El MPN y los otros. Partidos y elecciones en Neuquén/ 1983 a 2019 | Gabriel Rafart

En la provincia de Neuquén, el Movimiento Popular Neuquino (MPN) ganó todas las elecciones ejecutivas durante las últimas cuatro décadas. Diez triunfos electorales consecutivos que le otorgan una doble singularidad: no hubo alternancia en el poder y que se trate de un partido provincial el que protagonizó este largo ciclo hasta la actualidad. Singularidad que distingue a este distrito electoral en relación al concierto nacional. Por dicha razón, la provincia, pero en particular, el partido en el poder, han sido objeto de interés de numerosos investigadores regionales y nacionales, tanto desde la Historia como desde la Sociología o la Ciencia Política, entre otras disciplinas. En revistas, capítulos de libros y congresos, sobre todo durante el siglo XXI, se pueden encontrar estudios que desde diferentes perspectivas e intereses analizan algún segmento de dicha excepcionalidad.

Hace ya varios años, un reconocido politólogo se ufanaba en señalar lo que consideraba, en el marco de la crisis de la democracia de partidos, la pervivencia en el país de solo cuatro organizaciones que aún seguían sosteniendo como tales las características de esos partidos sólidos. Además del Partido Justicialista, la Unión Cívica Radical y el Partido Socialista, el cuarto componente de este selecto lote era el MPN. Dato que adquiere más relevancia aún si tenemos en cuenta que tras la feroz crisis de 2001, la política argentina se ha ido estructurando en la polarización de dos grandes opciones coalicionales: una liderada por lo que conocemos como kirchnerismo y la otra que se consolidó en torno a Propuesta Republicana (PRO). Leia Mais

Secuencia. México, n.110, mayo/agosto, 2021.

Artículos

Formulário médico. Manuscrito atribuído aos jesuítas e encontrado em uma arca da igreja de São Francisco de Curitiba | Heolisa Meireles Gesteira, João Eurípedes Franklin Leal e Maria Claudia Santiago

A interpretação e a materialidade de manuscritos da Época Moderna, conforme a preposição “da” atrás empregada, procura ressaltar que os manuscritos a serem analisados são provenientes do período situado, grosso modo, entre os séculos XVI e XVIII. Não raro esses textos chegam ao presente experimentando autorias diversas, além de intervenções de copistas, proprietários, restauradores e leitores. Portanto, os manuscritos não deveriam ser percebidos hoje como se estivessem simplesmente “na” Época Moderna – eis aí a sutil diferença. A perspectiva vincula-se ao tema da materialidade social, uma apropriação do trabalho de Donald McKenzie sobre a bibliografia entendida como sociologia dos textos (MCKENZIE, 2018). Os textos, enquanto tecidos com textura (conforme a origem latina das palavras), sejam manuscritos ou impressos, possuem uma materialidade a ser estudada. Mas sua matéria é também social e histórica, a ser considerada na análise de um artefato proveniente de outro tempo, que passa por metamorfoses até chegar ao momento atual. Decorre daí a importância de se abordar nas pesquisas o percurso dos documentos – manuscritos ou impressos – em meio a arquivos particulares ou públicos. É fundamental também lidar com as diferentes leituras, por vezes expressas no próprio corpus documental, do objeto, mediante comentários, anotações nas margens etc., ou quando os manuscritos são transcritos, editados e impressos em forma parcial ou integral e passam a ser comentados por leitores vários, assumindo divulgação mais ampla por meio de publicações. Leia Mais

Ganhadores: a greve negra de 1857 na Bahia | João José Reis

O livro Ganhadores: a greve negra de 1857 na Bahia foi lançado em agosto de 2019 e preenche uma importante lacuna da historiografia a respeito das greves promovidas por escravos ou libertos. Como homens e mulheres escravizados viveram o cotidiano da escravidão urbana? O autor, João José Reis (UFBA), especialista em contar como os escravos se revoltavam, nos oferece uma riqueza de detalhes sobre a vida desses homens que resistiram a uma maior exploração dos seus corpos numa grande cidade escrava. O final da história está no título do livro e representa o nome dado a esses homens que ousaram contra a municipalidade soteropolitana: ganhadores, pois também venceram uma batalha que durou 10 dias e que paralisou a cidade de Salvador. Além deles, com esse livro ganharam todos os interessados em discutir a escravidão, o trabalho, a liberdade e a cidadania negra no oitocentos. Leia Mais

Desenfrenada lujuria. Una historia de la sodomía a finales del periodo colonial | Pablo Bedoya

Desde las primeras reflexiones históricas sobre la homosexualidad de León Zuleta en los años de 1970, pasando por los enciclopédicos y eruditos trabajos de Ebel Botero en la década de 1980 hasta llegar a las continuas investigaciones de historiadores profesionales como Walter Bustamante y Guillermo Correa, podemos aventurar la hipótesis de que se ha consolidado una escuela de estudios históricos con alto compromiso político que se centran en la investigación de la homosexualidad en Medellín. Y si decidimos aceptar esta noción, es posible ubicar el libro Desenfrenada lujuria. Una historia de la sodomía a finales del periodo colonial del historiador y magister en Historia Pablo Bedoya en esta tradición académica. El libro, que es una adaptación de la tesis de maestría de Bedoya, se presenta como una respuesta urgente al aumento de discursos homofóbicos que retoman prejuicios antiguos en la actualidad. Desde un inicio el texto es claro en su proyección pública, una característica que es —afortunadamente— cada vez más común en una joven generación de historiadores e historiadoras preocupadas por la relevancia de sus trabajos para el presente.

Dejando clara su motivación, Bedoya establece tres objetivos investigativos que darán a su vez orden capitular al texto. El primero, es el estudio de la invención de la sodomía; el segundo, es el estudio de la puesta en práctica del marco jurídico que la criminaliza; y el tercero, es el estudio de lo que el llamará “márgenes de tolerancia” que se entienden como los marcos suprainstitucionales en donde se desenvuelve la noción. El límite espacial del trabajo, que no se menciona en el título de la obra, es el virreinato de la Nueva Granada, con alusiones a la Edad Media ibérica. Bedoya advierte que los documentos consultados no son un nuevo descubrimiento, pues ya han sido retomados por la historiografía que le antecede y que él reconoce como valiosa. Sin embargo, propone un análisis distinto al distanciarse de la centralidad de la transgresión de los análisis previos, que él aventura, obedece en parte a la naturaleza de las fuentes judiciales. El autor busca ampliar el panorama investigativo respecto a la trasgresión sexual al proponer una visión distinta del estudio de la sexualidad, para lo cual se remonta al debate entre esencialistas y constructivistas de la década de 1980, algo advertido por Guillermo Correa en su prólogo, que funciona como primer diálogo con la historiografía precedente. Leia Mais

Relações militares Brasil-EUA 1939/1943 | Giovanni Latfalla

É difícil imaginar, 75 anos após a vitória aliada na Europa, a vulnerabilidade militar dos Estados Unidos às vésperas do início da Segunda Guerra Mundial. Entre os anos de 1935 e 1939, por exemplo, o governo americano investiu somente 1,5 bilhão de dólares em suas forças armadas, enquanto o Reino Unido, a União Soviética e a Alemanha investiram, respectivamente, 2,5, 8 e 12 bilhões. Mesmo com o sinal de alerta disparado com a Crise dos Sudetos, em 1938, o Tio Sam demorou a iniciar seus preparativos para um novo conflito mundial iminente (LATFALLA, 2019).

Quando a administração federal do então presidente Franklin Delano Roosevelt (1882–1945) passou a considerar seriamente os Estados Unidos no cenário de uma nova guerra mundial, contudo, a história desse país, assim como das nações latino- -americanas, em especial o Brasil, não foi mais a mesma. Leia Mais

The Law of Nations in Global History | Charles Henry Alexandrowicz

Lançada em 2017 pela editora Oxford University Press, a obra The Law of Nations in Global History compreende um compilado de escritos do jurista e historiador polonês Charles Henry Alexandrowicz (1902-1975) publicados no período de 1951 a 1980. A coletânea, organizada por David Armitage e Jennifer Pitts, conta com 432 páginas e faz parte da coleção History and Theory of International Law, de iniciativa de Nehal Bhuta, Anthony Padgen e Benjamin Straumann. A série, que inclui outras publicações relevantes do campo do Direito Internacional Público (DIP), objetiva promover um fórum de debates historiográficos e teóricos, a fim de estimular a consciência histórica, na tentativa de revisitar o passado da matéria para melhor construir seu futuro.

Os organizadores pretenderam, ao publicar a coletânea de escritos de Alexandrowicz, dar maior visibilidade ao trabalho do autor e deixá-lo mais acessível ao público. Esta primeira edição conta com dois prefácios, sendo o primeiro do diretor da série, Benjamin Straumann, e o segundo de B. S. Chimni, professor e jurista de Direito Internacional filiado à escola Third World Approaches to International Law (TWAIL). O texto introdutório, de autoria dos editores da obra, expõe uma visão geral sobre a vida e o pensamento de C. H. Alexandrowicz, no qual o leitor é apresentado a diversos determinantes da biografia do autor que contribuíram para sua postura crítica com relação ao DIP. Leia Mais

Power in the Village: Social Networks/ Honor and Justice among Immigrant Families from Italy to Brazil | Maíra I. Vendrame

O livro de Maíra Vendrame, agora publicado em inglês, é uma versão reduzida de sua tese de doutoramento em história defendida em 2013 na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. O estudo tem como fio condutor a trajetória do padre Antônio Sório, imigrante italiano que se instalou no núcleo colonial de Silveira Martins, Rio Grande do Sul, na década de 1880. Quase vinte anos depois, em 1900, o sacerdote faleceu em decorrência de um grave ferimento no “baixo ventre”. A “morte trágica” gerou várias versões explicativas na comunidade, as quais foram utilizadas por Vendrame como motivação para adentrar no universo camponês e investigar os costumes do grupo. Desse modo, a morte de Sório aparece como pretexto para pesquisar temas mais amplos, como a emigração da Itália, questões de honra familiar e práticas de justiça camponesas que podiam ou não se relacionar com a justiça do Estado.

As versões sobre a morte do padre são apresentadas já no primeiro capítulo, intitulado Versions of a tragedy. Na noite em que Sório ficou ferido, ele estava em uma das ruas do núcleo colonial, a cavalo, provavelmente retornando para casa. As explicações que circularam entre a população de Silveira Martins defendiam que o sacerdote teria sofrido uma queda do cavalo ou sido vítima de uma emboscada com motivações políticas ou vingativas. Aqueles que afirmavam que havia ocorrido um crime político, sustentavam como mandante a maçonaria, pois essa se encontrava presente na comunidade e travava um conflito de ideias com Sório, defensor e representante da Igreja Católica. Por outro lado, as pessoas que acreditavam em um crime de vingança, declaravam que o pároco havia desonrado uma jovem do lugar. Como não foi aberto um processo judicial para investigar o ocorrido, que talvez pudesse apontar para uma única explicação, os diferentes relatos registrados em entrevistas orais, publicações periódicas e de padres e imigrantes locais, oferecem um horizonte de possibilidades. Leia Mais

Samba, caneta e pandeiro: cultura e cidadania no sul do Brasil | Karla Rascke Leandro

Construída enquanto ilha turística de Santa Catarina, um pedacinho da Europa e lar de uma açoraneidade, Florianópolis, é desvelada historicamente em Samba, caneta e pandeiro: cultura e cidadania no sul do Brasil através de fragmentos e marcas da presença de africanos e seus descentes. Suas experiências cotidianas, formações associativas, projetos de cidadania e manutenção cultural, são apreendidas frente a uma sociedade racializada e marcada pelos estigmas da escravidão, findada com o regime republicano, pautado nos ideais de progresso e civilização.

Em uma narrativa a contrapelo, menos do ponto de vista dos vencedores e mais pelo lócus das lutas, embates e disputas em torno de um cotidiano citadino, a historiadora Karla Leandro Rascke empreendeu esforços notórios numa pesquisa sobre agremiações organizadas por afrodescendentes na capital catarinente, entre os anos 1920 e 1950. O livro é oriundo da sua tese de doutorado que buscou investigar como diferentes associações de origem africana (clubes recreativos; blocos, cordões, ranchos e escolas de samba; grupos de cacumbi; irmandades religiosas; clubes de futebol; comunidades negras) empreenderam ações e articulações de solidariedade e sociabilidades. Leia Mais

História e visualidade no Brasil | Projeto História | 2021

O número 71 da Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História, da PUC/SP é dedicado as complexas relações entre a História e as visualidades no Brasil em diferentes períodos, regiões, grupos étnicos, registros e linguagens. Seguindo Michael Baxandall, interessou-nos uma história “historiadora” da arte, capaz de contemplar o contexto material de cada época, assim como as condições mentais, estéticas e culturais, atentos aos meios institucionais de produção e recepção das artes, em que as interfaces com o Estado e com públicos diversos fossem contemplados. As imagens e as obras de arte possibilitam um caminho de reflexão próprio que contribui para o estabelecimento de narrativas históricas plurais e diversas.

Abrimos o dossiê com o artigo de Elaine Dias e Natália Cristina de Aquino Gomes, intitulado O ateliê como autorretrato do artista: afirmação e tragédia nas artes e nos romances literários brasileiros, analisa as múltiplas facetas da representação do artista no ateliê em diferentes campos, como a arte, a literatura internacional e, ainda, a partir de exemplos brasileiros. Neste estudo, as autoras buscam explorar as intenções e diferenças que se podem verificar na composição dos artistas de suas imagens, mostrando como o local de trabalho dos artistas é também uma maneira de entender seu processo de criativo e modo como o local ocupado pelo artista na divisão social do trabalho é estabelecido. Leia Mais

História da Historiografia | Ouro Preto, v. 14, n. 35, 2021. (S)

Publicado em 2021-04-30 | v.14 n.35 (2001)

Expediente | Expediente

Editorial | Podemos discutir a avaliação aberta em uma disciplina conservadora?

Artigo original

Artigo de revisão

O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920 | Carlos Fernando de Quadros (R)

Bilros 10 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
O discurso de Lenin na fábrica Putilov em maio de 1917. Izaak Brodsky, 1929 | óleo sobre tela, Museu Histórico do Estado, Moscou. Reprodução: Hora do Povo |

SCOTT The common wind 25 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920Com “O horizonte vermelho. O impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul, 1917-1920” o historiador Frederico Bartz realiza importante contribuição a diferentes campos de investigação: a história do movimento operário, a história das ideias políticas, bem como a própria seara da história do Rio Grande do Sul. Não obstante, como o próprio autor atenta, o recorte regional deva ser matizado, pois, como o seu objeto impõe, há íntimas conexões entre a história gaúcha e a de outras regiões brasileiras e mesmo de paragens internacionais. Essa é uma distinção de cariz didático, pois um dos méritos do livro é justamente entender tais determinações em um todo articulado. Um momento histórico propício para isso é justamente a conjuntura estudada por Bartz, a do final dos anos 1910.

O momento era de intensas lutas sociais, com o protagonismo da classe operária nos centros urbanos, e de redefinições organizativas e ideológicas. Em tal processo, teve papel fundamental o impacto da Revolução Russa, vitoriosa em 1917. Esse impacto foi objeto de variadas expressões historiográficas, recenseadas por Bartz. É partindo de tal procedimento que seu estudo se distingue de uma divisão interpretativa dominante sobre o período, a qual ultrapassa o campo da produção historiográfica, remontando às próprias divisões políticas gestadas pouco após o processo em tela. Trata-se de duas leituras dicotômicas da adesão anarquista no Brasil ao exemplo russo: em suma, há quem creia que isso se deu por um “engano” dos militantes libertários de então, que desconheciam particularidades das medidas dos bolcheviques, cada vez mais opostas ao ideário ácrata; de outro lado, defende-se que a origem anarquista de parte relevante dos primeiros entusiastas da Revolução Russa se devia a debilidades organizativas do movimento operário de então. A adesão ao comunismo – que se gestou como ideologia no bojo da vitória de outubro –, especialmente com a fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), em 1922, foi uma modernização política do proletariado brasileiro, que teria alcançado “a verdadeira consciência de classe”. Frederico Bartz critica os limites que ambas as perspectivas acarretam: ao contrário de uma tendência atenta a fatos ocorridos “em outro lugar”, de outra que valoriza ocorridos futuros, “em outro tempo”, ele propõe explicar os impactos da Revolução Russa “[…] a partir das tradições que estes militantes tinham e das lutas que travavam no momento” (p. 30).

Contribui para essa mudança na compreensão do processo o esforço do autor em estudá-lo no espaço do Rio Grande do Sul. Para tanto, atentou especialmente a um corpo documental que compreende jornais e revistas (não apenas gaúchos), panfletos, processos-crime e correspondências. Referências bibliográficas as mais variadas, reforçando o argumento referente à articulação de diferentes espaços. Para além da destacada produção gaúcha referente ao movimento operário, o autor também se apropria de clássicos da historiografia nacional e estrangeira, evidenciando a complexidade do fenômeno.

“O horizonte vermelho” é dividido em seis capítulos, todos intitulados a partir de frases extraídas da documentação consultada. O primeiro, “O círculo que se expande indefinidamente”, trata-se de uma contextualização da Revolução Russa de referência aos processos por ventura aludidos pelos militantes gaúchos estudados. Uma leitura dispensável, portanto, aos leitores familiarizados com o tema.

Em “Hosanna, Hosanna, filha da justiça que vem para nós em nome da liberdade”, o autor estabelece as bases de sua intepretação em torno de uma tradição de militância como terreno no qual as imagens dos ocorridos no Leste podiam vicejar de diferentes formas. Para tanto, foi condição sine qua non apresentar a configuração do movimento operário gaúcho a partir de suas organizações e órgãos de imprensa estabelecidos em 1917, remontando ao período de Proclamação da República. A rivalidade entre socialistas e anarquistas tem destaque aqui, especialmente no que toca às disputas em torno da Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS), sem deixar de discutir centros gaúchos importantes para além da capital. São levantadas as primeiras referências à Revolução Russa no espaço gaúcho e interpretadas a partir das diferenças entre mencioná-las em um comício ou em um texto de intervenção em um jornal, por exemplo. Bartz não omite o caráter indiciário das fontes em discussão, que explora seja na forma de sua circulação, seja no que há de revelador na linguagem e terminologias utilizadas. Expõe, assim, as divergências e similitudes nas primeiras apropriações da Revolução Russa pela militância gaúcha no ardente momento da greve de 1917.

No terceiro capítulo, “A humanidade é um turbilhão e o mundo um crepitar de chamas”, partindo de um maior manancial de documentos, o historiador atenta a um processo de efervescência de lutas operárias no Sul, o que conforma novas leituras do referencial russo. Fundamentalmente, o que ocorria na Rússia era tomado pelos militantes estudados enquanto uma manifestação da revolução mundial da qual os ocorridos gaúchos também eram parte. No exemplo russo, portanto, mais do que uma expectativa, havia uma marcha concreta em expansão, o que é demonstrado pelas publicações de notícias de outros episódios estrangeiros na imprensa estudada (Hungria e Alemanha). Ainda na toada de enfocar as manifestações jornalísticas, o autor relaciona as respostas da militância à apreciação da imprensa burguesa em torno da Revolução Russa. Denunciavam os interesses de classes de veículos como o Correio do Povo. Era uma denúncia que implicava na continuada defesa da experiência russa a partir de argumentos que visavam também legitimar o seu próprio projeto de revolução. Não era apenas o referido cariz burguês que era acusado, mas também as bases do noticiário, como “boatos infundados” e “fontes duvidosas” (p. 121). Por fim, Bartz se dedica à análise dos textos que expressam a “necessidade de analisar a nova situação” (p. 125), escritos que identifica como de opinião editorial, distintos pelo seu caráter “mais doutrinário e teórico do que propriamente informativo” (p. 126). É meritória a explicitação sutil e direta dos critérios de escolha do corpus inquirido. Identifica-se aí uma variedade de impressões, com predomínio das “[…] que ligaram a revolução às lutas políticas e econômicas dos trabalhadores organizados” (p. 136). Resulta-se da análise exposta uma demonstração da fraqueza de uma das hipóteses correntes sobre o fenômeno estudado (o apoio dos anarquistas brasileiros à Revolução Russa como fruto de equívoco).

Um momento destacável em “O horizonte vermelho” encontra-se no quarto capítulo, “Parecerá absurdo que um libertário que tem por lema a paz exclame: Salve a Revolução!”. A exposição aqui adquire caráter distinto, iluminando elementos já abordados, com a aproximação biográfica de militantes com diferentes inserções no processo. A variedade de apropriações que trazem da Revolução Russa é um elemento relevante à compreensão da pluralidade própria à experiência operária no período analisado e no Rio Grande do Sul: “[…] a aproximação com os ideais da revolução foi um processo diferente para diferentes sujeitos, que tinham histórias e tradições diversas” (p. 175). É assim que Bartz se volta para as figuras de Friedrich Kniestedt, Zenon de Almeida, Abílio de Nequete e Carlos Cavaco, sendo eles dois anarquistas, um livre-pensador e um socialista, respectivamente. Foram variadas as suas experiências militantes, para além de questões próprias às trajetórias de vida em geral, fato notório na importante apropriação étnica de Almeida e Nequete. Também foram diversificadas as formas com que travaram contato com as notícias da Revolução Russa e como as ressignificaram de acordo com a sua atuação e inserção política, configurando distintos caminhos no complexo processo que se desenrolava.

Em “A vossa fraqueza é filha da vossa divisão – uni-vos pois! E não haverá força alguma que possa vos enfrentar”, é observada a peculiaridade dos primeiros grupos comunistas gaúchos, a sua inserção no movimento operário local, bem como a sua relação com as organizações assemelhadas do centro do país – o que, por si só, implicou em se concentrar na rede de difusão de informações entre diferentes regiões, objeto histórico importante. Também se avalia como esses grupos participam em um novo tipo de ação política, indício das transformações de vulto em processo. No que toca às particularidades sul-riograndenses, o autor lembra que as associações operárias de cariz comunista surgem mais rapidamente em relação a outras regiões do Brasil, sendo este “o aspecto mais visível do impacto da Revolução Russa”. Bartz retoma experiências efêmeras citadas antes em seu livro, tendo em vista a devida fidelidade factual. Sua atenção às organizações de tipo novo reside no quanto elas expressam alterações em objetivos programáticos, bem em sua inserção nas lutas concretas do período. A variedade regional dos grupos comunistas originais demandou à pesquisa uma atenção dividida entre diferentes centros gaúchos. A relação dos primeiros comunistas do Rio Grande do Sul com seus congêneres de São Paulo e Rio de Janeiro é exposta a partir da narrativa de um episódio pouco lembrado pela historiografia brasileira como um todo: a insurreição de 1919. A experiência, de caráter revolucionário, é abordada especialmente no que toca os novos elementos nela atuantes, como o novo tipo de laços políticos que se estabeleciam e as novas leituras com que militantes como Abílio de Nequete travavam contato.

O último capítulo da obra tem por título “Não se pode descrever o que se passou na cabeça de boa parte de nossos velhos amigos – num piscar de olhos tornaram-se nossos inimigos”. Ele versa sobre um aspecto fundamental do objeto: o refluxo do movimento operário após o agitado triênio inaugurado em 1917 e a crise interna no bojo desse refluxo, manifesta pela radical cisão entre anarquistas e bolchevistas. A recepção do processo russo e de suas notícias estava no centro do conflito. No caso gaúcho, demonstra Bartz, é precoce o imbróglio, sendo “[…] provavelmente um dos primeiros estremecimentos do movimento operário brasileiro causados por este motivo” (pp. 226-227). Um processo mais complexo, contudo, do que as aparências podem sugerir. O autor contempla as experiências e tradições de classe locais, escapando de armadilhas próprias às memórias dos envolvidos, as quais discute com o devido cuidado analítico (pp. 238-239). Outro aspecto fundamental do momento de refluxo das atividades do movimento operário é identificado pelo historiador no esforço repressivo em curso especialmente a partir de 1919. Isso é comprovado por documentos policiais e noticiário da grande imprensa, nos quais localiza o empenho em não apenas desmerecer a experiência russa, mas especialmente criminalizar as associações operárias, que se manifestavam em um crescendo, tanto no vulto de suas atividades quanto na radicalização de sua linguagem. Por fim, apresenta-se o estudo das disputas internas do movimento operário gaúcho a partir das lutas desenvolvidas no seio das organizações locais, processo que o autor interpreta a partir da hipótese das sequelas da repressão há pouco citada, bem como das discordâncias em torno da atuação nas instâncias internas a esses trabalhadores. Essa explicação – não resta dúvida – reforça a constante matização de outras que atribuem as cizânias entre anarquistas e os recém constituídos comunistas apenas aos debates internacionais.

É relevante a leitura de “O horizonte vermelho” para todas e todos que se interessem não só pela história do movimento operário, mas também pela história política e das ideias no período abordado. O autor soube reutilizar em diferentes momentos de seu estudo as mesmas fontes, o que em nada tornou maçante a sua narrativa, pois interrogava-as de acordo com diferentes aspectos do complexo processo investigado, conseguindo, portanto, extrair distintas informações de um mesmo documento ao sabor da determinação à qual atenta. Elabora-se, assim, uma relevante explicação em torno de um momento decisivo na conformação de um importante ator da cena histórica brasileira que se desenvolvia.

Carlos Quadros – Doutorando em História Econômica e Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor Substituto do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), Campus Itaquaquecetuba. E-mail: carlosfquadros@gmail.com.


BARTZ, Frederico. O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul, 1917-1920. Porto Alegre: Sulina, 2017. 319 p. Resenha de: QUADROS Carlos Fernando de. Um capítulo na história da esquerda brasileira: o impacto da Revolução Russa no Movimento Operário Gaúcho. Projeto História. São Paulo, v.70, p.340-345, jan. / abr. 2021. Acessar publicação original [IF].

Escritas do Tempo. [Marabá], v. 3, n.7, 2021.

Dossiê – Amazônia, Fronteiras e Diversidades

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Publicado: 2021-04-30

Gordos, magros e obesos: uma história do peso no Brasil | Denize Bernuzzi de Sant’Anna (R)

SANTANA Denize 2 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
Denise Bernuzzi de Sant’Anna | Foto: Editora Contexto |

SANTANA D Gordos magros e obesos1 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920Sobre o corpo delineamos nossas identidades e, com ele, perfazemos as nossas vivências. Experimentamos nossas relações socioculturais com a pele e com todas as nossas marcas sensoriais: cheiramos, ouvimos, degustamos, tocamos e percebemos o mundo em suas multiplicidades com a história de nosso corpo, pelo o qual transparecemo-nos, também, por meio da arte, desde tatuagens e piercings a performances e marcas discursivas. Com o corpo, apresentamo-nos à vida. Porém, se aquilo que transmitimos com nossa imagem destoa do que é vigente, do que é a ‘voga’ de um tempo, vemos nossas identidades em xeque.

Nos aeroportos, nos parques, nas estações de trem e ônibus, pessoas que não se enquadram nos moldes – tracejados pelos cartazes, outdoors, variadas propagandas contemporâneas, embalagens e invólucros dos atuais espaços públicos – sentem-se fora de seu lugar: do obeso que, para se sentar em uma fileira num cinema ou num assento de ônibus coletivo, ouve as agressões e piadas sobre o seu tamanho, às magérrimas meninas, que são impulsionadas a seguir sempre magérrimas para serem aceitas em seus grupos sociais. As cidades do século XXI criam seus espaços de exclusão rotineiramente por meio de símbolos: semideuses personificados em roupas de marcas, ícones da perfeição estética que ditam os padrões de beleza e alimentos que são in [1] criam os cenários de estigmas sociais.

Como o gordo se sente nesse meio? Qual é a história da obesidade neste país? Que instrumentos a indústria alimentícia (com a força da indústria cultural da propaganda de massa) lança mão a seu favor? Não seriam antagônicas e incoerentes as imagens midiáticas que se proliferam no cotidiano das cidades, em relação aos corpos das pessoas? Do outro lado dos problemas relativos à obesidade, como a anorexia e a bulimia estão transformando mulheres, em especial jovens, em face ao estado de temor de serem percebidas como gordas?

