinetes, associações, bibliotecas, livrarias e escolas. Localiza a intensificação da vida literária da Bahia que, numa conjuntura de auge, entre 1850 e 1870, conta com o aparecimento de aproximadamente cinqüenta revistas e periódicos literários e científicos. Romances, artigos de jornais, livros de memórias, poesias, escritos por mulheres – fontes vistas em sua dimensão pública, marcam a presença feminina no mundo das letras, um lugar, em geral, pensado como estritamente masculino. Nessa parte, ao apoiar-se ainda nas experiências de cultura letrada de outras mulheres, traz à baila muito das sociabilidades intelectuais. Remete, assim, a algo destacado por R. Gontijo (2005:260) sobre a existência de uma sociabilidade peculiar a esse meio, “reconhecido como polimórfico e polifônico”, indagando “de que modo o meio intelectual produz sua especificidade?” (251), com base em preocupações de Trebitsch (1992). Imagens emblemáticas de auto-representações como intelectuais estão nas fotografias de mulheres, em posição de leitura ou com um livro nas mãos. Essas mesmas imagens se associadas a reproduções de algumas capas de livros e de textos publicados, estimulam a pensar as sociabilidades intelectuais femininas, naquela dupla acepção referida por Sirinelli (2003): “a de rede organizacional e a de microclima” de tantas surpresas. Isso está presente, também, na segunda parte do livro (Capítulo 3 – “O fazer literário das baianas: práticas de escrita” e Capítulo 4 – “A imprensa e as mulheres baianas: periodismo e redes de solidariedade”). Aqui, memórias, escritos biográficos, correspondência de mulheres, preservados, em grande parte, em arquivos privados, além de produções literárias e jornais e revistas, ajudam a ampliar o cenário dessas sociabilidades intelectuais; discursos e práticas sociais de homens e mulheres sugerem a dinâmica social em que se move o processo de tomada de consciência de gênero na segunda metade do século XIX e que deixa, ainda, como marca, caminhos específicos de lutas femininas por educação e cidadania. Trata-se de uma leitura que estimula e faz pensar novas iniciativas de pesquisa em direção a áreas ainda tão encobertas da história das mulheres.

Referências

CHARTIER, R. À beira da falésia. A história entre certezas e inquietude. Porto Alegre, Ed. Universidade/UFRGS, 2002 [Trad.: Patrícia. C. Ramos]         [ Links ].

COSTA, Suely G. Movimentos feministas, feminismos. Estudos Feministas, vol 12 /Especial, Florianópolis, CFH/CCE/UFSC, 2004, pp.23-36.         [ Links ]

GADAMER, Hans-Georg. Problemas Epistemológicos das Ciências Humanas. In FRUCHON, Pierre. (org.) O problema da consciência histórica. Rio de Janeiro, Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1998.         [ Links ]

GONTIJO, R. História, cultura, política e sociabilidade intelectual. In: SOIHET, R., BICALHO, Maria Fernanda B., GOUVÊA, Maria de Fátima S. Culturas políticas: ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro, Mauad, 2005.         [ Links ]

PISCITELLI, Adriana. Reflexões em torno do gênero e feminismo. In: COSTA, Claudia Lima e SCHMIDT, Simone Pereira. (orgs.) Poéticas e políticas feministas. Florianópolis, 2004.         [ Links ]

RAMOS, Alcides Freire; PATRIOTA, Rosangela e PESAVENTO, Sandra Jatahy. Imagens da História: objetos da História Cultural. São Paulo, Editora Hucitec, 2008.         [ Links ]

SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, R. Por uma história política. 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2003 [Trad.: Dora Rocha]         [ Links ].

TREBITSCH, Michel. Avant-propos: la chapelle, le clan et le microcosme. Les Cahiers de l’Instintut d’Histoire du Temps Présent – Sociabilités intellectuelle, nº 20, Paris, Centre National de la Recherche Scientifique, mars, 1992.         [ Links ]

COSTA, Suely Gomes.- Doutora em História, Professora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e de História da Universidade Federal Fluminense, Campus do Gragoatá. [email protected].

Acessar publicação original

[MLPDB]

 

História Comparada das Mulheres – COVA (LH)

COVA, Anne (Dir.). História Comparada das Mulheres. Lisboa: Livros Horizonte, 2008. Resenha de: BALTAZAR, Isabel. Ler História, n.57, p. 159-161, 2009.

1 A História das Mulheres tem merecido a atenção dos historiadores, conscientes do muito trabalho a realizar. Muitos centros de investigação, no estrangeiro, um pouco por todo o mundo, como também em Portugal, dedicam-se a esta área, preenchendo lacunas na história que o tempo veio mostrar essenciais para mostrar a verdadeira identidade humana, composta de homens e de mulheres. Num verdadeiro impulso investigativo, as mulheres, que já eram protagonistas da História, ganharam, agora, maior visibilidade. Como escreveu Gisela Bock «Uma história que ignora metade da humanidade, não é sequer meia história, pois sem as mulheres a história não faria justiça tão-pouco aos homens» (p.8).

2 Para divulgar esta história muito contribuem, também, as editoras que permitem veicular o resultado das investigações académicas, muitas vezes, pouco divulgadas. É, por isso, de elogiar, no caso concreto, os Livros Horizonte, que tiveram a ousadia de correr contra uma cultura de massas, proporcionando livros de inquestionável qualidade. Trata-se da colecção A Mulher e a Sociedade, que acaba de publicar a História Comparada das Mulheres, na sequência de outros interessantes e apelativos títulos como, por exemplo, Nem Gatas Borralheiras, nem Bonecas de Luxo. As mulheres portuguesas sob o olhar da História (séculos XIX-XX), da autoria de Irene Vaquinhas, o primeiro da colecção, e outra “Cabelos à Joãozinho”. A Garçonne em Portugal nos anos Vinte, de Gabriela Mota Marques, o que antecede este agora apresentado.

