O Golpe de 1964: Reflexos, Desdobramentos e Olhares Cinquenta Anos Depois / Albuquerque: Revista de História / 2014

O ano de 1964 mal havia se iniciado e, no seu horizonte, já se avistavam nuvens pouco alvissareiras. No ocaso de um mês de Março especialmente conturbado, um Golpe de Estado abalou a jovem república brasileira. Seus autores e mentores, militares e civis, representavam um vasto espectro das forças da direita no Brasil, desde os setores mais conservadores das forças armadas, da igreja e do latifúndio, até os grupos empresariais mais modernos e dinâmicos, da indústria, comércio ou mídia, frequentemente vinculados a interesses e capitais estrangeiros.

O Golpe, produto final de uma longa gestação conspiratória, mesmo que desordenada, e, cuja justificação era dada em termos de “defesa” da democracia contra o comunismo, foi desferido, paradoxalmente, contra um governo democraticamente eleito, mas cujo projeto econômico, político e social de cunho nacionalista, moderado e reformista não mais correspondiam aos anseios e interesses das elites dominantes.

Mais do que isso, o Golpe no Brasil também sinalizava aos países vizinhos que os modelos de desenvolvimento pautados na participação do Estado na economia, na substituição de importações e baseados no pacto social se encontravam à beira do colapso. No particular contexto histórico da Guerra Fria, tais governos se encontraram assimetricamente imprensados: pelo alto, sob a agressiva investida dos imperialismos, especialmente o estadunidense, no marco de ascensão de um novo regime de acumulação integral de capital; e, pela base, com a radicalização dos movimentos sociais contestatários inspirados nas recentes experiências revolucionárias, anti-imperialistas e de libertação nacional do mundo periférico. E conviria destacar, em especial, o caso de Cuba que, destarte o seu reduzido espaço geográfico e limitado poder ofensivo real, foi superdimensionada como uma ameaça ao poderio econômico-militar de Washington em todo o continente por tornar-se um exemplo de ousadia e resistência frente aos Estados Unidos e, cuja experiência revolucionária poderia ser, em tese, emulada em qualquer país latino-americano, desde a fronteira do Rio Grande, ao norte, até os confins patagônicos.

Neste ano de 2014, completa-se exatamente cinquenta anos do Golpe de Estado de 31 de Março / 01 de Abril de 1964. Os remanescentes e herdeiros ideológicos da ditadura ainda continuam a bradara desgastada cantilena de que o Golpe de 1964 foi uma “ação democrática” para “salvar o país” de uma pretensa ameaça do comunismo. Porém, tais acepções sobre o ocorrido em 1964 não recebem, nos dias de hoje, um eco similar ao que eles outrora receberam da sociedade em geral. Durante o seu longo período de duração, a ditadura brasileira (em especial) conseguiu forjar uma representação bastante positiva no imaginário social e político, apesar do emprego sistemático da violência institucional e das repetidas violações aos direitos humanos cometidos ao longo desses vinte e um anos (com intensidade variada, conforme necessidades conjunturais). Evidentemente que tal percepção “benévola” encontrava arraigo nos setores favorecidos com o regime, especialmente nas classes alta e média, mas não somente.

Apesar de suas particularidades nacionais, as Ditaduras de Segurança Nacional do Cone Sul utilizaram (em graus distintos) a lógica binária da “mão que bate é a mão que afaga” e empregaram o terror Estatal buscando combinar medo generalizado e terror pontual com recompensa material para ampliar uma base de apoio em determinados grupos sociais. Assim, os governos equacionaram o Terrorismo de Estado (simultaneamente seletivo e indiscriminado, o que lhe garante um efeito de irradiação social) com mecanismos de criação de consenso social. Consenso este que seria obtido, em parte, mediante concessões de benefícios materiais a setores da população. Mas, além disso, não podemos esquecer o peso exercido pela propaganda maciça exercida desde e para o Estado, por seus agentes, mas também por seus colaboradores (mídia, personalidades artísticas, lideranças civis, etc.), em combinação com instrumentos tais como a censura, a repressão, a desqualificação, a criminalização, a demonização e, em alguns casos, até o extermínio físico daqueles tidos como opositores mais perigosos.

A combinação e interação desses fatores não somente possibilitou a hegemonia do poder, como também delineou o nível de sucesso ou aceitação dos regimes ditatoriais do Cone Sul que aplicaram o terror de Estado, moldando o teor positivo ou negativo da sua imagem e garantindo a permanência desta construção tanto no plano subjetivo quanto na memória coletiva. Especificamente no caso brasileiro, não era incomum ouvirmos (e até ouvimos ainda!) em expressões orais e escritas do senso comum (ecoa até mesmo em meios acadêmicos), a percepção de que, apesar da violência, dos abusos e da corrupção da ditadura, o saldo do regime militar foi positivo, seja porque possuía um projeto de desenvolvimento que deixou um “legado” ao país, ou porque teve um relativo sucesso em matéria econômica, ou porque havia mais “ordem e segurança”…

Em outras palavras, pode se dizer que, em determinados grupos sociais se exerceu (e se exerce ainda) uma clara relativização do emprego sistemático do terror, das arbitrariedades e dos crimes cometidos pela ditadura, e nessa relativização (que ora beira a banalização, de tão grosseira), que se traduz em um mero “balanço” entre os crimes e as benesses do regime, os segundos terminam geralmente ofuscando os primeiros, de modo a gerar uma hierarquização um tanto inversa. Aqui no Brasil, o terror e o “milagre econômico” foram instrumentos de dominação e cooptação, em tese opostos, mas utilizados de modo complementar. Todavia, ao contrário de outros países vizinhos, o terror foi administrado de forma mais especifica e aplicado com precisão quase cirúrgica, principalmente se comparado com a extensão e a profundidade do terror estatal aplicado na Argentina.

Ao contrário da ditadura argentina, a ditadura brasileira soube focalizar precisamente na sua mira os sujeitos considerados alvos da repressão e, assim, direcionar verticalmente a aplicação dos mecanismos do terror. Entretanto, esse caráter pontual da violência repressiva no Brasil não significa que o regime tenha sido “brando”, se comparado aos outros regimes ditatoriais e, por extensão, “melhor” que eles. Se a ditadura brasileira torturou, assassinou e ocultou os cadáveres de seus oponentes em menor proporção do que a ditadura vizinha foi porque considerou que não havia necessidade concreta de fazê-lo em grande escala.

Assim sendo, independente das comparações “estatísticas” de contagem de mortos e / ou desaparecidos que possam ser efetuadas entre as ditaduras de Segurança Nacional para medir um suposto grau de brutalidade de tal ou qual regime, o que deve ser observado, em tais regimes, são características estruturais, tais como a sistematização e aplicação da tortura em grande escala, a racionalidade da repressão, a metodologia “científica” do terror, suas justificativas políticas e o arcabouço ideológico empregado foram muito similares em todas as ditaduras do Cone Sul.

Passados cinquenta anos, não se pode negar que o nosso país (em similar sintonia com o nosso subcontinente) passou por consideráveis mudanças históricas e que estas contribuíram para modificar a percepção da atual sociedade brasileira sobre aqueles tempos passados. No plano político-institucional, e especialmente nos últimos anos, com a assunção de governos mais identificados com as questões sociais e historicamente vinculados àqueles setores progressistas ou de esquerda e que participaram ativamente do polarizado cenário político dos anos 1960 e 1970 se reacendeu o debate sobre o incômodo passado recente, um debate postergado e ofuscado no imediato pós-ditadura. Em novembro de 2011, foi criada a Comissão Nacional da Verdade (CNV)1 , após anos de embates políticos entre militares e civis para definir alcances e limites de atuação que essa Comissão teria. Tal iniciativa, mesmo que tardia, exemplifica esse olhar atual do Poder Executivo com relação a medidas vinculadas à questão da memória e a busca da verdade histórica, em nome de uma reconciliação nacional efetiva.

No entanto, em função da condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no final de 2010, as ações do Estado brasileiro nesse sentido deveriam ser mais aprofundadas. No entendimento da CIDH, não basta apenas à criação da CNV ou facilitar o acesso à documentação repressiva pelas vítimas, seus familiares e também a pesquisadores em busca de informação antes proibida. O que é fundamental é que o Estado brasileiro remova todos os obstáculos jurídicos para poder “conduzir eficazmente a investigação penal dos fatos do presente caso, a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei disponha”2. E isto significa, segundo especialistas da área jurídica, começar pela anulação da Lei de Anistia de 1979 3.

Cabe recordar que, ao longo da década de 1980, o Estado brasileiro advindo “democrático” procurou colocar uma “pedra” sobre os crimes da ditadura. Certamente que a assimétrica Lei de Anistia, duramente negociada entre a ditadura (ainda na posse das rédeas do poder) e alguns setores da “elite” da oposição, no marco de um progressivo descontentamento geral da população com o regime (especialmente após evidenciar os limites do “milagre”) não deixava margem de manobra para tais discussões, o que redundou em “perdão incondicional” aos agentes da repressão e uma incontestável vitória dos setores da “linha dura” militar, que permaneceram impunes.

Por outro lado, deve se apontar que, sob a justificativa de não atravancar o processo de transição para um Estado democrático de direito, os governos civis evitaram enfrentar o poderio militar, bem como tocar no problema da sujeição das Forças Armadas às regras do jogo democrático. Por fim, não se pode obliterar que parte considerável da elite (em especial os políticos e empresários) e da classe média brasileira era também comprometida, direta ou indiretamente, e em maior ou menor grau, com o regime ditatorial pregresso, o que explicaria seu interesse em “esquecer” determinadas ações e alianças do passado que não lhe seriam adequadas nem favoráveis naquele ambiente de devir “democrático”. Nesse sentido, a “amnésia histórica” converteu-se em prática oportuna e corrente de distintos setores sociais.

Nos dias atuais, é possível evidenciar que o Estado brasileiro, pelo menos na figura do poder executivo, efetuou “um passo a frente” no sentido de responder às históricas demandas pelo direito à memória e à verdade. Mas, haverá por parte das outras instâncias do Estado um “segundo passo”? Isto é, como enfrentar a demanda por justiça? Esta questão primordial ainda carece de resposta efetiva. O poder judiciário, até o momento, tem recuado diante desta problemática, especialmente no que tange a revisão da Lei de Anistia, pois o Superior Tribunal Federal continua a ratificá-la, à revelia de instância jurídica internacional e em claro desrespeito aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário.

Neste sentido, porém, a demanda por justiça tem lugar na pauta da atual agenda das novas gerações que participam dos movimentos sociais. Se durante décadas as reclamações pelos crimes da ditadura se restringiram a círculos de vítimas e seus familiares, ex-presos políticos, militantes ou a organizações de direitos humanos, esta questão agora transcende este núcleo inicial, impregnando e polarizando o debate nos distintos âmbitos do tecido social. E neste contexto favorável à memória, não estranhamente, surgem as outrora silenciadas “memórias subterrâneas” dos sobreviventes desse passado traumático e que hoje encontram eco, tanto com a juventude, interessada em conhecer um passado que lhes foi “negado”, quanto com os historiadores (e outros pesquisadores das áreas humanas) interessados em produzir conhecimento sobre esses temas em meio a esse processo de emergência de antigas questões e revalorização das experiências daquele tempo passado. Ou seja, preocupados em compreender por que esse passado não elaborado “teima em passar”, aflorando em determinados contextos e nos relembrando permanentemente da sua vigência.