Perguntas como essas são levantadas no livro de Denise Bernuzzi de Sant’Anna, Gordos, Magros e Obesos: uma história do peso no Brasil, publicado pela Estação Liberdade (2016, 184 p.). Professora e emérita pesquisadora livre-docente de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Denise B. de Sant’Anna, há alguns anos, dedica-se às pesquisas sobre a história do corpo, da higiene e das relações entre o corpo e subjetividade, destacando-se por seus artigos publicados nos mais acessados periódicos, além de suas organizações de livros históricos e sociológicos que trazem tais temáticas à vista da comunidade acadêmica.

Já na apresentação, a autora joga-nos em um acontecimento, no mínimo, ambíguo da vida na Corte: numa quermesse que se deu no Cassino Fluminense em 1886, a família imperial promovera uma festa que duraria dias, com toda a fartura de alimentos e com o intuito de arrecadar fundos para os mais desamparados e famintos da sociedade carioca. Regada de ceias gordurosas, vinhos e todas as formas de quitutes, os nobres e a realeza se fartaram no banquete, num desfile de seus corpos opulentos e vantajosos: “Os Orleans, Bourbons e Braganças ainda podiam sentir orgulho por serem pesados” (SANT’ANNA, 2016, p. 12). Era uma cultura alimentar do peso que se refletia como poder: no século XIX e no começo do século XX, a correlação entre o excesso ou baixo peso e a distinção de classe social era nítida.

No primeiro capítulo, intitulado Triunfo da gordura e medo da penúria, vale destacar a notável pesquisa história da autora, buscando em fontes de jornais e revistas da época, como O Paiz, Fon-Fon, Careta, etc., material relevante para o entendimento das representações que o corpo de magros e obesos adquiriram com o decorrer do século XX (valendo-se das propagandas, charges, poemas, paródias e notícias). De um lado, o corpo gordo, algumas vezes, era representado pela imagem do animal para abate (o gordo era o ‘boi’, ‘o porco’, ‘o leitão’), por outras vezes, como elementos geométricos de circunferência ampla (eram os ‘homens-balões’ e as mademoiselles Zeppelin, ou senhoritas Zepellin); por outro lado, até meados do século XX, a imagem do homem gordo ainda resistia como símbolo da riqueza e ostentação. Entre as imagens circenses, cômicas e inusitadas do corpo de homens gordos e mulheres obesas, Sant’Anna (ibid., p. 24-25) aponta o fardo social que se representava nesse período histórico: o tamanho corporal como uma ranhura nas identidades de pessoas, que culminaria no crescimento da epidemia da obesidade no final do século XX e começo do século XXI.

Dos campeonatos de comida às mudanças do uso das palavras como ‘guloseima’, ‘gulodice’ e o aparecimento da palavra ‘gastronomia’ no vocabulário das cidades, o peso corporal, durante anos, demarcou as identidades sociais e de classe no país. De um lado, o gordo corpulento que possuía as economias para se abastecer, enchendo as prateleiras de seu “corpo-armazém” (ibid., p. 39); de outro, a figura do magricela, muito bem representada pela personagem Jeca Tatu de Monteiro Lobato, era percebida como a imagem do insalubre e sem prosperidade, alvo das propagandas inescrupulosas de elixires e xaropes messiânicos: como o remédio Sargol que “era possível encher o corpo e ganhar entre cinco e sete quilos de ‘carne sólida e permanente'” (ibid., p. 35). Válido ainda notar o trabalho investigativo de Sant’Anna sobre as ofensas direcionadas às pessoas magras deste período, além da crítica ao modo como se subjugavam as mulheres à função de reprodutora da família (ibid., p. 50), que eram válidas pelas suas ‘ancas’ bem torneadas.

Ao final desse capítulo, a autora retrata a imagem da ‘criança robusta’, divisora de águas da relação entre o gordo e o magro no imaginário cultural que havia se consolidado inclusive no cinema (o famoso filme O gordo e o magro, em inglês, The Lucky Dog, de 1921). Denise B. de Sant’Anna analisa também as imagens de bebês que deixaram “à margem da história e à sombra do sucesso os bebês e crianças julgados magricelas, assim como as mães que ignoravam as leis básicas da boa nutrição” (ibid. p. 59-60). De fato, os magros eram enxotados da representação de uma nação cuja imagem corporal era um desejado espelho da ‘robustez’.

Porém, com o avanço da industrialização no país, a percepção da imagem sobre o gordo será reinterpretada e redesenhada [2]. No segundo capítulo, Vergonha de ser gordo, a imagem do homem obeso é dada como descartável, inapta ao momento histórico em que o corpo (agora o ‘corpo-termodinâmico’, ‘corpo-máquina'[3]) se tornaria sinônimo de energia a ser bem empregada no progresso e na produtividade, especialmente, no dispêndio de forças e energias nas fábricas.

Após 1930, o corpo agora tinha à sua frente a figura do sportman, i.e., o homem esportista, saudável, aquele que seria esculturalmente preparado para os desafios da sociedade. O ‘corpo-armazém’ começava a ser questionado face aos perigos dos excessos do peso: o obeso se tornava um fardo estético e social. Surgem nos jornais os regimes e cardápios para emagrecer e a balança se tornaria o fantasma de muitos que destoavam da imagem sugerida pelas propagandas da época (ibid., p. 77).

A representatividade da ‘barriga’ dos brasileiros que a professora traz é considerável. Até a metade do século XX, ter uma barriga avantajada condicionava valores sociais, políticos e afetivos: relacionava-se com o status quo na figura de políticos; como a imagem do bem-sucedido; como o símbolo de um casamento feliz, em que o lar era bem abastado e abastecido; e como chamariz da economia local, representada pelos restaurantes que indicavam que ali se comia até “ter que abrir o cinto” (ibid. pp. 87-89).

Se de um lado, o grande peso corporal masculino foi mais resistente no século XX, a imagem corporal feminina tendeu a se transformar: é a passagem da imagem da ‘matrona’ do começo do século XX à delgada senhora do lar, aquela que não perde a graça da formosura do corpo esbelto, mesmo sendo relegada ao espaço privado e à reprodução da família. Tem-se, portanto, uma nova relação entre o corpo e a estética: é a explosão, nesse cenário, das cirurgias plásticas nas barrigas de mulheres que tiveram filhos, o aparecimento da lipoaspiração e a crescente exploração da imagem feminina para a criação de um padrão de beleza que só se consolidaria por meio das inúmeras dietas ofertas semanal ou diariamente em magazines, as revistas voltadas para as donas de casa da época.

É sobre isso que, no terceiro capítulo do livro, Do sonho da fartura à realidade das dietas, Denise B. Sant’Anna discorre. A primeira problemática se dá com relação às propagandas vinculadas à alimentação na metade do século XX: o american way of life (estilo de vida americano, estadunidense) cresce, consideravelmente, na sociedade brasileira, com a promoção de alimentos industrializados e uma variedade cada vez mais inovadora de aparelhos técnicos e eletrodomésticos voltados para o ambiente da cozinha de uma casa. Se se mudava, dia após dia, a estética da casa, principalmente, da arquitetura das cozinhas, a nova dona do lar também deveria se transformar, conservando a beleza estética e a elegância de uma mulher magra, como as propagandas em revistas dos anos 50 e 60.

O Brasil assistiu à ascensão das lanchonetes, nos anos de 1970 e 1980, e, com ela, a adaptação da alimentação de sua população, em especial, nos grandes centros urbanos. Um novo nicho mercadológico surge, o da alimentação das crianças: as pequenas bolsas de couro, que eram as lancheiras e merendeiras das crianças, darão lugar às de plástico e adesivadas com personagens do imaginário infantil, com garrafas térmicas e divisórias internas. Público-alvo de um mercado em expansão, as crianças tiveram sua alimentação redirecionada e recondicionada.

Ao lado dessa indústria de propaganda, o corpo feminino também era repensado: a moda excluirá os que não tinham o peso ideal, as farmácias passam a vender inúmeros produtos para o extermínio das celulites e remédios para emagrecimento, a comida diet e light (livre de açúcares e de baixa gordura) entrarão no jogo da luta contra o corpo obeso temido, e as revistas masculinas (como uma das mais conhecidas, a Playboy) celebravam, semanalmente, a estética da beleza corporal feminina a ser seguida. É a ambivalência da passagem histórica do corpo magro, antes execrado, agora o modelo idealizado de perfeição: “‘A magra de ruim’ aproximou-se da imagem dos bons hábitos alimentares. Também no universo erótico, a mulher emagreceu” (ibid. p. 120).

No quarto capítulo, Entre liberdades e patologias, as questões serão direcionadas à saúde do corpo: da obesidade, que é um fator crescente, verificado por dados e estatísticas na população brasileira, desde o final do século XX e começo do XXI, à presença dos corpos anoréxicos e do aumento da bulimia entre jovens.

Um número sem fim de dietas e remédios, a psicose da ‘lipofobia’ (o medo da gordura, de ser ou estar gordo), a preocupação com o meio ambiente e a alimentação, o mercado de inibidores de apetite, os adoçantes, as mudanças conceituais da nutrição (‘sobrepeso’, ‘obesidade mórbida’, ‘obesidade em graus’, etc.), a cirurgia bariátrica e os programas televisivos atuais[4] formam um cenário de temor ao peso, que estigmatiza aqueles que sofrem com a obesidade e cria um espetáculo do terror em jovens (em sua maioria, as mulheres), que se veem levadas a mudanças drásticas em sua alimentação, tornando-se anoréxicas ou sob o distúrbio da bulimia[5].

Emblemático, dualista, ambíguo: o corpo contemporâneo está no limiar de uma guerra simbólica. De um lado, o cortejo por uma sociedade mais ativa na saúde surge como uma saída para a luta contra o mal-estar com o corpo, por meio das inúmeras campanhas que apontam a necessidade de se exercitar continuamente, fazer caminhadas, corridas pelas cidades, passeios ciclísticos, além da ascensão das academias de ginástica e dos seus personal trainers (símbolos de profissionais que encenam uma perfeição estética a ser atingida). Do outro lado, encontram-se as explosões de lanchonetes, praças de alimentação [6] repletas de fast-foods [7], alinhadas ao encarecimento da alimentação saudável e ao tempo escasso para a massa populacional poder se cuidar. Com isso, vemos que a obesidade atinge proporções epidêmicas, principalmente, hoje, entre as famílias mais carentes, cujo acesso à alimentação fitness (saudável, natural, livre de gorduras e açúcares) é uma miragem.

Alimentar é, também, um espetáculo midiático. Sant’Anna apresenta, ao final, uma discussão sobre o aumento de programas televisivos de culinário, varandas gourmet e Food Trucks (carros que oferecem comidas rápidas, como hambúrgueres, lanches, bebidas alcóolicas, etc.), que oferecem mais do que o alimento: privilegiam a “experiência da alimentação” (ibid. p. 122), obviamente, a um preço mais ‘calórico’ do que em ambientes e restaurantes mais populares. Surge o ‘coaching alimentar’, que, mais do que o nutricionista, é símbolo do fetiche e da incapacidade de bem-estar autônomo com o corpo.

Do século XIX ao XXI, a passagem histórica sobre o corpo dos brasileiros é o sinal das transformações comportamentais e da cultura alimentar de um povo. Em O peso da história, último capítulo do livro, encontramos uma síntese da pesquisa histórico-discursiva da autora: as representações sobre o gordo e o magro, a mudança nos hábitos e na cultura alimentar brasileira, além da problemática da crescente obesidade nacional e os distúrbios da bulimia e anorexia.

De fato, os corpos de obesos, assim como o corpo marcado pela anorexia e bulimia, são representativos de um cenário de estigmatização. Diferentes, fora do padrão, alienados, espaçosos, desproporcionais e estranhos, tais pessoas convivem, cotidianamente, com os olhares maliciosos e preconceituosos.

A obesidade é uma distinção corporal que traz cenas repetidas de exclusão nas relações sociais, tanto na família, na escola, nas relações trabalhistas, na vida afetiva e sexual. O corpo obeso é percebido como corpo em negação, corpo estranho, sujeito à segregação e estigmas sociais: corpo transgressor, pois viola as regras de uma, dita, correta, boa e certa alimentação; que vive em eterno descontrole dos desejos, numa ansiedade constante, já que “o obeso (seu corpo o trai) passa por alguém que come mais do que os outros, mais do que o normal, numa palavra: mais do que sua parte” (FISCHLER, 1995, p. 74).

Assim, com Denise B. de Sant’Anna, aprendemos que o corpo é terreno de lutas simbólicas, com discursivas batalhas que encenam as representações em torno do que é o poder, o sucesso e a felicidade na sociedade. De fato, o livro Gordos, magros e obesos: uma história do peso no Brasil é uma obra referencial e que traz um estudo de significante valor e pauta para as discussões nas cadeiras das ciências humanas e sociais que voltam-se para as pesquisas das relações entre ‘corpo’, ‘história’ e ‘gênero’.

1. Em outras palavras, alimentos, roupas e acessórios que são aceitos socialmente; vale apontar que aqueles não os conhecem estarão out, fora dos padrões da, dita, normalidade.

2. Georges Vigarello (2012, p.10) assim sintetiza sobre a passagem da imagem do corpo gordo como símbolo de riqueza e poder para o de problemático: “(…) Prestígio e modelo mudaram: as antigas tabelas de alimentos empilhados desaparecem, o acúmulo alimentar já não é sinal de força, mas sim de descuido ou grosseria. A história do gordo está ligada a essas reviravoltas. O desenvolvimento das sociedades ocidentais promove o afinamento do corpo, a vigilância cerrada da silhueta, a rejeição do peso de maneira mais alarmada. O que transforma o registro da gordura, denegrindo-a, aumentando o seu descrédito e privilegiando insensivelmente a leveza. A amplitude do volume afasta-se cada vez mais do refinamento, enquanto a beleza se aproxima mais e mais do que é magro, esguio”.

3. O estudo de Denise Bernuzzi sobre essa passagem histórica da representação do corpo está inserido em “Corpo e História” (In: SANT’ANNA, 1995).

4. Por exemplo, ‘The Biggest Loser‘ (‘O Grande Perdedor’) e ‘Quilos Mortais, ambos transmitidos no Brasil pelo canal Discovery Home & Health.

5. Os casos apresentados por Sant’Anna (ibid.p. 147-148) retratam as mortes de duas modelos, Isabelle Caro, francesa, 28 anos, e Ana Carolina Reston, brasileira, 21 anos, ambas vítimas da anorexia.

6. Nos espaços de alimentação como praças, em shopping centers, perdemos nossa capacidade de se relacionar cultural, geográfica e sazonalmente com a comida.

7. Sobre a indústria do fast-food, o filme “A dieta do palhaço” (2004) apresenta uma experiência que retrata a precarização nutricional dos alimentos ricos em gordura, sódio e carboidratos. Fast-food é alimentação rápida, com alto teor calórico e de açúcares. Também é denominada de junkie-food, i.e., uma ‘comida lixo’.

FISCHLER C. Obeso Benigno, Obeso Maligno. In: SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de (org.). Políticas do Corpo. São Paulo: Liberdade, 1995. p. 69-82.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpo e história. Cadernos de subjetividade. Núcleo de estudo e pesquisa da subetividade – Programa de estudo de Pós-graduação em Psicologia Clínica – PUC/SP, 1995 (2), p. 243-266.

SUPER size me – A dieta do Palhaço. Direção de Morgan Spurlock. EUA: The Con, 2004. 1 DVD (98 min.)

VIGARELLO, G. As metamorfoses do gordo: história da obesidade. Petrópolis: Vozes, 2012

Renato Marcelo Resgala Júnior – Graduado em Letras pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Santa Marcelina em Muriaé-MG; Mestre em Letras pelo PROMEL: Teoria Literária e Crítica da Cultura, na Universidade Federal de São João Del Rei-MG; Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Estadual do Norte Fluminense – Darcy Ribeiro (UENF), em Campos dos Goytacazes -Rio de Janeiro. Membro do ATEGEN – Ateliê de Gênero do Centro de Ciências do Homem (CCH- UENF). Bolsista CAPES-Cnpq. E-mail: renatoresgalajr@gmail.com


SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Gordos, magros e obesos: uma história do peso no Brasil. 1. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2016. 184p. Resenha de: RESGALA JR Renato Marcelo. À mesa fata, a fome e a gula: corpos brasileiros e sua história, por Denise B. de Sant’Anna. Projeto História. São Paulo, v.70, p.346-354, jan. / abr. 2021. Acessar publicação original [IF].

História e Fotografia – modos de ver e contemporaneidades | Projeto História | 2021 (D)

Projeto Historia Historia e fotografia1 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920

O caráter fluido da imagem fotográfica e a escrita da História são o tema deste dossiê. As interfaces históricas com a imagem técnica estática, analógica e/ou digital, são apresentadas em oito reflexões que emolduram discussões sobre as realidades e ficções erigidas a partir de recortes bidimensionais do mundo. Gestados em diferentes partes do Brasil, os artigos que seguem são um convite ao debate sobre modos de ver e regimes de visibilidade plurais.

A acuidade das histórias das imagens, de suas inscrições seminais, não compete a um consenso. Interessa-nos a partilha à Agamben sobre a contemporaneidade e o que nos cerca, nos aproxima, nos afasta. Interessa-nos o Kairós dos contos das imagens e seu tempo antagônico àquele de Cronos, a fim de evitar a nostálgica simbólica dos tempos idos e perceber o tempos vividos e não vividos por nós, suas agitações tempestuosas que incomodam e nos espaçam de uma noção de tempo peremptória.

A despeito de quase 200 anos de sua “descoberta”, a fotografia continua a despertar interesse e fascínio. Lançar luz sobre leituras imagéticas interseccionais, pois, se faz atual e urgente, especialmente diante da ascensão do seu alcance decorrente do ampliado acesso às mídias eletrônicas a um toque de distância, com a expansão de conexões sensíveis que ultrapassam mesmo a lógica dos hyperlinks e impactam nossos corpos.

Inicialmente, Boris Kossoy, pesquisador que figura entre os mais citados para pensar a fotografia no Brasil (Azoubel, 2019), problematiza a trama das representações fotográficas, suas realidades e ficções. Em “Fotografia e História”, ele examina de que forma a fotografia digital exacerba o potencial ficcional e estético das imagens e nos faz avançar sobre as reflexões que têm alicerçado investigações sobre o tema há mais de duas décadas.

Partindo dos “tipos” e “paisagens” contidos nos cartões-postais da coleção do cartofilista Augusto Oliveira, Cibele Barbosa reflete sobre um regime de visualidade marcadamente influenciado pela reprodutibilidade técnica da imagem. Em “De orientes e áfricas: visualidades coloniais nas imagens” ela sopesa tais registros para analisar o culto ao exótico e os olhares transnacionais sobre o “outro”.

Igualmente basilar para o estudo das imagens técnicas, a multitemática Lucia Santaella nos brinda com a discussão acerca dos registros gerados e/ou modificados com uso da tecnologia digital. Tratam-se, diz ela, de argumentos sobre as “incertezas conceituais acerca das categorias ontológicas e semióticas da fotografia” que decorrem de sua natureza metamórfica observada à luz da noção de “aparelho”, de Vilém Flusser.

Esse teórico é, aliás, a ponte para pensar o inconcebível na imagem de Joe Heydecker. Diogo Andrade Bornhausen apoia-se em escritos flusserianos ainda inéditos para tratar da fotografia como meio para uma crítica à imaginação banalizada por meio da problematização do fotodocumentário sobre as condições vividas pelo povo judeu no Gueto de Varsóvia (1941) como via para entendimento da realidade.

Rodrigo Leistner e Sílvia Mateus, por sua vez, ponderam sobre redes sociais, história e memória afrorreligiosa no que consideram híbrido de álbum fotográfico e diário: o Facebook. Ele e ela questionam como aquela comunidade faz uso dessa tecnologia para divulgação cultural de religiões de matriz africana no Rio Grande do Sul a partir de uma vídeo montagem de várias fotografias antigas.

Na esteira da constituição da memória, Francisco Alves Gomes, José Victor Dornelles Mattioni e Maria Conceição de Sant’Ana Barros Escobar nos estimulam a refletir sobre a trajetória das fantasmagorias do passado no acervo da família Fortunato, constituído entre os anos de 1920 a 1990, suas fotografias, santinhos e recortes de jornais descartados, de São Paulo à Roraima.

Seguindo para Londrina, o Paulo César Boni compartilha entusiasmado relato sobre a história da cidade fotodocumentada de 2001 a 2020. O amor pelos espaços urbano e rural por meio de micro-histórias visuais plurais é arrazoado a partir das transformações paisagísticas eternizadas nos registros de projeto original desenvolvido pelo Curso de Especialização em Fotografia da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

Finalmente, os contornos entre Arte e Imaginário são debatidos sob a égide das influências renascentistas sobre a fotografia jornalística contemporânea e a partir do pensamento da pensadora Susan Sontag. Em “Fotojornalismo: entre a História, a Arte e o documental”, Vinicius Guedes Pereira de Souza e Maria Eugênia Sá Martin da Natividade discorrem sobre como registros de crises nacionais e internacionais são inspirados e/ou derivados de obras clássicas que habitam o imaginário coletivo. Eis um menu de encher os olhos e provocar a mente, não?!

Na seção de artigos livres, encontram-se elencados quatro textos que versam sobre racismo e esporte, na pesquisa que aborda a Liga de Futebol que homenageia José do Patrocínio, de autoria de Christian Ferreira Mackedanz, Daniel Vidinha da Silva, Luiz Carlos Rigo. Nesse texto, a importância daquela liga é abordada no momento pós-abolicionista na cidade sul rio-grandense para os operários e negros de baixa rende em face ao elitismo local a partir da comunicação como objeto de pesquisa, por meio de jornais e periódicos.

Em seguida, Nelson Tomelin Jr. e Maria do Rosário da Cunha Peixoto escrevem sobre a cidade amazônica de Coari e o impacto resultante dos mutirões que pleiteavam moradia própria, advindos do campesinato em busca de solo firme, evitando os estragos das enchentes dos rios. Em “É Uma Comunidade. É Uma Coisa Comum”, os testemunhos orais e as memórias traduzem os modos de viver e ser desses trabalhadores.

Ainda sob a ótica da memória enquanto ethos, Marcella Gomez Pereira, Felipe Eduardo Ferreira Marta e Edson Silva de Farias lançam luz à formação de movimentos sociais e à reforma agrária na parte sul da Bahia: suas relações com as técnicas agroecológicas durante os processos de ocupação, bem como o papel da educação como ferramenta de transformação em contextos de conflitos de terras.

“E isto atéqui tive que vos escrever por vosso avisamento”, quarto e último artigo da seção, é assinado por Jerry Santos Guimarães e Marcello Moreira e versa sobre a análise do segundo cronista-mor da corte portuguesa, Gomes Eanes de Zurara, no período medieval.

Duas resenhas encerram este volume da Projeto História. Na primeira delas, “Um capítulo na história da esquerda brasileira”, o livro “O horizonte vermelho” é abordado. Publicado pela Editora Sulina, em 2017, e assinado por Frederico Bartz, o texto é enfocado por Carlos Quadros. Na sequência, a análise de “Gordos, magros e obesos”, de Denise Bernuzzi de Sant´Anna, publicado pela editora Estação Liberdade, em 2016, por Renato Marcelo Resgala Júnior em “À mesa farta, a fome e a gula”.

Desejamos que você, cara leitora/leitor, aprecie a leitura deste conjunto de ideias.

Até breve,

Estefania Knotz Canguçu Fraga (PUC-SP)

Maria Thereza Soares (IEMA/ UERJ)

Diogo Azoubel (Seduc-MA/PUC-SP)


SOARES, Maria Thereza; AZOUBEL, Diogo. Apresentação. Projeto História. São Paulo, v.70, p.3-6, jan. / abr. 2021. Acessar publicação original [IF]

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Amazônia, fronteiras e diversidades | Escritas do Tempo | 2021

Quais ventos são esses que trazem esse dossiê sobre a Amazônia na Revista Escritas do Tempo? São ventos que sopram o vigor e o frescor da produção do conhecimento histórico produzido nos programas de pós-graduação em História espalhados pela região amazônica! Sem dúvida este número da revista que apresentamos amplia um processo iniciado há algumas décadas atrás com a criação de programas de mestrado e depois de doutorado na UFPA e UFAM.

Hoje os programas de pós-graduação em História estão em inúmeras universidades públicas do outrora chamado Vale Amazônico, como é o caso da UNIFAP, da UNIFESSPA e da UFMA (que integra a região de abrangência da Amazônia Legal). O processo em questão impacta, de maneira decisiva, num conhecimento histórico sobre o passado amazônico que está a todo o momento sendo debatido e revisto, conectando experiências dos diversos centros produtores do saber histórico. Por essa razão esse dossiê celebra exatamente esse momento vivido por todos nós. Leia Mais

Patrimônios difíceis e ensino de História: uma complexa interação | Revista História Hoje | 2021 (D)

Campo de Concentracao PATU CE1 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920

Patrimônios difíceis e ensino de História: uma complexa interação Difficult Heritage and History Teaching: A Complex Interaction Cristina Meneguello* Daniela Pistorello** Os patrimônios difíceis – também conhecidos como patrimônios sombrios, dissonantes, marginais ou da dor – remetem a locais associados ao sofrimento, à exceção, encarceramento, segregação, punição e morte (LOGAN e REEVES, 2009).

Tais patrimônios podem reunir a função de memorial ou de local de peregrinação com a finalidade de rememoração coletiva e de reconhecimento de direitos e de reparação. Na forma de memoriais espontâneos, monumentos oficiais ou museus memoriais, esses lugares que se referem ao “passado que não passa” adquirem uma função de educação pública ou revitalização urbana (MENEGUELLO, 2014 e 2020). Tais patrimônios associam-se, ainda, à definição de dark tourism (ou turismo sombrio, FOLEY e LENNON, 1996): mais de um milhão de pessoas visita, anualmente, os campos de concentração nazistas; 200 mil pessoas por ano visitam a casa de Anne Frank em Amsterdam, Holanda. Ainda, os bens materiais e as memórias a eles associadas, quando não fazem parte da celebração tradicional do patrimônio nacional, podem ser considerados como patrimônios difíceis. Leia Mais

Ars. São Paulo, v.19, n.41, 2021.

EDITORIAL

  • Editorial
  • Cláudio Mubarac, Dária Jaremtchuk, Dora Longo Bahia, Liliane Benetti, Sônia Salzstein
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ENSAIOS VISUAIS

ARTIGOS

TRADUÇÕES

DIÁLOGOS COM A GRADUAÇÃO

PUBLICADO: 2021-04-30

Pacientes que curam: o cotidiano de uma médica do SUS | Júlia Rocha (R)

Bilros 4 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
Júlia Rocha | Imagem: Canal Júlia Rocha |

Critica Historiografica capas 9 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920Está expresso na constituição brasileira, conhecida como constituição cidadã, promulgada em 1988, que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” [2]. Entretanto, para que a saúde se tornasse direito de todos e dever do Estado houve um longo processo de reformas e lutas políticas e sociais. O Sistema Único de Saúde (SUS) é o coroamento desse processo, já que a saúde como um direito da população pode ser acessada por meio dele um sistema que se pretende “público, universal e descentralizado” (PAIVA & TEIXEIRA, 2014). Fortalecê-lo, portanto, é assegurar que brasileiros e brasileiras possam exercer plenamente a sua cidadania.