3 Esta obra, tradução em português de um livro publicado originalmente em inglês nos Estados Unidos, sob a direcção de Anne Cova com o título Comparative Women’s History: New Approaches, editado por Columbia University Press (2006), mereceu a actualização bibliográfica na edição portuguesa. Curiosamente, a História Comparada das Mulheres: Novas Abordagens é o resultado de um workshop realizado na Universidade Aberta intitulado «Como escrever uma História Comparada das Mulheres?», com o propósito de «estimular o debate e dar um novo ímpeto à História das Mulheres» (p.11).

4 Anne Cova revela que «a ideia deste livro surgiu à medida que me envolvia num estudo comparado das federações feministas em França (Conseil national des femmes françaises), Itália (Consiglio nazionale delle donne italiane), e Portugal (Conselho nacional das mulheres portuguesas) durante a primeira metade do século XX» (p.11).

5 A introdução tem o sugestivo título «As promessas da História Comparada das Mulheres». Que promessas? Diz Anne Cova: «Este volume pretende abrir novas perspectivas sobre a escrita da História comparada das mulheres. Procura examinar as promessas que tal empreendimento encerra sob pontos de vista diferenciados, ao mesmo tempo que confronta as dificuldades que se lhe deparam. O ponto de partida e cerne deste livro é a questão: Como escrever uma História comparada das mulheres?» (p. 13). Estas linhas programáticas avisam o leitor do objectivo deste estudo: a necessidade de comparação na História das Mulheres.

6 Estamos perante uma história cruzada, uma história transnacional, perspectivas complementares na abordagem da História das Mulheres ou da História do Género, designações para o mesmo tipo de abordagem. Por outro lado, está, ainda, pressuposta a ideia de que a História das Mulheres «é essencial para uma correcta compreensão da História em geral» (p. 13). Por fim, a tentativa de empreender «novas abordagens», sugerindo a ideia que «a globalização exige o desenvolvimento de novas perspectivas na História comparada das mulheres, que permitam melhorar a nossa compreensão do passado, e reescrever uma História comparada que inclua as mulheres» (p.14). A este propósito refira-se a excelente e paradigmática obra sobre o assunto da autoria de Gisela Bock, Women in European History, ou a já clássica História das Mulheres no Ocidente, coordenada por Georges Duby e Michelle Perrot, que nortearam os paradigmas desta agora apresentada. Françoise Thébaud tem insistido na utilidade da perspectiva comparada ou «numa História que faça uma análise cruzada com práticas e debates estrangeiros; a História das mulheres como um fenómeno internacional, tem beneficiado tanto de trocas interculturais» (p.16).

7 Outros estudos comparativos são apresentados por Anne Cova sobre o estado da arte nesta temática, tanto na Europa como numa perspectiva mais global, tornando esta introdução verdadeiramente indispensável como ponto de partida para novas abordagens. Para além dos estudos sobre o assunto, não podemos deixar de elogiar a excelente teorização sobre a questão das fontes e os problemas inerentes a qualquer estudo comparado. Adverte a autora: «Como se faz comparação? Se qualquer projecto de pesquisa deve começar por justificar as delimitações geográfica e cronológicas, então este exercício pode ser mais complicado nos estudos comparados em virtude das dificuldades que a comparação levanta. É essencial estar muito atenta(o) à contextualização de qualquer fenómeno, quaisquer que sejam as sociedades que irão ser comparadas. Analisar as semelhanças e as diferenças é comum a todo o trabalho comparativo. Estabelecer as convergências, pontos comuns, e semelhanças que existem entre os casos sob comparação, ao mesmo tempo que se analisam diferenças, divergências, singularidades, e especificidades, leva-nos a dar mais importância a quê? Ou dito de outro modo, as diferenças são mais esclarecedoras do que as semelhanças, ou vice-versa?» (p.25).

8 O primeiro estudo, da autoria de Karen Offen, é sobre «Erupções e Fluxos: reflexões sobre a escrita de uma história comparada dos feminismos europeus, 1700-1950», mostrando a ausência do feminismo no estudo ou no ensino da História. Pretende a autora que esta situação seja alterada: «Esta História negligenciada ou esquecida – ou o que é pior, reprimida –, que a(o)s estudiosa (o)s feministas agora reclamam, é central para a nossa compreensão da história política e intelectual, assim como da história social, económica e cultural de praticamente todas as sociedades europeias» (p. 29). Porquê? A história dos feminismos vem preencher uma lacuna na História, dando visibilidade ao que existia na sociedade, sem passar à História o que, afinal, está na essência da sociedade. Trata-se de recuperar fontes primárias de documentação escrita, ou seja, de olhar de dentro para fora. Fazer a história dos feminismos é diferente de fazer a História das Mulheres ou das Organizações femininas; é tentar decifrar a face oculta dos factos, ler o que está implícito na História.

9 Bonnie S. Anderson conta-nos a história vivida na década de 1970 quando trabalhava numa História narrativa das mulheres na Europa. Era a história de mulheres que pretendiam uma igualdade cívica, política e social. Com a consciência da dificuldade em captar toda a realidade, a «História comparada vale bem o esforço. Sem ela, nunca descobriríamos as semelhanças e as diferenças que são essenciais para saber se iremos viver toda(o)s junta(o)s em harmonia e de forma produtiva neste próximo século» (p. 59).

10 Em «Erro de tradução? A História das Mulheres numa perspectiva transnacional e comparada», Ann Taylor Allen chama a atenção para o facto da história comparada estar, ainda, a dar os primeiros passos e para a sua real importância, também para a História do Género. Tanto para o investigador como para o professor de História global. Por último, Susan Pedersen explica as convergências e divergência da História comparada e a História das Mulheres. Um estudo que problematiza e faz pensar: «Haverá uma afinidade particular entre o método comparativo e a área da História das Mulheres? Acredito que sim e que essa relação tem a sua própria história» (p. 79). É necessário cruzar saberes e construir pontes para perceber melhor a realidade.

11 Eis uma verdadeira lição sobre o método de fazer História comparada, útil a qualquer aprendiz, mas que também faz pensar, pelos problemas que levanta, o especialista. Uma obra de referência.