Ao encontro deste momento histórico tão significativo, a Revista Albuquerque dedica este Número 11 a temática das Ditaduras de Segurança Nacional no Brasil e Cone Sul, com o Dossiê intitulado: O Golpe de 1964: Reflexos, Desdobramentos e Olhares Cinquenta Anos Depois. Embora inicialmente focado na experiência ditatorial brasileira, em virtude da data a ser rememorada, este Dossiê pretende abordar a temática desde uma perspectiva mais abrangente. Não somente em termos de expressar a diversidade de olhares e enfoques possíveis sobre as ditaduras partindo de prismas teóricos e metodológicos distintos. Mas especialmente em termos de ampliar o recorte geográfico ao incluir pesquisas históricas sobre / ou os “nossos vizinhos” da região, por entender que existem interconexões, elementos em comum que, independente de particularidades, vinculam as distintas experiências ditatoriais do Cone Sul entre as décadas de 1960 e 1980.

O presente Dossiê inicia com o texto de Carlos Artur Gallo “Comissões da Verdade em Perspectiva: notas sobre a experiência uruguaia, chilena e argentina”, em que o autor, após historicizar sobre o período autoritário na Argentina (1976-1983), no Chile (1973-1990) e no Uruguai (1973-1985) nos estabelece, em escala comparativa, uma análise concisa sobre as distintas formas que os países do Cone Sul enfrentaram a problemática que encerra a trinômia memória, verdade e justiça, nos seus respectivos processos de democratização, na tentativa de fazer face aos problemas do “legado” do passado ditatorial.

O artigo de Jefferson Gomes Nogueira, “História, imprensa e a construção da realidade durante o regime militar no Brasil (1964 / 1985)”, aproxima-nos mediante o estudo da produção histórica sobre a imprensa e o regime militar no Brasil, dos mecanismos e agentes utilizados (censura, propaganda, censores, jornalistas, etc.) tanto pelo aparato estatal repressor, quanto pelos seus colaboradores privados para construir uma “realidade” parcial e conveniente que lhe possibilitasse atingir a hegemonia e o controle social pretendido. Desde uma perspectiva estadual, Cristina Medianeira Ávila Dias, discorre sobre “O terrorismo de Estado (TDE) no Rio Grande do Sul: perseguição, prisãoe tortura de militantes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)”, utilizando como ponto de partida, o surgimento de um grupo armado de esquerda, no extremo sul do Brasil, e estabelecendo a relação deste com o desenvolvimento e a consolidação da estrutura repressiva montada pelos órgãos de segurança para combater as atividades das forças que resistiam ao regime, bem como aborda a metodologia empregada pelo aparato repressivo.

Já Enrique Serra Padrós nos apresenta, em seu artigo, uma reflexão sobre um tema delicado e pouco abordado, aqui no Brasil em particular: “A guerra contra as crianças: práticas de sequestro, desaparecimento e apropriação de identidade no século XX”. Nesse artigo, focaliza as experiências do sequestro de crianças durante as ditaduras de Segurança Nacional da Argentina e do Uruguai, ocorridas entre as décadas de 1970 e 1980, uma das mais brutais práticas do Terrorismo de Estado platino inserido na lógica da captura do “butim de guerra” e vinculado aos projetos de “refundação” social trazidas no bojo ideológico de tais ditaduras. Além disso, Padrós contextualiza e estabelece uma relação desta prática criminosa com outras experiências correlatas (na Europa ocupada pelo nazismo, na Espanha de Franco e nos recentes conflitos armados da África), no transcorrer do século XX e início do XXI, apontando a persistência destes mecanismos de opressão social, os profundos traumas por eles gerados e como tais crimes se projetam ao longo do tempo, incidindo sobre diversas gerações.

O artigo de Ananda Simões Fernandes e Silvia Simões, “Apontamentos acerca da conexão repressiva entre as ditaduras brasileira e chilena”, perscruta a multifacetada e complexa rede de conexão repressiva entre as ditaduras brasileira e chilena, chancelada após a vitória do golpe de Estado chileno, em 11 de setembro de 1973. A pesquisa das autoras, baseada em fontes primárias, centra sua análise na atuação combinada de organismos brasileiros e chilenos nos mais diversos âmbitos (policiais, diplomáticos, etc.) em sua colaboração na luta contra a “subversão”, e como essa conexão se consolidou em direção à formalização de uma rede orgânica e transnacional de repressão extraterritorial, que envolveria o conjunto das ditaduras do Cone Sul, e que passaria para a história da região como a “Operação Condor”.

A autora Caroline Silveira Bauer, no texto “Um passado que não passa: a persistência do crime de tortura na democracia brasileira”, disseca uma das ferramentas mais amplas e intensamente utilizadas pelo Estado terrorista brasileiro, a tortura. No entanto, o trabalho não se restringe sua análise ao período ditatorial somente, pois a autora excede os limites temporais da ditadura e incursiona sobre a permanência de tal prática abjeta até os dias de hoje. Um tema que nos leva a refletir duplamente. Por um lado, sobre as continuidades das práticas dos regimes ditatoriais sob o manto democrático e, por outro, sobre o próprio caráter e o alcance da nossa democracia.

Seguindo na dinâmica dos processos de transição das ditaduras para os regimes democráticos, Claudia Wasserman nos apresenta “Democracia e ditadura no Brasil e na Argentina: o papel dos Intelectuais”. A autora, cuja densa narrativa nos transporta até a década de 1980, foca seu olhar nos intelectuais brasileiros e argentinos, comparando e analisando o papel representado por estes, enquanto sujeitos políticos, sociais e históricos, no contexto da chamada redemocratização. Um período promissor em termos de efervescência social e cultural permeado pela retomada da discussão política e pela possibilidade de retorno daqueles que haviam padecido o exílio; mas que também foi uma era impregnada pela “cultura do medo”, pela desconfiança mútua entre os que haviam permanecido e aqueles que haviam partido ou obrigados a partir, bem como profundamente marcada pelas então recentes cicatrizes provocadas pelas experiências autoritárias.

Mario Hugo Ayala, em “Los exiliados argentinos en Venezuela ante el inicio de latransición a la democracia en la Argentina”, também efetua seu recorte temporal no período da transição, porém, desde outra interrelação geográfica e transnacional: Argentina e Venezuela. Ele aborda especificamente o fenômeno do exílio dos argentinos (um dos mais numerosos exílios da região) perante às questões surgidas com a volta da democracia e os dilemas que esta apresentava, por exemplo, a possibilidade do regresso ao país, mas também o leque de problemas políticos, grupais e subjetivos que o “retorno” (ou desexilio) paradoxalmente gerava. O artigo de Ayala está embasado em ampla documentação, utilizando-se de testemunhos publicados e, principalmente, de materiais inéditos oriundos de fontes orais.

Encerra o nosso Dossiê a obra de Monica Piccolo Almeida, “Agentes e Agências no Ocaso da Ditadura Empresarial Militar e a Reedição do ‘Milagre’”. Nesse texto, a autora propôs-se a analisar as diretrizes que guiaram a política econômica da ditadura brasileira em sua derradeira etapa, o governo de João B. Figueiredo, utilizando como hipótese central que os intentos aplicados em matéria de política econômica pretendiam recuperar os níveis de crescimento da década anterior, buscando o ressurgimento do “milagre econômico”. No entanto, tais tentativas estiveram perpassadas por contradições inerentes ao próprio sistema capitalista e pelas formas que este adquiriu nas regiões periféricas e dependentes, bem como por disputas, em virtude de interesses diversos, dentre os grupos da classe dominante mediante a ação de agentes específicos, públicos e privados, inseridos diretamente ou não no seio do aparato estatal.

Desse modo, e seguindo uma perspectiva acadêmica plural e democrática, bem representada por esta diversidade e riqueza temática, assim como pelas distintas aproximações e análises do passado apresentadas pelos autores neste Dossiê (cada um partindo de abordagens teóricas e metodológicas diferenciadas), procuramos contribuir com a reflexão crítica e o debate histórico sobre o nosso passado recente e compartilhado aqui na região sul da América do Sul, promovendo o avanço do saber (dentro e fora da academia), bem como da produção historiográfica. Esperamos que o resultado final, este Dossiê Número 11 da Revista Albuquerque, agrade aos nossos leitores exigentes.

Notas

1. lei 12.528 / 2011. a cnv iniciou os seus trabalhos em maio de 2012.

2. cidh, caso gomes lund e outros (“guerrilha do araguaia”) vs. brasil, exceções preliminares, mérito, reparações e custas, sentença de 24 de novembro de 2010, série c, nº 219, parágrafo 256. citado por gomes, luis f. disponível em: http: / / www.conjur.com. br / 2011-mar-10 / coluna-lfg-lei-anistia-viola-convencoes-direitos-humanos

3. lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979.

Jorge Christian Fernández – Doutor em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Professor de História da América do Curso de História (Campus Campo Grande / MS) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). E-mail: [email protected]


FERNÁNDEZ, Jorge Christian. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.6, n.11, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Ervais em queda. Transformações no campo no extremo sul de Mato Grosso (1940-1970) | Jocimar L. Albanez

A historiografia de Mato Grosso/Mato Grosso do Sul tem a história da erva mate como um tema caro às suas pesquisas. Alguns a veem como tema esgotado, outros nem tanto. Albanez sinaliza valorizar a temática quando, malgrado atentar para o processo de ocupação do antigo sul de Mato Grosso, entre 1940-1970,[1] intitula sua obra como Ervais em queda. Transformações no campo no extremo sul de Mato Grosso (1940-1970). O objetivo do autor é “explicar o processo de ocupação e o contexto do mundo do trabalho na agropecuária” (p.22) no antigo sul de Mato Grosso, mais especificamente, o movimento das frente pioneiras, caracterizadas pelo alto investimento da capital e pela industrialização do campo. Nestes termos, o que justificaria o título?

Albanez não restringe sua pesquisa ao período de 1940-1970. Somente consegue coerência em sua explicação por retroceder ao fim do século XIX e início do XX, quando a conhecida Companhia Matte Larangeira era responsável pelo arrendamento de vasto território no antigo sul de Mato Grosso, região que o autor definiu como Amambai histórico. Segundo ele, a ocupação, nesse período, estava restrita a indígenas e paraguaios, a mão de obra da Companhia. O interesse da Companhia, assim como o seu poderio político, conseguia fazer a manutenção das áreas em poder desta empresa a tal ponto que protelavam pedidos de emancipação de municípios, como no caso de Ponta Porã e outros. Nesse sentido, o título da obra, que é fruto da dissertação de mestrado do autor, defendida em 2004 na Universidade Federal da Grande Dourados, é coerente, pois salienta a importância do momento histórico precedente à ocupação das frentes pioneiras.

Deixando de lado o título e adentrando à obra em si, é possível notar que Albanez, apesar da originalidade do tema, que desloca o interesse nos processos de ocupação deflagrados pela política estadonovista, responsável pela formação da CAND,[2] para o território do Amambai histórico [3] e a análise do impacto das frentes pioneiras na formação dos municípios, o trabalho de Albanez se enquadra em uma linha historiográfica que ainda valoriza sobremaneira, no campo teórico, as características de uma teoria moderna [4] onde há uma valorização de uma história total, haja vista que o autor consegue fazer um diálogo entre o local e o global, assim como de uma relação interdisciplinar, chamando, constantemente, a geografia. [5]

Facilmente, poder-se-ia inserir o trabalho do autor no âmbito de uma análise marxista, não apenas pela epígrafe retirada da Ideologia Alemã, de Marx, mas também pelo interesse em pontuar a desproporção entre o poder do capital, nas chamadas frentes pioneiras, que tal como a Revolução industrial destruiu o espaço do artesão, essa grande propriedade, cercada de maquinário tecnológico desenvolvido, deslocou o pequeno proprietário das chamadas frentes de expansão, que tinham como característica a subsistência para uma condição de dependência do grande latifundiário.