O livro “Pacientes que Curam: O cotidiano de uma médica do SUS”, não narra uma experiência ou um ambiente exclusivamente de assistência hospitalar – como o título pode sugerir. Em vez disso, nos apresenta as vivências de Júlia Rocha – mulher, negra que trabalha como médica de família e comunidade no SUS [3] – com pouco mais de 10 anos de carreira. Graduada em medicina no ano de 2010 e com residência médica concluída em 2015, a autora destaca a partir de sua formação e experiência profissional que o “cuidado em saúde é algo impossível de se fazer só” (ROCHA, 2020, p: 301). Assim, embora o livro não faça referência à história institucional do SUS, ele nos apresenta questões fundamentais para a reflexão sobre a importância desse sistema e sua atuação diante das mais profundas contradições brasileiras. Leia Mais

Guerra Fria: História e Historiografia | Sidnei José Munhoz (R)

Bilros 5 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
Sidnei José Munhoz | Foto: Jornal da UEM |

Critica Historiografica capas 10 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920A obra Guerra Fria: História e Historiografia, de Sidnei Munhoz, foi lançada em 2020 pela Appris Editora com o objetivo de apresentar não somente os principais eventos desse conflito que marcou o século XX (1947-1991), mas também um balanço historiográfico sobre o tema. O objetivo desse trabalho é resenhar esse livro, fruto de anos de pesquisa do autor, que se tornou um dos maiores especialistas sobre o assunto no Brasil.

Munhoz é pós-doutor pela Brown University e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em História Contemporânea e doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. É professor visitante sênior do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina e professor voluntário do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Maringá. Foi research student da The London School of Economics and Political Science (1995-1996). Dentre suas obras podemos citar Cidade ao avesso: desordem e progresso em São Paulo no limiar do século XX (2015), além de atuar como um dos organizadores da Enciclopédia de Guerras e Revoluções do século XX (2004) e do livro Impérios na História (2009). Por fim, atua como coordenador do Opening Archives Project em uma parceria com James Green e a Brown University. Leia Mais

Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 | Heather Dichter (R)

DICHTER Heather 2 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
DICHTER H Soccer Diplomacy1 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920Heather Dichter | Foto: The Hithacan |

Nas últimas duas décadas, as pesquisas sobre a relação entre futebol e ciências sociais se desenvolveram de forma célere no Brasil. Um aspecto, entretanto, permaneceu à margem das principais monografias: estudos sobre diplomacia, relações internacionais e esporte (Suppo, 2012, p. 397-433). O impacto da chamada década esportiva,1 momento em que o esporte estava na ordem diplomática, não se refletiu no aumento de estudos sobre o assunto no país. Na literatura internacional, porém, o panorama é distinto. Em 2014, os historiadores Heather Dichter e Andrew L. Johns editaram Diplomatic games, livro sobre a relação entre esporte, agência estatal e relações internacionais. Na conclusão, Thomas Zeiler apontava uma lacuna: nenhum capítulo sobre futebol em um volume hegemonizado por historiadores dos Jogos Olímpicos (Zeiler, 2014, p. 443). Seis anos depois, em uma resposta à altura da provocação de Zeiler, Heather Dichter traz ao público nova coletânea – Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 – dedicada exclusivamente ao esporte mais popular do mundo.

Soccer diplomacy percorre contextos geográficos múltiplos – Ásia, África, Europa, Oceania, América do Sul, Estados Unidos e Caribe – para refletir sobre as relações entre futebol e diplomacia. No total, são dez capítulos, além de uma introdução e uma conclusão, escritos por pesquisadores de origens nacionais distintas. São mobilizados documentos dos arquivos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), da Federação Internacional de Futebol (Fifa), de ministérios das relações exteriores diversos e de federações esportivas nacionais e internacionais. Um dos principais méritos da coletânea é justamente o de pôr em diálogo os arquivos diplomáticos e os arquivos das instituições esportivas nacionais e internacionais. Com frequência, a ideia de autonomia dos esportes separou esses dois campos de investigação.

Refletindo o quadro da literatura internacional, há no livro o predomínio de uma abordagem que trabalha o futebol como instrumento político, o que, por vezes, tende a reduzi-lo a uma ferramenta política governamental. Um dos efeitos indiretos é a negligência do papel das emoções nas relações internacionais, campo que tem crescido nos últimos anos.2 Os sentimentos e os estereótipos nacionais possuem impacto na tomada de decisões políticas, por isso devem ser incorporados à análise. A redução do esporte a instrumento político termina por sobrevalorizar a racionalidade e a intenção dos atores políticos, além de reforçar uma visão das relações internacionais centrada no Estado.

Nesse aspecto, seria interessante retomar uma provocação feita por Sarah Synder: podem os historiadores das relações internacionais enxergar torcedores, jogadores e técnicos como atores diplomáticos? Pode-se falar do futebol como uma forma própria de diplomacia? (Snyder, 2020).A distinção metodológica feita por Peter Beck entre diplomacia do futebol (soccer diplomacy) e o futebol como diplomacia (soccer-as-diplomacy) pode ser útil. No primeiro caso, a diplomacia do futebol se dedicaria a pensar os usos que os Estados nacionais fazem do esporte. No segundo, o futebol como diplomacia pensaria os atores envolvidos no campo esportivo – clubes, torcidas, dirigentes, federações esportivas internacionais – na conformação de uma diplomacia de força própria. “Enquanto a diplomacia do futebol é uma área relativamente bem conhecida” – arremata o próprio Peter Beck – “o futebol como diplomacia […] é ainda um conceito emergente” (Beck, 2020, p. 227).

Na prática, entretanto, os conceitos se misturam. Basta pensar, por exemplo, que o papel da Fifa na organização de um arcabouço político internacional é tema onipresente no livro. À primeira vista, é digno de nota que a cronologia do livro se sobreponha à periodização do século XX esquadrinhada por Eric Hobsbawm (1994). Nela, o marco zero é a eclosão da Primeira Guerra Mundial. Paul Dietschy reforça o argumento: “o período entre 1914 e 1939 é crucial para o desenvolvimento de uma diplomacia esportiva” (Dietschy, 2020). Não é coincidência, aliás, que esse período seja o de consolidação da Fifa. Na década de 1920, a Fifa salta para cerca de quarenta filiados, com representação política nos cinco continentes (Burlamaqui, 2020). Essa observação mostra como a gênese de uma diplomacia do futebol é fenômeno indissociável da arquitetura do sistema Fifa e, portanto, do futebol como diplomacia.

O crescimento da Fifa, por sua vez, é correlato à criação e à expansão do seu principal produto: a Copa do Mundo de Futebol Masculino. Três capítulos do livro – de autoria de Paul Dietschy, Brenda Elsey, e Euclides Couto e Allan Valente – trabalham diretamente a escolha do país sede para o torneio. Aqui, o tema em relevo são as estratégias de três países – França, Brasil e Chile – que se apresentaram como candidatos a receber a Copa do Mundo. Em primeiro plano, Dietschy observa a precocidade do investimento do Ministério das Relações Exteriores francês na diplomacia futebolística. Antes da Segunda Guerra Mundial, a Fifa contou com vários presidentes franceses, com ligação direta com o Quai d’Orsay. Dietschy destaca o papel de Jules Rimet na escolha da França como sede da Copa do Mundo em 1938. Por sua vez, Couto e Valente e Elsey refletem sobre o problema e o peso das identidades e dos estereótipos nacionais na disputa por esses torneios. Nos dois casos, a imagem construída internacionalmente e o apelo às características ditas intrinsecamente nacionais são determinantes. Em 1962, a imagem do Chile como um país estável, sem golpes de Estado ou levantes revolucionários, foi crucial para que os delegados da Fifa o escolhessem como sede da Copa do Mundo em detrimento da Argentina. Em 2014, o mito da democracia racial foi revisitado nos discursos do presidente Lula nos preparativos para a Copa do Mundo sediada no Brasil.

Outro campo temático explorado no livro é o da relação entre Guerra Fria e futebol. Não faz muito tempo o historiador Robert Edelman observou como o futebol permaneceu do lado de fora das narrativas sobre Guerra Fria (Edelman, 2018, p. 417-432). À primeira vista, como os Estados Unidos tinham pouco interesse no jogo, o futebol teria se mantido alheio ao confronto, enquanto os Jogos Olímpicos se converteram no principal local da disputa política entre as superpotências. Esse panorama começou a ser revisto desde a publicação de The global Cold War, de Odd Arne Westad (2005). Desde então, novas abordagens sobre o confronto – mais atentas às dimensões regionais do conflito – foram produzidas. Esse novo olhar sobre a Guerra Fria possibilitou rever o lugar do futebol nesse conflito.

Em The finest ambassadors: American-Icelandic football exchange, George Kioussis revisita o suposto lugar excepcional dos Estados Unidos, alheio à diplomacia do futebol durante a Guerra Fria. O capítulo mostra como o Departamento de Estado estadunidense também viu na diplomacia do futebol uma estratégia para disputar os “corações e mentes durante a Guerra Fria”. Kioussis faz um estudo de caso sobre uma turnê da seleção estadunidense à Islândia em 1955. Por sua posição geográfica, a Islândia era vista como aliado estratégico dos Estados Unidos durante a Guerra Fria. Uma das formas de conter a influência cultural soviética na região foi o envio da seleção de 1955 para a disputa de uma série de três partidas. No ano seguinte, os islandeses seriam convidados a visitar os Estados Unidos.

Descentrar o olhar euro-americano sobre a Guerra Fria é tema do texto de Erik Nielsen, Sheilas, wogs and poofters in a war zone, sobre um torneio amistoso vencido pela seleção australiana no Vietnã em meio à Segunda Guerra da Indochina.3 Ainda sobre Guerra Fria: o capítulo de Heather Dichter, “Football more important than Berlin”, por sua vez, fala sobre um problema comum: a restrição de vistos concedidos aos países do Leste Europeu. A política da Otan de não reconhecimento da Alemanha Oriental contrastava com os procedimentos adotados pela Fifa, que admitiu a associação da Alemanha Oriental em 1953. Vale dizer que a Fifa foi uma das poucas associações esportivas internacionais a aceitar imediatamente países como a Alemanha Oriental e a Coreia do Norte. Não raro, a política da Fifa contrastava com a postura dos governos nacionais, que restringia o acesso dos atletas às competições e não emitia vistos. Heather Dichter analisa, então, dois torneios juniores da Fifa que a Alemanha Oriental, embora classificada, não pôde disputar pela não emissão de vistos. Ela examina, então, como essa política da Fifa foi importante para revisão de medidas da Otan de isolamento da Alemanha Oriental. E provoca: se os países ocidentais falavam tanto em liberdade de circulação e criticavam a existência do Muro de Berlim, como conciliar este discurso com essa política de não emissão de vistos?

Vale mencionar ainda o capítulo de Roy McCree, “High Jack, soccer and sport diplomacy in the Caribbean, 1961-2018”. No pós-Segunda Guerra Mundial, a Fifa adotou o sistema confederativo, que organiza suas associações nacionais em continentes. A Confederação de Futebol da América do Norte, Central e Caribe (Concacaf) é responsável pela América Central, o Caribe e a América do Norte. O capítulo analisa como Jack Warner emergiu de uma pequena associação nacional – Trinidad e Tobago – para se transformar em um protagonista da política da Fifa nos últimos anos. McCree salienta a importância das divisões internas da Concacaf – o bloco caribenho, o bloco da América Central e a América do Norte – na importância da construção do poder de Warner, líder do bloco caribenho, responsável por 31 federações nacionais no Congresso da Fifa. É importante destacar que o texto é raro estudo sobre o papel das confederações na construção de uma ordem futebolística internacional. Para uma análise não eurocêntrica do sistema Fifa é preciso revisitar o papel histórico que as confederações desempenharam na produção desse modelo político internacional.

Uma última nota crítica. No livro, o futebol apresentado é tão somente o futebol de espetáculo-masculino. Para aludir a um conceito formulado pelo antropólogo Arlei Damo (2018), trata-se do futebol no singular, e não de futebóis, no plural. Pensar as relações entre diplomacia e o futebol praticado por mulheres, por exemplo, seria uma das formas de pluralizar o termo. A ausência desse tema é percebida pela própria organizadora Heather Dichter, que lamenta não ter sido capaz de incluir texto sobre a Copa do Mundo de Mulheres. Essa, entretanto, não seria a única forma de pluralizar o conceito. Uma dificuldade ainda maior é a de pensar o futebol como diplomacia às margens do sistema Fifa, além da fronteira construída por essa instituição. O desafio é trabalhar formas de futebol não vinculadas à ação estatal e ao sistema Fifa, como, para citar exemplos, o futebol de várzea, o futebol praticado por etnias indígenas, o futebol praticado por grupos LGBTQ e por associações internacionais de trabalhadores. São, em síntese, formas de pensar e fazer o futebol que operam às margens do sistema Fifa e, não raro, são produzidas em plano internacional e/ou transnacional.

A despeito dessa pequena observação, Soccer diplomacy é já obra incontornável aos interessados em investigar a história do futebol e as relações internacionais. Apresentando fontes inéditas e interessantes problemáticas metodológicas, o livro abre rotas importantes de investigação.

Referências

BECK, Peter. Conclusion: “Good kicking” is not only “good politics”, but also “good diplomacy”. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020, p. 221-251.

BURLAMAQUI, Luiz Guilherme. A dança das cadeiras: a eleição de João Havelange à presidência da Fifa São Paulo: Intermeios, 2020.

DAMO, Arlei. Futebóis: da horizontalidade epistemológica à diversidade política. FuLiA/UFMG (Belo Horizonte). v. 3, n. 3, p. 37-66, 2018.

DICHTER, Heather . (ed.). Soccer diplomacy: inter­national relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020.

DIETSCHY, Paul. Creating football diplomacy in the French Third Republic, 1914-1939. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexington: The University Press of Kentucky, 2020, p. 30-38.

EDELMAN, Robert. An interview with Robert Edelman. Kritika: Explorations in Russian and Eurasian History v. 19, n. 2, p. 417-432, 2018.

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX, 1914-1991 São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

KEYS, Barbara. Henry Kissinger: the emotional statesman. Diplomatic History (Oxford). n. 3, p. 587-609, 2011.

SNYDER, Sarah B. Playing on the same team: what international and sport historians can learn from each other. In: DICHTER, Heather (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914 Lexing­ton: The University Press of Kentucky, 2020, p. 18-30.

SUPPO, Hugo. Reflexões sobre o lugar do esporte nas relações internacionais.Contexto Internacional(Rio de Janeiro). v. 34, n. 2, p. 397-433, 2012.

Luiz Guilherme Burlamaqui – Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB), campus Recanto das Emas. Brasília (DF), Brasil. luiz_burlamaqui@hotmail.com.


DICHTER, Heather. (ed.). Soccer diplomacy: international relations and football since 1914.Lexington: The University Press of Kentucky, 2020. 286 p. Resenha de: BURLAMAQUI, Luiz Guilherme. Na encruzilhada: o futebol entre a história política e a diplomacia. Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF].

A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica | Mariana Muaze e Ricardo H Salles (R)

MUAZE e SALLES O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
Mariana Muaze e Ricardo Salles | Foto: Divulgação

MUAZE e SALLES A segunda escravidao O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920O desembarque do conceito de segunda escravidão na historiografia brasileira encontra importante expressão com a publicação do estudo crítico que, além da apresentação do historiador norte-americano Dale Tomich, reuniu quinze historiadores para o exame da relação entre capitalismo e escravidão no século XIX.

Denominada A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica, a coletânea é resultado dos trabalhos de pesquisas e discussões do grupo interinstitucional “O Império do Brasil e a segunda escravidão”, formado por pesquisadores da Unirio, Mast, UFF, USP, Unifesp, UFJF e UFSC e pelos integrantes do Laboratório de Estudos sobre o Brasil e o Sistema Mundial (Lab-Mundi/USP).

Se o propósito era pensar a porosidade do conceito de segunda escravidão, ele se configura na breve apresentação de Dale Tomich, que nos indica que “segunda escravidão é um conceito aberto que tem o objetivo de repensar a relação entre capitalismo e escravidão e as causas desta última no Oitocentos” (Tomich, 2020, p. 13). Pretendendo sublinhar que a abordagem da segunda escravidão trata “as relações escravistas históricas reais [que] são constituídas […] pela forma das relações senhor-escravo […] por processos de produção materiais específicos (açúcar, café, algodão) […] por sua posição relativa na divisão internacional do trabalho e no mercado mundial […]” (p. 14), realça que a origem do conceito é fruto da “insatisfação com histórias lineares da escravidão que a veem como incompatível com o capitalismo industrial e as ideias liberais de propriedade e liberdade” (p. 13).

É nesse quadro de “escravidão em interação com a construção dos Estados nacionais e com a expansão internacional do mercado escravista” (Muaze, Salles, 2020, p. 19) que se deve colocar o livro organizado por Mariana Muaze e Ricardo Salles. O que primeiro chama a atenção é que a coletânea tem como pilar central “o problema histórico de como a escravidão moldou o capitalismo brasileiro no século XIX e na atualidade” (p. 20). De fato, esse eixo central, colocando problemas, proporciona análises, revisões e novidades que enriquecem o conhecimento que se tem da escravidão.

A obra é dividida em quatro partes. Na primeira, aborda-se a constituição da “Segunda escravidão e o capitalismo histórico em perspectiva atlântica”. Seu mérito reside na estimulante e bem arejada exposição de Leonardo Marques sobre o percurso historiográfico das ideias que compõem o espectro analítico do conceito de segunda escravidão e sobre os desafios de integrar o mundo político e cultural nas narrativas de emergência e destruição da segunda escravidão. Além de contar com o “ensaio de historiografia” de Ricardo Salles, no qual direciona especial atenção para o debate sobre as relações entre capitalismo e escravidão, partindo da consideração de que nos Estados Unidos “o problema dessas relações se apresentou de forma mais aguda” (Salles, 2020, p. 27). Já no último capítulo da primeira seção, Rafael Marquese tece comentários críticos.

A segunda parte, “Segunda escravidão e diversidade econômica e regional”, reúne quatro trabalhos. No primeiro, Luiz Fernando Saraiva e Rita Almico, com o intuito de investigarem a associação entre escravidão e a modernização da economia brasileira no século XIX, identificam as relações entre as economias mercantis escravistas regionais e a segunda escravidão. Em seguida, Walter Pereira direciona especial atenção para o dinamismo econômico do município de Campos dos Goytacases, ao longo da segunda metade do século XIX. As reflexões críticas desses artigos condensam os comentários de Renato Leite Marcondes e Gabriel Aladrén.

Já a terceira parte confere centralidade à relação entre segunda escravidão e o período Colonial Tardio. Valendo-se dos artigos de Carlos Gabriel Guimarães e Carlos Leonardo Kelmer Martins e comentários de Rodrigo Goyena Soares, essa seção combina reflexões epistemológicas e resultados preliminares de pesquisa.

A última seção do livro apresenta discussões metodológicas. O debate gira em torno das possíveis articulações entre o micro e o macro. Em outras palavras, do entrelaçar das propostas advindas da segunda escravidão e da micro-história. Três historiadores, Mariana Muaze, Thiago Campos Pessoa e Waldomiro Silva Junior, se dedicam a esse esforço. No último capítulo, a historiadora Mônica Ribeiro de Oliveira elabora os comentários críticos sobre as proposições metodológicas.

Ricardo Salles, no primeiro capítulo, faz uma longa travessia historiográfica desde Graham, Genovese, Fogel e Engerman aos recentes estudos de Sven Beckert e Seth Rock­man. Retoma tradições de pensamento sobre escravidão e capitalismo: os esforços comparativos entre o “Velho Sul” e o Brasil; o problema das mentalidades ditas “mais racionais” diante dos comportamentos patriarcais de status e poder; a lucratividade, racionalidade e caráter capitalista da escravidão propostas pela New Economic History; os riscos dos excessos de empirismo ou de abstração teórico-metodológica no ofício do historiador; o capitalismo da escravidão de Rockman e Beckert; a centralidade da economia sulista norte-americana no desenvolvimento capitalista; a escravidão nos Estados Unidos face ao pacto político da estrutura de poder federativa; e, no caso brasileiro, o Império do Brasil e sua estrutura de poder unitária, assentada na difusão da escravidão por todo território, alicerçada na hegemonia política e social da fração da classe senhorial da bacia do Paraíba do Sul. E, por fim, a validade instrumental do conceito de segunda escravidão como uma estrutura histórica específica.

Salles aponta que o conceito de segunda escravidão “hibernou” entre 1988 e até fins da década de 1990. Em 1999, de maneira “pioneira e isoladamente” Christhopher Schmidt-Nowara valeu-se do conceito para analisar a escravidão cubana e porto-riquenha no Novo Império Colonial Espanhol do século XIX. Em 2004, o conceito desembarcou no Brasil. Rafael Marquese o empregou em Feitores do corpo, missionários da mente.

No plano da historiografia brasileira, subjacente a essa escolha conceitual, Salles indica que a apropriação do conceito de segunda escravidão relaciona-se diretamente ao “abandono do conceito de capitalismo” pelas correntes historiográficas do “sentido arcaico da escravidão brasileira e a historiografia com ênfase na agência escrava” (Salles, 2020, p. 36). O novo aporte não apenas conduz a análise para o dimensionamento do processo de longa duração e os quadros globais do capitalismo histórico como também para “a discussão da relação entre escravidão e desenvolvimento do capitalismo dependente, periférico e excludente no país” (p. 36).

No capítulo seguinte, cujo objetivo é aprofundar o debate historiográfico sobre escravidão e capitalismo, Leonardo Marques aponta limites e potencialidades do conceito de segunda escravidão. Valendo-se de amplo espectro historiográfico, perpassa o marxismo, a noção de sistema-mundo, Global History e a New History of Capitalism. A exposição reconhece como mérito da segunda escravidão, além de recolocar em cena o tema escravidão e capitalismo, o questionamento que ela oferece contra “o nacionalismo metodológico que ainda informa uma parcela importante da produção historiográfica mundial […]”. (Marques, 2020, p. 55). Para Marques, a contribuição historiográfica essencial é a visão integrada dos mútuos condicionamentos das três principais sociedades escravistas das Américas (Cuba, Brasil e Estados Unidos), pois permite reconstituir o lugar dessas sociedades no capitalismo global do século XIX. Tomando por base essa perspectiva, indica que, diante desse enquadramento analítico, ultrapassa-se o conceito de segunda escravidão, pois, nesse caso, “o procedimento sugerido por Tomich é mais importante do que o próprio conceito […]” (Marques, 2020, p. 68).

Como resultado dos dois capítulos iniciais, Rafael de Bivar Marquese propõe reflexões historiográficas sobre a escravidão histórica e o capitalismo histórico. Nesse debate, ganham contornos as divergências entre as interpretações de Ricardo Salles e Leonardo Marques. O dissenso centra-se na tensão entre o lugar dos Estados nacionais na especificidade das trajetórias dos espaços escravistas das Américas e a perspectiva de que o capitalismo como sistema transpõe fronteiras políticas e combina múltiplas formas de trabalho compulsório. Marquese sublinha, de um lado, a importância da profunda descontinuidade das trajetórias dos espaços escravistas na virada do século XVIII para o XIX, a “segunda escravidão” e, de outro, a integração da economia-mundo, novos espaços escravistas e as relações de produção, distribuição e consumo. Essa afirmativa desloca o olhar para as totalidades como interdependências mútuas, tais como as relações entre mercado mundial, divisão internacional do trabalho e o fenômeno do “ciclo britânico de acumulação”.

É nesse quadro do pensamento econômico que a coletânea avança para a segunda parte “Segunda escravidão e diversidade econômica e regional”. Os capítulos representam não apenas esforços analíticos que visam examinar de maneira integrada economias mercantis escravistas regionais, inovações tecnológicas, indústrias e segunda escravidão mas também nos revelam uma agenda de pesquisa, como nota Renato Marcondes. O texto “Raízes escravas da indústria brasileira” procura mapear a persistência da escravidão, diversidade regional e modernização da economia brasileira nos séculos XIX e XX. Com enfoque regional, o capítulo seguinte, de autoria de Walter Pereira, analisa a dinâmica econômica e da escravidão na bacia do rio Paraíba do Sul, suas atividades agrícolas e bancárias, inovações tecnológicas, ferrovias, embarcações a vapor e bondes.

Ao longo da terceira parte, no primeiro artigo de Carlos Gabriel Guimarães, o que se verifica é uma grande riqueza de análise que, apesar da advertência do autor que “as pesquisas nos arquivos ainda estejam no início”, revela a especificidade da inserção dos negociantes ingleses Joseph e Ralph Gulston e suas conexões globais financeiras e comerciais, em especial, com a comunidade mercantil lisboeta, carioca e africana.

Numa outra proposta, intitulada “O anacronismo de um atavismo? A propósito da segunda escravidão sob a égide mercantilista”, o historiador Carlos Kelmer Martins enfatiza, do ponto de vista teórico e metodológico, as interseções e diálogos entre as premissas do conceito de segunda escravidão, do mercantilismo e da complexidade política, social, cultural e econômica do sistema mundial setecentista. Rodrigo Soares, responsável pelos comentários críticos, considera que o mérito de Kelmer Martins “está na percepção da desigualdade entre as sociedades ou no seio de cada uma, como decorrência de uma forma combinada integrada” (Soares, 2020, p. 226).

Na quarta e última parte, intitulada “Segunda escravidão, micro-história e agência”, o que está em jogo no par macro e micro é um redimensionamento dos objetos e questões. Em todos os capítulos a abordagem é convergente. Reafirma-se o ofício do historiador como possibilidade de articulação da dimensão macroestrutural aos elementos da micro-história, assim como se procura sofisticar as pesquisas a partir do conceito de segunda escravidão. Mariana Muaze aponta caminhos para superar a incompatibilidade fundante entre a micro-história e a segunda escravidão. Em outra chave, Thiago Pessoa conjuga análise empírica, decorrente dos resultados de pesquisa no Arquivo Nacional, a abordagem metodológica da micro-história e as contribuições do conceito de segunda escravidão. Nesse movimento, valoriza as contribuições da redução de escala e as potencialidades da perspectiva global a fim de examinar a classe senhorial do Império do Brasil, as redes de negócios e sociabilidade, o complexo cafeeiro, o tráfico e a escravidão.

Por essas razões, Waldomiro Lourenço da Silva Júnior afirma que a segunda escravidão, como conceito analítico que abrange zonas de plantação mais dinâmicas e capitalizadas da economia global, em especial, no Brasil, o complexo cafeeiro, não estaria invalidada por não contemplar a escravidão urbana e portuária, a produção com pequenas escravarias voltadas para o abastecimento em Minas Gerais ou a indústria baleeira catarinense. Para o autor, a validade da noção de segunda escravidão configura uma “questão elementar de epistemologia” em que “a validade cognitiva de uma categoria de análise não se limita necessariamente às constatações empíricas que respaldaram a sua formulação” (Silva Júnior, 2020, p. 282). Portanto, as evidências da escravidão em economias como Minas Gerais, Santa Catarina ou de regiões portuárias ou urbanas seriam decorrência direta da dinâmica da segunda escravidão: “as outras formatações da escravidão só persistiram a longo prazo no Brasil porque existiu uma base material nuclear suficientemente sólida (a base da segunda escravidão), que garantiu, no campo político, as condições para sua perpetuação” (p. 282).

Como bem lembra Monica Ribeiro de Oliveira, apesar das contribuições de Muaze, Silva Júnior e Pessoa, os desafios postos pela articulação da micro-história à perspectiva macro permanecem em aberto.

De modo geral, o conceito de segunda escravidão, subjacente a todos os trabalhos do livro, nem sempre alcança o objetivo de dotar a obra de relativa unidade e também da porosidade conceitual desejada por Dale Tomich na apresentação. No entanto, certamente, alguns trabalhos ganharão espaço na historiografia, mais pelo valor do debate apresentado do que pelas conclusões.

É importante compreender que a obra reflete, ao mesmo tempo, o esvanecimento da história econômica, hegemônica por décadas na academia brasileira e em seus cursos de graduação e pós-graduação em história, e também sintetiza uma retomada.

Apesar dos novos horizontes metodológicos, a formulação do conceito de segunda escravidão (1988) é oriunda, em parte, no caso da interpretação sobre a economia brasileira, das ideias encontradas em Formação econômica do Brasil (1959) de Celso Furtado, um dos autores citados por Tomich no capítulo fundador do conceito de segunda escravidão. É no mínimo curioso que nenhum dos capítulos de A segunda escravidão e o império do Brasil em perspectiva histórica mencione o livro de Celso Furtado em suas referências bibliográficas, nem o possível impacto da interpretação de Furtado na gestação conceitual de segunda escravidão, ou associe o fato de que concepções furtadianas ganharam nova roupagem historiográfica.