Isabel Baltazar – FCSH – UNL

Consultar a publicação original

Historia de las Mujeres en España y América Latina: del siglo XX a los umbrales del XXI – GÓMEZ-FERRER et al (RBH)

GÓMEZ-FERRER, Guadalupe; CANO, Gabriela; BARRANCOS, Dora; LAVRIN, Barrancos (Coord.). Historia de las Mujeres en España y América Latina: del siglo XX a los umbrales del XXI. Madrid: Cátedra, 2006. v.4, 981p. Resenha de: AREND, Silvia Maria Fávero. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.27, n.54 , dec. 2007.

A coletânea Historia de las Mujeres en España y América Latina, composta de quatro volumes dirigidos por Isabel Morant e lançados em 2005 e 2006, é considerada uma importante referência para o estudo da História das mulheres e das relações de gênero. Esse monumental empreendimento (v.1, De la prehistoria a edad media, 2005; v.2, El mundo moderno, 2005; v.3, Del siglo XIX a los umbrales del XX, 2006), levado a cabo por um conjunto de historiadoras e historiadores dos dois continentes, propõe-se a analisar as experiências das mulheres que viveram em territórios que atualmente são conhecidos como América Latina e Espanha, desde a denominada Pré-História até o final do século XX, bem como os discursos emitidos por diferentes atores sociais sobre as relações de gênero vigentes nessas sociedades no período. Nesta resenha, em função da extensão das obras, realizaremos comentários somente sobre os 41 artigos do quarto volume, que abordam “as transformações verificadas na vida das mulheres durante o século XX”. Na Introdução da parte relativa à Espanha, Guadalupe Gómez-Ferrer sintetiza os objetivos perseguidos pelos articulistas:

Dar cuenta de esos cambios que se han producido en la vida de las mujeres y de su protagonismo en la tarea de romper los obstáculos que se oponían a la igualdad entre los sexos en el plano social, civil y político, en una sociedad dirigida por varones, que se resistía más o menos conscientemente a ver cuestionada la autoridad masculina. (Gómez-Ferrer, “Introducción”, p.16)

A periodização da história política da Espanha e o discurso Feminista são os “fios condutores” das reflexões da primeira parte do volume. O debate ocorrido na sociedade espanhola, nas décadas iniciais do século XX, acerca da luta pela conquista dos direitos políticos das mulheres é o tema central de parte dos artigos. Inmaculada Blasco, Rosa Maria Capel, Mary Nash e Mercedes Yusta procuram identificar as diferenças existentes entre os discursos das feministas católicas, das socialistas e das anarquistas. Para as católicas, norteadas pelo ideário liberal conservador, a luta por direitos políticos era sinônimo de voto feminino. Já para os outros dois grupos, o campo dos direitos políticos era muito mais amplo, abrangendo problemas suscitados pelo mundo do trabalho e relativos à igualdade civil. A introdução no texto constitucional, em 1931, do sufrágio feminino e de outros direitos civis e trabalhistas foi resultado desses embates. Todavia, com a mudança do cenário político, em 1939, grande parte dessas conquistas foi ‘esquecida’.

Em outro conjunto de artigos, Giuliana di Febo, Suzana T. Garcia e Teresa R. de Lecea demonstram a importância, para a manutenção do regime ditatorial franquista, das ações das mulheres filiadas à Sección Feminina de Falange. O discurso da mãe-esposa-dona-de-casa difundido pelas falangistas e pela Igreja católica começou a ser questionado somente a partir do final da década de 1960, quando as mulheres das camadas médias e urbanas ingressaram em grande número no mercado de trabalho, especialmente no setor terciário. As agendas do feminismo da segunda onda relativas à dupla jornada de trabalho e ao controle da natalidade, bem como à participação das mulheres (inclusive da rainha Sofia) no processo de redemocratização da Espanha constitui-se na temática de outra parcela de artigos. A polifonia feminista da década de 1990 – do mundo acadêmico, dos movimentos sociais e dos setores sindicais – e as questões referentes à saúde reprodutiva das mulheres e à terceira idade, associadas ao discurso da terceira onda, são debatidas nos últimos artigos dessa parte do volume.

Quanto à América Latina o grande desafio das articulistas estava em encontrar ‘pontos de contato’ nas experiências vivenciadas pelas mulheres em sociedades distintas. O discurso feminista articulado ao da modernização socioeconômica cumpre esse papel na obra. Diferente do verificado para a Espanha, nesta segunda parte do volume observamos um maior equilíbrio entre as narrativas produzidas sob o enfoque da história política e da história social. O primeiro conjunto de artigos discute a emergência e a difusão do discurso feminista da primeira onda nos vários paises do continente, entre 1900 e 1950. Foram, sobretudo, mulheres escolarizadas pertencentes às camadas médias e altas que lutaram pelo sufrágio feminino e por outros direitos sociais na Argentina, Uruguai, Peru, Colômbia, México, países da América Central e Brasil. Por essa dimensão social considera-se, atualmente, que os resultados dessas ações foram ‘limitados’. Dentre essas análises destaca-se a de Raquel Soihet acerca do Brasil. A autora construiu sua narrativa buscando realizar um diálogo historiográfico entre as abordagens das brazilianistas e das historiadoras brasileiras. Enquanto as primeiras, muitas vezes, olham o processo a partir de periodizações e problemas vigentes na Europa e na América do Norte, as segundas procuram descrever as singularidades brasileiras. Os Congressos Internacionais, organizados nas grandes cidades da região ao longo daquelas décadas, onde se verificava a difusão de discursos relativos à norma familiar burguesa e à infância, foi outro aspecto desse processo salientado pelas historiadoras.