Contudo, também poder-se-ia observar uma influência dos Annales na medida em que valoriza o econômico e o social, assim como o método de pesquisa que atenta para os dados estatísticos e censitários como importante fonte de análise no processo de mutação da região do antigo sul de Mato Grosso. Mas, nem por isso o autor abandona outros tipos de fontes, como as orais e bibliográficas. Albanez parece se aproximar um pouco de Braudel quando utiliza a geografia para justificar determinadas relações do homem com o território, como por exemplo, o interesse nos Campos de Vacaria, que são mais propícios à criação de gado e a caracterização fisiográfica da região.

Historiograficamente, o trabalho de Albanez se insere em uma linha tradicional que ainda é forte: a história econômica, política e social que tem como fontes principais os arquivos públicos, dados censitários e documentos oficiais. As referências bibliográficas também são condizentes a esta linha, baseando-se em autores referenciais para este tipo de análise, como Paulo Roberto Cimó Queiroz, Alcir Lenharo, Isabel Guillen, Lucia Salsa Corrêa, entre outros.

Em relação ao conteúdo, note-se que o livro divide-se em três capítulos, fora a apresentação, feita por Paulo Roberto Cimó Queiroz, a introdução, a bibliografia e a lista de outras fontes. No primeiro capítulo, o autor apresenta, de forma genérica, como se deu o processo de ocupação não índia na região, observando algumas características gerais, como a Lei de Terras de 1850, e outras específicas, como a independência do Paraguai, os problemas da fronteira, a domínio da questão fundiária pelas oligarquias regionais e, no fim, um quadro do panorama urbano do estado. O objetivo do capítulo é preparar o terreno para a discussão principal do autor, que já foi apresentada acima.

Já o segundo capítulo se dedica ao efetivo objetivo do texto: a ocupação do antigo sul de Mato Grosso entre 1940 a 1970, intitulado “Quando predomina o econômico…: a ocupação recente do ESMT (1940-1970)”, demonstra que dos fins do século XIX a meados do século XX, é possível notar uma variação da relação do homem/mulher para com o espaço, visto que no primeiro momento há uma característica de subsistência onde o ecológico sobrepuja; ao passo que no segundo observa-se uma sobreposição do econômico ao ecológico. Na primeira fase, observa-se a característica extrativista, principalmente a erva mate e a borracha, ao passo que na segunda, observa-se a produção agropecuária “destruidora das riquezas naturais” (p. 67).

Além desse fator, que justifica o título, mais quatro pontos podem ser observados como resultados importantes encontrados pelo autor: i) a constatação de um crescimento populacional no ESMT de 1950 para 1970, sendo que deste contingente o rural predominou sobre o urbano; ii) a política de colonização valorizou a concentração fundiária ao invés da equitativa distribuição de terras; iii) havia grandes propriedades na mão de poucos proprietários (acima de 1000 ha.), voltados para uma pecuária extensiva e muitas pequenas propriedades nas mãos de pequenos proprietários, voltados para a produção de subsistência e de manutenção do mercado local, lavouras que produziam arroz, feijão, milho, algodão, café, mandioca, entre outros; iv) a partir de 1970 a produção se tornou preponderantemente agropecuária e passou a visar a exportação e, não mais, o mercado nacional.

O terceiro capítulo, ainda relacionado ao objetivo central do livro, pretende fazer uma análise dos trabalhadores e das relações de trabalho no ESMT. O objetivo foi analisar como o processo ocupacional, explicado no capitulo dois alterou, ou não, o trabalho e as relações de trabalho na região. Em relação à metodologia, pode-se dizer que segue a mesma linha do segundo capítulo, a análise dos dados censitários no curso dos anos de 1950 a 1970.

No que diz respeito aos resultados, pode-se depreender seis pontos principais: i) com o fim da Matte Larangeira, o destino dos trabalhadores foi trabalhar em desmatamentos, formação de fazendas e na abertura de picadas e estradas. Essa mão de obra era de origem paraguaia, indígena e nordestina; ii) a desconstrução da ideia de que as relações de trabalho, na região, eram feudais ou semifeudais, defendendo, com base nas teorias de Caio Prado Júnior, que essas relações eram fruto das reminiscências escravocratas do século XIX (p. 154-155); iii) há uma variação no regime de trabalho entre 1950 a 1970, onde de uma maioria de trabalhadores temporários passa-se a uma maioria de trabalhadores permanentes (p. 171); iv) entre os anos citados acima, cresce o número “de participação de emprego do trabalho feminino nas propriedades rurais” (p. 176). Contudo, esse trabalho restringia-se a categoria de não remunerado; v) no ESMT prevaleceu o trabalho familiar, devido ao aumento de propriedades com menos de 10 ha e as parcerias em propriedades entre 10 e 35 ha, daí a baixa contratação de mão de obra assalariada, evidenciada pelos dados censitários. Outro fator que justifica essa baixa parcela de mão de obra assalariada são os membros não remunerados da família, o fator especulativo da terra, assim como o fato de muitas propriedades estarem sob o regime de arrendamento; vi) com o grande número de propriedades multiplica-se o número da mão de obra a disposição da grande propriedade, pois há um aumento demográfico.

Para finalizar, o autor apresenta algumas constatações gerais: como o fato do sistema de ocupação ter valorizado a concentração fundiária, pois era visivelmente um grande negócio para o Estado; houve um processo de realocação do “contingente humano disperso após a estagnação da atividade ervateira, principalmente no que diz respeito à limpeza das propriedades” (p. 187-188); a exploração da mão de obra, estendida ao ambiente familiar, onde o responsável era contratado, de forma assalariada, mas toda a família trabalhava pela remuneração de apenas um; o predomínio das atividades rurais no ESMT até o final da década de 1960; e a restrição das atividades ervateiras à região fronteiriça com o Paraguai: “caem os erva, para em seu lugar surgirem algumas culturas agrícolas, mas, principalmente, para forrar o chão com pastagens” (p. 186).

Portanto, a obra de Albanez se apresenta muito relevante para a historiografia de Mato Grosso/Mato Grosso do Sul, na medida em que apresenta um panorama da formação ocupacional da região baseada em referências estatísticas. Nota-se que o campo teórico metodológico estabelecido no início é seguido no decorrer da obra e que os resultados obtidos são coerentes com os dados analisados, assim como é perceptível que as análises locais estão constantemente sendo relacionadas aos âmbitos nacionais, o que dá significativa credibilidade à obra, visto que pontua as linearidades e as cisões estabelecidas com um campo de análise nacional.

Notas

1. Nesse período, a exploração da erva mate já está em declínio devido dois fatores: o processo de nacionalização da fronteira (a mão de obra nos ervais era preponderantemente paraguaia) e autossuficiência argentina, principal mercado consumidor do produto.

2. Colônia Agrícola Nacional de Dourados.

3. É importante salientar que, malgrado o autor focar no território do Amambai histórico, ele estabelece relação entre este, a porção Meridional do Município de Dourados e o restante da Microrregião Campos de Vacaria e Mata de Dourados.

4. Tomando aqui por referência o sentido que Ciro Flamarion Cardoso atribui ao termo na introdução da obra Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia, originalmente publicada em 1997.

5. Utilizou boletins de geografia, dissertações de mestrado, teses de doutorado e livros da área, destacados na bibliografia, assim como é notável, no decorrer do texto, a importância dada à Geografia como importante referência para as análises.

Fábio Luiz de Arruda Herrig – Mestre em Letras pela Universidade Federal da Grande Dourados (2012). Graduado em História pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (2009). É professor da Escola Agrotécnica Lino do Amaral Cardinal e do Centro Educacional Luis Quareli – CELQ.


ALBANEZ, Jocimar Lomba. Ervais em queda. Transformações no campo no extremo sul de Mato Grosso (1940-1970). Dourados: UFGD, 2013. 190p. Resenha de: HERRIG, Fábio Luiz de Arruda. A erva mate e a historiografia de Mato Grosso/Mato Grosso do Sul. Revista Ágora. Vitória, v.20, p.210-214, 2014. Acessar publicação original [IF].

Educação e História da Matemática | UECE | 2014

Educacao e Historia da Matematica

O Boletim Cearense de Educação e História da Matemática -BOCEHM (Fortaleza, 2014-) é uma publicação da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e do Grupo de Pesquisa em Educação e História da Matemática (GPEHM) elaborado por discentes, docentes e pesquisadores que estudam a História da Matemática e sua relação com a Educação Matemática.

O BOCEHM é uma publicação quadrimestral de forma digital e impresso em que está aberto à colaboração de todos aqueles que estão atuando na área de Educação e História da Matemática e desejam participar deste processo de divulgação.

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Escrita da História | [?] | 2014

Escrita da Historia

A Revista Escrita da História (2014-) tem por finalidade a publicação de trabalhos científicos inéditos na área das Ciências Humanas e Sociais, com o objetivo de promover a produção acadêmica, tanto de pesquisadores em início de trajetória quanto de investigações já consolidadas, desde que sejam trabalhos de fôlego analítico.

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ISSN 2359 0238

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O Caribe como espaço de representações / Revista Brasileira do Caribe / 2014

Desde los viajes de Colón, cuando este intrépido marinero comparó a la región del Caribe con el paraíso, se han formulado varias ideas acerca del conjunto de islas y mares que las rodean, ideas que han alimentado los imaginarios de muchas generaciones de diversas latitudes. En todas ellas la llamada región del Caribe aparece como un espacio que ha sido objeto de innumerables representaciones. Es decir, tras un proceso de percepción e interpretación se han presentado recreaciones de una cierta “realidad”, estructuras de comprensión, a través de las cuales “el sujeto mira el mundo: sus cosmovisiones, su mentalidad, su percepción histórica” (SZURMUK Y MCKEE IRWIN, 2009, p.250).

En el conjunto de trabajos reunidos en este número ofrecemos muestras de algunas representaciones del Caribe que circularon y que formaron parte de un sistema de prácticas sociales y culturales en las que los agentes que realizaron esas representaciones apelaron a referentes, reales o imaginarios.

En primer lugar hablamos de las representaciones cartográfi cas que a lo largo del siglo XX se difundieron mediante grandes mapas a colores que eran distribuidos como suplemento por la revista National Geographic. En ellos se percibe el cambio en el signifi cado de la región como zona de defensa, lugar ideal para la inversión, y ante todo espacio propicio para el turismo. En los diversos mapas vemos cómo se representa también la actuación de Estados Unidos sobre ese espacio. En particular, en el mapa elaborado en 1987, lo que constatamos es la representación de los diversos ciclos de la historia de la zona desde la llegada de Cristóbal Colón y hasta la consolidación del llamado siglo americano.

En el segundo trabajo reunido en este número, el Golfo- Caribe es el espacio de confrontación entre los intereses de la Real Hacienda novohispana y los intereses particulares de los contrabandistas. El mar representa el lugar idóneo para realizar las transacciones que generarán las subastas y con ellas los crecientes ingresos, pero sobre todo, lo que el artículo de Julio Rodríguez describe es el espacio de acción de las redes de poder entre contrabandistas y funcionarios reales.