Referências

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil [1959]. 15a ed. São Paulo: Editora Nacional, 1977.

MARQUES, Leonardo. Unidades de análise, jogos de escalas e a historiografia da escravidão no capitalismo. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 53-74.

MARQUESE, Rafael de Bivar. Feitores do corpo, missionários da mente: senhores, letrados e o controle dos escravos nas Américas, 1660-1860. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

SALLES, Ricardo H . A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão: ensaio de historiografia. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 27-52.

SILVA J JÚNIOR, Waldomiro Lourenço da. A segunda escravidão: o retorno de Quetzalcoatl? In: MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria, 2020, p. 279-285.

SOARES, Rodrigo Goyena. Comentário: benefícios e limites da segunda escravidão como método para uma razão dialética. In: MUAZE, Mariana ; SALLES, Ricardo H . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica São Leopoldo: Casa Leiria , 2020, p. 223-238.

TOMICH, Dale. The “second slavery”. In: TOMICH, Dale. Through the prism of slavery Lanham: Rowman & Littlefield, 2004, p. 56-71.

Télio Cravo – Pós-doutorando em História pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). São Paulo(SP), Brasil. teliocravo@gmail.com.


MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo H. . (org.). A segunda escravidão e o Império do Brasil em perspectiva histórica.São Leopoldo: Casa Leiria, 2020. 298p. Resenha de: CRAVO, Télio. Desembarque da segunda escravidão na historiografia brasileira. Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF]

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Lugares de memória e de consciência na América Latina | Tempo | 2021 (D)

O Espacio Memoria y Derechos Humanos1 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920

Desde as últimas décadas do século XX, mais especificamente a partir da queda do Muro de Berlim, do fim das ditaduras latino-americanas e do apartheid na África do Sul, podemos observar a expansão de políticas de memória em diversos países, cada um com sua temporalidade e suas prioridades. Nesse sentido, como a historiografia recente tem destacado, podemos constatar nas sociedades contemporâneas uma alteração nas relações com o futuro e o passado. O futuro, que era apresentado como o tempo das realizações e da afirmação do progresso, cedeu lugar a um tempo que reservaria maiores possibilidades de certeza e segurança: o passado.

As experiências traumáticas às quais se remetem, mormente a história do tempo presente, têm como uma das suas principais preocupações as ações que dizem respeito à transmissão da memória desses acontecimentos. Como transmitir o horror das experiências ditatoriais para quem não viveu o período? Como abordar um passado sensível com as novas gerações? Como construir o que chamamos de nunca mais em tempos de disputas de narrativas e negacionismos sobre o passado ditatorial? Por trás desse debate podemos identificar três objetivos centrais, a saber: a criação da empatia sobre as vítimas; a condenação de qualquer regime ditatorial; e a valorização da democracia e dos direitos humanos.

Para isso, é possível identificar políticas de memória empreendidas por governos comprometidos com essas questões, dentre as quais destacamos o incentivo ao ensino do tema na educação básica; a abertura de processos judiciais para agentes que praticaram graves violações dos direitos humanos; a localização e divulgação de arquivos; recuperação de espaços etc. Na maioria das vezes, essas ações são oriundas das pressões exercidas pela sociedade por meio de grupos de direitos humanos e/ou atingidos direta ou indiretamente pela ação das ditaduras, com o intuito de promover o que chamamos de dever de memória para com as vítimas.

Para o caso do nosso dossiê, a ênfase dos artigos aqui reunidos diz respeito à política de memória relativa a identificação e recuperação de espaços na América Latina onde ocorreram graves violações de direitos humanos ou que foram referências, seja para a resistência ou para a própria ditadura.

Ao falarmos sobre esses espaços, remetemos a dois conceitos-chave para a sua compreensão e que consideramos de fundamental importância destacar nessa apresentação. O historiador Pierre Nora foi o pioneiro nesse debate ao cunhar e consagrar a expressão lugares de memória na historiografia, quando coordenou a coletânea de textos Les lieux de mémoire, editada na França a partir de 1984. Segundo Nora, os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não existe memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter os aniversários, organizar as celebrações, pronunciar as honras fúnebres, estabelecer contratos, porque estas operações não são naturais (Nora, 1993, p. 13). A esse conceito acrescentamos a ideia de que podem ser também lugares de consciência. Segundo a International Coalition of Site of Conscience, organização mundial que reúne cerca de duzentos integrantes de mais de cinquenta países, os “sítios de Consciência vão desde os esforços de reestruturação de pequenas comunidades de sobreviventes, aos grandes projetos financiados pelo Estado que visam amplo alcance nacional”.[1] Para integrar a coalização, o lugar deverá interpretar a história por meio dos espaços históricos; envolver-se em programas públicos que estimulem o diálogo sobre questões sociais urgentes; promover valores humanitários e democráticos como função principal; e compartilhar oportunidades para a participação pública em questões levantadas no local.

Transformar um lugar de memória em também um lugar de consciência implica identificar, reconhecer e preservar esses espaços. E isso não ocorre sem embates políticos e sociais, disputas de memórias e (re)construções de novos sentidos para o passado e seus usos políticos. Esse processo mobiliza distintos agentes (públicos e privados; individuais, coletivos e/ou institucionais), que passam a atuar como “emprendedores de memória”, expressão cunhada por Elizabeth Jelin para designar os atores sociais que criam e executam projetos de memória (com um caráter coletivo) e lutam pela visibilidade de seus empreendimentos, pelo reconhecimento social e pela legitimidade política de suas narrativas do passado (Jelin, 2002, p. 48-49).

Nesse sentido, esses lugares são alvos de intensos debates sobre a sua recuperação, pois alguns ainda são ocupados pelas forças estatais ou são de propriedade privada, como a Casa da Morte, em Petrópolis, Rio de Janeiro. Implica também uma política de patrimônio histórico que reconheça aquele espaço e as ações que ali ocorreram como parte da história oficial do país. A questão do patrimônio vem acompanhada das ações de instituições como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que os reconhece não apenas como um espaço exclusivo de um drama nacional, mas algo que afeta toda humanidade. Ainda nos casos dos países da América Latina que integram o Mercosul, o Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos (IPPDH) publicou em 2012 o documento “Princípios fundamentais para as políticas públicas sobre lugares de memória” no qual reconhece a obrigação dos estados participantes em promover ações de caráter pedagógico sobre as ditaduras dos anos 1960 e 1970. Em paralelo e em diálogo com essas duas instituições foram criadas a Rede Sitios de Memoria em America Caribe (Reslac) e a Rede Brasileira de Lugares de Memória (Rebralume).

Além disso, abre-se um intenso debate sobre o que fazer com o espaço. Múltiplas vozes devem ser ouvidas na tentativa de construir um consenso sobre essa ocupação, suas atividades futuras, sobre como deve ser a estatização do horror e como falar sobre os que não estão, os desaparecidos e assassinados etc.

Tais espaços não devem ser pensados apenas como cenários onde as graves violações de direitos humanos ocorreram, pois, atualmente, são provas judiciais nos processos contra os perpetradores em países como Argentina e Chile. Eles cumprem também um importante papel no ensino do passado recente, não apenas recebendo estudantes, mas promovendo atividades e formação de professores. Por fim, muitas vezes integram o roteiro da secretaria oficial de turismo em diversas cidades. Segundo Teklik e Mesnard (2011, p. 101), o turismo de memória apresenta como elemento central o valor ético de resgate do passado. Lugares como Auschwitz e Treblinka, na Polônia; ou Ravensbrück e Sachsenhausen, na Alemanha; Espacio Memoria y Derechos Humanos Ex-Esma, na Argentina; Estádio Nacional, no Chile, recebem a cada ano cada vez mais visitantes interessados em saber mais sobre o que ocorreu ali e conhecer onde “a história aconteceu”.

Nessa perspectiva, o presente dossiê pretende apresentar um panorama da problemática relacionada aos lugares de memória e de consciência das ditaduras na América Latina, contribuindo para o fortalecimento de um debate importante no âmbito da historiografia contemporânea. Acreditamos que os artigos aqui apresentados possibilitarão aos leitores o contato com distintas abordagens sobre a temática, destacando a amplitude do conceito de “lugares de memória”, que não se restringem apenas aos espaços diretamente associados às práticas de violência e tortura que marcaram a estrutura e funcionamento dessas ditaduras no século XX. Além de apresentar reflexões sobre a diversidade desses lugares e distintos estudos de caso, outra contribuição desse dossiê é também destacar espaços e regiões pouco explorados pela historiografia relacionada ao tema no Brasil.

Nesse sentido, o dossiê se inicia com o artigo de Maura Leal da Silva e Janaína Valéria Pinto Camilo, intitulado “A Fortaleza de São José de Macapá: nos rastros das memórias, das prisões e torturas (1964-1973)”. No texto, as autoras analisam como essa fortaleza – uma construção militar do século XVIII, hoje tombada como Patrimônio Histórico Nacional – se tornou, durante a ditadura civil-militar brasileira, um dos principais centros de detenção e tortura de presos políticos em Macapá, capital do Amapá. A partir do Relatório Final e dos depoimentos coletados pela Comissão Estadual da Verdade do Amapá (CEV-AP), criada em 2013 e cujos trabalhos foram concluídos em 2017, o artigo destaca as prisões ilegais, as torturas físicas e psicológicas, as arbitrariedades e a violência praticadas nas dependências da Fortaleza de São José de Macapá e o reconhecimento institucional desse espaço amapaense como um lugar de memória da ditadura, contribuindo para os estudos sobre a ditadura brasileira fora do eixo Sul-Sudeste, bastante privilegiado nas pesquisas sobre o tema.

As políticas públicas de memória no Brasil e as lutas políticas e sociais para a identificação e reconhecimento dos lugares de memória da ditadura são o tema do artigo “Lugares de memória da ditadura: disputas e agenciamentos nos processos de construção do 1° BIB Barra Mansa-Rio de Janeiro e da Casa Marighella-Salvador”, escrito por Alejandra Magalhães Estevez e Priscila de Almeida Cabral. Também contemplando espaços territoriais pouco explorados pela historiografia especializada no tema, as autoras analisam a trajetória de lutas para a efetivação de dois lugares de memória: o antigo 1° Batalhão de Infantaria Blindada do Exército, na cidade de Barra Mansa no sul fluminense, e a Casa Marighella, em Salvador, capital baiana. Nesse sentido, o artigo não só destaca os conflitos sociais, as negociações e os embates políticos envolvidos nesses processos ainda em aberto, mas também amplia as discussões sobre os lugares de memória, que não se limitam aos espaços associados diretamente às práticas de violações aos direitos humanos pela ditadura, mas contemplam também espaços associados às ações de militância política daqueles que, de distintas formas, resistiram à ditadura.

Além das dependências oficiais ou civis, utilizadas pelos órgãos de repressão, e das residências de militantes históricos que combateram as ditaduras, outros espaços, menos explorados pela historiografia, também merecem destaque entre os lugares de memória da ditadura, como os estádios de futebol, que, além de servirem como prisão para opositores políticos (como o Estádio Nacional, em Santiago no Chile, e o Caio Martins, em Niterói no Brasil), também foram utilizados, no Brasil, como instrumentos de construção de legitimidade por políticos ligados à ditadura, como destacam João Manuel Casquinha Malaia e Rafael Fortes Soares, em seu artigo “Brasil grande, estádios gigantescos: Toponímia dos estádios públicos da ditadura civil-militar brasileira e os discursos de reconciliação”. No texto, os autores analisam a construção de 14 estádios públicos estaduais com capacidade para mais de 40 mil pessoas, inaugurados entre 1964 e 1985, em sua maioria, com nomes dos governadores da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de apoio à ditadura. Nessa perspectiva, o artigo debate como a nomeação, as disputas sobre as homenagens prestadas e a manutenção de nomes ligados à ditadura em espaços que se tornaram lugares de afeto de milhares de pessoas estão inseridas no complexo processo de (re)construção das memórias coletivas acerca da ditadura brasileira.

As disputas de memórias relacionadas aos lugares e às efemérides referentes ao período da ditadura civil-militar brasileira são o eixo condutor do artigo de Andréa Cristina de Barros Queiroz, “As memórias em disputa sobre a ditadura civil-militar na UFRJ: lugares de memória, sujeitos e comemorações”, que privilegia a trajetória da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacando como os espaços universitários também foram atravessados pela cultura política autoritária do regime. No texto, a autora analisa como essa centenária universidade, no contexto da modernização autoritária promovida pela ditadura brasileira, foi palco de censura, perseguição política e expulsão de alunos, funcionários e professores e de ações violentas das forças policiais, como no episódio da invasão, em 1966, da Faculdade Nacional de Medicina (FNM), na Praia Vermelha, cujo prédio histórico foi demolido em 1975. O texto também debate a demolição deste prédio como uma política de esquecimento promovida pela ditadura, que incluiu negociações e colaborações de parte dos dirigentes da instituição e da parcela conservadora dos docentes e técnicos que apoiavam o regime autoritário, bem como as recentes iniciativas da universidade na investigação das violações de direitos humanos sofridas por sua comunidade acadêmica e sua reparação no âmbito institucional, através das ações da Comissão de Memória e Verdade (CMV) da UFRJ, criada em 2013.

Encerrando esse dossiê, o artigo “Reflexiones en torno a los sitios de memória em Uruguay: las demarcaciones del paisaje represivo”, de Luciana Scaraffuni, propõe uma análise sobre os debates e embates políticos e sociais acerca das demarcações dos lugares de memória da ditadura – lugares da repressão ou da resistência – na cidade de Montevidéu, capital uruguaia, a partir da promulgação da “Ley de Creación de Sitios de Memoria Histórica del Pasado Reciente”, em 2018. No texto, a autora privilegia os debates sobre o antigo Cárcel de Punta Carretas, o histórico presídio de presos políticos no Uruguai que funcionou até 1986, sendo posteriormente demolido, abrindo espaço para a construção de um shopping center, o Punta Carretas Shopping, um dos mais badalados de Montevidéu. Até pouco tempo, não havia no local nenhuma demarcação que remetesse ao antigo presídio que ali funcionou e não era oficialmente reconhecido como um lugar de memória da ditadura no Uruguai. Somente em fevereiro de 2020 se colocou a pedra fundamental de um futuro memorial a ser construído na entrada do shopping em homenagem às centenas de presos políticos que por ali passaram. A autora ressalta que o processo de identificação, recuperação e ressignificação desses lugares é marcado pelo enfrentamento de diferentes setores da sociedade uruguaia e seus distintos interesses e concepções sobre uma cultura de memória ou de esquecimento acerca do recente passado autoritário do país.

Esperamos que esse dossiê colabore com o debate sobre o passado ditatorial em um momento em que vivemos um intenso debate revisionista e negacionista, assim como – em especial no caso brasileiro – incentive, e dialogue com, a recuperação e abertura de espaços, muitos dos quais já somamanos de disputas, como o prédio do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) na rua da Relação, no centro do Rio de Janeiro, e reforce não só a importância dos estudos historiográficos sobre a ditadura, mas também o papel significativo que os lugares de memória e de consciência podem exercer no ensino da história das ditaduras na América Latina e em ações pedagógicas que promovam, principalmente junto às novas gerações, uma cultura democrática e de respeito aos direitos humanos

Nota.

1. Ver: https://www.sitesofconscience.org.

Referências

JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria Colección Memorias de la Represión. Buenos Aires: Siglo XXI, 2002.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Revista Projeto História (São Paulo). n. 10, p. 7-28, 1993.

TEKLIK, Joanna; MESNARD, Philippe. El viaje a Auschwitz: turismo de la memoria o turismo cultural? In: FLEURY, Béatrice; WALTER, Jacques (Comp.). Memorias de la piedra Buenos Aires: Ejercitar la Memoria Editores, 2011, p. 99-116.

Samantha Viz Quadrat – Universidade Federal Fluminense (UFF). Niterói (RJ), Brasil. Email: samantha.quadrat@gmail.com.

Izabel Pimentel da Silva – Universidade do Estado do Rio de Janeiro-Faculdade de Formação de Professores (Uerj-FFP). São Gonçalo (RJ), Brasil. Email: belprisk@hotmail.com.


QUADRAT, Samantha Viz; SILVA, Izabel Pimentel da. Marcas territoriais do passado autoritário: lugares de memória e de consciência na América Latina. Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [IF].

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28 abr. 2021

Um planejamento ortogonal guliveriano: uma leitura modular da Túrio do período clássico | Renan Falcheti Peixoto e Maria Beatriz Borba Florenzano

Um planejamento ortogonal guliveriano: uma leitura modular da Túrio do período clássico  | Peixoto, Renan FalchetiFlorenzano, Maria Beatriz Borba | Tempo. Niterói, v.27, n.1, jan. / abr. 2021.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Projeto História. São Paulo, v.70, 2021.

JAN/ABR HISTÓRIA E FOTOGRAFIA – MODOS DE VER E CONTEMPORANEIDADES

Apresentação

  • APRESENTAÇÃO
  • Estefania Knotz Canguçu Fraga, Maria Thereza Soares, Diogo Azoubel
  • PDF

Artigos Dossiê

Artigos livres

Resenhas

Publicado: 2021-04-28

Arte e Política: raça, gênero e nacionalidades | Faces de Clio | 2021

É com enorme satisfação que apresentamos a edição número treze da Revista Faces de Clio com o dossiê “Arte e Política: raça, gênero e nacionalidades”, contando com 12 artigos ligados à temática do dossiê e 5 artigos livres. Temos a proposta, nesta edição, de apresentar discussões que contribuam nas pesquisas e reflexões acerca da complexa e estreita relação da arte com a política. Novamente apresentamos pesquisas que se detém sobre os mais diferentes suportes, desde o videogame, a ópera e a literatura, passando pela performance, pela dança, arquitetura e pintura. No presente dossiê reunimos artigos ligados à temática da raça, do gênero e das nacionalidades, pensados todos, claro, através e, a partir, da arte!

Este é o terceiro volume da Revista Faces de Clio publicado durante a pandemia do coronavírus e gostaríamos de agradecer à equipe da Faces de Clio por todo empenho em continuar com as atividades da revista diante de um cenário desolador da pandemia e do desmonte da pesquisa e da ciência no Brasil. É na resistência que encontramos formas de continuar sobrevivendo e lutando por um país mais justo e igualitário. Agradecemos também aos pareceristas que contribuíram com a revista e nos ajudaram a manter a qualidade de nossa publicação. Leia Mais

Faces de Clio. Juiz de Fora, v.7, n.13, 2021.

Arte e política: Raça, gênero e nacionalidades

Editorial

Dossiê

Expediente

Artigos

Publicado: 2021-04-27

“Os dois tributos” do Pastor Natanael Cortez: escrita de si, biografia e memória do Presbiterianismo | Marcos José Diniz Silva

“Os dois tributos” do Pastor Natanael Cortez: escrita de si, biografia e memória do Presbiterianismo | Marcos José Diniz Silva| Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v. 14, n.40, 2021.

 

“O mais célebre santuário do mundo”: romarias e o espaço sagrado no Santo Juazeiro (1920-1936) | Magno Francisco de Jesus Santos

“O mais célebre santuário do mundo”: romarias e o espaço sagrado no Santo Juazeiro (1920-1936) | Magno Francisco de Jesus Santos | Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v. 14, n.40, 2021.

 

 

Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial | Revista Brasileira de História das Religiões | 2021 (D)

Filosofia e Historia da Biologia 37 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
Assim caminha a religiosidade. Imagem: ValmirSarmento.wordpress.com |

Apresentação

Nós só temos uma certeza

É que a vida tem um norte

Que nos leva para a morte

Faz parte da natureza

E nisso temos clareza.

No mundo qualquer sujeito

Tem tudo o mesmo direito

Não se fazendo mistério

– RICO OU POBRE, O CEMITÉRIO

RECEBE DO MESMO JEITO.

(Mote inspirado em Dalinha Catunda)

O ano de 2020 foi duramente impactado pela pandemia de Covid-19. Contaminação, isolamento, distanciamento social e mortes fizeram parte de nossa realidade nos últimos meses, afetando a todos ainda que de diferentes maneiras. Rituais foram interditados, reduzidos e ressignificados em alguns momentos e este local de despedida e homenagem foi esvaziado de sociabilidades e práticas religiosas, mas infelizmente ocupado pelos numerosos cadáveres vítimas dessa doença. Não apenas como um local cercado onde cadáveres são enterrados, o cemitério enquanto espaço para as manifestações religiosas também sentiu os efeitos dessa mudança recente, celebrações de devoções coletivas e individuais foram neste contexto interditadas. A sepultura enquanto signo da presença do morto para além da morte (ARIÈS, 1975) não pode cumprir plenamente sua função: ainda que continue afastando o cadáver agora contaminado, não permite rituais e simbologias que expressem essa passagem e recordação para os familiares e entes queridos.

Esta dimensão sagrada neste espaço de sepultamentos é encontrada em diversas culturas e é objeto de grande produção historiográfica no Brasil. Um de seus percursores é o sociólogo Clarival do Prado Valadares que na sua obra já clássica Arte e Sociedade nos Cemitérios Brasileiros enfatiza a transferência na crença de qualidades místicas dos mortos, ou a denominação de almas santas, que antes era limitada a padres para os mortos comuns com a laicização dos cemitérios (VALADARES, 1973, p.441). Sepulturas cujos mortos são dotados de algum tipo de santificação ou poder místico estão presentes em diferentes espaços e tempos. Devoções temporárias ou seculares não indicam um só modelo de morto. Do bandido à criança, vítimas de doenças, epidemias ou assassinatos, a diversidade no caráter do escolhido é tão ampla como a causa de seu falecimento. As formas de manifestação dessas devoções também são distintas, das mais comuns placas passando por gêneros alimentícios, objetos sagrados ou profanos, alguns permanecem e outros inéditos são acrescentados a este rol de ex-votos. A grande possibilidade de promessas, segundo Maia, indica como é a compreensão do milagreiro na vida desses devotos (MAIA, 2019, p. 127).

Essa espontaneidade devocional inspira a análise dessas práticas. Independente da vida ou do bom ou mau exemplo, da aprovação ou não de uma instituição religiosa, o milagreiro estabelece uma relação íntima com o devoto, um afeto concreto e sentido (ANDRADE JÚNIOR, 2008, p.97) Nesta chamada temática o objetivo geral foi reunir pesquisas que discutiram o cemitério para além desse espaço de sepultura dos mortos. Os textos aqui publicados procuraram identificar neste espaço as crenças, vivências e práticas religiosas articulando a necrópole com experiências variadas de devoção e representações individuais da fé.

Nessa perspectiva, reunimos textos que trazem contribuições para o debate do cemitério como espaço possível de múltiplas manifestações religiosas. Nossa amostra aqui publicada, indica as variadas possibilidades de abordagem dessa temática e a abundância de fontes e de pesquisas com diferentes interesses.

A chamada contém cinco artigos em que as relações entre as religiosidades e os cemitérios são pesquisadas a partir de abordagens específicas que apontam para as possíveis dinâmicas desse objeto de estudo. No primeiro artigo de Ludimila Campos, Piedade Mariana e hibridismo cultural na catacumba de Santa Priscila e no sarcófago de Adelfia (séc. III-IV) o processo de enterramentos subterrâneos na Roma Antiga e a mistura entre culturas pagãs e o cristianismo permitem ao pesquisador entender como certos elementos foram apropriados pela nova crença. As inscrições nos sarcófagos caracterizam a riqueza de fontes possíveis para evidenciar o hibridismo que é a marca dessas manifestações. O artigo demonstra como nestes espaços já existia uma religião mortuária pagã e que com o cristianismo essa cultura funerária recebeu novas particularidades.

O segundo artigo é marcado por um grande salto cronológico e espacial. Em Consolo escatológico: cemitérios, morte e porvir em relatos e obituários adventistas durante a Gripe Espanhola, Allan Macedo de Novaes problematiza a questão do espaço cemiterial para uma instituição religiosa em que tal aspecto foi pouco explorado. Sua grande contribuição nessa pesquisa está na análise de um conjunto riquíssimo de fontes que apresentam os cemitérios como espaços de disputa para os membros da Igreja Adventista neste contexto de epidemia, em que o evangelismo e a confirmação da doutrina indicam o predomínio dos ritos fúnebres dirigidos por consolo escatológico. O artigo questiona como a não crença no além e as narrativas apocalípticas influenciam os sentidos de morte e salvação que rondam o lugar do cemitério nas narrativas adventistas da Revista Mensal.

Os milagreiros de cemitério são o tema do artigo Maria Adelaide (XIX) e Antero da Costa Carvalho (XX) a religiosidade popular no espaço cemiterial de Jaciely Soares Silva. A questão da religiosidade popular é analisada a partir de dois estudos de caso um do Brasil e outro de Portugal. Nesta perspectiva, o artigo discute a devoção a Antero em Catalão-GO, Brasil, que em 1930 foi linchado pela população e, Adelaide, pertencente à freguesia de Arcozelo, em Portugal, exumada em 1916, muitos anos após seu falecimento e que seu corpo foi encontrado incorrupto. Casos distintos, em espacialidades distantes, mas que possuem pontos de união, manifestada principalmente pela superação de sua existência privada para a esfera de um sagrado coletivo. A dimensão da apropriação e ressignificação desses mortos constitui elementos de um poder popular de escolha de suas devoções. O protagonismo do devoto é enfatizado nestes dois exemplos.

Nós que aqui estamos a vós ajudamos é o artigo dos pesquisadores José Cláudio Alves de Oliveira e Edvania Gomes de Assis Silva. A comparação entre duas manifestações religiosas cemiteriais é apresentada no texto a partir das análises da devoção nos Estados Unidos no espaço da sala de milagres do cemitério de São Roque (Saint Roch), em Nova Orleans; e no Brasil, no Cemitério da Consolação em São Paulo, nos túmulos de Antônio da Rocha Marmo e de Maria Judith de Barros. O significado cultural do espaço cemiterial é abordado nessa análise que percebe na presença e riqueza de ex-votos a dimensão incontrolável da devoção aos mortos e sua capacidade de interceder nos pedidos dos vivos. Nesta pesquisa, a conexão entre morte ou morto e a graça que pode ser concedida evidencia os múltiplos sentidos dessa devoção. Maria Judith de Barros pode ser solicitada igualmente por estudantes que enfrentam concursos como Enem ou Vestibular e pessoas que estão com problemas conjugais ou desejam adquirir uma casa própria.

Finalizando o volume, contamos com o artigo Morte e cemitério na memória coletiva e identidade étnica dos pomeranos e seus descendentes no Brasil de Renata Siuda-Ambroziak e Cione Marta Raasch Manske. O objetivo deste artigo é refletir sobre o papel da morte e o local do cemitério na memória coletiva entre os pomeranos e descendentes assentados em Santa Maria de Jetibá, no Espírito Santo. A contextualização da inserção dessa comunidade e a articulação com a questão religiosa, já que se configurava em um grupo luterano, influenciaram a ênfase em aspectos étnicos que reforçassem as origens. Os três cemitérios analisados na pesquisa, exemplificam a manutenção das tradições, e também os conflitos entre questões identitárias e a nova realidade enfrentada pela comunidade.

A chamada temática procurou avançar na temática a partir de diferentes propostas teórico-metodológicas em que este espaço dos mortos, o cemitério, permite a compreensão de diversificadas formas de devoção e religiosidade, marcadas pela valorização deste espaço e da memória desse indivíduo morto. Esta dimensão do cemitério permite a compreensão das transformações nos processos do morrer e de nossa relação com os mortos, o que atrai, afasta ou leva ao total esquecimento uma devoção. Num momento tão trágico para a História da Humanidade e especialmente para o Brasil, pensar na valorização dos cemitérios, práticas de memória e o culto aos mortos é um desafio diário e uma forma de resistência.

O volume finda com artigos livres.

Dra. Adriane Piovezan (FIES – Faculdades Integradas Espírita)

Dr. Lourival Andrade Júnior (UFRN-CERES-DHC/Programa de Pós-graduação em História dos Sertões)


PIOVEZAN, Adriane Piovezan; ANDRADE JÚNIOR, Lourival. Apresentação – Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial. Revista Brasileira de História das Religiões. Marigá, v.14, n.40, p.5-8, maio / ago. 2021. Acessar publicação original [IF].