As reflexões sobre a participação de mulheres latino-americanas nos movimentos sociais são o ‘ponto alto’ dessa parte do volume, pois demonstram quão plurais eram as identificações de classe, etnia, religiosidade e partidárias das protagonistas, gerando assim embates em campos muito distintos. Margareth Power analisa a participação das mulheres das camadas médias brasileiras e chilenas na deposição de João Goulart e Salvador Allende. Por sua vez, Suzana Bianchi descreve as várias fases do movimento das Mães da Praça de Maio, bem como sua importância para a queda do regime autoritário na Argentina. Já Lynn Stoner discute as dificuldades enfrentadas pelas socialistas cubanas no interior do Partido Comunista, onde os quadros eram em grande parte masculinos e, com certa freqüência, professavam um ideário machista. Eugenia Bridikhina narra as lutas das mulheres bolivianas mineiras e camponesas por melhores condições de vida. Por sua vez, os artigos de Mirta Zaida Lobato, Luz Gabriela Arango e Maria Teresa Fernández Aceves sobre as relações de trabalho femininas nas sociedades argentina, uruguaia, colombiana, equatoriana e mexicana abordam uma ampla gama de problemas, tais como, as mudanças na divisão sexual do trabalho no interior da família, a legislação trabalhista e os setores da economia onde as mulheres estavam inseridas.

O último conjunto de artigos do volume propõe-se a efetuar um ‘balanço’ dos rumos do feminismo no continente, no final do século XX. Nestas reflexões fica patente o estágio em que se encontra o discurso acadêmico sobre a temática nos países latino-americanos. Margareth Rago, além de analisar os impactos do discurso feminista da segunda e da terceira ondas na sociedade brasileira, responsáveis em grande parte pela edificação de um conceito de cidadania que leva em conta múltiplos sujeitos (desde as mulheres pobres afro-descendentes, passando pelas homossexuais até as executivas das multinacionais), enuncia as possibilidades da criação de outro paradigma epistemológico. A autora traz então para a cena os debates teóricos e políticos realizados no campo das relações de gênero e que estão sistematizados na produção bibliográfica recente do país. Segundo ela, esses debates estão presentes na Revista de Estudos Feministas, nos Cadernos Pagu, na Revista Espaço Feminino e na Revista Eletrônica Lybris (p.878). Marta Lamas e Margarita Iglesias Saldaña apresentam uma interpretação desse mesmo processo, ressaltando as singularidades dos casos mexicano e peruano.

Obras dessa magnitude são passíveis de inúmeras considerações críticas. O conjunto de artigos fornece para o leitor ou leitora um panorama do vivido pelas mulheres que habitaram a Espanha e a América Latina ao longo do século XX. Esse panorama do ponto de vista teórico foi elaborado a partir das clivagens de classe, etnia, dimensões do rural ou do urbano, religiosidade, grau de escolarização, ideário político etc. Nesse mesmo sentido, há um grande esforço das historiadoras na tentativa de compreender quais são os pilares constitutivos do discurso feminista da primeira, segunda terceira ondas que vicejou nessas sociedades no período, bem como as diferentes ações engendradas por ele. A vasta e atualizada bibliografia a que as articulistas recorrem nessa tarefa também merece destaque.

Parte das narrativas, especialmente as presentes na primeira parte do volume, foi edificada sob o enfoque da história política de cunho factual, centrada nas grandes personagens e sem menção às fontes documentais. Porém, o que realmente gera grande inquietação no leitor é o fato de a periodização da história político-institucional dos Estados Nacionais (sobretudo no caso da Espanha) ser tomada como marco referencial para a História das mulheres. Não se está reivindicando devidamente uma abordagem totalmente autônoma desses referenciais temporais, mas sim que os processos protagonizados pelas mulheres sejam os balizadores da interpretação a ser feita pelos pesquisadores. Aliás, atuando nesta direção o discurso historiográfico poderá se aproximar do mencionado por Margareth Rago na própria obra, ou seja, colaborar para a gênese de outro paradigma.

Por fim, uma questão: fueron cien años de soledad? Guiomar Dueñas-Vargas, em seu texto acerca dos embates travados pelas mulheres sob o signo do Feminismo no século XX, responde: definitivamente,, n. O horizonte permaneceu sendo a construção coletiva de sociedades mais igualitárias de ambos os lados do Atlântico.

Silvia Maria Fávero Arend – Programa de Pós-graduação em História, Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Rua Visconde de Ouro Preto, 457, Centro. 88020-040 Florianópolis – SC – Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

[IF]

Um outro olhar sobre a escravidão e o gênero no Brasil: Caetana diz não: história de mulheres da sociedade escravista brasileira – GRAHAM (RBH)

GRAHAM, Sandra Lauderdale. Um outro olhar sobre a escravidão e o gênero no Brasil: Caetana diz não: história de mulheres da sociedade escravista brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, 289p. Resenha de: GRAHAM, Sandra Lauderdale. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.26, n.52 , dec. 2006.

A história da cafeicultura no Vale do Paraíba, no Rio de Janeiro, tem em Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o Barão do Pati do Alferes, uma de suas figuras mais representativas. Amparado em sua experiência como proprietário de fazendas e escravos, serviu-se da pena para divulgar seus conhecimentos não apenas de administrador, mas, sobretudo, dos princípios a serem seguidos pelos senhores no governo de seus cativos.

Assim, a partir de junho de 1847, inicia a publicação, no Auxiliador da Indústria Nacional, periódico da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, da qual Werneck era membro destacado, da sua “Memória sobre a fundação de uma fazenda na Província do Rio de Janeiro, sua administração e épocas que se devem fazer as plantações, suas colheitas, etc. etc.”.

Fosse porque a imprevisibilidade da produção agrícola impusesse certa distância entre teoria e prática, fosse porque os tempos já eram outros, o fato é que quando se tratou da administração do legado deixado por sua comadre e tia, D. Inácia Delfina Werneck (1771-1858), o Barão do Pati do Alferes enfrentou uma série de dificuldades. É nesse ponto, muito mais do que na dinâmica dos laços de parentesco que uniam os dois personagens, que se baseia uma das duas histórias reconstituídas por Sandra Lauderdale Graham, em seu livro voltado ao estudo de casos de mulheres da sociedade escravista brasileira.