En su análisis de la dinámica que siguió el partido de Bacalar y su área aledaña, durante el siglo XVII, la autora Gabriela Barke destaca cómo éste forma parte de un complicado proceso en el cual los sujetos que intervinieron en él “crearon un paisaje modifi cado de acuerdo a sus percepciones, acciones, relaciones y usos”. Fue, en primer lugar, contenedor de una enmarañada red de relaciones políticas, económicas y sociales, vinculadas tanto al ámbito local como al internacional, pero también, fue lugar de refugio y aislamiento para los nativos, y zona despoblada y fuera de control para los conquistadores. En la colaboración de Silvia Rábago percibimos cómo las representaciones que los encargados de la diplomacia mexicana construyeron del Caribe marcaron sus decisiones y su actuación en la región en el siglo XIX.

La educación rural en las islas del Caribe, producto de las intervenciones militares de Estados Unidos, es el tema del texto de Juan Alfonseca. Esa educación contribuyó a construir representaciones de las realidades donde se inscribió y, en función de esas representaciones, propuso la inserción del campesinado en el mercado agroexportador de las Antillas mayores.

En el texto de Yoel Cordoví somos testigos de cómo operaron las representaciones de lo que se percibía como la realidad cubana, nos adentramos en las estrategias expedicionarias concebidas y articuladas por las estructuras directivas de la Delegación Plenipotenciaria de la República de Cuba en Armas, constituidas durante la guerra de independencia (1895-1898), y conocemos los pasos seguidos para vencer los obstáculos que impusieron a los revolucionarios cubanos las autoridades de Estados Unidos. Estrategias en las que la astucia, las infl uencias y el dinero tuvieron un papel hasta ahora no sufi cientemente resaltado. Mientras, el artículo escrito por Erik del Ángel presenta a La Habana como el lugar en el que se podía conspirar, pero ante todo se identifi caba como el lugar idóneo para salvar la vida. Hilda Vázquez Medina continúa, en el siglo XX, la refl exión sobre las representaciones y la actuación de la diplomacia mexicana en el Caribe.

Finalmente, dos trabajos sobre música del Caribe son el medio utilizado para analizar otros ámbitos de representación. En el estudio de la salsa propone Alejandro Martínez mostrar la opresión sobre el afrodescendiente y la imagen estereotipada de éste. El rap ofrece, de acuerdo con Allysson Fernandes imágenes de la exclusión del negro en Cuba. Lo que los trabajos aquí publicados muestran es que el Caribe es mucho más que un espacio concreto. Es, más bien, sujeto y objeto de múltiples representaciones. Desde la geografía, la cartografía, la historia, la diplomacia, la educación, la música.

Referencias

SZURMUK, Mónica y MCKEE IRWIN, Robert Coords. Diccionario de Estudios Culturales Latinoamericanos, México: Instituto Mora/Siglo XXI, 2009.

Laura Muñoz – Instituto Mora/ Mex DF.


MÚÑOZ, Laura. O Caribe como espaço de representações. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.14, n.28, jan./jun., 2014. Acessar publicação original. [IF].

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Ireland in the Medieval World Ad 400- 1000 Landscape, kingship and religion | Edel Bhreathnach

As formas utilizadas para narrar o passado irlandês precisam ser lidas com cuidado e reflexão, pois possuem diversas nuances que as distinguem da maneira brasileira de escrever a história. Referências à Irlanda como um “país celta”, por exemplo, embora algo atrativo do ponto de vista do imaginário, geralmente acompanham posicionamentos políticos, princípios epistemológicos e juízos estéticos que podem trazer mais complicações que elucidações. Além disso, “celta” é uma nomenclatura inapropriada para narrar inúmeras questões da história irlandesa (SANTOS & FARRELL, 2011; SANTOS, 2013). O mesmo acontece com formas como “Medieval World”, que também precisam ser historicizadas. Na maior parte dos livros sobre história da Irlanda, as narrativas dão um salto perceptível da “Pré-História” à “Idade Média”, fenômeno que pode ser explicado, pelo menos de duas maneiras: na própria experiência histórica, pelo fato de o surgimento da escrita na Irlanda estar relacionado com a chegada do cristianismo à Ilha, o que faz com que a história irlandesa produzida a partir de documentos escritos tenha seu início associado com igrejas, monastérios, conversão, cuidado pastoral, missionários, santos etc; e por uma tentativa de contextualizar a história irlandesa em relação à Europa continental, que, no século V, não estava mais vivendo uma “História Antiga”, mas sim sua “Antiguidade Tardia” ou “Alta Idade Média” (dependendo da abordagem historiográfica).

É recomendável que o leitor esteja atento a estas questões quando da leitura da obra aqui apresentada, pois em Ireland in the Medieval World Ad 400 – 1000 – Landscape, kingship and religion é possível encontrar referências a fenômenos que ultrapassam os limites de um “Medieval World”, mas, na maioria dos casos, eles estão associados com acontecimentos históricos que envolvem outras sociedades; no que diz respeito à Irlanda, a visão predominante é a de que a História na Irlanda começa com a chegada do cristianismo. Isto é perceptível na parte da obra dedicada ao tema dos Ogans, por exemplo, na qual lê-se que estas inscrições em pedra datam dos séculos V e VI da história irlandesa e que correspondem, portanto, “ao início do período histórico” (páginas 42-44). Esta questão encontra ressonância também na análise sobre a realeza sacra de Tara, que é abordada em um arco cronológico que se estende “da Pré-História ao período Medieval” (página 56). A passagem de tempo demarcada é: “Neolítico, Idade do Bronze, Idade do Ferro, e Primeira Idade Média”. O mesmo raciocínio também aparece quando a autora faz suas comparações entre momentos distintos da sociedade irlandesa. Ela escreve que “as sociedades pré-históricas e medievais não possuem uma distinção incisiva entre os aspectos políticos e os religiosos ou sacros da vida como as sociedades modernas tendem a fazer” (página 59).

É este o salto que interessa destacar aqui, algo que não é frequente na historiografia produzida no Brasil. É difícil encontrar nos livros de história produzidos neste lado do Atlântico uma comparação “pré-histórica” com uma “medieval”, sem qualquer referência à Antiguidade. Assim, apesar das reflexões historiográficas apresentadas na Introdução da obra da autora irlandesa, que atingem nível de excelência, seu “Medieval World” deve ser examinado de forma pormenorizada pelo leitor brasileiro, sobretudo no que diz respeito a uma crítica das formas e das periodizações historiográficas. É a partir de questões assim que o leitor poderá compreender o porquê no site da editora, Fourt Courts Press, na parte dedicada à venda da obra, o título aparece em vermelho destacado “Ireland in The Medieval World, AD 400-1000…” e logo abaixo lê-se que o livro pretende analisar o povo, a paisagem e o lugar da Irlanda no mundo “da Antiguidade Tardia ao Reino de Brian Bórama”.

Edel Bhreathnach graduou-se em Celtic Studies em 1979 e defendeu sua tese de doutorado em 1991, sob a supervisão do professor Francis John Byrne, estudando o que ela chama de Early Irish History. Desde 2013, ela é chefe executiva do Discovery Programme, uma instituição pública irlandesa que, instituída em 1991 como uma iniciativa particular do então Taoiseach Charles J. Haugley, é responsável por investigações arqueológicas. Bhreathnach investiga há algum tempo questões relacionadas com morte e práticas funerárias na Irlanda; a realeza na Pré-História e na Primeira Idade Média; historiografia da escrita da história na Irlanda; a história intelectual da Irlanda Medieval e do início do período moderno; e a história da coleção franciscana irlandesa de manuscritos e livros raros. A autora teve como professores alguns dos principais nomes dos estudos irlandeses na área de história, arqueologia, e literatura, tais como Charles Doherty, Marie Therese Flanagan e Thomas Charles-Edwards, além de seu orientador, já mencionado. Bhreathnach ainda dialogou de forma constante com Elizabeth O’Brien e Muireann Ní Bhrolcháin, além de, para a realização da obra, ter contado com assistência dos monges beneditinos de Glenstal Abbey, Co. Limerick, principalmente para o acesso à biblioteca dirigida pelos mesmos. Importante mencionar estas questões, pois a obra aqui apresentada é resultado da experiência destes vários anos de estudos e discussões, pesquisas, e da publicação de inúmeros artigos sobre o tema, sempre a partir de uma perspectiva pluridisciplinar, característica da formação de Bhreathnach. Por isso, ela consegue, de forma intensa, cumprir o objetivo de abordar vários aspectos da cultura e sociedade irlandesa neste “Medieval World”, ou como na caracterização da Fourt Courts Press “da Antiguidade Tardia ao reino de Brian Bórama”, a partir da análise sistemática e detalhada de manuscritos, monumentos arqueológicos, evidências toponímicas, geográficas, onomásticas; e dialogando com problemáticas antropológicas, folclorísticas, de mitologia comparada etc.

Ireland in the Medieval World Ad 400 – 1000 – Landscape, kingship and religion é dividida em três capítulos. Após uma introdução sobre a tradição da escrita da história na Irlanda Medieval, na qual Bhreathnach aborda as formas irlandesas de reflexão sobre o passado, reunidas a partir de história, mito e tradição no termo gaélico seanchas e na figura de seus historiadores, os seanchaide (página 1-8), no primeiro capítulo, intitulado “The landscapes of early medieval Ireland”, a autora destina 31 páginas à reflexão e sistematização de informações sobre o meio-ambiente natural da Irlanda, com suas paisagens rurais, semi-rurais e urbanas e para compreender a função do comércio desde os polos comerciais tardo-antigos até as cidades costeiras vikings. O segundo capítulo, por sua vez, é dedicado ao estudo dos reinos, seus reis e seu povo (página 40-123). Nesta parte, bem mais extensa que a primeira, o leitor encontrará uma profunda análise dos conceitos de realeza; a função das leis, com suas distâncias e aproximações da realidade irlandesa do período, bem como as obrigações que estas atribuíam aos reis, conferindo-lhes e/ou restrigindo-lhes o poder; a casa real e a extensão da família real, com sua estrutura de parentesco; e a vida e a morte dos reis, tal como os simbolismos e a ritualística envoltos nestes cerimoniais, uma deixa para a última parte da obra. No terceiro e último capítulo (página 130-236), então, há um estudo detalhado da religião e dos rituais, desde antes do cristianismo até a chegada da nova religião, com a introdução do monasticismo na Irlanda, sua estruturação e, paralelamente, as transformações da sociedade irlandesa a partir destas novas práticas religiosas, sociais e culturais. A autora conclui sua obra escrevendo sobre a importância de se estudar a Irlanda no mundo medieval. A historiografia sobre este período da história irlandesa remonta a Eoin MacNeill, que escreveu no início do século XX e é considerado por muitos o “pai” da historiografia irlandesa moderna. Recorrendo e apoiando-se nesta tradição, a explicação que a autora apresenta para justificar os estudos medievais na Irlanda é que, compreendendo a paisagem, a cultura e a sociedade irlandesa destes períodos mais remotos, como é o caso da Idade Média, o passado do país poderá ser melhor apreciado (240-243).

Apesar da concentração nestes três tópicos específicos (a paisagem, a realeza e a religião), de forma alguma a obra de Edel Bhreathnach se restringe a estes aspectos ou os analisa de forma isolada, pois nela há também inúmeras referências a outras particularidades muito importantes da sociedade irlandesa do período, estudadas de maneira sistemática e relacional com o eixo principal da obra. Como exemplo, podem ser mencionados os costumes do cotidiano; a temática do exílio e a presença e função dos estrangeiros na cultura irlandesa; os diversos usos irlandeses da cultura clássica romana e das tradições bíblicas pelos autores irlandeses; e a presença de mulheres e crianças na história irlandesa. O leitor pode estar certo de que trata-se de uma obra a ser lida de forma rigorosa por todos aqueles interessados em conhecer alguns dos acontecimentos fundamentais da história da Irlanda do período abordado.