Acessar dossiê

Revista Brasileira de História das Religiões | Maringá, v.14, n.40. (S)

Publicado em 2021-04-26 | v.14, n.40 (2021)

CHAMADA TEMÁTICA | Manifestações das religiosidades no espaço cemiterial

ARTIGOS LIVRES 

Piedade mariana e hibridismo cultural na catacumba de Santa Priscila e no sarcófago de Adelfia (séc. III-IV) | Ludimila Campos

Piedade mariana e hibridismo cultural na catacumba de Santa Priscila e no sarcófago de Adelfia (séc. III-IV) | Ludimila Campos | Revista Brasileira de História das Religiões. Maringá, v. 14, n.40, 2021.

Experiências em Ensino de Ciências. Cuiabá, v.16, n.1, 2021.

Artigos

Publicado: 2021-04-25

Meridiano 47 – Journal of Global Studies. Brasília, v.22, 2021.

Artigos

Publicado: 2021-04-20

Carta Internacional. Belo Horizonte, v.16, n.1, 2021.

História e Direito: Reflexões Contemporâneas | Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade | 2020

A vida e a trajetória acadêmica dos pesquisadores repleta de simbolismos e superações, muitas vezes alterando as suas percepções, com o passar dos anos e a descoberta de novos elementos, alternam, complementam ou aperfeiçoam o seu próprio entendimento, conformando-se à realidade dos novos tempos, motivo pelo qual a atual edição da Revista Cordis refere-se ao Dossiê História e Direito: Reflexões Contemporâneas.

É essencial salientar que este periódico não realiza censura prévia do conteúdo dos artigos dada as diretrizes democráticas traçadas pelo editor e pelo programa de pós-graduação, sendo evidente que a responsabilidade pelas explanações, ideias, manifestações, opiniões é exclusiva dos autores dos artigos científicos, o que é exigível em um Estado Democrático de Direito de acordo com o princípio da liberdade de expressão e de livre pensamento, com adequada responsabilidade. Leia Mais

Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, v.2, n.25, 2020.

Dossiê: História e Direito: Reflexões Contemporâneas

Apresentação

Artigos

Poesias

Homenagem

Publicado: 2021-04-17

Diálogos. Maringá, v.25, n.1, 2021.

Literatura e Historia: testimonios y negaciones. Modos de significar el desborde y operaciones de exclusión.

Editorial

Mesa Redonda

Artigos

Publicado: 2021-04-16

Literatura e Historia: testimonios y negaciones. Modos de significar el desborde y operaciones de exclusión / Diálogos / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 27 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
Moby Dick | Imagem: Letras In.Verso Re.Verso |

Los trabajos que se presentan en esta mesa redonda cuestionan, desde el análisis de producciones literarias específicas, los modos de representación de la realidad nacional con que los discursos oficiales escribieron su historia. Las nociones de desborde (Matos Mar, 2004) y negación (Kusch, 1975) en su relación dialéctica de oposición, contraste y tensión, estructuran las hipótesis de sentido que progresan, de manera fundamentada y certera, a lo largo de las investigaciones. De este modo, se hace evidente la manera en que el discurso historiográfico se asienta sobre parcialidades ideológicas que generan subalternidades. Sin embargo, por medio de una revisión atenta, concretamente desde la literatura y su específica habilidad de recrear imaginarios sociales, podríamos apropiarnos de los sentidos subliminales, de las voces silenciadas y de las identidades marginales que en ese espacio circulan.

La injerencia de la historia en la literatura, en consecuencia, hace visible la manera en que determinados sectores sociales hegemonizaban el poder de representación simbólica y excluían otras prácticas identitarias geoculturales. Nos referimos, concretamente, a esos colectivos que van a contramano del interés homogeneizador del Estado y generan, por esa cualidad intrínseca, malestar, incomodidad y rechazo. En este contexto, Domingo Ighina y Sabrina Rezzónico se encargan de mostrar cómo fueron operando los mecanismos discursivos e ideológicos de exclusión de esos sectores disidentes en la literatura argentina en el nacionalismo de la primera mitad del siglo veinte y en las nuevas configuraciones sociales motivadas por las transformaciones urbanas a finales del siglo XX y principios del XXI. No es casual que la novela de anticipación sea materia de análisis de sendas investigaciones ya que aquél género es ideal para describir imaginarios sociales y proyectar la crítica del presente hacia un futuro distópico. Leia Mais

Escrita da História. [?], v.7, n.13, jan./jun. 2020.

História da historiografia contemporânea: crítica, escrita e historicidade

EDITORIAL

APRESENTAÇÃO

DOSSIÊ: HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA CONTEMPORÂNEA: CRÍTICA, ESCRITA E HISTORICIDADE

ARTIGOS LIVRES

PUBLICADO: 16/04/2021

A verdade sobre a tragédia dos Romanov | Marc Ferro

O livro de Marc Ferro, A verdade sobre a tragédia dos Romanov2, já é provocativo pelo título. Em História, nos anos iniciais de formação, se aprende que a “verdade” não existe em estado puro, ou seja, ela é fruto de uma série de condicionantes que podem variar conforme a “lente” do pesquisador é manejada. A “verdade”, na pesquisa histórica, é sempre um juízo de algo a partir de um conjunto de fontes. No caso da obra de Marc Ferro, o termo ganha mais destaque se levarmos em conta que durante décadas se acreditou ou se divulgou, que toda a família do tzar Nicolau II, teria sido executada pelos bolcheviques e, de repente, surge a possibilidade de alguns de seus membros terem sido poupados. As filhas do tzar russo, Olga (22 anos), Tatiana (21 anos), Maria (19 anos) e Anastasia (17 anos), teriam sido poupadas do fuzilamento em julho de 1918.

As controvérsias a respeito do destino dos Romanov nos Urais começaram imediatamente após a divulgação da execução de Nicolau II. Em 23 de julho de 1918, os próprios bolcheviques, parte deles ao menos, noticiaram a morte do tzar no jornal Ouralski Rabotchi, no referido periódico o texto era claro ao dizer que o ex-soberano foi morto, sendo a esposa e os filhos levados para local seguro.3 Porém, em um documento atribuído a Trotski, Comissário da Guerra, este teria questionado Iankel Sverdlov4 sobre a família Romanov e foi informado de que todos estavam mortos. Leia Mais

Global History | Jürgen Osterhammel e Pierre-Yves Saunier

É de comum acordo entre os historiadores e as historiadoras que nossa disciplina tem sua história e que nossas perguntas para as fontes variam com o contexto, as sociedades e suas culturas. Desde a institucionalização da disciplina, com as escolas metódicas do século XIX, até as várias renovações historiográficas dos anos 70 a 90, cada epistemologia trouxe contribuições que enriquecem nosso campo. A partir disso, buscamos analisar o artigo Global History, de Jürgen Osterhammel junto ao comentário de Pierre-Yves Saunier, publicados no livro Debating New Approches to History. Leia Mais

Hydra. Guarulhos, v.5, n.9, 2021.

Em defesa do Patrimônio Natural: o historiador e o meio ambiente

Expediente

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Editorial

Artigos Livres

Notas de Pesquisa

Resenhas

Publicado: 2021-04-15

A política da fé e a política do ceticismo | Michael Oakeshott

Em meio ao turbulento cenário político que o Brasil tem vivido nos últimos anos, com a polarização do debate entre grupos de “direita” e de “esquerda”, é visível em muitos lugares o empobrecimento do repertório político e a baixa qualidade das discussões. Nesse sentido, a obra póstuma do historiador britânico Michael Oakeshott (1901-1990), produzida na década de 19502 e publicada pela primeira vez em 1996 pela editora Yale University Press, intitulada The Politics of Faith and The Politics of Scepticism, e publicada no Brasil, no ano de 2018 pela editora É Realizações, vem em boa hora para auxiliar na reflexão de acadêmicos e pesquisadores que discutem temas políticos e sociais.

Sobre Michael Oakeshott, ele nasceu no ano de 1901 na Inglaterra e estudou História na Universidade de Cambridge. Tendo sido professor por um curto período de tempo na Universidade de Oxford, Oakeshott se tornou professor catedrático de Ciência Política na London School of Economics e foi o responsável pela criação do curso de mestrado em História do Pensamento Político na instituição. Como pensador e escritor, podemos localizar as ideias e as obras do autor na chamada “tradição conservadora britânica”, que tem como principal herança ideias e conceitos provenientes da tradição filosófica “cética” e “empírica”. Leia Mais

Hipátia. São Paulo, v.6, n.1, 2021.

 

Em defesa do Patrimônio Natural: o historiador e o meio ambiente | Revista Hydra | 2021 (D)

Filosofia e Historia da Biologia 35 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
Gucci Equilibrium | Foto: Divulgação |

Após um ano da pandemia de COVID-19, nos encontramos em um país desgastado pela má gestão do governo federal e pelo despreparo e desprezo do poder executivo. Os sintomas deste panorama não se restringem apenas à área da saúde pública, principal atingida neste contexto. A cada dia, vemos o crescente sucateamento da educação, o pífio investimento no campo cultural, o enfraquecimento das bases democráticas e o pouco caso na preservação ambiental.

Neste novo número da Revista Hydra, renovamos nosso compromisso com os temas mais urgentes sob o olhar crítico de pesquisadoras e pesquisadores da História e campos afins. Apesar do clima doloroso, é com imensa felicidade que apresentamos o dossiê Em defesa do Patrimônio Natural: o historiador e o meio ambiente. Leia Mais

Atlânticas: encontros entre mulheres africanas e da diáspora negra brasileira | Oficina do historiador | 2021

Oh paz infinita pode fazer elos de ligação numa história fragmentada.

África e América e novamente Europa e Ásia.

Angola, Jagas e os povos de Benin de onde vem minha mãe. Eu sou Atlântica”.

(Beatriz Nascimento)4

Este dossiê parte da referência e reverência à historiadora negra brasileira Maria Beatriz Nascimento (1942–1995). A intelectualidade produzida por Beatriz é ponto de partida para as confluências e conexões buscadas neste dossiê com o continente africano, em cujas terras a historiadora se fez presente corporal e mentalmente e dela produziu uma de suas obras referenciais, o filme Ôrí. Com texto e narração de Beatriz e direção de Raquel Gerber, Ôrí documenta os movimentos negros brasileiros entre 1977 e 1988, entre esses, organizações carnavalescas e bailes black, passando pela relação entre Brasil e África, tendo o quilombo como ideia central e apresentando, dentre seus fios condutores, parte da história pessoal de Beatriz, com narrações da mesma (RATTS, 2007, p. 28). É de fundamental importância que, no contexto de uma revista focada no conhecimento científico em História, coloquemos em primeiro plano uma grande teórica do pensamento negro brasileiro e diaspórico, cuja produção foi invisibilizada pelo racismo e pela branquitude acadêmica colonial. Que os textos de além-mares e terras africanas que se encontrarão com os textos da diáspora negra sejam abraçados pelas negras ideias de Beatriz. Façamos através e a partir de nós, cujo pensamento é prática e teoria, Atlânticas. Leia Mais

Oficina do Historiador. Porto Alegre, v.14, n.1, 2021.

APRESENTAÇÃO

DOSSIÊ: MÍDIAS E HISTÓRIA

DOSSIÊ: MULHERES ATLÂNTICAS

ARTIGOS

RESENHAS

Publicado: 2021-04-13

Mídias e História | Oficina do historiador | 2021

A proposta do dossiê Mídias e História foi motivada de um interesse específico d@s organizador@s 2 e, também, pela fundação, no ano de 2020, do Grupo de Trabalho História e Mídia (ANPUH-RS) do qual fazemos parte como fundadores. Desde o final do século XX, tem-se verificado uma significativa ampliação no âmbito historiográfico de pesquisas que utilizam as mídias como fonte e como objeto de pesquisa. Tais pesquisas têm mostrado uma gama ampliada de temas e de abordagens, evidenciando a riqueza do emprego dos meios de comunicação para a compreensão histórica do mundo.

Acompanhando esta tendência, percebemos uma considerável diversificação do instrumental teórico metodológico, que vem produzindo novas reflexões sobre o tema, especialmente aquelas que dizem respeito às suas relações com as diferentes formas de poder em conformidade com mecanismos hegemônicos de sua produção e sua circulação. Nesse sentido, percebemos que, nas pesquisas recentes, as formas de conceber as mídias, em especial, a imprensa, ora como “espelho da realidade” ora como simples instrumento de “manipulação de informação”, na defesa de interesses econômicos e políticos exteriores a seu campo de produção, estão sendo preteridas em relação às abordagens que privilegiam uma concepção de mídia como construtora de narrativas portadoras de visões de mundo. Cabe, ainda, salientar que as novas abordagens têm procurado reconhecer que os diferentes meios de comunicação buscam ocupar, de distintos modos e em diversos períodos históricos, como que, uma posição ativa na delimitação e na resolução dos temas politicamente relevantes e, assim, na constituição da memória e da identidade dos sujeitos. Leia Mais

História, Debates e Tendências | Passo Fundo, v. 21, n. 1, 2021.

 


História, Debates e Tendências. Passo Fundo, v. 21, n. 1, 2021.

Dossiê: História da Saúde e das Doenças: Instituições, Discursos e Relações de Poder | Publicado: 2021-01-04

Editorial

Dossiê


The Sexual Question: A History of Prostitution in Peru, 1850s-1950s | Paulo Drinot

A few years ago, while reviewing archival material on Valparaíso, Chile, I ran across reports of women engaging in sex work in temporary housing after the 1906 earthquake. The authorities quickly made it clear that sex work itself was not the main issue; much more important was where it was happening. I thought there was a much larger story to be told, but since I was researching a rather different topic, I took a picture and made a note of it. Paulo Drinot, in his new book The Sexual Question: A History of Prostitution in Peru, 1850s-1950s, takes on the subject of sex work in Peru and does so by drawing on an enormously wide range of sources, care for geography, and an attention to historical change from various angles. Leia Mais

Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a Distância. São Paulo, v.2, n. Especial, 2021.

Estratégias Ativas na EAD: abordagem digital no processo de ensino e aprendizagem

Publicado: 2021-04-08

Artigos

Migrações Contemporâneas: Reflexões e práticas profissionais | José Sterza Justo e Mary Yoko Okamoto

Movimentos coletivos e deslocamentos individuais voluntários e forçados fazem parte da constituição da humanidade, entretanto, a intensificação do ir e vir no mundo atual tem se ampliado dado as condições sociais possibilitadas pela globalização e pelo avanço tecnológico dos meios de transporte e comunicação. Compreender essas dinâmicas, assim como os fluxos e refluxos, além das mobilidades geográficas e psicossociais, os trânsitos e as formações identitárias, são os objetivos centrais da obra Migrações contemporâneas: reflexões e práticas profissionais organizada pelos psicólogos José Justo e Mary Okamoto. O caráter interdisciplinar desse empreendimento, entretanto, justifica-se pela variedade de temas, enfoques, métodos e profissionais que fazem desta obra que veio à baila em 2019.

O primeiro capítulo, batizado Migrações, multiculturalismo e identidades: revisitando conceitos, produzido pelos psicólogos Marcelo Naputano e José Justo busca a partir de uma abordagem conceitual explicar as transformações e abrangências das concepções de cultura, fronteira e identidade. Leia Mais

Tempos Históricos. Marechal Cândido Rondon, v.25, n.1, 2021.

PÁGINAS INICIAIS

ARTIGOS

RESENHAS

RELATOS DE PESQUISA

TRADUÇÃO

Educação a distância e tecnologia digital: interação, atitude e aprendizagem | Agnaldo Oliveira

O autor, Agnaldo de Oliveira, é brasileiro, com doutorado em Matemática pela Unesp (Rio Claro – SP), docente da rede municipal de ensino de Campo Grande – MS, pesquisador nas áreas de Formação Continuada de Professores e de Tecnologias de Informação e Comunicação.

O presente livro é fruto da pesquisa de mestrado, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Nele, Oliveira analisa os estudos realizados sobre o uso de tecnologias digitais no ensino e aprendizagem de funções do primeiro e segundo grau na exploração de propriedades de triângulos e quadriláteros. Para este efeito, além de introdução e conclusão, dividiu a obra em três capítulos, a saber: 1. Formação de Professores e Tecnologias Digitais: interação, atitudes e aprendizagem, que corresponde ao referencial teórico, tendo optado pelos estudos sobre “estar junto virtual” e a atitude de “habitante”, e é partir deles que foi possível analisar as possibilidades de aprendizagens dos sujeitos com o uso do computador em ações na modalidade EaD; 2. Caminho Metodológico da Pesquisa, no qual delineia o caminho percorrido na investigação e a constituição do grupo de estudo, nomeadamente os participantes da ação formativa. Neste capítulo são também apresentados o ambiente virtual de aprendizagem (AVA), espaço em que ocorre o desenvolvimento da ação de formação, e a proposta de ação de formação; 3. Uma Experiência com Formação de Professores de Matemática em EaD: possibilidades de aprendizagem em AVA, no qual apresenta a análise de dados a partir de três categorias: aprendizagem do conceito matemático, aprendizagem na interação entre sujeitos e atitude do formador. Leia Mais

Ensaios de História. Franca, v.21, n.1 2020.

Artigos

Resenhas

Publicado: 2021-04-07

Boletim Historiar. São Cristóvão, v.8, n.01 (2021): Jan./Mar. 2021.

Artigos

Publicado: 2021-04-07

Manual de Arqueologia Pré-histórica | Nuno Ferreira Bicho

Introdução

Antes mesmo de ser considerada e nomeada como ciência efetiva, em meados do século XIX, a Arqueologia já intrigava e despertava a curiosidade e o fascínio de colecionadores e estudiosos. E isso teria se dado não pela sua teoria em si, mas pelo seu objeto de estudo: a cultura material, com objetos e documentos preciosos de um tempo passado. Sua construção como ramo do conhecimento perpassa, desta forma, as fronteiras do acatamento em uma única disciplina.

Em outras palavras, é uma matéria interdisciplinar tanto em sua prática2 quanto em sua própria concepção3. Entretanto, além de interdisciplinar, dialoga tanto com o ambiente acadêmico/intelectual, quanto com o ambiente leigo, pois seu acesso é majoritariamente visual, palpável, fazendo-se entender pelo grande público (e despertando a curiosidade deste mesmo por ser um contato com o passado, tão “remoto” e “desconhecido”). Leia Mais

 Ensaios de História. Franca, v.21, n.1, 2020.

Artigos

Resenhas

Publicado: 2021-04-07

 

Revista de Fontes. São Paulo, v. 7, 13, 2020.

Diplomática e História | 

Artigos |

Publicado: 2021-04-06

Histórias da pobreza no Brasil | Fabiano Quadros Rückert, Jonathan Fachini da Silva, José Carlos da Silva Cardoso e Tiago da Silva Cesar

A deflagração do estado de calamidade pública causado pela pandemia do Covid-19 trouxe à tona a reflexão sobre o complexo e multidimensional fenômeno da pobreza em países como o Brasil. A pandemia emergiu a necessidade de o Estado brasileiro intervir com um programa de assistência social provisório (medida contrariada e segurada até a último fôlego pelo presente Governo) de modo a conter o impacto do desemprego e da retração econômica gerada pela quarentena. Fato curioso é que este cenário instável forçosamente gerou um efeito colateral positivo, embora efêmero: a redução da taxa de extrema pobreza com a distribuição das parcelas do auxílio emergencial, a mais relevante diminuição ocorrida em quatro décadas conforme dados recentes da Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2020). Por outro lado, o término deste auxílio emergencial, previsto para o final deste ano, já indica um retorno absurdo do fenômeno: cerca de 15 milhões de brasileiros serão devolvidos para a miséria, consequentemente devolvendo ao Brasil a trágica alcunha de “epicentro emergente da fome extrema”.

Neste cenário distópico, a leitura do livro “Histórias da Pobreza no Brasil” (Ed. FURG, 2019), volume 6 da Coleção Direito e Justiça Social, se torna praticamente obrigatória. Organizado pelos professores e pesquisadores Fabiano Quadros Rückert, Jonathan Fachini da Silva, José Carlos da Silva Cardozo e Tiago da Silva Cesar, a proposta da publicação foi compor uma obra que contemplasse diferentes escalas de análise sobre a pobreza associadas as particularidades históricas e socioeconômicas desde o Norte ao Sul do Brasil. Leia Mais

História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.13, n.25, 2021.

Direitos das Crianças e Adolescentes na América Latina – Homenagem a Profa. Esmeralda Moura (Edição Especial/2021)

Expediente

Editores RBHCS

Apresentação

Apresentação ao Dossiê

Dossiê

Artigos Livres

Resenhas

Publicado: 2021-04-05

Direitos das Crianças e Adolescentes na América Latina – Homenagem a Profa. Esmeralda Moura / Revista Brasileira de História & Ciências Sociais / 2021

Filosofia e Historia da Biologia 33 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
Meninos e meninas de rua ocupam o Congresso Nacional para aprovar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1989 | Foto: Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua |

Queridos e queridas leitoras, é com o coração contrito que apresentamos o dossiê temático intitulado Direitos das Crianças e Adolescentes na América Latina que trás junto a si o complemento Homenagem a Profa. Esmeralda Moura.

Homenagear alguém não deveria de ser esporádico ou surpreendente, ainda mais porque “flores” devem ser oferecidas em vida, o reconhecimento de ações especiais deve ser valorizado constantemente. Mas, há pessoas que marcam nossas existências de forma especial, Esmeralda Blanco B. de Moura foi uma delas. E o presente dossiê é dedicado ao seu legado.

A querida professora Esmeralda, com seu carinho, voz suave e doce, senso democrático e rigor científico, conseguiu cativar uma legião de pesquisadores a se interessarem por um seguimento da história que por muito tempo foi dado pouca ou nenhuma atenção: as crianças e adolescentes.

Profa. Esmeralda, juntamente com Maria Luiza Marcílio, Eni Samara e Mary Del Priore, todas docentes na Universidade de São Paulo (USP) e vinculadas ao Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina – CEDHAL/USP, tiveram a ambição de trazer luz para a história da família e da criança numa época em que poucos estudiosos tinham esses como objetos privilegiados de investigação.

Esta querida professora, que nos deixou no dia 03 de abril deste ano, era uma mulher combatente pela História e pelos direitos das crianças e adolescentes no Brasil, foi professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História Econômica da USP, Diretora do CEDHAL, uma das fundadoras do Grupo de Trabalho História da Criança e do Adolescente da Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil), tendo sido sua primeira coordenadora, e da Red de Estudios de la Historia de las Infancias en America Latina (REHIAL), ocupando inicialmente a posição de coordenadora brasileira.

Mesmo aposentada, ainda continuou lecionando, orientando, pesquisando e publicando suas descobertas, sendo que uma de suas últimas publicações se deu justamente no dossiê por nós organizados no volume anterior da RBHCS1.

Tínhamos escrito uma apresentação diferente, fazendo alusão aos dados relacionados a violência contra as crianças no Brasil e na América Latina nesses tempos pandêmicos, reforçando a necessidade de manutenção e ampliação da rede de proteção e assistências aos mesmos, discorrido sobre a importância dos 15 artigos reunidos neste dossiê, mas, com consentimentos os Editores deste prestigioso periódico, repensamos aquela apresentação para fazer algo mais pessoal e prestar essa justa homenagem a profa. Esmeralda e afirmar que seu legado continuará presente em mais gerações de professores e pesquisadores da história das crianças e dos adolescentes.

Saudades.

Rio Grande/RS-Recife/PE, Outono de 2021

Humberto da Silva Miranda

José Carlos da Silva Cardozo

Organizadores do dossiê temático

Humberto da Silva Miranda – Doutor e Pós-Doutor em História (UDESC). Professor Adjunto na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Docente Permanente do PPGE/UFRPE.

José Carlos da Silva Cardozo – Doutor e Pós-Doutor em História Latino-Americana (UNISINOS). Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Docente Permanente do PPGH/FURG.


MIRANDA, Humberto da Silva; CARDOZO, José Carlos da Silva. Apresentação do dossiê Direitos das Crianças e Adolescentes na América Latina – Homenagem a Profa. Esmeralda Moura. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.13, n. 25, Edição Especial [maio], 2021 Acessar publicação original [IF].

Acessar dossiê

Revista Brasileira de História da Ciência. Rio de Janeiro, v.13, n.2, 2020.

Historia Agraria de América Latina. Santiago do Chile, v.2, n. 01, april, 2021.

Presentación

Artículos

Reseñas

Folia Histórica del Nordeste. Resistência, n. 41, 2021.

Artículos

Reseñas Bibliográficas

  • Reseña de la obra de María Inés Montserrat (2020). Pobladores de Luján: devoción, pestes y malones: 1700-1750. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Academia Nacional de la Historia. (270 pp.).
  • Gabriela de las Mercedes Quiroga |
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  • Reseña de la obra de Mónica Daldovo (2021). Formosa: de lo frustrado a lo logrado. Pervivencia de las Ligas Campesinas en las actuales políticas agropecuarias del Estado provincial. Rosario: Prohistoria. 103 pp.
  • Emilia Sol Delgado |
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  • Reseña de la obra de Pablo Lapegna (2019). La Argentina transgénica: de la resistencia a la adaptación, una etnografía de las poblaciones campesinas. Buenos Aires: Siglo XXI. 272 pp.
  • Darío Agustín Machuca |

Caminhos que levam à cidade. O protagonismo do IAB na politica urbana | Vera França e Leite

Recém-lançado em janeiro de 2021, por ocasião das Comemorações do Centenário do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), o livro Caminhos que levam à cidade – o protagonismo do IAB na política urbana brasileira, de autoria da arquiteta urbanista Vera França e Leite, examina com profundidade a trajetória e o empenho do Instituto, dirigido a proporcionar um ambiente urbano seguro, equilibrado, saudável e receptivo aos seus cidadãos e cidadãs.

Baseado originalmente em sua tese de doutoramento, os cinco capítulos e subcapítulos que compõem o livro permitem ao leitor percorrer um largo período da história do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB, de 1953 a 1988, mediante uma linguagem de fácil assimilação e compreensão, visivelmente com o propósito de atingir um público que não se limita unicamente à categoria profissional de arquitetos e urbanistas. Com o mesmo objetivo, Vera desenvolve sua narrativa por um fio condutor, comprovando-a em documentos originais do acervo de IAB e outras fontes, onde destaca particularidades e, evidencia a continua persistência do Instituto em se fazer ouvir. Se em alguns momentos, particularmente após o golpe de 1964, essa persistência, pautada por uma atitude permanentemente crítica, porém propositiva, conviveu com difíceis e intrincadas negociações, mais das vezes improdutivas, por outro lado, o ideário construído pelo Instituto, notadamente a partir do III Congresso Brasileiro de Arquitetos – Belo Horizonte, 1953 –, possibilitou que os conceitos e os novos paradigmas formulados, alcançassem o êxito pretendido, no médio e longo prazo. Leia Mais

Leon Battista Alberti, humanismo e racionalidades modernas | Mário Henrique S. D’Agostino

O primeiro lanço de olhar sobre o título e o índice deste livro que o leitor possui à frente é provável que tenha suscitado em muitos uma tácita inquietação. De um pai florentino, Leon Battista Alberti nasceu em Gênova, no ano de 1404, e veio a falecer na caput mundi, em 1472. O que tem-nos ainda a dizer, sobretudo a nós, americanos do sul do equador, um autor vivido na Itália do século 15 – então constituída por uma miríade de senhorios em não menos numerosas variações dialetais –, notabilizado por verter i primi lumi aos alvores da Idade Moderna, porém logo obnubilado, como o fulgor de um átimo, por tantos cujos nomes mantemos mais acesos em nossa memória? No campo da política, seu princeps cedo perde posto para o maquiavélico; nas artes, sucessivos tratados há pouco ainda habitavam pranchetas e armários dos ateliês – os de Andrea Palladio e Jacopo Barozzi da Vignola na primeira fila, para atermo-nos aos mais “globais”. E não obstante podermos estender tal arrolamento a muitos outros domínios, é notório o exponencial incremento de interesse por nosso autor e sua obra. Prova disso se verifica na quantidade e na qualidade dos congressos e publicações a ele consagrados, particularmente nas duas últimas décadas – e não falamos só da Europa. No panorama brasileiro ou latino-americano, embora se advirta um pequeno aumento no número de títulos e eventos a ele dedicados, é inconteste o rumo dos ventos. Leia Mais

Revista Maracanan | Rio de Janeiro, n.26, 2021.