Solteira e analfabeta, D. Inácia Delfina possuía, por ocasião da feitura de seu testamento, sete escravos, dos quais dois africanos, e três escravas, todas nascidas no Brasil. Além dos cativos, reunia uma soma razoável de recursos em dinheiro e jóias. Nem mesmo o fato de D. Inácia não saber ler ou escrever parece ter surpreendido Sandra Graham, ocupada em reconstituir-lhe a história de vida. Afinal, tratava-se de situação comum a mulheres de igual condição social da mesma geração que D. Inácia, partilhada também por sua irmã, D. Francisca. Inusitado, porém, principalmente ao observador de hoje, foi o fato de a proprietária deixar todos os seus bens a Bernardina e seus cinco filhos. Bernardina fora escrava de D. Inácia, de quem recebera a alforria com a obrigação de servi-la enquanto fosse viva. Dentre outros bens com que era contemplada no testamento, coube a ela dois escravos que a deveriam servir pelo prazo de dois anos, findos os quais, estariam livres.

Seus cinco filhos foram alforriados na pia batismal, e, à época da confecção do testamento, alguns eram menores e outros já haviam alcançado a maioridade. Os bens foram distribuídos desigualmente entre a prole de Bernardina, cabendo, por exemplo, a uma das filhas, Maria, a quantia necessária para quitar o valor de uma escrava que já possuía, de nome Inês. Antes disso, fato incomum, já havia contemplado outra filha de Bernardina, Rosa, com uma escrava de nome Helena.

Dadas as peculiaridades do sistema de herança no Brasil — herdado de Portugal e mantido após a Independência —, que assegurava às mulheres participação na herança deixada pelos pais e maridos, e dada a vigência de relações eminentemente privadas entre senhores e escravos, deixando, pelo menos em princípio, ao arbítrio dos proprietários todas as decisões que dissessem respeito à sua propriedade sobre cativos, a história de D. Inácia não surpreenderia tanto, exceto por instituir como herdeira uma sua ex-escrava.

A decisão, no entanto, assumiu uma série de desdobramentos, decerto não previstos pela testadora, conforme nos mostra Sandra Graham, sendo o principal deles resultado do equívoco na avaliação do montante do espólio. Assim, feitas as doações aos legatários nomeados por D. Inácia, a maioria composta por familiares, o que restou para a liberta Bernardina foram apenas dívidas. Dívidas cuja administração caberia ao primeiro testamenteiro, o Barão do Pati do Alferes. E aqui, não lhe parece ter valido a larga experiência como administrador de terras e escravos, registrada para a posteridade nas páginas do Almanack Laemmert, uma vez que “agiu com discernimento questionável” ao impor à família de Bernardina um contrato de arrendamento de terras exauridas e a preços exorbitantes (p.193).

O leitor desta resenha deve estar se perguntando o que a história de D. Inácia tem em comum com a da escrava Caetana, cuja história, afinal, dá título ao livro, apesar de ocupar menos páginas do que as da filha da aristocracia cafeeira. Deixemos a autora falar: “São histórias diferentes, sem conexão uma com a outra, exceto no importante sentido de que pertenceram à mesma cultura, sociedade e economia gerais — e que as utilizo para iluminá-las” (p.11). E certamente, é nesse ponto que reside uma das principais qualidades da obra. Laura Graham procura, com sucesso, dar conseqüências à afirmação, inúmeras vezes repetida, mas nem sempre levada em conta, de que “história é contexto”. Por isso mesmo, reconstitui minuciosamente os aspectos econômicos, sociais e demográficos de duas importantes regiões cafeeiras, o Município de Vassouras, no Rio de Janeiro, e Rio Claro, em Paraibuna, na Província de São Paulo.

Rio Claro é, assim, o cenário da primeira história narrada, a da escrava crioula Caetana. Tendo como fio condutor da narrativa a recusa de Caetana a partilhar o leito conjugal com seu marido, o também escravo Custódio, Laura Graham aponta como foram complexos os arranjos societários e pessoais que se forjaram no contexto das grandes unidades plantacionistas — ainda que com o emprego do termo não se queira repetir o engano de supor que essas unidades constituíssem verdadeiras autarquias. Tais arranjos se expressavam desde as pretensões do marido legítimo de Caetana a reproduzir, com anuência da família da escrava, uma relação de tipo patriarcal, forçando-a a submeter-se, até as possibilidades encontradas por Caetana em manipular sua condição de escrava doméstica, de mucama das mulheres da família na casa-grande para convencer a seu senhor, Capitão Tolosa, o mesmo que a constrangeu ao casamento, a intermediar sua demanda pela anulação do enlace.

Decisão que o fazendeiro aceita, mas não sem antes consultar um de seus pares, hóspede ocasional em sua casa, Manuel da Cunha de Azeredo Souza Chichorro. Antigo Secretário de Governo de São Paulo que, no cargo, se ocupou de questões como a utilização de homens vadios, malfeitores e vagabundos para estabelecerem povoações no sertão, colaborador da Revista do IHGB, Manuel da Cunha Chichorro o aconselha a atender aos rogos da escrava, mostrando assim que se as decisões dos senhores se circunscreviam ao âmbito privado, elas não correspondiam apenas ao arbítrio ou aos caprichos do proprietário.

O desfecho do pleito de Caetana, intermediado por seu senhor, é conhecido: a Cúria Metropolitana da Bahia recusa-lhe a anulação uma vez que a seu caso não era aplicável nenhuma das disposições canônicas que previam a anulação. Esse resultado decepciona mais o leitor do que a impossibilidade, assumida pela autora, de explicar as razões íntimas ou as menos recônditas, como se queira, que levaram Caetana a rejeitar o “estado de casada”. Isso porque Laura Graham se preocupa o tempo todo — e essa é outra característica positiva do trabalho — em formular hipóteses consistentes, numa espécie de ‘maiêutica socrática’ muito mais esclarecedora do que se fossem dadas respostas definitivas.

Um outro aspecto a ressaltar é o de que a perspectiva adotada é a da história de gênero, o que justifica o fato de personagens masculinos ocuparem papel proeminente na reconstituição das tramas. A preocupação central, portanto — apesar de o subtítulo informar que se trata de “Histórias de mulheres da sociedade escravista” —, é com a análise relacional, realçando a instabilidade dos papéis sociais assumidos por homens e mulheres no Brasil escravista.