Referência

SANTOS, D. Forma e narrativa- uma reflexao sobre a problemática das periodizaçoes para a escrita de uma história dos celtas. Nearco (Rio de Janeiro), v. VI, 2013, p. 203-228

FARRELL, E; SANTOS, D. Early Christian Ireland- Uma reflexão sobre o problema da periodização na escrita da História da Irlanda. In: BAPTISTA, L. V; SANT’ANNA, Henrique Modanez de; SANTOS, D. V. C (Orgs.). História antiga: estudos, revisões e diálogos. Rio de Janeiro: Publit, 2011, v., p. 185-213.

Dominique Santos – FURB – Universidade de Blumenau www.furb.br/labeam. E-mail: [email protected]


BHREATHNACH, Edel. Ireland in the Medieval World Ad 400- 1000 Landscape, kingship and religion. Dublin: Four Courts Press, 2014. Resenha de: SANTOS, Dominique. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.14, n.1, p. 140-145, 2014. Acessar publicação original [DR]

O Pacto das Fadas na Idade Média Ibérica | Aline Dias da Silveira

“O objetivo desta obra – diz a Autora, p.18 – é identificar a estrutura simbólica das narrativas feéricas, comparando-a com a estrutura ritualística e simbólica dos pactos vassálico e matrimonial”. Nesta frase concisa encontramos o núcleo fundamental do trabalho: como é que as narrativas medievais sobre fadas (e feiticeiras) revelam a estrutura do feudalismo – ou, mais exatamente: do casamento na sociedade feudal, mostrado através dos seus ritos e imagens. O estudo de Aline Silveira é um trabalho de análise e interpretação do Livro de Linhagens, escrito na década de 1340, por Dom Pedro, Conde de Barcelos (c.1285-1354). Filho bastardo do rei Dom Diniz (1279-1325), e de Glória Anes, (natural de Torres Vedras), D. Pedro viveu num reino que pela primeira vez estava livre de guerras com os sarracenos, e governado por um monarca educado, culto, e bom administrador: a D. Diniz se devem, entre outras obras que permanecem até hoje, a plantação do pinhal de Leiria (que forneceu madeira para caravelas e naus), a fundação da Universidade de Lisboa/Coimbra, e a criação das Festas do Divino Espírito Santo, além de ter sido compositor de peças de poesia e música na Corte.

Educado nesse meio por sua madrasta, a Rainha Santa Isabel, irmã do reio de Aragão, D. Pedro desenvolveu importante atividade literária, reunindo e compondo poesias trovadorescas, e também se lhe atribui, além do Livro de Linhagens, uma Crônica de Espanha (1344) – Espanha não designava então o país ainda inexistente, mas a Hispania, lembrança dos períodos romano e visigótico, quando a Península Ibérica estava unificada. D. Pedro, que se desentendeu com o pai e algum tempo viveu em Castela, interessava-se especialmente por questões de legitimidade feudal e genealógica, razão pela qual se colocou ao lado da Rainha Santa, como intermediário nas disputas entre seu meio-irmão Afonso (primogênito e herdeiro do reino) e o rei seu pai. Temos assim o esboço do porquê de alguns traços da personalidade daquele que, no Livro de Linhagens, faz remontar os laços de fidelidade e ascendência feudal aos arquétipos e às fontes da mitologia, e da religiosidade popular. O que Aline Silveira faz no seu livro é trazer à tona e desvendar essas ligações de certo modo ocultas pelas metáforas e lendas, particularmente as que mostram o poder feminino, que o patriarcalismo feudal e guerreiro parece minimizar, mas que a literatura apresenta disfarçadas de fadas e feiticeiras, tipificadas na Dama Pé de Cabra. Esta mulher, filha de um ser meio humano (de quem herdara os pés ungulados), vivia na Biscaia (Euzkadi, País Basco, ou Vasco) e casou com Diego Lopes de Haro, da mais importante família basca. Com ele teve filhos, e iniciou uma dinastia, que deste modo legitimou sua origem não só numa lenda, mas numa sucessão de ligações míticas que fazem remontar a família Haro a antepassados préhistóricos e, na interpretação da Autora, a concepções fundamentais da visão histórica e mítica do mundo.

Ampliando seu comentário pela comparação com outras narrativas lendárias medievais – a Melusina de João de Arras, e o romance de Froiam da Galiza com Marinha – a interpretação busca raízes na cultura celta, e procura ainda contatos com outras mitologias, particularmente a grega. No Livro de Linhagens há outra idéia norteadora, complementar à anterior – que O Pacto das Fadas explica e comenta: o reforço dos laços feudais de vassalagem pelo parentesco e o casamento; neste caso as “fadas“ são as esposas, aquelas que fazem a ligação entre duas casas nobres, ou reais. A esse propósito a Autora discute a opinião de historiadores portugueses que consideram o feudalismo em Portugal diferente do “modelo francês”.

Ora, na realidade, se observarmos bem a Europa medieval, o feudalismo francês (restrito ao norte da França), só foi modelo porque era mais central, mais influente na época, e porque os historiadores franceses do século XIX foram mais competentes para analisá-lo e propô-lo como modelo; mas de fato cada reino, e cada época, teve suas peculiaridades. Mesmo que, ao tempo de D. Diniz, o feudalismo em Portugal já fosse distinto da estrutura política do reino quando D. Afonso Henrique (1109-1185) liderou a independência, é preciso também ter em conta que o feudalismo, com seus laços de vassalagem e relações de poder, não é só uma estrutura social, política, econômica e guerreira, mas, como a Autora muito bem salienta, é uma maneira de pensar. E é esse pensar que Aline procura descobrir no Conde D. Pedro de Barcelos, o qual entendia que a sociedade se mantinha coesa não só pelas relações de poder, mas também pelas de amor e amizade. Talvez D. Pedro apelasse para esta questão porque estava presenciando mudanças perceptíveis, embora ainda não definitivas: pelos casamentos reais Portugal estava recebendo influências diretas de Castela (de onde era sua avó Beatriz), de Aragão (então a maior potência marítima do Mediterrâneo ocidental) e da França: seu avô. D. Afonso III (1210-1279), fora casado (1238) com Dona Matilde condessa de Bolonha, até assumir o trono de Portugal após a deposição ( 1247) de seu irmão Sancho II, que se desentendera com o clero e a nobreza; no reinado de Afonso III Portugal completou a sua formação territorial, pela conquista definitiva do Algarve (1249), e, ao contrário de seu irmão, o rei conseguiu conter em parte o poder da nobreza nas Cortes de Leiria, e pelas inquirições contra os abusos da nobreza e do clero; se lembrarmos que o pai de D. Pedro, além das realizações que anotamos acima, afrontou o poder da Igreja em diversas ocasiões, mas principalmente ao criar a Ordem de Aviz, na qual recebeu os monges templários condenados e expulsos pelo Papa e pelo rei de França, veremos os indícios de uma concentração do poder real, que se tornará forte na dinastia fundada (1385) por D. João I, Mestre de Aviz.

Finalmente Aline Silveira relaciona a fada (a Dama) com o nobre (o Conde), e o arquétipo mítico com o imaginário social, através de um pano de fundo constituído pelo mito das origens. É o mito, resultado narrativo das idéias presentes no imaginário fundamental e permanente da humanidade, mas realizado em cada cultura regional, que dá sentido à relação entre a fada e o nobre, e portanto à solidez da estrutura social da nobreza. Neste ponto a historiadora amplia e aprofunda o que já estava fazendo desde o início, ao reconhecer a insuficiência da História, como ciência humana narrativa e factual, para se explicar a si mesma, e portanto recorre a outras ciências, como Antropologia, Ciências da Religião, Crítica literária e Psicologia, para descobrir o que há de mais íntimo na humanidade, que faz da história humana regional e local um reflexo da existência humana como um todo. Esta combinação de ideias diversas a Autora realiza com detalhe, perfeição e competência. E nesse pano de fundo ela mostra que o imaginário vassálico era comum não só a toda a Europa, mas se estendia além Europa – ou de lá provinha. Resta perguntar aos jovens historiadores: essas representações sociais, esses arquétipos tipificados e concretizados na Ibéria, que prolongações tiveram na América Latina?

João Lupi – Professor Voluntário do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Filosofia – UFSC. E-mail: [email protected]


SILVEIRA, Aline Dias da. O Pacto das Fadas na Idade Média Ibérica. Apresentação de José Rivair Macedo. São Paulo: Annablume, 2013. Resenha de: LUPI, João. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.14, n.1, p. 146-149, 2014. Acessar publicação original [DR]

Arquivo Público | APCBH | 2014

Arquivo Belo Horizonte

A Revista Eletrônica do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte – REAPCBH (Belo Horizonte, 2014-) é um periódico científico anual que contempla artigos, resenhas, ensaios e propostas pedagógicas de uso de documentos em sala de aula [Ensino de História] para diferentes níveis de ensino.

O objetivo da revista é estimular a pesquisa e a reflexão científica sobre a cidade de Belo Horizonte, bem como sobre o campo de estudos arquivísticos, além de divulgar acervos documentais de diversas instituições.

Os direitos autorais dos trabalhos publicados no periódico continuarão pertencendo aos respectivos autores, mas estes não receberão nenhuma remuneração, pois a REAPCBH não tem fins lucrativos.

Periodicidade anual.

Acesso livre.

ISSN 2357 8513

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IHGPA | IHGPA | 2013

Revista do Instituto do Para1

A Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Pará (Belém, 2014-) é uma publicação on-line de periodicidade semestral do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, que tem por objetivo divulgar estudos e pesquisas no campo da Geografia, História e da Antropologia.

Nela são acolhidos textos sob a forma de artigos, notas de pesquisa, ensaios e resenhas, de todos os que se interessam e participam do conhecimento propiciado pela ciência.

Periodicidade semestral.

Acesso livre

ISSN 2359-0831

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Fontes | UNIFESP | 2014

Fontes1

A Revista de Fontes (Guarulhos, 2014-) um periódico revisado por pares que divulga fontes documentais por meio da transcrição de documentos, da tradução de fontes para o português e da publicação de instrumentos de pesquisa, que desse modo ficarão disponíveis para todo o meio acadêmico, num suporte digital.

A Revista de fontes também tem como missão a publicação de textos autorais sobre tipos ou conjuntos documentais, proporcionando assim subsídios metodológicos para a exploração dessas fontes.

A transcrição e/ou tradução de documentação manuscrita ou mesmo impressa, paleográfica ou epigráfica, de todos os períodos históricos, ganha nessa troca de suporte um público amplo que poderá não só consultar esses textos, mas também fazer buscas por palavras ou expressões a partir das versões disponibilizadas on-line.

A transcrição, assim como a imagem numerizada, ou ainda a tradução nunca substituem completamente o material original. Mas o uso de normas estritas de transcrição permite que os documentos publicados na Revista de fontes realmente sirvam como instrumento de trabalho para historiadores e outros especialistas das ciências humanas e sociais.

A publicação de instrumentos de pesquisa inéditos visa divulgar, através de descrição sumária ou analítica, a composição de acervos, fundos, conjuntos, séries ou coleções documentais.

Esses instrumentos, sejam guias, catálogos, inventários ou índices, publicados na Revista de fontes, permitem que o historiador e o pesquisador de outras áreas das ciências humanas e sociais identifiquem e localizem os mais diversos tipos de documentos.