Revista Maracanan. Rio de Janeiro, n.26, 2021.

História Regional: novas perspectivas

  • A historiografia recente interpreta “região” como um conceito polissêmico, não apenas ligado a recortes espaciais, construídos por entidades político-administrativas, tais como os Estados-nacionais, como também a questões de identidade e de representação. O presente número da revista demonstra que a “História Regional” é um campo de pesquisa em franco desenvolvimento, partindo de problemáticas concernentes às relações entre espaço físico e espaço social, referendando que toda divisão regional parte de uma definição política. Os estudos aqui apresentados ressaltam a importância de estudos sobre o Brasil em suas múltiplas diversidades e abordagens, que vão além das esferas de poder mais tradicionais. A região também é percebida em sentido ampliado, evocando o campo das lutas simbólicas, a partir do qual, portanto, tornar-se-ia possível investigar aspectos relativos aos debates sobre identidade(s) e memória social. |

Expediente

Apresentação

Entrevistas

Dossiê

Notas de Pesquisa

Artigos

Traduções

Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v.47, n.1, 2021.

 

 

História pública e ensino de história | Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira

O estranhamento de todo dia para aqueles e aquelas que experimentam, seja na formação inicial ou continuada, seja no trabalho escolar ou na pesquisa acadêmica, o ensino de história como um campo de conhecimento, mas também de práticas profissionais, talvez seja muito semelhante à experiência de um estrangeiro olhando as suas fontes e os seus materiais, interagindo com os sujeitos do campo, buscando sempre autorizar a superação da dolorosa sensação de alheamento e exterioridade com a sua prática e a experiência que dela decorre. Quem sabe, eles não encontrem nesse belo trabalho organizado por Miriam Hermeto e Rodrigo de Almeida Ferreira, com a contribuição de especialistas sempre (ou quase sempre) compartilhando a autoridade com professores de ofício da educação básica – via de regra experimentando percursos de formação continuada –, uma aliança generosa e solidária?

Que esta resenha possa somar-se a essa aliança potente, em uma perspectiva de compreensão narrativa e empatia (RITIVOI, 2018), assumindo um lugar de professor entre professores de História. Leia Mais

Historia Crítica. Bogotá, Núm. 80 (2021)

Dossier

Dossier

Publicado abril 1, 2021

Os arquivos na Cadeia de Produção do Conhecimento – Formação Profissional | Revista do Arquivo | 2021 (D)

Bilros 2 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920

Como acontece a produção do conhecimento humano? Eis aí um dos enigmas que perpassa quase toda a história. A cada resposta esboçada, novos questionamentos se impõem. Afinal, a sociedade humana, sob todos os aspectos, está em permanente mutação, especialmente no cultural. Portanto, esse será sempre tema oportuno, sobre o qual haverá muito o que se refletir e se escrever.

Esperemos que esta nossa edição nº 12 se apresente como mais um grão no debate sobre os saberes humanos.

INTRODUÇÃO AO DOSSIÊ

“…se a Arquivologia é muito antiga como prática, é recente como saber”. Esta afirmação é do texto introdutório de Mariana Lousada, que nos oferece uma apresentação sumular do desenvolvimento dos conceitos e conhecimentos da arquivologia. Trata-se de um bom aperitivo para esta edição que nos propõe reflexão sobre a produção do conhecimento na arquivologia.

A professora doutora Marcia Pazin Vitoriano foi a nossa entrevistada para tratar do tema do dossiê. Feliz escolha da nossa editoria, Pazin tem o perfil perfeito como atuante docente do curso de arquivologia, com larga experiência em organização de arquivos e produção intelectual sobre o tema do dossiê. Não bastasse tudo isso, a nossa entrevistada é colaboradora de longas datas do Arquivo Público do Estado de São Paulo e colaboradora e membro do Conselho Editorial da Revista do Arquivo. De forma objetiva e substancial, essa querida professora aborda temas candentes e polêmicos sobre o assunto.

ARTIGOS DO DOSSIÊ TEMÁTICO

Quatro são os artigos que apresentam bem distintas abordagens sobre o tema do dossiê temático, e se somam a outros dois que tratam de temas que não dialogam diretamente com o dossiê proposto, mas abrilhantam esta edição, colaborando com excelentes reflexões que expandem o nosso conhecimento sobre os arquivos e suas fontes de informação.

Atentem os leitores desta edição para a dimensão das questões levantadas pelo artigo assinado por Beatriz Carvalho Betancourt, Eliezer Pires da Silva e Priscila Ribeiro Gomes: “a formação em arquivologia contempla as atribuições profissionais? O que a regulamentação profissional e o mundo do trabalho demandam da formação? Como a análise entre currículo, legislação e concursos públicos contribui para a harmonização entre formação, profissão e trabalho no campo arquivístico brasileiro?”. Na busca de respostas a questões desse quilate os autores do artigo intitulado Recomendações para harmonização entre formação, profissão e trabalho no campo arquivístico brasileiro atingem o âmago do proposto pela chamada de artigos, apresentando excelente reflexão teórica fundamentada em “pesquisa documental e bibliográfica em arquivologia, educação, sociologia e história”.

A classificação é atividade essencial e central dos arquivos e, portanto, um dos conceitos articuladores da área da arquivologia, cujos “desdobramentos teóricos e metodológicos foram responsáveis por alçar a Arquivologia ao posto de disciplina científica”, conforme justificam as autoras do artigo intitulado A Função Classificação na Formação do Arquivista: Uma Análise Histórica dos Modelos de Ensino dos Cursos de Arquivologia do Sudeste do Brasil, assinado por Juliana de Mesquita Pazos e Clarissa Moreira dos Santos Schmidt. Fruto de investigação empírica, Pazos & Schimidt tecem ótima reflexão teórica sobre tema crucial da área, com a originalidade de pensá-lo sob ótica do ensino no nível superior, buscando “identificar os modelos de ensino dos conteúdos fundamentais relativos à função classificação”.

A Revista do Arquivo tem o prazer de anunciar a publicação de artigo que tem originalidade como ponto forte e oferecer ao público a primeira reflexão descritiva sobre aspectos da elaboração daquele que é o “primeiro curso técnico em arquivos do Brasil”, fruto de “uma parceria entre Arquivo Público do Estado de São Paulo e Centro Paula Souza”, conforme consta no título do artigo de autoria de Antonio Gouveia de Sousa, Fernanda Mello Demai, Noemi Andreza da Penha, Aline Santos Barbosa e Flávio Ricci Arantes. Eis aí um bom motivo para se multiplicar a reflexão sobre esse importante tema, que também aparece na citada entrevista de Márcia Pazin.

Outra abordagem inusitada é publicada por Ismaelly Batista dos Santos Silva, que nos oferece a oportunidade de reflexão sobre um assunto ausente como objeto de pesquisa, que aparece explicitado no título Consultoria arquivística: da contextualização ao planejamento do consultor. Ismaelly Silva ousa afirmar que seu objetivo é “estruturar ideias passíveis de serem convertidas em conhecimento explícito”, almejando, assim, “compor referência literária para aprendizagem de potenciais consultores na área de Arquivologia”. Confiram e avaliem os leitores.

AUTORES CONVIDADOS

Desta vez, publicamos três artigos na subseção autores convidados, com temas bem distintos, mas idênticos em qualidade e relevância.

A edição nº 12 da Revista do Arquivo tem a honra de publicar o artigo cujo título já divulga o trabalho de mais de uma década sobre O processo de atualização do Plano de Classificação e da Tabela de Temporalidade de Documentos da Universidade de São Paulo (USP): desafios e soluções heterodoxas, subscrito por Ana Silvia Pires, Johanna Wilhelmina Smit, Lílian Miranda Bezerra e Marli Marques de Souza de Vargas.

Utilizando-se de narrativa descritiva de um caso, o artigo disserta sobre um processo de trabalho específico e não expõe grandes reflexões teóricas. No entanto, trata-se de um texto original, de extrema relevância, capaz de gerar pulsantes debates no meio arquivístico e, acima de tudo, que demonstra o processo de aprendizagem, de acúmulo e de produção do conhecimento exemplares a partir do “chão” de arquivos, tendo como objeto instrumentos de gestão, que são uma das pedras de toque da arquivologia: o plano de classificação e tabela de temporalidade de documentos.

Pesquisadora do teatro brasileiro, pela segunda vez publicamos artigo de Elizabeth R. Azevedo1, agora sob o título A inserção do patrimônio artístico na estrutura universitária: o caso do centro de documentação teatral (USP). O artigo trata da criação e da trajetória do Centro de Documentação Teatral na ECA/USP, reflete sobre as escolhas teórico-metodológicas para sua constituição, sua relevância para a comunidade artística, sua importância para a preservação do patrimônio histórico e cultural, bem como sua inserção na estrutura da universidade.

Não são raros os exemplos de cooperação entre instâncias universitárias e instituições executivas do poder público com finalidade de compartilhamento de benefícios mútuos para usufruto do manancial informativo cultural dos arquivos. Mirem-se no Acordo de Cooperação firmado entre a Universidade de São Paulo, por meio da área de Filologia e Língua Portuguesa, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região e a Justiça Federal de Primeiro Grau de São Paulo e do Mato Grosso do Sul. O artigo sob o título Da arquivística à produção linguística: estudo interdisciplinar de um Summario de Culpa de 1892 é um exercício multidisciplinar de exploração conjunta de uma instigante peça de processo judicial do final do século XIX, assinado por Phablo Roberto M. Fachin, Vanessa M. do Monte, Sílvio de Almeida Toledo Neto, Ana Carolina E. P. do Amaral, Ana Laura M. Cinto, Carla A. di Lorenzo Midões de Mello, Heloisa Ribeiro Bastos e Luisa Biella Caetano. Mais uma boa oportunidade para rememorarmos as profícuas interfaces entre a linguística, história e arquivos, conforme já publicamos nas edições nº 1 e nº 4 deste periódico. Vale conferir.

RESENHA

A Revisa do Arquivo realizou esforço suplementar em decorrência do falecimento de Vicenta Cortés Alonso em 4 de janeiro passado e propôs a elaboração de resenha que abordasse a obra, parte da obra ou a vida intelectual dessa arquivista que nos lega produção vasta e fecunda. Tivemos a felicidade de receber a contribuição de Rafaela Basso, Diretora de Gestão e Preservação de Documentos e Informação no Arquivo Central da Unicamp, que engrandece esta edição com sua resenha intitulada Vicenta Cortés Alonso, uma vida dedicada à luta pelos arquivos. Com ela, fica aqui registrada a nossa singela homenagem.

INTÉRPRETES DE ACERVO

Essa seção traz relatos fascinantes sobre pesquisas em arquivos, com ótimos depoimentos de pesquisadoras com suas distintas experiências, apresentando objetos de estudos muito interessantes e dicas para quem se propõe a buscar informações nos labirínticos arquivos. Façam companhia às brilhantes historiadoras Marisa Midori, Marília Cánovas e Yaracê Morena.

PRATA DA CASA

Monitoria e fiscalização: funções inusitadas em instituição arquivística. É o título da matéria do Prata. O que faz um Núcleo com essas aparentes competências expressas na sua nomenclatura? Como assim, “monitoria”? Como assim “fiscalização”? Como atua esse setor? Ele pratica, de fato, o que propõe sua nomenclatura. O que se fiscaliza? Têm os arquivos públicos essa competência?

Leia a entrevista com o diretor da área, Benedito Vanelli, e tire suas dúvidas.

VITRINE

Nesta edição, um belo depoimento de uma pesquisadora que revela com paixão as suas experiências e descobertas nos arquivos sobre A indústria oleira da Vila de Piratininga. Ao final do texto de Edileine Carvalho Vieira fica aquela sensação de “quero mais”.

O segundo texto é de Isaura Bonavita que nos toca com sua refinada crônica memorialística sob o título Lembranças miúdas.

Conteúdo de qualidade.

Atentem. Comentem. Critiquem!


Apresentação. Revista do Arquivo, São Paulo, Ano VII, N. 12, abr. de 2021. Acessar publicação original [DR]

Narrativas (auto)biográficas no cinema | Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica | 2021

A temática “Narrativas (auto)biográficas no cinema” desperta e desafia diversas problemáticas inerentes às relações entre linguagem, pensamento, temporalidade, espacialidade e vida. Tratando de um conceito antigo, a história do termo “narrativa” produziu incontáveis polêmicas e nuanças quanto às suas possíveis definições. No campo das Artes, a narrativa implicou desafios poéticos e estéticos responsáveis por dúvidas e enigmas sobre o alcance de seu estatuto ontológico. Perguntas simplistas dirigidas às sete artes acerca de suas capacidades ou condições de produzirem ou de serem – ontologicamente – narrativas marcaram uma série de debates ligados a batalhas políticas e econômicas acerca da edificação de hierarquias relativas aos níveis do sublime acerca da representação suprema do bem e da beleza. Por vezes, a narrativa foi estabelecida como o critério fundamental para se definir classicamente a prática e a obra artísticas por excelência. Leia Mais

Propiedad agraria: sus dimensiones políticas, económicas, territoriales y culturales en México y Guatemala | Historia Agraria De América Latina | 2021

Durante el siglo XX y lo que va del actual siglo, en América Latina han ocurrido diversos e importantes cambios con relación a la propiedad de la tierra. Dichos cambios están asociados con la implementación de reformas agrarias de distinto carácter y alcances muy diferentes (México, Perú, Nicaragua, Honduras y Ecuador). Asimismo, con procesos de colonización promovidos o no por el Estado (México, Guatemala, Colombia y Ecuador); y, más recientemente, con programas de certificación parcelaria y apertura o ampliación del mercado de tierras (Guatemala, Perú, México, Nicaragua, Honduras). Estas transformaciones en la propiedad de la tierra han estado ligadas tambien a la creación de nuevas categorías socio-identitarias (ejidatarios, comunidades negras, colonos), o a nuevas modalidades de clasificación de la población (comunidades indígenas renombradas como comunidades campesinas), que han derivado en el surgimiento de nuevas comunidades políticas y en una permanente pero diversa interlocución con el Estado. Los cambios en la propiedad de la tierra también han estado vinculados a importantes transformaciones territoriales, derivadas de la redistribución de tierras, la ampliación de fronteras agrícolas, el desplazamiento de unos propietarios por otros vía el mercado de tierras y, en las últimas tres décadas, por la expansión constante de una agricultura extractivista que contribuye a generar numerosos desequilibrios regionales junto con ocasionar estragos socioambientales. Leia Mais

En el espejo haitiano. Los indios del Bajío y el colapso del orden colonial en América Latin | Luis Fernando Granados

 

Resenhista

Tony Wood – Princeton University.


Referências desta Resenha

GRANADOS, Luis Fernando. En el espejo haitiano. Los indios del Bajío y el colapso del orden colonial en América Latina. México City: Ediciones Eras, 2016. Resenha de: WOOD, Tony. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 197-200, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]

Mercado/ganado y territorio. Haciendas y hacendados en el Oriente y el Magdalena Medio antioqueños (1920-1960) | José Roberto Álvarez Múnera

 

Resenhista

Bebiana Rendón – Universidad Mayor y Universidad de Santiago de Chile (USACh).


Referências desta Resenha

MÚNERA, José Roberto Álvarez. Mercado, ganado y territorio. Haciendas y hacendados en el Oriente y el Magdalena Medio antioqueños (1920-1960). Medellín:  Universidad de Antioquia/ Faculdad de Ciencias Sociales y Humanas; Fondo Editorial FCSH; Editorial Universidad Pontificia Bolivariana, 2016. Resenha de: RENDÓN, Bebiana. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 205-208, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]

Seeds of Empire: Cotton, Slavery, and the Transformation of the Texas Borderlands, 1800-1850 | Andrew Torget

Resenhista

Amie Campos – University of California. San Diego.


Referências desta Resenha

TORGET, Andrew J. Seeds of Empire: Cotton, Slavery, and the Transformation of the Texas Borderlands, 1800-1850. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2015. Resenha de: CAMPOS, Amie. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 201-204, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]

El río deja de ser. Introducción al estudio de la historia y la cultura contemporánea de la Amazonía peruana. | Ana Molina Campodónico, Ana VArela TAfur e Jorge Lossio Chávez

 

Resenhista

Adrián Lerner – Princeton University.


Referências desta Resenha

CAMPODÓNICO, Ana Molina; TAFUR, Ana Varela; CHÁVEZ, Jorge Lossio. El río deja de ser. Introducción al estudio de la historia y la cultura contemporánea de la Amazonía peruana. Lima: Pontificia Universidad Católica del Perú; Instituto Riva Agüero, 2019. Resenha de: LERNER, Adrián. Historia Agraria De América Latina, v.2, n.1, p. 209-212, abr.2021. Acesso apenas pelo link original [DR]

Revista do Arquivo. São Paulo, n.12, abr. 2021.

PÁGINAS INICIAIS

EXPEDIENTE

EDITORIAL | Sobre guerra, arquivos e produção do conhecimento | Marcelo Antônio Chaves |

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO AO DOSSIÊ

ARTIGOS

AUTORES CONVIDADOS

RESENHA

INTÉRPRETES DO ACERVO

PRATA DA CASA

VITRINE

IN MEMORIAM

Zika no Brasil: história recente de uma epidemia | Ilana Löwy

O livro de Ilana Löwy, lançado em 2019 pela coleção Temas em Saúde da Editora Fiocruz, faz um balanço das principais questões de saúde pública envolvendo a epidemia de zika no Brasil a partir de 2015 e a sua relação com os casos de microcefalia. Historiadora das ciências biomédicas e atualmente pesquisadora do Instituto Nacional Científico e de Pesquisa Médica da França (Inserm), Löwy apresenta diferentes ângulos científico-políticos dessa epidemia de forma didática, articulando uma questão fundamental: o que de fato conhecemos sobre a trajetória do vírus da zika no Brasil?

A autora articula as diferentes dimensões em um campo temático com o qual já possui bastante familiaridade. Exemplo disso são seus trabalhos anteriores sobre as práticas científicas e de saúde pública em relação à febre amarela – doença que também é transmitida pelo Aedes aegypti –, (in)visibilidades dos objetos das ciências biomédicas, diagnósticos e direito reprodutivo. Essas abordagens são mobilizadas com naturalidade e fluidez na sua proposta de uma história “recente”, como está no título, ou “do presente” e seus desafios ( Löwy, 2019 , p.13). Leia Mais

El dinero no es todo: compra y venta de sexo en la Argentina del siglo XX | Patricio Simonetto

Los arreglos por los cuales una o varias mujeres accedían a tener sexo con un varón o un grupo de varones a cambio de dinero o bienes variaron en el tiempo y el espacio. Las mujeres, mayormente jóvenes o menores de edad, podían complementar esta actividad, que podía ser ocasional, con otras vías para conseguir ingresos. Podían realizar los actos en sus domicilios, en los de los varones, en bares, sitios laborales o burdeles próximos a destacamentos militares. Con frecuencia hubo intermediación de otros varones – maridos, concubinos, rufianes, taxistas –, que se quedaban con parte del dinero, o a veces con todo. Los grados de coacción y violencia implicados en la actividad variaron. Su relación con policías, jueces y el servicio penitenciario parece haber sido frecuente. Catalogadas por los jueces como prostitutas, pocas veces y solo avanzado el siglo se nominaron a sí mismas ante la ley con dicho mote, definiéndose a partir de otras actividades ligadas a lo doméstico.

Como se desprende de este recuento, Patricio Simonetto (2019) ofrece una mirada de la compra y venta de sexo en la Argentina que no se pretende totalizante, exhaustiva ni oclusiva, sino que se presenta ante el lector o lectora como la unión de una serie de historias dispersas y en ocasiones inconexas, que el autor urde en una trama que sin pretensión de completitud, logra dislocar las miradas habituales con las que se ha pensado a dicha actividad y a quienes participaron en ella. Leia Mais

José Reis: caixeiro-viajante da ciência | Luisa Massarani, Mariana Burlamaqui e Juliana Passos

Tratar sobre a história da ciência e divulgação científica no Brasil perpassa por importantes colaboradores, entre eles, sem dúvida, José Reis (1907-2002). Com uma atuação ampla e longeva no cenário científico brasileiro, aposentou-se como bacteriologista do Instituo Biológico, foi fundador e secretário-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), integrante do Instituto Brasileiro de Educação, Cultura e Ciências (Ibecc), criador e editor do suplemento “No Mundo da Ciência” e diretor de redação da Folha de S.Paulo , divulgador da ciência em diversos veículos, como nas revistas Chácaras e Quintais, Ciência e Cultura e Anhembi , e no programa “Marcha da Ciência”, da Rádio Excelsior, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), além de um incansável ativista e incentivador pela melhoria do ensino de ciência nas escolas e da formação de futuros cientistas, promovendo o concurso “Cientistas de Amanhã” e feiras e clubes de ciências pelo país. É sobre essa trajetória que os livros José Reis: reflexões sobre a divulgação científica , de Luisa Massarani e Eliane Monteiro de Santana Dias, e José Reis: caixeiro-viajante da ciência , de Luisa Massarani, Mariana Burlamaqui e Juliana Passos, são dedicados.

Em comum, as duas obras são frutos do projeto Acervo José Reis da Casa de Oswaldo Cruz (Fiocruz), criado para promover a recuperação e preservação de todo acervo pessoal doado pela família Reis à Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz, em 2018, e para fomentar estudos sobre a história da ciência brasileira e da divulgação científica no país. As diferenças em cada obra encontram-se, sobretudo, pelo olhar direcionado pelas autoras ao conteúdo do acervo. Leia Mais

Ditadura/ anistia e transição política no Brasil (1964-1979) | Renato Lemos

Em tempos em que proliferam disputas narrativas e versões negacionistas a respeito da ditadura militar brasileira, a publicação do livro Ditadura, anistia e transição política no Brasil (1964-1979), do historiador Renato Lemos, chega em boa hora. Enquanto parte da população brasileira e políticos têm feito apologia do regime ditatorial, o autor expõe no livro o projeto daqueles que não agem assim por desconhecimento, mas sim por comprometimento com a face mais brutal da dominação burguesa no Brasil, como diz o professor Marcelo Badaró (UFF) no prefácio do livro.

Renato Lemos é professor titular de História do Brasil na Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordena o Laboratório de Estudos sobre os Militares na Política (LEMP/UFRJ)1. O historiador marxista defende o uso da nomenclatura “ditadura empresarial-militar” para designar o regime de 1964-1985, no lugar de “ditadura militar”, por entender que esta generaliza os militares, ao mesmo tempo em que oculta os vínculos de classe das lideranças civis beneficiadas pelo golpe. Leia Mais

Atas do Seminário Nacional de Arquivos Universitários | Unicamp

A contribuição de Vicenta Cortés Alonso para a área da arquivística internacional é inestimável. A arquivista espanhola começou sua carreira em Sevilha, mas sua atuação na área ganhou grande projeção internacional devido ao trabalho desenvolvido nas ‘missões arquivisticas’ promovidas pela Comissão Internacional de Arquivos, da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Pela OEA, atuou também na formação e capacitação de diversos profissionais da arquivística, não só na Europa, mas especialmente no continente americano, já que coordenou por mais de uma década, os Cursos de Especialização em Organização e Administração de Arquivos Históricos, realizados em vários lugares do mundo, como Espanha (Madrid), Estados Unidos e Brasil. Leia Mais

Antropología/problemáticas y debates. Para una sociedad en transformación | María Marta Mainetti

¿Hay espacio para aquello que ralentiza la comunicación, la tensión, la pregunta, el descontento? Algo de esto se pregunta Byung-Chul Han en una reciente entrevista (2020) para Zeit Wissen, revista bimensual alemana de divulgación científica. El filósofo asume la postura de que lo agrietado, las roturas, las lesiones, incluso las costuras quedan canceladas porque, en palabras del filósofo, hoy todo parece redondeado, pulido o suavizado. Se detiene a pensar que, en el mundo del Big Data, nos encontramos entre el ruido y el silencio, silencio-otro, puesto que no refiere a ese silencio elocuente que, al igual que la quietud, también produce lenguaje. En este sentido, Han enfatiza que la actual existencia resulta ser un tanto ruidosa, aunque sin palabras. Habrá información, sostiene, pero no conocimiento, puesto que el saber tiene una estructura temporal que abarca el pasado y el futuro, no sólo el presente. Este problema nos conduciría a la mudez y al desamparo. La crudeza del filósofo será apenas un disparador para reflexionar sobre el deseo y la posterior materialización de este libro, tanto o de igual modo que la escritura y la reflexión que ofrecen las y los autores al modo de actos contra-hegemónicos. Leia Mais

Um oceano, dois mares, três continentes | Wilfried N’Sondé

Sem fôlego! É assim que ficamos quando lemos, analisamos e refletimos sobre uma obra tão intensa e cativante como Um oceano, dois mares, três continentes, um romance histórico que nos transporta numa viagem ao século XVII, para o epicentro da maior catástrofe da humanidade: o comércio transatlântico. Ao narrar, embora de forma romanceada, a viagem do primeiro “embaixador do Reino do Kongo no vaticano” (p. 44), Wilfried Nsondé mostra, uma vez mais, que muito ainda está por descortinar não só em relação a essa figura emblemática da história do Kongo, mas sobretudo, em relação ao tráfico de escravos. A obra resulta da imaginação do autor para tecer as malhas do romance (histórico, porém romance), bem como do seu domínio histórico-científico na contextualização dos diferentes acontecimentos que, acreditamos, está assente num extenso e profundo trabalho de pesquisa em arquivos e literatura especializada.

Numa análise sócio-histórica completa, Nsondé apresenta o padre Nsaku ne Vunda, bacongo2,  nascido na aldeia de Boko, batizado António Manuel que, seduzido pelo catolicismo alimentado pelos missionários, envereda pela vida religiosa. É nessa condição, e enquanto pároco na sua aldeia natal, que é mandado chamar por sua majestade “Manzou a Nimi, rei dos Bakongo de ontem, hoje e amanhã, chamado também Álvaro II3 pelos seus irmãos cristãos desde o batismo” (p. 39), dando assim início à ação que se desenrola ao longo de toda a obra, numa concatenação perfeita de acontecimentos históricos devidamente referenciados e explorados. É esse descortinar de acontecimentos que nos permite dividir a obra em duas partes: a primeira, corresponde ao início da viagem de Nsaku ne Vunda do Kongo para o Novo Mundo (continente americano) e, a segunda, do Novo Mundo para o continente europeu. Leia Mais

África, Literatura e Cinema em Língua Portuguesa: Direito a um Olhar Descolonizado | AbeÁfrica – Revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos | 2021

É com satisfação que apresentamos o quinto número da revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos, no qual se insere um dossiê sobre o cinema em países africanos de língua oficial portuguesa. Intitulado “África, Literatura e Cinema em Língua Portuguesa: Direito a um Olhar Descolonizado”, o dossiê teve como ponto de partida o simpósio “Literatura e Cinema”, realizado por via remota, nos dias 16, 17 e 18 de novembro de 2020, no âmbito do I Congresso Internacional do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ: Vozes e Escritas nos Diferentes Espaços da Língua Portuguesa.

Concebendo literatura e cinema como artes críticas e transformadoras, nosso simpósio pretendeu efetuar discussões a partir de comunicações que tecessem diálogos com a história, de modo a investigar como a literatura e o cinema de países africanos de língua oficial portuguesa pensavam a nação, após suas respectivas independências. Leia Mais

Pilquen. Buenos Aires, v.24, n.1, 2021.

Revista Pilquen. Sección Ciencias Sociales

  • Período enero-marzo Publicado 31/03/2021

ARTÍCULOS

RESEÑAS

PDF

PUBLICADO: 2021-03-31

Archivos de historia del movimiento obrero y la izquierda. Buenos Aires, v.9, n.8, marzo / agosto 2021.