Em meio a temas abrangentes — como organização da Guarda Nacional, atuação dos juízes de Paz, laços de compadrio, família escrava, recolhimentos no Brasil, rebeliões de escravos, sistema de herança, alianças matrimoniais, ilegitimidade, irmandades religiosas, Revolução Liberal de 1842 e declínio da cafeicultura no Vale do Paraíba no Rio de Janeiro a partir da experiência concreta de um fazendeiro —, Laura Graham desvenda a interação entre as histórias de Caetana, Chichorro, Tolosa, D. Inácia, Bernardina e seus filhos e o Barão do Pati do Alferes.

Caetana diz não foi lançado nos Estados Unidos três anos antes de a tradução vir a público no Brasil (Caetana says no: women’s stories from a Brazilian slave society. New York: Cambridge Press, 2002) sendo objeto de resenhas em revistas especializadas como Hispanic American Historical Review e The Americas. O livro integra, naquele país, a coleção “New approaches to the Americas”, editada por Stuart Schwartz.

Trata-se de obra elaborada com base em uma extensa pesquisa primária, constituída de fontes censitárias, cartorárias e eclesiásticas, perscrutada de maneira original. Mas há um aspecto que realmente deve surpreender nosso leitor: a opção da autora por basear-se em obras produzidas sobre a escravidão brasileira por especialistas norte-americanos. É bem verdade que muitos deles sobejamente conhecidos no Brasil, como no caso dos trabalhos de Stuart Schwartz e outros aqui radicados — Robert Slenes, por exemplo — e contra os quais a autora não poupa críticas: ao primeiro, por defender a centralidade do trabalho para o entendimento da dinâmica da sociedade escravista em oposição a fatores como família, comunidade e religião (p.49); ao segundo, por exagerar na insistência com que os senhores estimulavam seus escravos a se casarem com o fim de controlá-los enquanto cativos (p.56).

Não que estejam ausentes algumas das mais representativas obras produzidas pela nossa academia, mas nesse aspecto, a pesquisa sobre os títulos que poderiam lançar luz sobre o tema abordado não é, nem de longe, exaustiva. Assim, talvez se encontre aí uma outra originalidade do trabalho, da qual o leitor deva extrair algumas conseqüências: a de que se trata de uma abordagem, em boa medida, construída a partir do olhar do especialista estrangeiro, certamente influenciado pela própria compreensão da dinâmica de um país também de passado escravista.

Tal opção, em determinadas passagens, permite que se estabeleçam comparações importantes, ainda que implícitas, com o contexto da América do Norte. Esse parece ser o caso em que a autora reconhece que a precária legitimidade dos senhores sobre seus escravos no Brasil baseou-se na reiteração do direito costumeiro, dispensando, ao contrário do que se observou no norte da América, a produção de um discurso baseado na inferioridade racial (ainda que, vale ressaltar, esse não estivesse de todo ausente, sobretudo no Brasil Imperial). Ou quando afirma que a cultura da sociedade brasileira, por sua herança ibérica, era essencialmente jurídica — no sentido de que a maioria das transações eram autenticadas por documentos legais — diferentemente do que se verificava nos domínios coloniais das metrópoles da Europa Central (p.117-8).

A obra de Laura Graham, por fim, cumpre bem o programa da micro-história, vertente à qual se filia, com o mérito de preencher os vazios entre o particular e o geral, entre as trajetórias individuais e as coletivas, ampliando a aplicação do método para além da história cultural e das mentalidades.

Andréa Lisly Gonçalves – UFOP

Acessar publicação original

[IF]

O que é lesbianismo / Tania Navarro-Swain

O livro, O que é lesbianismo, editado pela Brasiliense em 2000, é uma edição de bolso da coleção ‘primeiros passos’, por isso, demonstra uma visão muito particular da autora com um posicionamento intelectual específico ao tema em pauta.

A autora inicia seu livro fazendo uma pequena advertência aos possíveis leitores: “quem estiver vestido no cimento de suas certezas não mergulhe nestas águas” (p. 9), pois a “arrogância dos paradigmas” e o “totalitarismo do senso comum” já tentaram petrificar o tema aqui em debate. O Discurso da autora transita pelas teorizações feministas e foucaultianas fazendo uma divisão do livro em três capítulos. O primeiro capítulo discute os indícios e interpretações da historiografia recuperando as discussões da epistemologia feminista para demonstrar a ‘desordem’ que o sujeito lesbiano causa ao conhecimento comum e científico, por isso, sua ocultação na historiografia tradicional. Com o título: ‘Nosso nome é legião: o espaço vivido’ o segundo capítulo demonstra a presença do sujeito lesbiano na literatura, nas teorizações e nas representações diversas. O último capítulo trata dos ‘Perfis Identitários’, ou seja, trata das atuais discussões sobre identidade empreendidas pelas teorias feministas e foucaultianas, discussões que não aceitam a identidade presa ao sexo e sexualidade e, propositivamente, a autora sugere o nomadismo identitário como contrapartida.

O que a história não diz não existiu é o título que inicia a discussão dos indícios e interpretações em história no primeiro capítulo, onde é problematizado o estatuto histórico, que apegado em modelos fixos, anulou a aparição das lesbianas por representarem uma contradição à “ordem natural da heterossexualidade dominada pelo masculino” (p.13). Cabe ao atual fazer histórico questionar, problematizar, na tentativa de buscar os significados e os valores das condutas humanas esquecidas pelas certezas da história-ciência do século XIX: “a história, dona do tempo, esqueceu que tempo significa transformação, esqueceu a própria história para traçar um só perfil das relações humanas” (p.14). Daí decorre que os indícios da história podem apontar outras culturas e civilizações onde as mulheres amavam-se umas às outras, pois masculino e feminino nem sempre tiveram a mesma conotação (p.16), embora o imaginário ocidental esteja marcado por Adão e Eva, representantes de dois pólos: a imagem de deus e a submissão, a sexualidade naturalizada, binária, formada por relações assimétricas, é também histórica (p.17).

Trabalha com uma concepção de História não-linear onde o papel de historiador é importante, pois seus olhos estão impregnados de valores e crenças atuais, seu papel não é desvendar algo que estava oculto, mas, interpretar os indícios, nos quais os fragmentos do passado atestam o real, segundo interpretações possíveis e as representações que constroem o mundo. A História é, então, mais um discurso, dentre tantos outros, onde os historiadores são mediadores entre o passado e a construção do conhecimento histórico atual. O papel da História é o de questionar, tentar apreender os significados e valores que orientam atos e gestos (p.14).