Revista de fontes é uma iniciativa do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH-Unifesp).

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2359-2648

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Tempo Presente e Ensino de História / Boletim do Tempo Presente / 2014

Apresentação

É com grande contentamento que apresentamos um dossiê sobre a relação ensino de história e tempo presente. Não porque seja o primeiro no Brasil e, realmente não é. Nossa co-irmã, a Revista Tempo e Argumento (v. 5, n. 9, 2013), inaugurou a empreitada recentemente, e a História Hoje tem conjunto de artigos aguardando publicação, desde o ano passado. O dossiê também não introduz o tema neste periódico, pois a Revista Eletrônica Tempo Presente já divulgou trabalhos sobre currículos da educação básica no Brasil e nos Estados Unidos, entre outros textos. Nos Cadernos do Tempo Presente, da mesma forma, foram abertos espaços para a análise de conteúdo nos livros didáticos de história, usos da internet na aprendizagem de história medieval. A mesma atitude tomou a História Agora ao publicar, por exemplo, resultados de investigação sobre os usos da vivência indígena e da Rebelião dos Malês em sala de aula. Isso tudo sem falar nas revistas não especializadas que veiculam textos sobre história do tempo presente, hoje pioneiros, desde meados da década passada.

Mesmo assim, entre os mais de 600 artigos publicados nos periódicos que têm como escopo o “tempo presente”, desde 2007, o ensino de história ocupa modestos 3%. Qual então o motivo de tanto regozijo? Ora, o que nos dá maior prazer no anúncio do conjunto de artigos deste volume é a concretização de um projeto incomum: reunir autores que se debruçaram sobre o mesmo conjunto de questões-chave, abordando os usos do presente no ensino de história e não apenas sobre o ensino de história no presente: como se ensina a experiência recente? Quais mecanismos a interditam? Quais as disputas que se apresentam? Que atores a produzem? Como os alunos a percebem? Como essa experiência é organizada de modo a fazer sentido para os não historiadores? Enfim, que presentes são dados a ler nos programas e livros didáticos de história de países de culturas tão diferentes situadas na América do Sul, Europa, Ásia e Oceania?

Os artigos aqui reunidos, portanto, colocam-nos em sintonia com as disputas políticas e de memória sobre o que ensinar às crianças e adolescentes na Argentina, Brasil, França, Austrália e Japão. Paralelamente, provocam reflexões sobre a incorporação e funções de temáticas do presente no ensino e aprendizagem escolar em nossa contemporaneidade, bem como de suas relações com a historiografia acadêmica.

Os textos de Gonzalo de Amézola, de Marina Silva, Luis Cerri e Felipe Soares evidenciam a complexidade do tratamento de acontecimentos traumáticos na produção de prescrições didáticas nas quais se superpõem questões referentes à memória, usos do passado e soberania nacional.

No primeiro caso, o acontecimento destacado é a Guerra das Malvinas, ocorrida em 1982, entre Argentina e Inglaterra. Ao colocar em relação a produção historiográfica das três últimas décadas do século XX e princípio do XXI sobre esse acontecimento, as reformas curriculares e os manuais escolares, Amézola destaca as “dificuldades e contradições” que envolvem o ensino dessa guerra na educação “Polimodal” e “Secundária Superior”. Ele afirma que, apesar dos avanços vivenciados pela historiografia argentina, sobrevive uma abordagem marcadamente patriótica do conflito em que se entrelaçam memória coletiva (gestada, em grande medida, na escola) e interesses governamentais, atravancando a sua ressignificação histórica no âmbito escolar. A partir da experiência argentina, o autor polemiza a relação entre ciência, história e a abordagem do passado recente no ensino histórico e levanta a hipótese de que a função social do ensino de história está, secularmente, conectada à necessidade de “perpetuação do grupo”, resultando em dificuldades para a incorporação de inovações acadêmicas no que se refere a passados traumáticos.

O artigo de Marina Silva, por sua vez, analisa as representações de memórias sobre a Segunda Guerra Mundial, presentes em livros didáticos japoneses, produzidos entre 1993 e 2002. Motivada pelas críticas lançadas ao Japão em 2001 por países como China e Coréia do Sul (sobre a abordagem dos avanços militares a seus territórios), e a partir de alguns acontecimentos-chave dessa polêmica (a tomada da cidade de Nanquim, o ataque a Pearl Harbor, o bombardeio a Hiroshima e Nagasaki e a rendição japonesa), a autora evidencia a estreita relação entre experiências traumáticas e a produção de uma memória coletiva promovida e sustentada pelo governo. Os livros didáticos de história no Japão, incluindo os mais recentes, não apenas reproduzem uma narrativa cristalizada sobre a guerra como omitem informações, controlando a transmissão de memórias que se expressam pelas ideias de pacifismo e nacionalismo. Como no caso argentino, fica demonstrada a complexidade das relações entre história recente e ensino de história no que se refere a conflitos não apaziguados.

Os autores Luis Cerri e Felipe Soares, por seu turno, colocam em discussão a abordagem da ditadura militar presente no livro didático História do Brasil: Império e República (2006), editado pela Biblioteca do Exército e utilizado nos colégios militares do Brasil. O artigo ressalta e denuncia a contrariedade entre a preocupação governamental em garantir um ensino de qualidade (a partir da elaboração de políticas públicas, como o PNLD) e o consentimento, por parte desse mesmo governo, no uso de um material que se distancia do estado atual da epistemologia da história, das produções acadêmicas sobre o golpe. Essa omissão de informações, temporariamente consensuais, convida-nos também a refletir sobre as disputas memoriais em torno dos acontecimentos recentes e seu ensino escolar. Do mesmo modo, conduz-nos a pensar sobre a importância do engajamento dos historiadores nas discussões que se referem ao ensino da história do tempo presente na educação básica.

Partindo para o contexto europeu, Itamar Freitas aborda a incorporação da história do tempo presente nos programas de história para os colégios franceses, entre os anos 1998 e 2008. Esse trabalho, fruto das primeiras pesquisas que o historiador vem realizando sobre o ensino da história do tempo presente no Brasil, Estados Unidos e França, põe em relevo suas finalidades, a natureza dos conteúdos históricos e sua distribuição/progressão ao longo dos anos escolares daquele país. Dessa maneira, e somando-se aos outros artigos desse dossiê, contribui para a ampliação de questionamentos no que diz respeito às relações entre ensino, ciência história, tempo presente e formação cidadã na educação histórica escolar. Também oferece elementos para pensarmos as demandas sociais e relações de poder na contemporaneidade que perpassam a elaboração de propostas curriculares com esse teor.

Por fim, examinando o currículo nacional de história para a escolarização básica da Austrália, Jane Semeão identifica os diferentes presentes prescritos em um currículo recentemente citado como modelo para o Brasil e, na própria Austrália, acusado de alinhar-se, ao mesmo tempo, às demandas ideológicas de esquerda e de direita. Além disso, descreve as indicações de conteúdos substantivos e as sugestões de finalidades para o ensino da experiência australiana recente. Neste ponto, principalmente, seu artigo estimula-nos a pensar na arbitrariedade dos usos de termos, como “antigo”, “moderno” e “contemporâneo”, bem como das justificativas para a adoção de eventos clássicos como a Segunda Guerra Mundial para como abertura e/ou fechamento de determinados períodos. Ainda, sob a responsabilidade de Jane Semeão, está a resenha da obra Tempo presente e usos do passado (FGV, 2012), organizado por Flávia Varella, Helena Miranda Mollo, Matheus Henrique de Faria Pereira e Sérgio Da Mata.

Convidamos também o leitor a consultar o perfil de um autor que vêm provocando incômodo, por um lado, e euforia, por outro, dado que a sua teoria da história incorpora, inclusive, os usos escolares da história como um dos argumentos para a racionalidade e, por que não dizer, cientificidade da história acadêmica. Jörn Rüsen, o personagem deste número, é apresentado pelo jovem Rodrigo Yuri Gomes Teixeira.

Por fim, sob a responsabilidade de Andreza Maynard, apresentamos a resenha de um velho e conhecido filme – A Onda – comentada sob um novo regime de historicidade, haja vista que a película foi lançada no distante 1981. Que novos elementos essa representação sobre o ensino do autoritarismo no chão da escola pode nos trazer?

Esperamos, então, que a publicação desse número possa contribuir para a discussão, ainda tímida (entre os historiadores), sobre a dimensão escolar da história do tempo presente e, ainda, que estimule os pesquisadores brasileiros a empreenderem estudos em escala transnacional. Velha lição dos bancos da graduação, não é irrelevante repetir, temos muito a aprender sobre “nós”, observando os “outros” aparentemente distantes.

Margarida Maria Dias de Oliveira – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Dilton Cândido S. Maynard – Universidade Federal de Sergipe.

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1964: documentos para uma história / Boletim do Tempo Presente / 2014

Apresentação

O Golpe de 1964, sua natureza e suas características básicas, começa somente agora, cinquenta anos depois do ocorrido, a ter sua história reconstruída de forma rigorosa e diversificada. Logo após o fim do Regime, entre 1984 e 1985, proclamada a “Nova República” por Tancredo Neves (em 1984), “vencidos” e “vencedores” concordavam em um ponto: “virar a página da História”. Tratava-se, ou ocultava-se, sob tal fórmula, de uma permissão e um desejo de “esquecer” os vinte anos de arbítrio, de autoritarismo e censura, pontuados por torturas, mortes e desaparecimentos. Para os “vencidos” estes vinte anos teriam sido necessários, e um dever patriótico, para o reordenamento do país em face da corrupção, inépcia administrativa e de “comunização” das instituições nacionais. Ao longo do tempo, a ordem destas premissas da “Revolução de 1964”, serão reequilibradas, ora com ênfase na “inépcia” (em especial João Goulart, o presidente deposto em 1964), ora com maior acento na “comunização” do país. Ante a dificuldade de focar com objetividade cada um destes “princípios fundadores” do Regem-me de 1964, muitos dos seus atores buscaram no chamado “clima da Guerra Fria” (como em “O Globo”, em 31 de março de 2014), a explicação plausível para a interrupção de um governo constitucional e eleito democraticamente. Esmiuçar, documentar, testar, criticar tais “hipóteses” seria voltar a 1964, tratar-se-ia de “revanchismo” ou “reescrever” a História, afirmariam seus defensores. Aqui, esqueciam-se exatamente a natureza do procedimento básico do historiador: voltar ao passado, reexaminar os fatos, questionar as razões estabelecidas e criticaras fontes.

Para os “vencedores”, por sua vez, em sua ampla maioria em 1984, “esquecer” o passado recente era um artificio fundamental para garantir a própria continuidade do processo democrático, evitando o risco de ruptura presente na possibilidade de levantar as responsabilidades pela ruptura democrática de 1964, pelas torturas e desaparecimentos e pela inépcia administrativa e corrupção, em especial nos últimos anos do regime (dívida externa, obras superfaturadas, conflitos de interesses, etc.).

Assim, para “vencidos” e “vencedores”, em 1985, o “esquecimento”, expresso de forma lapidar na Lei da Anistia de 1979 e sua reafirmação pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, construía-se no próprio fundamento da nova democracia. Importava, desta forma, em deixar para trás os fatos característicos e a própria natureza da ditadura, evitando que os bolsões “sinceros, mas radicais” do regime, colocassem em risco a nova e frágil democracia.