Presentación

Dossier: Ensayos y debates sobre historia intelectual y marxismo

Artículos libres

Reseñas

Publicado: 2021-03-30

História Urbana Global | Esboços | 2021 (D)

A atual pandemia, causada pelo vírus da COVID-19 que se espalhou rapidamente pelo mundo, infectando mais de oitenta e duas milhões de pessoas e causando quase duas milhões de mortes em 2020, ilustrou de forma dramática a nossa realidade globalizada. Essa doença nova e altamente contagiosa manifestou-se primeiramente na cidade de Wuhan, na China. Dali disseminou-se por todos os cantos habitados do planeta ao ser transmitida de uma pessoa a outra, acompanhando viajantes que de Wuhan se dirigiram a regiões da Ásia, da Europa, das Américas, da África e da Oceania. O vírus, junto com seus hospedeiros, se moveu ao longo das mesmas rotas que conectam econômica, política, e culturalmente os diferentes continentes do globo.

Mas os surtos piores da doença ocorreram em cidades. A presença de aeroportos, portos, e outras centrais de transporte público, a concentração demográfica e a intensidade de atividades coletivas que caracterizam centros urbanos favoreceram o alto índice de contágio da doença em cidades diversas como Nova York, São Paulo, Madri, Londres e tantas outras. Os esforços feitos por governos municipais, regionais e nacionais para controlar a epidemia produziram imagens de cidades vazias, espaços públicos abandonados, e de uma quietude tão contrária à esperada natureza do espaço urbano, que paramos todos para olhar, admirados, o nosso mundo transformado pelo vírus. A nossa relação com o global se manifestou de forma tragicamente tangível em 2020. E durante um breve momento, as fotografias de espaços urbanos iconoclásticos, subitamente desprovidos de suas multidões e furor típicos, capturaram bem nossa sensação de isolamento e perda coletiva (KIMMELMAN, 2020).

O espectro da cidade transformada pela pandemia remonta à forte conexão que existe entre o urbano e o global. Se hoje o lugar que a cidade ocupa em complexas redes de movimentação e transmissão nos causa certa ansiedade, em outros tempos, quer passados ou recentes, foi exatamente essa função ou propriedade das cidades que moldou suas trajetórias históricas e fez delas lugares célebres. Se hoje vemos governantes, agentes de saúde pública e cidadãos esforçando-se para limitar ou regular melhor a passagem de pessoas, produtos e micro-organismos pelos espaços urbanos, esforços normalmente feitos no sentido oposto, de intensificar essas atividades, ajudaram a produzir o mundo globalmente interconectado no qual vivemos hoje.

A cidade na era da COVID também revela a profundeza das desigualdades e a assimetria de poder entre populações, sociedades e estados que o mundo moderno globalizado produziu. Ao começo da pandemia, houve aqueles que disseram que a nova doença seria o grande equalizador, uma vez que o vírus não diferencia os que infecta de acordo com raça, etnia, situação socioeconômica, gênero etc. Mas assim que a epidemia se tornou pandemia e começou a se espalhar e a matar suas vítimas em cidades mundo afora, essa visão do vírus igualitário precisou ser revisada. Populações urbanas pobres, majoritariamente formadas de minorias raciais e étnicas, se viram mais vulneráveis à contaminação, quer por causa da precariedade de suas condições de vida, quer pela necessidade de continuar trabalhando em funções que as expuseram à doença, quer pela falta de acesso a um sistema público de assistência à saúde (MARASCIULO, 2020). A complexidade do tecido urbano, irregular, segregado e desigual em sua composição social, econômica, política e cultural, se tornou explicitamente evidente. A pandemia revelou também desigualdades num nível transnacional. Um vírus de alcance global, que encorajou cooperação entre comunidades científicas e líderes culturais e políticos de vários países, produziu, no entanto, reações locais diversas, revelando as forças e fraquezas de sistemas políticos, sistemas de saúde, e sistemas de crença em diferentes nações e suas comunidades urbanas (WENG; NI; HO, 2020). A pandemia nos tem oferecido assim um exemplo de como, ao focarmos a cidade, conseguimos visualizar diversidade na forma como eventos e processos globais afetam indivíduos, grupos, localidades, e comunidades, criando muitas vezes hierarquias e realidades discriminadas.

Da mesma forma que podemos observar as complexas redes urbanas que animam trocas globais para entender a origem e progressão da pandemia da COVID-19, podemos também entender processos históricos globais diversos a partir do estudo de cidades. As cidades atuais agiram e agem como pontos de convergência e difusão do vírus. No passado tanto distante como recente, elas similarmente atuaram como pontos de articulação entre localidades, regiões, nações, continentes e oceanos. Enquanto aguardamos a produção em massa e distribuição mundial da vacina contra o COVID-19 – o que certamente se organizará em e a partir de cidades – vale contemplar o papel que as cidades ocupam em processos históricos globais. É essa a proposta do dossiê História Urbana Global.

Os nove artigos coletados aqui examinam a trajetória de cidades ao longo do século XX. Questões comuns à área de pesquisa da história urbana – políticas de urbanização, a administração e uso de espaços urbanos, acesso a moradias, e o consumo de arte e entretenimento – são abordadas numa perspectiva atenta ao fluxo global de ideias, práticas e produtos. Por outro lado, processos globais variados, desde a emergência do comércio internacional de marchands da arte até o impacto da economia da soja – perpassando ainda por políticas transnacionais de habitação, desenvolvimento econômico, e produção de petróleo – são examinados e ancorados em estudos de casos de cidades específicas. Conjuntamente, os trabalhos selecionados revelam a cidade ora como produto de forças globalizantes, ora como agentes e promotores de tendências globalizadoras. Sobretudo, eles distinguem a cidade como importante lente de análise do global. Populações, dinâmicas e espaços urbanos refratam e ampliam, assim como às vezes obscurecem ou ignoram, eventos e desenvolvimentos externos, revelando as múltiplas e complexas formas com que contexto, experiências, ideias, e ações tanto globais quanto locais interagem historicamente.

O interesse pela interseção histórica e historiográfica entre o global e o urbano tem crescido rapidamente desde a virada do século XXI. Essa tendência surgiu em parte em resposta a trabalhos produzidos no final do século XX por estudiosos da cidade. Sociólogos e geógrafos em particular nos chamaram a atenção para o fenômeno que eles cunharam de cidade global (SASSEN, 2013; CASTELLS, 1996; FRIEDMANN, 2002; BRENNER, 2004). Segundo eles, a cidade global, enquanto objeto de estudo, permite situar investigações sobre a globalidade de fenômenos e eventos da sociedade contemporânea em localidades específicas, ancorando-os em espaços físicos e atores sociais distintos para assim evitar narrativas abstratas e generalizadoras e facilitar uma análise crítica de suas causas e impacto. Essa literatura deu, portanto, continuidade ao importante trabalho intelectual de geógrafos como David Harvey (1973, 2003). Harvey investigou a cidade enquanto produto do capitalismo moderno e promoveu um engajamento crítico de urbanistas com a realidade urbana com o intuito de impedir a reprodução das desigualdades e assimetrias de poder que este criou. Esse debate acabou inspirando historiadores a questionar se a cidade global, essa entidade que se definiu a partir do diálogo entre espaço urbano local e das forças capitalistas e liberais globais recentes, não tinha suas origens ou seus homólogos em épocas anteriores (SAUNIER; EWEN, 2008; CLARK, 2013).

A emergência da História Urbana Global enquanto campo de investigação também deve muito aos esforços da história global que surgiu na segunda metade do século XX. Num momento político bastante influenciado pela virada teórica anti- e pós-colonial, historiadores buscaram examinar o passado de sociedades humanas numa perspectiva mais abrangente, que excedesse os limites da história nacional ou colonial. A história global enquanto abordagem desafiou narrativas históricas dominantes que tendiam a excluir ou silenciar experiências humanas e processos que não condiziam com o projeto civilizatório europeu ou seus agentes históricos (CONRAD, 2016; SANTOS JÚNIOR; SOCHACZEWSKI, 2018).

Ao oferecer a possibilidade de conceber outros recortes geográficos e temáticos, quer fosse o enfoque em regiões mundiais, quer oceanos ou redes comerciais em vez de nações ou impérios, quer fosse ainda o enfoque em estudo de gênero, raça, ou etnias, histórias globais permitiram a “provincialização da Europa”, como propôs Dipesh Chakrabarty (2000). Essa perspectiva elucidou a centralidade de regiões e populações não europeias às origens, dinâmicas, e impacto de eventos e desenvolvimentos históricos que marcaram o passado de sociedades humanas de forma ampla e abrangente. A cidade e o urbano se tornaram um outro possível recorte geográfico e temático para a abordagem global. O passado de redes urbanas que se estendeu pelo globo elucida, afinal de contas, complexas conexões e intercâmbios transnacionais que alimentaram sistemas econômicos, políticos e culturais em diferentes épocas históricas (KENNY; MADGIN, 2015). Práticas e políticas urbanísticas, assim como populações e espaços urbanos, fomentaram a troca e difusão de ideias e atitudes numa escala transnacional e mundial (KWAK; SANDOVAL-STRAUSZ, 2018). No trabalho de historiadores do urbano global, a cidade surge, portanto, como o sítio onde o efeito de transações econômicas, movimentos migratórios, ideologias políticas, e o investimento e busca de capital financeiro se traduzem da escala global à experiência local e onde realidades locais informam a natureza de trocas, fluxos, e práticas globais.

A promissora combinação do global e do urbano cria um novo campo de pesquisa temática, metodologia e abordagem historiográfica que traz, contudo, sua parcela de desafios. Tradicionalmente, a história urbana caracteriza-se por estudos densos, focados em localidades específicas e solidamente sustentados por pesquisas em arquivos urbanos. A história global, por sua vez, tende a traçar sínteses sobre processos históricos homólogos, passíveis de serem comparados em localidades distintas, ou evidentes ao longo de redes ou fluxos que conectam lugares, comunidades, atores históricos diversos. A tarefa de combinar a densidade analítica da história urbana com a abordagem ampla da história global pode parecer inviável. Um único historiador poderá se ver diante de imensos obstáculos: pesquisa em diferentes idiomas, tradições arquivísticas e historiográficas distintas, a dificuldade de acessar recursos de pesquisa e financiamento necessários. É nesse sentido que proponentes da História Urbana Global têm formado projetos colaborativos e redes de pesquisa internacionais, apoiando-se em suas diferentes áreas de conhecimento e compartilhando seu trabalho para promover um melhor entendimento da cidade enquanto possível objeto de estudo do global. Vale notar em particular os esforços do Global Urban History Project (GUHP), uma organização de historiadores dedicada à investigação de cidades enquanto criações e criadoras de fenômenos históricos de escala global (www.globalurbanhistory.org). Colaborações como o GUHP têm organizado conferências e facilitado publicações que reúnem historiadores de diferentes partes do mundo, trabalhando em tópicos e localidades diversas, para cultivarem juntos o potencial explicativo do urbano, a fim de entender o global e vice-versa.

Com esse dossiê, a Esboços: histórias em contextos globais se torna também uma plataforma colaborativa para a promoção desse diálogo produtivo entre a história urbana e global. Os textos aqui incluídos refletem a rica diversidade temática e metodológica possível dentro desse diálogo. Os episódios e casos explorados nesse volume revelam cidades que servem de nódulos coordenando e comandando forças históricas globais, espaços urbanos de fluxo de pessoas e produtos, e sítios de trocas, negociações e conflitos. Os artigos também ilustram possíveis usos de abordagens da história global no estudo do urbano: a abordagem comparativa, a introdução de diferentes modelos de difusão não centrados no eixo Europa−Estados Unidos, a inserção do local em contextos transnacionais e globais, e o papel do local no processo de mediação de forças e tendências globais. Em sua história geral do mundo moderno, Fernand Braudel se referiu a cidades como “transformadores elétricos”, intensificando ou moderando correntes externas, acelerando e orientando ritmos de vida coletiva e individual, e “incessantemente incitando” e realidade diária de sociedades humanas (BRAUDEL, 1973, p. 382). A metáfora de Braudel é traduzida em exemplos e exposições históricas tangíveis e reveladoras pelos autores do dossiê.

Em seu artigo “De la ciudad a la metrópole. Un enfoque desde México sobre um pasado global”, Carlos Riojas e Alejandro Arjona (2021) examinam o processo de metropolização que desde o início do século XX manifesta-se em centros urbanos mundiais. Produto da evolução demográfica que caracterizou o século passado – o acentuado crescimento da populacional em grandes cidades e a progressiva redução da população rural – este desenvolvimento urbano global não respeitou perspectivas eurocêntricas do conhecimento. A emergência da metrópole deu-se em diversos espaços sociais, políticos e econômicos que englobam países asiáticos, africanos e latino-americanos. O processo de metropolização, como mostram os autores, trouxe consigo inúmeros desafios que, por sua vez, reorientaram o nosso modo de pensar a cidade. Dentre estes, incluem-se o crescimento desordenado que agrava problemas habitacionais; desafios de logística de abastecimento; diferenças sociais; o aumento de contingentes populacionais vivendo à miséria; a precarização do transporte público; e problemas de saúde pública coletiva, como a atual crise global de COVID-19. Ao questionarem se a atual complexidade dessas metrópoles cria a necessidade de pensarmos uma forma alternativa de organizar atividades e trocas humanas, Riojas e Arjonas nos remetem ao trabalho da geógrafa Jennifer Robinson (2002). Em seu importante artigo “Global and World Cities: a view from off the map”, Robinson argumenta que o futuro das questões e soluções urbanas não mais se encontra nos modelos urbanísticos europeus. Riojas e Arjonas ilustram bem a necessidade de direcionarmos o nosso olhar a cidades como a Cidade do México.

Os problemas habitacionais derivados do crescimento urbano informam a discussão que Samuel Oliveira e Gabriela Gomes desenvolvem em seu artigo, onde eles comparam as políticas habitacionais das ditaduras brasileira e argentina na segunda metade do século XX. Ambos os governos elaboraram grandiosos projetos habitacionais para minimizar o impacto das habitações irregulares nos grandes centros urbanos, as favelas, no Brasil, e as villas misérias, na Argentina. Os programas imaginavam ser possível higienizar os centros urbanos levando essas populações para bairros mais afastados com a construção de moradias populares em bairros planejados.

Em sua análise, Oliveira e Gomes prestam a devida atenção às diferenças em formas de investimento que sustentaram os dois projetos. Mas eles também enfatizam o conservadorismo comum a políticas habitacionais moldadas pelo contexto político global da Guerra Fria, quando o enfoque em habitações populares era confundido com a suposta agenda comunista de governos populistas. O resultado foi o beneficiamento dos setores médios urbanos, os quais puderam acessar formas de financiamento da casa própria em números significativamente maiores do que membros dos setores populares, os alvos iniciais desses programas. Fica evidente, portanto, que as políticas habitacionais das ditaduras brasileira e argentina colaboraram para o aumento da segregação – racial e socioeconômica – do espaço urbano, reforçando a tese já apontada por Carl Nightingale (2012) sobre o papel segregacionista do setor imobiliário.

A segregação também pode ser vista na longa duração, como nos mostra Nancy Kwak (2021) em seu excelente estudo sobre a informalidade urbana a partir do caso da cidade de Los Angeles. Em seu artigo, a autora explora aspectos cruciais das políticas habitacionais na capital californiana a partir de três períodos históricos. No período colonial, são destacadas as disputas pela posse e domínio territorial entre indígenas, mexicanos e os primeiros colonizadores norte-americanos, onde questões raciais importavam mais para determinar os direitos sobre às terras do que a própria lei. Essas tendências permaneceriam como regra ao longo do século XIX e primeiras décadas do século seguinte. Somente após a Segunda Guerra Mundial as políticas governamentais iriam prestar mais atenção para a presença da informalidade em determinadas regiões, como Chaves Ravine, espaço onde centenas de famílias residiam há décadas. Independentemente dos direitos de posse da terra, a legislação contra favelas (slums) foi acionada para intervir e remover essas populações de onde viria a ser construído o estádio de baseball dos Dodgers. O terceiro período analisado é o atual crescimento dos moradores de ruas no centro de Los Angeles, especialmente na área conhecida como Skid Row, que abriga milhares de pessoas morando em estruturas completamente improvisadas que desvalorizam uma região central da cidade. As atuais políticas governamentais parecem reproduzir as práticas segregacionistas de longa duração, a partir de princípios raciais e econômicos de exclusão que reforçam estigmas sociais. E o exemplo de Los Angeles nos lembra que a informalidade urbana, produto da forma com que populações locais se adaptam às forças excludentes do capitalismo e práticas imobiliárias globais, não é um fenômeno restrito ao suposto sul global.

O artigo de Katharina Schembs (2021) também propõe um questionamento da diferenciação entre o norte e o sul globais em estudos sobre o processo de urbanização. A partir de uma análise minuciosa de dezenas de revistas de arquitetura publicadas na América Latina entre as décadas de 1960 e 1970, Schembs analisa como o movimento desenvolvimentista latino-americano criou uma visão específica e dominante de cidade, distinta das compreensões francesas e norte-americanas de planejamento urbano que dominaram as décadas precedentes. A euforia desenvolvimentista, baseada apenas nos investimentos estatais, logo cedeu espaço para interpretações baseadas na teoria da dependência que explicavam o crescimento das desigualdades nos grandes centros urbanos ao inclui-las como elementos periféricos do sistema capitalista internacional. As noções típicas de cidades do “Terceiro Mundo” passaram a predominar nas publicações de revistas latino-americanas, o que não deixou de criar oportunidades para circular casos de projetos de desenvolvimento urbano originais na região, inclusive com práticas de cooperação Sul-Sul. No entanto, com a ascensão de governos autoritários na região a partir da década de 1960, essas práticas foram logo substituídas pelos princípios neoliberais que marcariam as políticas de planejamento urbano subsequentes.

O trabalho de Daniele Herbele Viegas (2021) dá continuidade, de certa forma, ao texto de Schembs com o estudo de caso sobre a transnacionalidade de políticas de planejamento e desenvolvimento das regiões metropolitana de Porto Alegre e do Vale do Rio dos Sinos. Viegas discute as influências tecnopolíticas em projetos envolvendo o Brasil e a República Federal da Alemanha (RFA) nos anos 1970. Partindo de um exame detalhado de relatórios empresariais, documentos estatais, entrevistas e uma variedade de referências bibliográficas, a autora explora as assimetrias nas circulações de tecnocratas e engenheiros de diferentes expertises. Esses profissionais ofereceram análises detalhadas de intervenções urbanas e ambientais para melhorar o desenvolvimento industrial, higienizar bairros e garantir a complementariedade entre espaços rurais e urbano. Viegas insere sua análise da estrutura de cooperação entre os dois países, e da negociação do significado e do valor da expertise alemã, em uma dinâmica de áreas de influências derivadas da Guerra Fria. Sua contextualização desses projetos revela elementos conceituais tributários de uma visão eurocêntrica que enxerga esses espaços urbanos de maneiras desiguais. Noções como “transferência de conhecimento”, desenvolvimento no “Terceiro Mundo” ou promoção de “Cidades Secundárias” são algumas dessas ideias e conceitos que pressupõem relações hierárquicas entre os espaços urbanos dos chamados norte e sul globais.

Enquanto Viegas adota uma abordagem transnacional para examinar a circulação e aplicação de concepções e práticas urbanísticas, Bruno Biasetto (2021) emprega uma perspectiva comparativa para estudar o fenômeno de boom towns ligadas à economia do petróleo. Nesse estudo de cidades outrora periféricas que assistiram um intenso crescimento populacional com o estabelecimento de complexas estruturas de extração petrolífera em suas regiões, Biasetto examina a relação entre pressões econômicas globais, interesses privados e políticas públicas no desenvolvimento de espaços urbanos. Durante a crise do petróleo nos anos 1970, cidades pequenas da província de Alberta e dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro tornaram-se peças centrais nas companhias estatais de petróleo dos dois países. No entanto, este desenvolvimento trouxe consigo diversos problemas sociais, habitacionais e, sobretudo, ambientais. Por mais que o Canadá tivesse órgãos públicos de controle e uma rigorosa legislação, as técnicas de extração e os problemas de longo prazo dos dejetos causaram diversos impactos ambientais, como poluição e chuva ácida. No caso brasileiro, a falta de transparência ditatorial somada à falta de controle regulador e a uma legislação omissa levaram a diversos casos de vazamentos de petróleo e a uma intensa poluição do ar, colocando diversas espécies do bioma em risco. A comparação entre Brasil e Canadá oferece um interessante paralelo de atuação governamental, independentemente da inclinação política deles. Se de um lado está um país desenvolvido com uma política liberal, do outro encontra-se um país em vias de desenvolvimento em meio a uma ditadura militar. Ambos, porém, não hesitaram em encontrar meios de sobreviver à crise petrolífera mundial a partir de uma ótica nacionalista, sem se preocuparem com os diversos impactos sociais, turísticos e ambientais nas regiões.

A cidade no século XX se tornou assim projeto, âncora, e palco para a realização das ambições de estados neoliberais e indústrias globais. Mas ali também se manifestaram as ambições de consumidores, artistas, e trabalhadores tanto urbanos quanto rurais. O papel do urbano no fluxo global de produtos culturais, práticas de lazer e debates políticos fez com que indivíduos e grupos que buscavam assegurar o seu lugar e direitos na sociedade contemporânea recorressem ao espaço urbano para reivindicá-los. Em seu artigo, Letícia Falabella Leme (2021) examina a centralidade de núcleos urbanos no processo de circulação de pessoas e produtos que favoreceu o mercado global da arte nas primeiras décadas do século XX. Focando uma época de ascensão dos fluxos de produção e consumo de obras de artes, a autora analisa a popularização da pintora francesa e expoente da tradição cubista Marie Laurentin nos grandes centros urbanos da França, da Alemanha, dos Estados Unidos e do Brasil. Destacada por sua inserção na vanguarda cubista, ao lado de nomes como Picasso, Braques e Gleizes, como também por uma persistente caracterização feminina da sua produção, Laurentin valeu-se de uma intrincada rede de críticos de arte e mercadores de diferentes nacionalidades, que favoreceram o reconhecimento de suas obras e a inserção das mesmas no mercado internacional de arte. Foi a partir dessa estratégia que suas obras figuraram entre importantes exposições em museus e galerias de cidades cosmopolitas que se afirmavam como grandes consumidoras de arte, tais como Paris, Berlim, Nova York, São Paulo e Rio de Janeiro.

Igualmente importante é pensar as cidades consumidoras de arte de formas integradas – para utilizar o conceito de Sebastian Conrad (2016) – explorando a sincronia de fenômenos globais em diferentes espacialidades. Em “Músicos e Orquestras do Primeiro Cinema em Greve”, Michel Mesalira (2021) discute movimentos grevistas no Rio de Janeiro, São Paulo e Chicago que se manifestaram concomitantemente nas primeiras décadas do século XX. Ele mostra que esses eventos sincrônicos precisam ser situados no contexto global do surgimento e da popularização do cinema, quando músicos e orquestras se tornaram peças essenciais a essa experiência urbana de lazer e entretenimento, mas foram excluídos dos lucros e do prestígio que a indústria criara. As estratégias de resistência, os recorrentes conflitos com empresários e proprietários dos cinematógrafos e as organizações sindicais dos músicos são algumas questões exploradas por Mesalira para ressaltar as semelhanças e diferenças no desenrolar de eventos em cada cidade. No entanto, o que chama atenção são os indícios de que essas práticas, conflitos, e negociações não se restringiram apenas às cidades analisadas, mas ocorreram também em outros lugares no mesmo período, configurando um potencial objeto de estudo da História Urbana Global.

O uso do espaço urbano para reivindicações trabalhistas e de direitos econômicos por grupos adversamente afetados por tendências e forças globais é também tema do artigo de Maira Eveline Schmitz (2021), “Fotografia e espaço público visual”. Schmitz desenvolve sua análise a partir de uma discussão de fotografias publicadas em jornais do Rio Grande do Sul que retratam manifestações de agricultores da soja contra políticas tarifárias do governo brasileiro que, em 1980, visaram desincentivar a exportação da safra local para garantir a oferta nacional do produto. Ao verem sua participação no comércio global da soja restringida e sua margem de lucro negada, trabalhadores rurais ocuparam espaços públicos em cidades como Santa Rosa para demandarem o fim dessa política que classificaram de confisco. A transformação da cidade em espaço de protesto, como mostra Schmitz, se concretizou mais plenamente com a circulação de fotografias registrando esses eventos. As imagens de espaços urbanos invadidos por manifestantes rurais, de ruas ocupadas por máquinas e passeatas, ordenaram a sequência de eventos e deram significado político ao ato de protesto. Imagens de agricultores e trabalhadores rurais tomando a cidade com o intuito de desafiar o estado, reconfigurou ainda narrativas sobre a relação entre populações rurais e urbanas e estruturas de poder. As fotografias analisadas por Schmitz criaram um espaço e acontecimento visual público onde a ligação entre o macro e o micro, o global e o local se manifesta e se resolve. Assim como as imagens fotográficas de cidades esvaziadas pelo isolamento social imposto pela pandemia atual do COVID-19, essas imagens de espaços urbanos ocupados em protesto refletem a confluência de fatores e agentes históricos diversos que em e a partir de cidades animaram, incessantemente, sociedades humanas passadas e presentes.

O diálogo entre a História Urbana e a História Global, na configuração desse campo da História Urbana Global está, ainda, no seu início. Mas alguns temas, métodos de pesquisa e análise, e teorias já vêm se estabelecendo, reforçados pelo seu potencial de elucidar o passado humano e produzir narrativas mais inclusivas e completas. Estes seriam o enfoque na cidade como lente analítica refratora de forças históricas transnacionais e globais; a preocupação em descolonizar a história e desafiar a diferenciação entre norte e sul global; a atenção aos vetores multidirecionais e a variações nas escalas de análises, do global ao local e vice-versa; e a colaboração entre pesquisadores para assegurar um melhor acesso a recursos linguísticos, arquivísticos e acervos historiográficos (DANTAS, 2018). Oferecemos esse dossiê, portanto, como recurso para os pesquisadores interessados em aprofundar esse diálogo, cada vez mais necessário, de “pensar as cidades como objetos que são formados e, ao mesmo tempo, formadores de fenômenos históricos globais em larga escala” (GUHP, 2021).

Referências

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Mariana L. R. Dantas: Doutora. Associate professor, Ohio University, College of Arts and Sciences, History Department, Athens, OH, Estados Unidos.

João Júlio Gomes dos Santos Júnior: Doutor. Professor adjunto, Universidade Estadual do Ceará, Centro de Humanidades, Curso de História, Fortaleza, CE, Brasil.

Carl H. Nightingale: Doutor. Associate professor, University at Buffalo, College of Arts and Sciences, Department of African and American Studies, Buffalo, NY, Estados Unidos.

 


DANTAS, Mariana L. R.; SANTOS JÚNIOR, João Júlio Gomes; NIGHTINGALE, Carl H. A história urbana global: um chamado ao diálogo. Esboços. Florianópolis, v.29, n.47, jan. / abr. 2021. Acessar publicação original [IF]

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A arquitetura fractal de Antonio Gramsci: história e política nos Cadernos do cárcere | Marcus Vinícios F. S. Oliveira (R)

Antonio Gramsci, indubitavelmente, é considerado, por muitos, um dos teóricos mais importantes da tradição marxista do pós-Segunda Guerra Mundial. Milhares são as obras e dezenas são as teorias que procuram ver nos trabalhos gramscianos a chave interpretativa que auxilia na compreensão da dinâmica sociopolítica contemporânea. Por meio das mais diferentes linhas de pensamento, Gramsci está associado ao modo como o fazer e o pensar políticos estão relacionados a todo um arcabouço cultural, que envolve as sociedades atuais. Desse modo, seus escritos encontram-se muito mais associados aos estudos marxistas ligados à filosofia da práxis. Como exercício comparativo, podemos perceber uma clara diferença com relação às linhas de pensamento marxistas ligadas à teoria crítica. Generalizadamente, embora ambas deem uma importância significativa ao elemento cultural das sociedades modernas, os estudos gramscianos encontram na esfera da política e do universo do político, o lugar de confrontos e consensos para suas análises. No caso da Escola de Frankfurt, Adorno, Horkheimer, Marcuse, Benjamin, entre outros, o universo do político espraia-se em outras dimensões da contemporaneidade, como os meios de comunicação e o mundo da arte. Leia Mais

Inmigración pensamiento y nación: 1880- 1930 | Aquiles Castro e Ana Félix (R)

De acuerdo con Maria Ligia Coelho Prado, la idea de unidad regional nace con la propia emancipación. Pugna por borrar las diferencias y rechazar los conflictos en pro de una identidad homogénea favorable al dominio político. La pregunta por quiénes somos estaba presente en la Carta de Jamaica (1815), la respuesta originales y autónomos. Este horizonte modeló las tradiciones nacionales e inspiró a políticos, intelectuales y artistas que se manifestaron sobre el futuro ideal y la legitimidad de la nación emergente (PRADO, 2008, p. 597).