A heterossexualidade compulsória como regra universal determina os papéis sexuais do verdadeiro masculino e feminino, assim a tolerância quanto às práticas sexuais diversas depende do grau de hegemonia da heterossexualidade (p.17). Os filósofos da Antiguidade Grega são citados como marco entre razão e mito, mas, as práticas sexuais dos mesmos nem sempre são incorporadas aos seus discursos, ocultando-se os sentimentos elevados entre homens. E quanto às mulheres na antiguidade? O silêncio paira sobre a vida das mulheres atenienses, embora o confinamento delas em casa não signifique sua inexistência. A vida das mulheres em Atenas diferencia-se de Esparta, lugar onde elas viviam separadas dos homens.

Em Esparta, Tebas e Siracusa, sabe-se indiretamente, pelos atenienses, que as mulheres tinham maior liberdade, porém, no ocidente cristão a homossexualidade feminina “desaparece da ordem do discurso”, “não se fala, logo não existe” (p.19), pois ao nomeá-las cria-se uma imagem, cria-se uma personagem no imaginário social. Durante o período da Inquisição criase o termo “Sodomitas” para definir as mulheres que viviam ou estabeleciam algum tipo de relação afetiva ou sexual com o mesmo sexo, não possuem um nome nem mesmo direito à existência.

Serão os indícios da História capazes de recuperar essas vidas ocultadas? A oposição entre a representação normativa do feminino e as guerreiras, vistas como mito, por alguns dos grandes nomes da Historiografia, são tomadas como exemplo do apagamento daquilo que é tido como incomum (p. 21-22). O discurso transforma a mulher guerreira em ilusão, embora descreva eventos, datas e em alguns casos até nomes. Florestan Fernandes e Sérgio Buarque de Holanda descrevem as amazonas como paródias do homem e o homem como referente da força, do combate, do ataque, da independência. A historiografia como memória social pode naturalizar comportamentos? E quanto à homossexualidade feminina? Porque a história oculta povos matriarcais e comunidades de mulheres guerreiras relegando-as a paródias do masculino? A história colabora na construção de um modelo de feminino, tipo frágil e submisso, naturalizando os comportamentos e criando representações sociais regidas pela ordem patriarcal, como o discurso ideológico dos museus que colabora no ideário da evolução histórica na passagem do primitivo para o civilizado, do matriarcado para o patriarcado. A poeta Safo de Lesbos serve como exemplo das regras da heteronormatividade, ou seja, é necessário enquadrá-la nos parâmetros do binário homem/mulher para caracterizá-la, mesmo sabendo da beleza de sua poesia, é necessário discursar sobre sua sexualidade: Horácio dirá que Safo era máscula, Ovídio relata seu suicídio após ter sido abandonada por um homem (p.30-32).

Na discussão da identidade atrelada ao sexo Foucault mostra como a taxionomia imprime-se às coisas e modela os seres conforme a divisão binária e hierárquica da sociedade.

Mas a autora pergunta: a reprodução sempre ordenou o mundo? Sempre ordenou as relações? (p.35). Para lembrar que os discursos são construídos em suas “condições de saber”, Navarro- Swain cita Hadcliff Hall, que escreveu sobre o amor trágico entre mulheres (p.40) e Nathalie Clifford Barney, escritora norte-americana, que viveu na França, amou exclusivamente inúmeras mulheres e morreu aos 95 anos, publicou muitos livros, organizou a Academi dês Femmes.

Para Navarro-Swain a história das mulheres está por ser desvendada: “o que a realidade social não retêm perde a espessura da realidade” (p.50). Simone De Beauvoir mostra-se indecisa quanto ao lesbianismo, mas por fim toma-o como escolha existencial. Para a autora ela é arauto do feminismo, fundadora das teorizações e ainda assim cai em contradição quanto ao tema do lesbianismo. Algumas falas de Beauvoir demonstram o poder da representação social no discurso e no imaginário quando a autora reafirma a natureza feminina em oposição à virilidade lésbica e recai no modelo binário.

Mas enfim, se na idade média a sexualidade está associada ao silêncio, a repressão e a procriação na modernidade a homossexualidade será tratada como doença ou crime. A ciência e a jurisdição irão separar a boa da má sexualidade. E para tal a psicanálise torna-se um dos mecanismos para elucidar a evolução sexual e demonstrar que o sexo natural é a heterossexualidade.

Mathieu, Monique Wittig, Nicholson, Gayle Rubin são algumas das teóricas feministas citadas que discutem o lesbianismo na tentativa de ancorá-lo para além do binário. As representações do mundo são duplas: vida/morte, bela/feia, assim “a verdadeira mulher é diferente da prostituta e da lésbica”, a segunda é preservada na ordem do sistema e a última apagada dos discursos. Para a autora: “a inversão da ordem não representa revolução dos costumes” (p.66), hoje as revistas, o cinema, os direitos demonstram uma maior proximidade entre os homossexuais, mas, o homem ainda quer manter o lugar dominante. Por isso o livro O que é Lesbianismo vem abrir um caminho para pensarmos o tão temido tema da homossexualidade feminina, quem sabe sacudindo as evidências e modificando as representações, sem emitir uma resposta uniformizante ao que seja uma lesbiana.

Patrícia Lessa – * Patrícia Lessa – Mestrado em Filosofia da Educação (UNICAMP/SP), doutoranda em Estudos Feministas (UnB/DF). Professora na Universidade Estadual de Maringá/UEM – PR.


NAVARRO-SWAIN, Tania. O que é lesbianismo. São Paulo: Brasiliense, 2000. 101p. Resenha de: LESSA, Patrícia. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.9, p.150-153, 2005. Acessar publicação original. [IF].