Da mesma forma, a composição das elites dirigentes da “Nova República”, em especial a chamada “Aliança Democrática” – formação dos partidos com Frente Liberal, ex-ARENA e ex-PSD, partido, até então, de apoio à Ditadura; PMDB, a liderança de oposição ao Regime de 1964 e sua dissidência, o PSDB, entre outros – impunha necessariamente um limite ao processo de revisão da História e de estabelecimento de responsabilidades. Assim, nomes fundamentais da Ditadura, começando pelo novo presidente, José Sarney (1930), e os condestáveis da Nova República, como Antonio Carlos Magalhães (1927 – 2007), Marco Maciel (1940), entre outros, tinham sido figuras de proa da Ditadura. Como estabelecer responsabilidades de um regime, quando a própria “Nova República”, era uma herança, e sob certa forma – como no protagonismo de vários atores – uma continuidade do regime decaído?

Desta forma, explicar-se-ia a longa, e sempre incompleta, transição do Brasil para a democracia. Um regime de transição tutelado, onde os próprios militares assumiriam papéis fundamentais na direção, ritmo e extensão da democracia – desde Ernesto Geisel (1907 – 1996) e sua abertura “lenta, gradual e segura” até o papel fundamental do general, e ministro, Leônidas Pires Gonçalves (1921), na presidência José Sarney (1985 – 1990). Por tais razões, a democratização do país e de suas instituições (a alta burocracia do Estado, as polícias, o sistema tributário e judicial, entre outros) foi parcial e a continuidade de práticas do tempo da Ditadura – como a tortura, os sequestros e desaparecimentos, o desprezo pelas necessidades populares – mantiveram-se para além de 1984, exemplificando-se numa linha reta entre os casos de sequestro, tortura e desaparecimento de Stuart Angel e Rubens Paiva até o Caso Amarildo.

Uma consequência lateral, mais absolutamente fundamental, da política de “esquecimento” foi a destruição dos documentos sobre o Regime de 1964. Os arquivos militares, e de órgãos de informação, foram aparentemente, destruídos. Contudo, a implantação da Comissão Nacional da Verdade e da Comissão Nacional “Memórias Reveladas”, bem como a atuação do Arquivo Nacional, no governo Dilma Rousseff, resultou, até o momento, na identificação, levantamento e produção – via depoimentos – de milhares de documentos que revelam, largamente, os traços marcantes da natureza do Regime de 1964.

Na oportunidade dos 50 Anos do Golpe de 1964, a pesquisa universitária pode, em fim, produzir um número significativo de novos trabalhos, inéditos, sobre a Ditadura. Assim, novos livros, trataram das instituições do regime, do apoio civil, do papel da Igreja, da mídia, da imprensa, da universidade, da política externa e da economia, dos partidos e o perfil de vários atores do período. Trabalhos de Daniel Aarão Reis Filho, Jorge Ferreira, Marcos Napolitano, Carlos Fico, Rodrigo Patto Sá, Herbert Klein, Angela Castro Gomes, Lilian Schwartz, Marco Antonio Villa, entre outros e em chaves explicativas bastante diversificadas (além de um extenso esforço de reedições), abriu o caminho para uma releitura de 1964.

A Revista de História do Tempo Presente, visando marcar os 50 Anos do Golpe de 1964, decidiu-se pela publicação de alguns documentos significativos sobre o período, demonstrando a relevância da documentação disponível e ampla possibilidade de revisão do fenômeno histórico da última ditadura brasileira.

Francisco Carlos Teixeira Da Silva – Titular de História Moderna e Contemporânea/UFRJ/UCAM. Membro da Comissão Nacional Memórias Reveladas.

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Andamio | UCV | 2014-2016

Andamio2

Andamio – Revista de Didáctica de la Historia (Valparaíso, 2014 – ) tiene por finalidad abrir un espacio para la discusión y la presentación de los avances de las investigaciones sobre el tema de la enseñanza y aprendizaje de la Historia en el mundo escolar.

Andamio, revista de Didáctica de la Historia, tiene por finalidad abrir un espacio para la discusión y la presentación de los avances de las investigaciones sobre el tema de la enseñanza y aprendizaje de la Historia en el mundo escolar desarrollado en nuestro país. Esta instancia nace en virtud de la inexistencia de espacio de reflexión científica que trate sobre estos tópicos y de la necesidad de generar una instancia para la discusión entre estudiantes y profesores recién egresados. Esta revista, además, pretende suplir la necesidad de una plataforma de información y desarrollo de las perspectivas didácticas que se han desarrollado a lo largo del tiempo y sobretodo en este último período en nuestro país.

La Didáctica de la Historia como área de conocimiento y de investigación científica busca estudiar los fenómenos de transferencia entre el saber histórico y el saber pedagógico profesional, considerando para ello diferentes enfoques didácticos que pretenden colaborar con competencias docentes apropiadas para el diseño y en la implementación de estrategias de enseñanza-aprendizaje en Historia.

Instituto de Historia. Facultad de Filosofía y Educación.Pontificia Universidad Católica de Valparaíso

[Periodicidade semestral]

Acesso livre

ISSN: 0719-4080 (Impresso)

ISSN: 0719-4099 (Online)

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Da Ilha dos Bem-Aventurados à busca do Santo Graal: uma outra viagem pela Idade Média | Adriana Zierer

Os estudos históricos sob a perspectiva do imaginário vêm se revelando uma tendência cada vez mais presente nas investigações sobre o medievo, incentivada, sem sombra de dúvida, pelos trabalhos de Jacques Le Goff acerca do imaginário medieval, que ele aborda em obras como O imaginário medieval, O nascimento do Purgatório e, mais recentemente, Heróis e maravilhas da Idade Média. No seu entender, entre as fontes passíveis de serem utilizadas pelos historiadores, são as obras literárias e artísticas que despontam como documentos privilegiados para o estudo do imaginário.[1]

Tal influência se encontra em Da Ilha dos Bem-Aventurados à busca do Santo Graal: uma outra viagem pela Idade Média, livro da Prof. Dra. Adriana Zierer, docente da UEMA e professora colaboradora do Mestrado em História Social da UFMA. O subtítulo, ao fazer alusão à obra coletiva anterior, publicada em 2010 sob sua coordenação, é indício de sua constante jornada pelos caminhos do maravilhoso e das representações simbólicas e imaginárias da Idade Média, uma vez que as fontes literárias e artísticas constituem o ponto de partida da autora. O livro reúne 21 trabalhos publicados em periódicos e livros diversos entre 2000 e 2011, que estão distribuídos nas seis grandes temáticas sobre as quais Adriana Zierer se debruçou ao longo desse período, a saber: Ilhas Míticas e Paraíso Terreal; Viagens Imaginárias ao Além; Diabo na Idade Média; O Rei Artur, o Graal e o Uso Político; Simbolismo do Rei Medieval; e Santidade, Guerra e Paganismo na Antiguidade e Idade Média. Do total de artigos, dois foram escritos em coautoria com o Prof. Dr. Ricardo da Costa, da UFES, e um foi realizado em conjunto com Solange Pereira Oliveira, mestranda da UFMA.

E o que era a Ilha dos Bem-Aventurados que dá nome ao livro? Segundo a mitologia de povos de fundo céltico, era o local da abundância e da imortalidade (p. 25), sendo que alguns sinônimos também desfilam ao longo do livro. Ilha Afortunada, noção que já existia entre os gregos, explicada depois por Isidoro de Sevilha e na Baixa Idade Média, se fundiu com a noção da Ilha Céltica de Avalon, a Ilha das Maçãs (Insula Pomorum) (p. 26). Ou Ilhas Abençoadas (p. 38); ou, ainda, Outro Mundo – terra dos seres feéricos e da abundância infinita (p. 38). Quanto ao Paraíso Terreal, a concepção cristã o situava em algum lugar do Oriente, mas em local inacessível aos seres humanos (p. 31).

A preocupação com a morte era uma constante, e os modelos de salvação estão exemplificados através das narrativas sobre São Brandão (Navigatio Sancti Brendani Abbatis) e Santo Amaro (Vida de Sancto Amaro), ambas permeadas pela influência dos imrama, relatos irlandeses de navegação pelo mar (p. 43). Igualmente preocupada com a salvação da alma estava a viagem imaginária Visio Tundali (Visão de Túndalo), obra produzida no século XII em latim e traduzida para o português no século XV. Ao explicar os tormentos do Além através do diálogo entre o nobre cavaleiro Túndalo e o anjo, o caráter didático da obra fica evidenciado, levando Adriana Zierer à conclusão de que a salvação “[…] era a preocupação fundamental dos medievos mais pelo pavor do castigo que pelo anseio do Céu. Quanto a atingi-la, representava uma árdua batalha para a alma humana, que se debatia entre o desejo dos prazeres e o terror do abismo infernal”. (p. 103). Esse Além cristão, inicialmente dividido em Paraíso e Inferno (p. 32), foi ampliado no século XII quando da criação de um lugar intermediário, o Purgatório (p. 33). A salvação da alma realizava-se, portanto, através de deslocamentos espaciais, e estes incluíam as peregrinações em busca de relíquias (p. 31). Mas a incerteza quanto ao destino final – Paraíso ou Inferno – de cada indivíduo também podia se fazer representar pela Roda da Fortuna, metáfora medieval da instabilidade e da fugacidade do tempo, e objeto do artigo escrito em conjunto com Ricardo da Costa a partir de um estudo comparado entre a Consolatio Philosophiae de Boécio (séc. VI) e a Ars de Ramon Lull (séc. XIII), e que conclui com a afirmação de que “[…] todas as glórias do mundo terrestre serão um dia julgadas pelo Juiz Supremo, e os que estavam no alto da Roda, poderão cair no Inferno, ao passo que as almas dos bons viverão na eterna bemaventurança, ao lado de Deus” (p. 329).

Mas o personagem que ocupa uma parte bastante significativa nos trabalhos de Adriana Zierer é aquele que, no entender de Jacques Le Goff, foi, entre os séculos VI e XVI, um personagem novo e específico da história: o rei medieval.[2] De fato, este personagem é objeto de nove artigos, dos quais oito giram em torno do que a autora identifica como a “lenda do rei perfeito” (p. 156): o rei Artur. Seu uso político estaria vinculado aos reis anglo-normandos, em especial Henrique I (1100-1135) e, principalmente, seu neto, Henrique II (1154-1189), conhecido como Plantageneta. Muito embora a figura de Artur possa ser encontrada já no século VIII, na Historia Brittonum, de Nennius, foi no século XII, a partir da Historia regum Britanniae, de Geoffrey de Monmouth, que Artur recebeu um papel de destaque na literatura ocidental (p. 157). Adriana Zierer sustenta que tal obra, realizada por encomenda de Henrique I, passou a ser usada para fins políticos, uma vez que objetivava estabelecer uma associação entre os reis anglonormandos e a antiga linhagem bretã através de Artur, seu mais nobre representante (p. 158). Quanto à cristianização do mito arturiano, esta tem no Graal seu elemento mais expressivo. Introduzido por Chrétien de Troyes no romance Perceval, o Graal, inicialmente uma escudela, foi cristianizado ainda no final do século XII por Robert de Boron, que o transformou no cálice usado por Jesus na Última Ceia, e onde José de Arimatéia recolheu o sangue de Cristo na cruz (p. 161). Apenas Galaaz, o cavaleiro perfeito, porque puro, consegue encontrar o Graal, que para Zierer era “[…] ao mesmo tempo um alimento corporal e espiritual, uma visão indescritível banhada de luz, que ascendeu ao céu, juntamente com Galaaz, após a visão dos seus mistérios” (p. 162).