El nacionalismo de finales del siglo XIX, presente en la historiografía, el periodismo, la literatura y el arte, procuró la adhesión social a un proyecto común de nación mediante símbolos e imágenes nacionales. La élite intelectual, blanca y letrada, consideraba que “los negros, los indios, los mestizos, los pobres, las mujeres, los no propietarios, los campesinos” eran incapaces de entender la dimensión del proyecto político (PRADO, 2008, p. 600). Lo no blanco era considerado inferior, y la pigmentación de la epidermis, sinónimo de barbarie. Leia Mais

Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a distância. São Paulo, v.20, n.1, 2021.

Publicado: 2021-03-29

Artigos Originais

Relatos de Experiência

Resenhas

Revisão da Literatura

 

Qualcosa di meglio. Biografia partigiana di Otello Palmieri | Alfredo Miginini (R)

Filosofia e Historia da Biologia 8 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
Otello Palmieri | Detalhe de capa |

SCOTT The common wind 11 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920Leggendo un lavoro di ricerca spesso ci si trova davanti ai risultati di un processo lungo e complesso in cui la soggettività del ricercatore solo di rado viene messa in risalto. L’impiego di fonti orali all’interno della ricerca storica ha contribuito a far emergere la consapevolezza di dover esplicitare la posizione di chi conduce la ricerca stessa, visto che è proprio l’incontro fra soggettività diverse a produrre le fonti che poi vengono usate [1]. Enrico Pontieri e Alfredo Mignini avevano ben chiaro questo impianto metodologico al momento di iniziare il lavoro che si sarebbe poi tradotto nel libro oggetto di questa recensione. In occasione di una precedente pubblicazione Mignini aveva già avuto modo di riflettere sulle modalità di raccolta e di uso delle fonti orali [2]. Più recentemente, come Pontieri, ha pubblicato un saggio all’interno di un volume sulla storia del Partito comunista italiano a Bologna [3]. Mignini fa parte da anni dell’associazione Storie in Movimento – che, fra le altre cose, pubblica «Zapruder. Rivista di storia della conflittualità sociale» – e in particolare della Redazione Web, di cui è co-coordinatore. Enrico Pontieri collabora con la Fondazione Gramsci-Emilia Romagna per la quale il 24 aprile del 2020 ha curato un appuntamento sulla storia della Resistenza.

Proprio la Resistenza è uno dei temi centrali del libro dei due giovani ricercatori, incentrato sulla storia di Otello Palmieri. Gli autori iniziano il racconto in ordine cronologico, partendo però dal loro punto di vista: dal primo incontro a Bologna con un conoscente di Palmieri, quando l’idea di realizzare un’intervista era già nell’aria ma non aveva ancora assunto un carattere definito, alla scoperta di nuove notizie sulla sua vita. Dopo le prime pagine sappiamo già che Otello Palmieri ha fatto per alcuni mesi il partigiano e che, a guerra finita da alcuni anni, è stato accusato di aver partecipato all’uccisione di un oste nel suo paese in provincia di Bologna, Oliveto. Proprio nel momento in cui la denuncia stava per trasformarsi in un mandato di cattura Palmieri lasciò l’Italia insieme a due suoi compagni per ritornare solo dopo aver ottenuto la sentenza di assoluzione. È proprio la sentenza il primo documento con cui gli autori si misurano: mettono in evidenza i tanti punti ancora poco chiari e iniziano a formulare alcune domande a cui però si può cercare di rispondere solo usando altre fonti, come le interviste allo stesso Palmieri. A questo punto gli autori portano il lettore a Oliveto e poi all’interno della casa di Palmieri a Crespellano, sempre in provincia di Bologna.

Si arriva così all’incontro e alla prima intervista: superata l’iniziale titubanza Palmieri inizia a raccontare, diventando in breve un fiume in piena, con i due autori che faticano a stargli dietro. Spuntano fuori anche due vecchie valigie riportate da Palmieri in Italia dalla Cecoslovacchia e piene di quaderni e di materiali utili. Arrivati a pagina 26 del libro sono già stati toccati i temi più importanti: la Resistenza e l’iscrizione al Partito comunista italiano, l’uccisione dell’oste di Oliveto, l’esilio in Cecoslovacchia, l’assoluzione, il ritorno in Emilia, il nuovo trasferimento in Svizzera. Tante cose, tutte insieme. Gli autori denunciano un certo smarrimento e forse per il lettore è lo stesso.

Decidono quindi di ricominciare da capo, dal 1927, anno della nascita di Otello Palmieri. Si arriva quasi subito a uno dei momenti chiave: il 17 agosto 1944 Palmieri, appena diciassettenne, venne catturato da un gruppo di repubblichini insieme ad altre persone e riuscì a sfuggire grazie all’aiuto di un medico e della sorella infermiera. Una volta tornato in paese si unì alla Resistenza. Gli autori però fanno notare come in alcuni documenti ufficiali Palmieri risulti partigiano già da prima del rastrellamento. È uno dei punti in cui Mignini e Pontieri tirano fuori le discrepanze fra ciò che ascoltano durante le interviste e ciò che risulta da altre fonti come il contenuto delle valigie conservate da Palmieri, documenti giudiziari e pubblicistica. Il pregio del metodo usato è di non arrivare a conclusioni affrettate o nette, mettendo però in evidenza i dubbi e cercando un modo per provare a scioglierli. Gli autori mettono quindi il luce la collaborazione che esisteva fra i partigiani della zona e i giovani del paese già prima del rastrellamento del 1944, soprattutto nel fornire informazioni sulla presenza di soldati tedeschi o repubblichini in zona [4]. La conoscenza reciproca facilitò l’ingresso di Palmieri fra i partigiani dove ottenne anche un nuovo nome, Battagliero (nome di un valzer emiliano e titolo del primo capitolo del volume). Palmieri a quel punto si trovò inserito in un gruppo in cui ci sono anche persone molto più grandi di lui e dei suoi amici: una di queste era Antenore Lanzarini, ucciso il 19 novembre 1944. Alla ricostruzione delle circostanze della morte di Lanzarini e alle due versioni proposte da Palmieri gli autori dedicano alcune delle pagine più interessanti del libro. Palmieri racconta poi dell’inverno del 1944 e dell’ordine del generale statunitense Harold Alexander di sospendere le operazioni belliche su larga scala durante i mesi più freddi dell’anno. Gli autori però non si accontentano e ottengono informazioni sugli spostamenti delle colonne partigiane e su delle azioni volte a recuperare delle armi o del cibo a Oliveto e nelle zone limitrofe. Si arriva quindi al momento che fin dalle prime pagine è sembrato essere una svolta nella vita di Palmieri: i giorni dell’attentato al segretario del Partito comunista italiano Togliatti (14 luglio 1948). Palmieri racconta dell’occupazione del municipio con le armi della Resistenza e il conseguente intervento del Pci di zona che riportò la calma a Oliveto e generò una certa frustrazione fra i militanti: la Rivoluzione non era all’ordine del giorno. Arrivati a questo punto l’oste del paese era già stato ucciso (4 dicembre 1945) ma sarà solo nell’estate del 1949 che Palmieri e altri due suoi compagni finirono per essere vicini all’arresto. La fuga avvenne appena in tempo e, grazie all’aiuto del Partito comunista, Palmieri e gli altri riuscirono a raggiungere la Cecoslovacchia. Una volta arrivato a Praga, Palmieri, come tutti i suoi compagni, dovette cambiare (di nuovo) nome e su indicazione del Partito comunista iniziò a chiamarsi Enrico Grassi, titolo del secondo capitolo del libro.

Qui gli autori ricostruiscono la vita di Palmieri e degli altri italiani costretti a rifugiarsi al di là della Cortina di ferro: l’apprendimento della lingua ceca e la scuola di formazione politica predisposta dal Partito con la conseguente delusione di Palmieri una volta capito che il Partito non li stava facendo studiare per fare la Rivoluzione in Italia, i rapporti con degli emigrati ideologicamente più convinti, la nascita della redazione della trasmissione radiofonica Oggi in Italia, lo stupore di fronte all’epurazione del segretario generale del Partito comunista ceco, Rudolf Slánský [5]. Finita la scuola Palmieri, in controtendenza rispetto alle scelte dei suoi compagni, scelse di iniziare un percorso di formazione professionale e venne impiegato in un’industria meccanica. Nel giro di due anni si trasferì in un’altra città e qui incrociò alcuni ex membri della Volante rossa, ex partigiani di area lombarda fatti scappare dal Pci in Cecoslovacchia per metterli al riparo da accuse di omicidi e di altri reati. Il soggiorno all’estero era però ormai prossimo alla fine: nel settembre del 1953, arrivata la notizia dell’assoluzione, Palmieri tornò in Italia, in apparenza senza esitazioni. Una volta arrivato in Emilia si sposò con Giovanna, la sua fidanzata storica. Sembrava il preludio a una nuova fase di stabilità e invece nel giro di pochi mesi la coppia si spostò di nuovo, questa volta per raggiungere la Svizzera. Gli autori dedicano alla ricostruzione del ritorno in Italia e della scelta di tornare a emigrare un “Intermezzo” in cui cercano di andare oltre la prima risposta data da Palmieri, ossia la necessità di guadagnare una somma per ripagare un debito contratto in occasione del matrimonio. Tramite un gioco di ipotesi e frasi prese dalle interviste i due autori ci restituiscono l’insoddisfazione di Palmieri per l’ipotesi di un «posto» fisso in Italia proposto dal Partito comunista emiliano contrapposto a un «lavoro» da cercare, forse da inventare e poi da praticare in Svizzera [6]. Si arriva così al terzo capitolo, intitolato Otti, diminutivo di Otello in tedesco. Qui la storia di Palmieri si lega a quella dell’emigrazione italiana in Svizzera: Palmieri trova lavoro, è apprezzato anche grazie alla formazione ricevuta in Cecoslovacchia e nel tempo rafforza la sua posizione, anche se nel paese elvetico non tutti vedevano di buon occhio l’arrivo di tanti lavoratori dall’Italia. Finisce per ammirare il paese in cui si è stabilito e nel quale però non rimarrà una volta raggiunta la pensione [7], momento di un nuovo ritorno in Emilia.

Il libro termina con il racconto di una passeggiata degli autori insieme a Palmieri a Oliveto, sui luoghi che sono stati lo scenario di una parte dei fatti descritti nelle pagine precedenti. Proprio nelle ultime righe Mignini e Pontieri riconoscono che diversi punti della storia non sono stati chiariti del tutto, ci sono ancora dei dubbi e non è stato possibile fugarli. Non si è riusciti a chiarire del tutto la vicenda dell’uccisione dell’oste e il ritrovamento di un faldone all’interno dell’archivio del Tribunale di Bologna con le carte del processo proprio nelle settimane di chiusura del lavoro si è scontrato con la quasi indifferenza di Palmieri che ha smorzato l’entusiasmo dei due ricercatori. Rimane il dubbio che in un archivio di Praga ci sia ancora l’autobiografia che al momento dell’arrivo in Cecoslovacchia il Partito comunista chiedeva agli emigrati di scrivere. Resta soprattutto il rammarico per un diario smarrito da Palmieri al ritorno dalla Cecoslovacchia. Rimangono poi altri punti non chiariti, altre strade non prese, altre domande non fatte o delle risposte non approfondite. Questo però è ciò che accade in ogni ricerca storica, anche se non sempre viene esplicitato e il lettore quindi può non accorgersene. Pontieri e Mignini si sono messi invece in gioco fin dalla prime pagine e, condividendo con il lettore la storia della ricerca e mettendo in mostra i limiti della stessa, hanno finito per scrivere un ottimo libro di metodo, godibile anche dal punto di vista narrativo.

Notas

1 PORTELLI, Alessandro, Problemi di metodo. Sulla diversità della storia orale, in BERMANI, Cesare (a cura di), Introduzione alla storia orale, vol. I, Storia, conservazione delle fonti e problemi di metodo, Roma, Odradek, 1999, pp. 149-166 (in particolare, pp. 160-161). Il contributo è stato originariamente pubblicato in Primo maggio, Saggi e documenti per una storia di classe, 13, 1979, pp. 54-60.

2 MIGNINI, Alfredo, Un lavoro da non sfruttare nessuno. Storie di vita dalla periferia di Bologna, Roma, Aracne, 2016. Si veda in particolare la parte introduttiva in cui l’autore riflette sull’uso delle fonti orali.

3 CAPUZZO, Paolo (a cura di), Il Pci davanti alla sua storia: dal massimo consenso all’inizio del declino. Bologna 1976, Roma, Viella, 2019.

4 MIGNINI, Alfredo, PONTIERI, Enrico, Qualcosa di meglio. Biografia partigiana di Otello Palmieri, Bologna, Pendragon, 2019, p. 43.

5 Ibidem, p. 102.

6 Ibidem, p. 138.

7 Ibidem, p. 166.

Alessandro Stoppoloni (Roma, 1989) è un archivista libero professionista. Si è laureato in scienze storiche nel 2015 nell’ambito del corso integrato italo-tedesco organizzato dall’Università di Bologna e da quella di Bielefeld con una tesi dal titolo Fra teoria e pratica: la psicologia politica di Peter Brückner (1966-1978). Per «Diacronie» si occupa di recensioni e cura saltuariamente le traduzioni dalla lingua tedesca.


MIGININI, Alfredo; PONTIERI, Enrico. Qualcosa di meglio. Biografia partigiana di Otello Palmieri. Bologna: Pendragon, 2019, 222p. Resenha de: STOPPOLONI, Alessandro. Diacronie – Studi di Storia Contemporanea, v.45, n1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].

#ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole | Federico Faloppa (R)

Filosofia e Historia da Biologia 10 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920
Federico Falopa | Foto: Piano P |

SCOTT The common wind 13 O horizonte vermelho: o impacto da Revolução Russa no movimento operário do Rio Grande do Sul 1917-1920Il tema dei discorsi d’odio ha oramai una consolidata tradizione di studi, in particolare in campo sociale e giuridico [1]. Quel che appare realmente nuovo nel panorama degli hate speech è la pervasività e la rapidissima diffusione di questi stessi per effetto della diffusione che viene oggi consentita ai messaggi d’odio dai social network. È in questo contesto che si inserisce il libro del linguista Federico Faloppa [2], professore di Italian Studies and Linguistics all’Università di Reading, dedicato proprio al tema dei discorsi d’odio e alla loro proliferazione sul web. L’autore ci offre una prima, parziale, risposta agli interrogativi “Perché questo è avvenuto e perché si è verificato in questi termini”:

Usiamo in modo interconnesso i social media come strumento di supporto alle nostre reti sociali, di espressione della nostra identità e di analisi dell’identità altrui. Nel giro di pochi anni è decisamente cambiato il nostro approccio al mezzo, il senso della nostra comunicazione, il modo in cui produciamo i nostri messaggi. E questo – va da sé – vale anche per i messaggi che veicolano odio[3].

Il manuale, come viene definito il volume dall’autore nel sottotitolo, è diviso in cinque sezioni. La prima di esse (capp. 1 e 2) è dedicata a cercare di tratteggiare il significato di hate speech: una definizione che, sottolinea Faloppa, rimane problematica. Quella fornita dal Consiglio d’Europa può tuttavia costituire una base di partenza:

l’istigazione, la promozione o l’incitamento alla denigrazione all’odio o alla diffamazione nei confronti di una persona o di un gruppo di persone, o il fatto di sottoporre a soprusi, molestie, insulti, stereotipi negativi, stigmatizzazione o minacce tale persona o gruppo, e comprende la giustificazione di queste varie forme di espressione, fondata su una serie di motivi, quali la “razza”, il colore, la lingua, la religione o le convinzioni, la nazionalità o l’origine nazionale o etnica, nonché l’ascendenza, l’età, la disabilità, il sesso, l’identità di genere, l’orientamento sessuale e ogni altra caratteristica o situazione personale [4].

Per un ulteriore schema interpretativo utile a classificare i discorsi d’odio, Faloppa ci invita a guardare alla Pyramid of Hatred proposta dalla Anti-Defamation League e dallo Shoah Foundation Institute della California all’inizio del XXI secolo: in questa rappresentazione l’espressione di sentimenti negativi può giungere sino, al vertice della piramide, alla volontà di sterminio deliberata e sistematica, ultimo stadio prima della traduzione in realtà e pratiche concrete dell’hate speech. Dal punto di vista storico il secondo capitolo, “Genealogie”, ci aiuta a comprendere come ci troviamo di fronte a un fenomeno di lungo periodo: se è nella seconda metà dell’Ottocento che prende avvio lo studio sistematico delle espressioni offensive e discriminanti nei confronti di altri popoli, è di un secolo più tardi l’istituzione di strumenti volti a limitare il razzismo linguistico.

La seconda sezione (capp. 3 e 4) si sofferma invece sul quadro normativo e offre al lettore una vista d’insieme. Uno dei meriti principali del volume è infatti quello di analizzare in prospettiva comparata la situazione di diversi paesi, argomentando le ragioni per cui i legislatori hanno preferito muoversi in un senso estremamente permissivo – ad esempio, negli Stati Uniti, dove questo atteggiamento ha originato un vasto dibattito [5] – o ponendo maggiori limiti, come è avvenuto in Europa [6]. Si ha così l’opportunità di contestualizzare la situazione italiana confrontandola, ad esempio, con quella britannica, tedesca o francese. Quel che emerge è una pluralità di risposte, in cui molto spesso il risultato finale in termini normativi è frutto di una mediazione fra l’esigenza di intervenire e la tradizione culturale del singolo paesi in termini di libertà di espressione. L’equilibrio è sempre sottile perché, almeno nel caso italiano: «Quando […] l’espressione è discriminante, insultante, diffamante o quando sfocia in un’azione delittuosa può – deve – conoscere restrizioni, previste dalla legge» [7].

La terza sezione (capp. 5, 6 e 7) “Hate speech 2.0” ritorna sulla questione degli interventi normativi nel campo del discorso d’odio, in particolare sul web. È qui che troviamo il nucleo dell’analisi di Faloppa. Per comprendere il fenomeno l’autore si sofferma su due caratteristiche: da una parte la “virtualità” dell’hate speech, dall’altra la sua viralità. La mancanza di un rapporto diretto fra chi offende e chi viene offeso impedisce di prendere atto degli effetti innescati dall’espressione di odio: un meccanismo che genera un processo di progressiva deresponsabilizzazione. Deresponsabilizzazione che è anche alla base dell’atteggiamento di una parte della politica, che cavalca le espressioni d’odio per costruire il suo consenso e assicurarsi un tornaconto elettorale, come Faloppa evidenzia a più riprese [8]. Inoltre la viralità del messaggio – e la sua permanenza – creano effetti perniciosi, in grado di dar luogo a effetti duraturi e difficilmente reversibili perché replicabili e moltiplicabili quasi all’infinito, in un effetto “camera dell’eco”. L’odio, inoltre, sottolinea Faloppa, si dissemina in forma individuale e con maggior facilità, quasi per effetto di un riflesso condizionato, secondo la logica del re-post.

La quarta sezione (capp. 8, 9) è quella in cui emerge la forza dell’analisi di Faloppa, che tratteggia un’analisi quantitativa, ma soprattutto qualitativa del discorso d’odio sul web in Italia. Lo sguardo viene così spostato anche sui sotterfugi impiegati per veicolare messaggi d’odio: i grafismi, l’utilizzo di scritte apparentemente non offensive o persino l’impiego di alcuni font. Un tema che rappresenta un filone assai prolifico, come dimostrano recenti analisi, ad esempio, sui meme [9].

Gli ultimi capitoli del manuale (10, 11 e 12) sono invece dedicati al contrasto degli hate speech, alle strategie da impiegare. Faloppa, da linguista, osserva come sarebbe necessario guardare.

[…] proprio alle modalità – che passano attraverso il linguaggio e la sua dimensione pragmatica – si dovrebbe forse guardare con più attenzione. Non tanto lo studio dei possibili profili quanto l’analisi dei comportamenti e delle modalità in cui i messaggi d’odio vengono prodotti e diffusi mi sembra infatti offrire un approccio più funzionale e aderente alla realtà […] [10]
L’autore suggerisce di distinguere fra troll e odiatori seriali, odiatori occasionali e semplici follower: discriminare il profilo di chi sta esprimendo un sentimento negativo è utile perché sulle ultime categorie di haters è possibile agire, sostiene Faloppa, nell’intento di interrompere la spirale dell’odio.

Una considerazione non dissimile da quella sviluppata da Littler e Kondor riguardo all’islamofobia.

We also highlight the role that can be played by civil society organisations, in particular identifying the potential for social and economic pressure to be exerted against mainstream media forums promoting islamophobia, and for micro-targeting to be employed on social media to reach and challenge those who are most at risk of engaging in Islamophobic hate crime [11].

Il volume – come specifica l’autore – è largamente ispirato dalla riflessione collettiva sorta intorno al Tavolo per il contrasto ai discorsi d’odio: si può in qualche modo considerare come un manuale engagé, come dimostra proprio la quinta parte, più espressamente dedicata alle strategie da mettere in campo per contrastare i discorsi d’odio. Una parte dell’analisi che viene sviluppata è però un utile strumento anche per gli storici. Di fronte al fenomeno dell’hate speech diventa essenziale dotarsi degli strumenti cognitivi e interpretativi giusti per potersi orientare: se da una parte il tema del quantitativo si innesta su quello di lungo periodo dei discorsi d’odio [12], dall’altra per ogni studioso di scienze sociali diviene una necessità confrontarsi e gestire grandi quantità di dati [13].

Faloppa rimarca infine la labilità del confine fra discorso e crimine d’odio:

Spesso si sente dire – da chi vuole minimizzarne la portata – che il discorso d’odio è molto diverso dal crimine d’odio per il fatto che in un caso si tratta solo di parole (‘ma che cosa vuoi che sia’, ‘stavo scherzando’, ‘e che sarà mai, sono solo parole’), nell’altro di un atto di discriminazione vera e propria, o di un’aggressione fisica, che sarebbe cosa ben più grave al punto da condurre alla probabile istruttoria di un procedimento penale. Ma la differenza tra hate speech e hate crime, come sappiamo, è prevalentemente giuridica. […] Non si tratta tanto di ribadire – con John L. Austin e la sua «teoria degli atti linguistici» – che con le parole non solo si dice, ma si fa qualcosa. Si tratta piuttosto di considerare quale peso abbia l’hate speech tanto a livello individuale quanto a livello collettivo, colpendo indirettamente tutto il gruppo di cui fa o potrebbe far parte la persona aggredita. Si tratta di capire quali sono le sue conseguenze reali: nel breve, medio e lungo periodo [14].

Gestire questa mole di informazioni e saper individuare le linee di faglia su cui si muovono i sentimenti – grazie ai social media – è un’opportunità che si offre agli storici di oggi: sarà fondamentale, negli anni a venire costruire competenze e metodologie in grado di riuscire a raffinare l’indagine sociale. In questo senso libri come #Odio potranno rivelarsi non solo manuali per la resistenza, ma anche per la costruzione di una consapevolezza condivisa.

Notas

1. Cfr., tra gli altri: MATSUDA, Mari et al. (eds.), Words That Wound: Critical Race Theory, Assaultive Speech, and the First Amendment, Boulder (CO), Westview Press, 1993; HERZ, Michael, MOLNAR, Peter (eds.), The Content and Context of Hate Speech. Rethinking Regulation and Responses, New York, Cambridge University Press, 2012. In ambito storico gli studi si sono sinora concentrati sul tema del negazionismo, intimamente legato al tema del discorso d’odio.

2. Tra le pubblicazioni dell’autore sul tema del razzismo e dei discorsi d’odio: FALOPPA, Federico, : f mu z n d “d v ”, Alessandria, Edizioni dell’Orso, 2000; ID., Parole contro: la rappresentazione d “d v ” n ngu n n d , Milano, Garzanti, 2004; ID., Razzisti a parole (per tacer dei fatti), Roma-Bari, Laterza, 2011; ID., n un : ng n d un n , Roma, Aracne, 2013.

3. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole, Torino, UTET, 2020, cap. 6 “Tutta colpa della rete?”, par. “Odio onlife”.

4. Ibidem, cap. 1 “Definire il discorso d’odio”, par. “Una definizione di partenza”.

5. Cfr. fra gli altri: DELGADO, Richard, STEFANCIC, Jean, Must We Defend Nazis? Why The First Amendment Should Not Protect Hate Speech And White Supremacy, New York, New York University Press, 2018.

6. Si veda ad esempio la vicenda di Geert Wilders: HOWARD, Erica, Freedom of Expression and Religious Hate Speech in Europe, London – New York, Routledge, 2018, pp. 138-165.

7. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 4 “Il caso italiano”, par. “Alcune certezze e molti dubbi”.

8. Cfr. Le analisi sui tweet e i post di Matteo Salvini: ibidem, cap. 9 “Oltre il lessico”, par. “Noi, loro”.

9. TUTEN, Marc, HAGEN, Sal, «(((They))) rule: Memetic antagonism and nebulous othering on 4chan», in new media & society, 22, 12/2020, pp. 2218-2237.

10. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 11 “L’incognita delle emozioni”, par. “Haters and Co.”.

11. LITTLER, Mark, KONDOR, Kathy, Terrorism, h h nd ‘ umu v x m m’ n F k: udy, in ZEMPI, Irene, AWAN, Imran (eds.), The Routledge International Handbook of Islamophobia, London – New York, Routledge, 2019, pp. 374-384, p. 382.

12. Cfr. ad esempio: FINKELSTEIN, Joel, ZANNETTOU, Savvas, BRADLYN, Barry, BLACKBURN, Jeremy, «A Quantitative Approach to Understanding Online Antisemitism», in Arxiv.org, 5 settembre 2018, URL: < arXiv:1809.01644v1 > [consultato il 27 febbraio 2021].

13. SALGANIK, Matthew J., Bit by bit. L n ’ d g , Bologna, Il Mulino, 2020.

14. [libro digitale: epub] FALOPPA, Federico, #ODIO, cit., cap. 12 “Il bisogno di reagire”, par. “Dalla parte delle vittime”.

Jacopo Bassi ha conseguito la Laurea Triennale in «Storia del mondo contemporaneo» presso l’Università di Bologna sostenendo una tesi in Storia e istituzioni della Chiesa ortodossa dal titolo Tra Costantinopoli e Atene: Il passaggio delle d d ’E ’ mm n z n d Ch d G ‘P x ’ d 1928; presso lo stesso ateneo, nel 2008, ha discusso la tesi specialistica in Storia della Chiesa dal titolo Epiro crocifisso o liberato? La Chiesa ortodossa in Epiro e in Albania meridionale nel XX secolo (1912-1967). Attualmente collabora con le case editrici Il Mulino e Zanichelli. URL: < http://www.studistorici.com/progett/autori/#Bassi >


FALOPPA, Federico FALOPPA. #ODIO. Manuale di resistenza alla violenza delle parole. Torino: UTET, 2020, 291p. Resenha de: BASSI, Jacopo. Diacronie – Studi di Storia Contemporanea, n.45, v.1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].