História das mulheres no Brasil – DEL PRIORI (RIHGB)

DEL PRIORE, Mary (org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 1997. SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico (Org.). Dicionário Mulheres do Brasil: de 1500 até a atualidade – biográfico e ilustrado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. MOTT, Luiz. Homosexuais da Bahia. Dicionário biográfico, século XVI-XIX. Salvador: Grupo Gay da Bahia, 1999. Resenha de: MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.167, n.430, p.319-327, jan./mar., 2005.

Teresa Cristina de Novaes Marques – Doutora em História Social pela UnB. Professora Adjunta pela mesma Universidade.

Acesso apenas pelo link original

[IF]

Sharing the Good Times: A History of Prairie Women’s Joys and Pleasures – HOLT (CSS)

HOLT, Faye Reineberg. Sharing the Good Times: A History of Prairie Women’s Joys and Pleasures. Calgary: Detselig Enterprises Ltd. 2000. 232p. Resenha de: HOFFMAN, George. Canadian Social Studies, v.37, n.2, 2003.

Sharing the Good Times is an interesting and useful contribution to prairie history for three reasons. Material from primary sources is presented on a number of topics related to the social history of prairie women. The photographs in the book are excellent. Sharing the Good Times is, in part, a photo history and, as the author notes in the introduction, photos do tell stories and catch a moment of truth. There is also an extensive list of secondary and archival sources at the end of the book which includes many references not found in standard bibliographical guides. This bibliography will be of considerable value to students of both western Canadian and women’s history.

The book contains ten chapters, and a particular theme is developed in each. In some instances the author identifies an individual and shows how aspects of her life relate to the theme. In other cases voices from the past address the theme directly through lengthy excerpts from memoirs, diaries, letters or interviews. For example, in the chapter entitled What About the Outer?, which concerns dress, fashion and hairstyle, readers are introduced to Dorothy Clark, who moved to Alberta in 1924 from Minneapolis where she had been trained in beauty culture. Clark became a hairdresser in Lethbridge and was soon using a marcelling iron for the short hair and waves which were popular hairstyles in the 1920s and 1930s. The author then refers to The Perfect Woman, a book which circulated in the Canadian west in the early 1900s. Several paragraphs recommending home remedies to women to help them attain what was considered the ideal of physical beauty at the time are quoted directly.

Most of Sharing the Good Times follows a similar pattern. Love Lights Shining, Women’s Culture, Women’s Lives and Sisterhood are examples of other chapter titles. Some of the events and the characters are well known, such as Nellie McClung, Ethel Catherwood, the Edmonton Grads and the All-American Girls’ Professional Baseball League; but most are ordinary people living normal lives at various times during western Canada’s past. The result is a considerable body of entertaining, interesting and historically significant information which can be used to think perceptively about western Canada’s cultural history.

There is, however, at least one problem with the book, and it relates to its central purpose. Faye Reineberg Holt argues in the introduction that too often in the past histories of prairie women concentrated on the difficulties of their lives, which she refers to as the negative part of life. Holt contends that the happy side also deserves to be told and that this book, as its title suggests, was written with that purpose in mind. From the perspective of the historian this is a curious and even dubious view. It raises a number of questions. Why did previous writers emphasize the hardships and sacrifices of women? Can the negative and positive sides of life be separated? Is it not possible to argue that many of the recollections of the women in Sharing the Good Times can be used to show the difficulties of life as easily as its joys? There are, for example, references to life on the frontier, pioneer experiences, depression and war in the book.

It seems to this reviewer that the author should simply have let the women tell their stories. These interesting accounts stand on their own; let the reader judge whether they are joyful or not. In the end what the women have to say is more complicated and difficult to interpret than the author suggests by her approach. When it was said that mothers of drought-stricken families in the prairie dust bowl of the 1930s maintained their senses of humour and enjoyed life, a wise person replied: yes, but sometimes it was necessary to laugh to keep from crying.

Sharing the Good Times could be used by high school teachers in History and Social Studies courses. It is written at a level which makes it readable for high school students. The nature of its subjects love, dating, honeymoons, fashions, sports undoubtedly interest teenagers. I recommend that teachers select women from these pages and use their words to bring the past alive and make it interesting for young students. Great historical events remain important, and many are referred to in this book, including the fur trade, the Riel Rebellions, the settlement of the west, the two world wars, the 1920s and the Great Depression. There is material in Sharing the Good Times which shows how the lives of ordinary prairie women were a part of those times. For many students that realization can give history personal meaning.

George Hoffman – History Department. University of Regina. Regina, Saskatchewan.

Acessar publicação original

[IF]

Mulheres da floresta: uma história – Alto Juruá/ Acre (1890-1945) | Cristina Scheibe Wolff

A historiografia costuma descrever a história da Amazônia a partir do surgimento da exploração comercial do látex da seringueira e da grande quantidade de nordestinos que passaram a migrar para a região, principalmente após as secas da década de 1870. Para exemplificar este tipo de abordagem onde a economia da borracha e suas ligações com o mercado externo aparecem com destaque, podemos citar a numerosa obra de Arthur Cesar Ferreira Reis. Entretanto, o livro Mulheres da floresta: uma história – Alto Juruá, Acre (1890-1845) de Cristina Scheibe Wolff aponta em outra direção. A autora critica esta perspectiva, a qual denominou de “fetichização da mercadoria”, e ressalta as relações sociais e as experiências vividas por indivíduos, especialmente por mulheres, no cotidiano da floresta.

Para tanto, Cristina Wolff reuniu fontes variadas como, por exemplo, processos civis e criminais (encontrados no Fórum de Cruzeiro do Sul), jornais, relatórios, textos e diários de viajantes (como Constantin Tastevin, Craveiro Costa, Euclides da Cunha, Chandless, Belarmino Mendonça, entre outros). Ao cruzar dados diversos, obteve informações acerca das idades em que os matrimônios se realizavam, seus motivos, a profissão dos envolvidos, as causas de defloramento e assassinato de mulheres, que iluminaram suas conclusões acerca das relações familiares e do cotidiano. Todo este trabalho documental foi somado a um significativo acervo de fontes orais, composto por 26 depoimentos gravados e transcritos, na maioria de mulheres entre sessenta e noventa anos, produzidos em 1995, durante o ano em que a historiadora viveu entre os seringueiros. Leia Mais