A santidade, crença tão marcante no medievo, também recebeu a atenção de Adriana Zierer, que juntamente com Ricardo da Costa, se dedicou ao estudo da Vida de Macrina, em artigo que analisa o conceito de santidade e de ascetismo feminino, bem como a importância da virgindade para o Cristianismo do século IV. Mas a Antiguidade também fornece elementos para outros estudos de Adriana Zierer sobre o período medieval, como no artigo sobre a imagem do herói no poema Waltharius, produzido entre os séculos IX e X, e no qual Zierer identifica atributos de heróis clássicos – como Ulisses e Enéias – nos principais personagens masculinos, Valtário da Aquitânia e Hagen, guerreiro franco. Ou, ainda, através das analogias entre a simbologia da cabeça cortada entre os celtas e o mito grego da Medusa, no artigo que encerra a publicação.

A par dos documentos literários, vários artigos incluem imagens, cuja inserção não se restringe a um caráter meramente ilustrativo, uma vez que são utilizadas como fontes de cunho artístico para a análise das temáticas abordadas, como por exemplo, no artigo sobre os significados medievais da maçã, cujo ponto de partida consiste em documentos iconográficos, no caso duas obras de Lucas Cranach, o Velho, ambas do século XVI: Adão e Eva e A Virgem e o Menino (p. 20 e 22). Entre as imagens selecionadas, predominam as produzidas no século XV, tais como Os Sete Pecados Capitais, de Hieronymus Bosch (p. 92); O Juízo Final, de Fra Angelico (p. 96 e 99); Túndalo e o Anjo com os fiéis no casamento (p. 121); e O Santo Graal na corte do rei Artur (p. 223), só para mencionar algumas, confirmando a permanência de imaginários medievais sobre o Além e sobre o ciclo arturiano no alvorecer da cultura renascentista.

As análises de Adriana Zierer contém, ainda, um viés comparativo, sintetizado pela autora em forma de quadros bastante elucidativos, como O Além em Obras dos Séculos II e III (p. 80), no qual compara os Apocalipses de Baruch, Esdras, Pedro, Paulo e o IV Livro de Esdras; ou no quadro sobre Artur como Guerreiro e Rei Cristão (p. 168), onde compara a trajetória dos atributos do referido rei nos séculos VIII, XII e XIII na Historia Brittonum, na Historia regum Brathair Britanniae e em La Queste del Saint Graal, respectivamente; ou o papel de Artur nas fontes ibéricas medievais, através de comparações entre o Libro de las Generaciones e o Nobiliário do Conde Dom Pedro (p. 245, 246, 247, 253 e 259).

Da Ilha dos Bem Aventurados à Busca do Santo Graal alcança, portanto, o intuito de sua autora, para quem o livro “[…] contribui com a constante necessidade de formação e aperfeiçoamento dos pesquisadores dos estudos medievais e que contribuirá com o surgimento de novas pesquisas na área” (p. 18).

Notas

1. LE GOFF, Jacques. L’imaginaire médiéval. Paris: Gallimard, 1985, p. III.

2. LE GOFF, Jacques. Rei. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário temático do Ocidente medieval. Bauru, SP: Edusc, 2006, v. II, p. 395.

Maria de Nazareth Corrêa Accioli Lobato – Doutoranda em História Comparada – UFRJ [email protected]


ZIERER, Adriana. Da Ilha dos Bem-Aventurados à busca do Santo Graal: uma outra viagem pela Idade Média. São Luís: Editora UEMA, 2013. Resenha de: LOBATO, Maria de Nazareth Corrêa Accioli. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.13, n.2, p. 129-132, 2013. Acessar publicação original [DR]

The Texts and Contexts of Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108. The Shaping of English Vernacular Narrative | Kimberly K. Bell

Em 1635, William Laud, arcebispo de Canterbury e chanceler da Universidade de Oxford, doou à Bodleian Library, biblioteca da universidade, uma série de manuscritos com obras diversas compiladas em diferentes línguas (latim, grego e alguns vernáculos). Dentre eles estava uma coletânea de obras compiladas sob um mesmo códice que tinham uma característica em comum, todas estavam em inglês médio, o vernáculo falado no território insular entre meados do século XII ao XV, período em que linguistas demarcam a transição para o inglês moderno, aquele mais próximo do inglês corrente hoje. Tal códice foi catalogado como Laud Miscellaneous Manuscript, ou, apenas, Laud Misc. MS, e o termo ‘miscellaneous’ (miscelânea) é tema do primeiro ponto crítico levantado por Kimberly K. Bell e Julie Nelson Couch ainda na introdução. Segundo as autoras, a nomenclatura gerou, e ainda gera, interpretações equivocadas por parte de críticos e leitores, que tendem a ler o termo como referência à falta de primor artístico ou de organização do compilador das obras. Todavia, nesse códice, encontram-se algumas das primeiras compilações de obras em inglês médio já catalogadas e o fato do mesmo não incluir textos em outras línguas mostra exatamente a falta de ‘miscelânea’ e uma rígida estruturação e organização, segundo as autoras. Sua característica monolinguística o coloca em destaque no contexto histórico ao qual pertence, uma vez que manuscritos de tal período raramente reuniam obras numa única língua, mas a reconhecida ‘estranheza’ de tal característica linguística deve-se ao fato do inglês médio, naquele contexto, ainda ser percebido e mantido quase que exclusivamente como língua oral, ao contrário do anglo-normando que era lecionado e pautado na escrita.

Em Laud encontram-se a mais antiga versão do The South English Legendary, uma referenciada coletânea de hagiografias de santos insulares e continentais, e duas das primeiras versões dos romances King Horn e Havelok the Dane, os mais antigos romances em inglês médio, além de outras obras religiosas e laicas. A presença das referidas obras primevas daquele vernáculo por si só já agrega enorme valor ao manuscrito, todavia, conforme discute Anne B. Thompson, escrever em inglês médio no século XIII – data de confecção das obras – é considerado uma inovação, dada a relevância do anglo-normando como vernáculo de prestígio, especialmente na corte de Henrique III (1216-1272).[1] Assim segue a introdução de The Texts and Contexts of Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108. The Shaping of English Vernacular Narrative, localizando no tempo e no espaço a produção do manuscrito Laud, partindo do seu processo de catalogação e doação à biblioteca da Universidade de Oxford, passando pelo seu processo de confecção, manutenção e circulação no período medieval.

A obra organizada por Bell e Couch, tema da presente resenha, dedica-se exclusivamente ao estudo do presente manuscrito, reunindo artigos que abordam diferentes metodologias, elencando uma série de ensaios interdisciplinares e intertextuais. O volume divide-se em duas partes, a saber, Part I: The Manuscript and its Provenance, que conta com cinco artigos, e Part II: The Manuscript and its Texts, abrangendo oito artigos, além de doze páginas com imagens de fólios dos diferentes textos do Laud. No anexo segue o sumário com a ordem dos artigos, seus títulos e respectivos autores a fim de que a estrutura da obra se torne mais clara e palpável durante a leitura da presente resenha.

Tal estrutura reflete bastante a intenção analítica das organizadoras; não se tratam apenas de discussões lançadas sobre as especificidades instrumentais e os jargões dos estudos textuais e de manuscritos (Manuscript Studies). Ao contrário, o objetivo da coletânea é trazer à tona uma série de novas perspectivas investigativas que apontam para a complexidade, pluralidade e, não por acaso, unidade do códice como um ‘conjunto’ e não um montante de manuscritos esparsos aleatoriamente reunidos – este último fator sendo, todavia, pertinente a vários dos manuscritos medievais que resistiram até o século XX. Algumas acepções cristalizadas sobre Laud são questionadas não apenas na introdução, mas também em outros ensaios, é o caso da ideia de miscelânea, que transforma-se em contraponto questionado pelo argumento central das autoras de que o códice é, na verdade, um ‘whole book’ [livro como um todo] (p. 7) e também funciona como ponto de partida para os artigos de A.S.G. Edwards, Murray J. Evans e Christina Fitzgerald.

O material reunido na primeira parte do livro centra-se mais no trabalho textual de rastreamento de elementos linguísticos, sintáticos, retóricos (a ‘evocação da performance do menestrel na produção hagiográfica’ presente em Laud, conforme Andrew Taylor; a presença de uma possível ‘autoria masculina’, segundo Christina M. Fitzgerald ) e materiais (datação, constituição física – dimensões, método de agrupamento dos fólios e sua proveniência – e os possíveis ‘rastros’ de sua circulação através de glosas e outras demarcações textuais, temas discutidos por Thomas R. Liszka, Murray J. Evans e A.S.G. Edwards, respectivamente). Já a segunda parte, que concentra a maioria dos textos, introduz o leitor a um universo de perspectivas interdisciplinares e extremamente criativas, porém cautelosas quanto à demarcação de suas metodologias e embasamentos teóricos, sem que tais preocupações tornem os textos autoreferenciais ou quebrados em blocos de “teoria/metodologia” seguido de “análise textual”. O apuramento argumentativo e a flexibilidade com a qual os autores transitam por diferentes referenciais disciplinares fazem da segunda parte, talvez, mais atraente ao pesquisador interessado em trabalhos que versem sobre as especificidades de Laud (ou de um manuscrito medieval, de maneira genérica), sem abusar da proximidade paleográfica para ratificar suas problemáticas, utilizando-a, no entanto, como referência tangencial num movimento analítico que transita entre o dentro e o fora dos textos estudados – isto é, textos e contextos. Ressalto como exemplo de tal iniciativa a análise primorosa de Robert Mills que, em seu ensaio, coloca em diálogo, de forma problemática e provocadora, estudos sobre o corpo, etnia, geografia (numa leitura quase etnogeográfica), linguagem e espiritualidade. O que, à princípio, soa quase como uma colcha de retalhos temática, se transforma, em seu texto, numa cadência coerente e convincente de elementos fundamentais à constituição hagiográfica do The South English Legendary.

Hagiografia e literatura laica, aliás, são constantemente postas lado a lado nos textos de diferentes autores, num intuito discursivo que acompanha, de perto, a própria organização de Laud, na qual dois romances seculares – King Horn e Havelok – aparecem em meio a inúmeras vidas de santos. Muito já se discutiu no âmbito da academia anglo-saxã sobre as proximidades e os afastamentos entre vidas de santos e romances, Neil Cartlidge dedicou especial atenção ao tema. Todavia, o que se discute na obra aqui resenhada não são as proximidades que nós, acadêmicos pós-modernos (ou modernos ou do século XXI), projetamos sobre os dois gêneros textuais, mas, sim, as evidências próprias de cada tipo de texto que os coloca em posição horizontal, tal como nos são apresentados pelo compilador (ou compiladores) de Laud. Uma inversão de olhares que pode parecer irrelevante ou quase tautológica, mas que resulta em significativas mudanças de perspectiva analítica e de sensibilidade sobre hagiografia e romance, gêneros tão próximos, porém tão distantes.

Todos os autores que colaboraram para a confecção do volume são doutores (alguns eméritos) na cadeira de English – disciplina comum nos cursos de English Studies em universidades do Reino Unido e dos Estados Unidos. A natureza interdisciplinar do referido curso está intimamente vinculada à formação e atuação dos profissionais a ele ligados (e à sua própria localização como cadeira acadêmica), cujos trabalhos transitam entre os campos da História Cultural (e da Leitura) e da análise textual-literária, passando por elementos da disciplina paleográfica. Tal interdisciplinaridade, por vezes super-utilizada, como é o caso dos trabalhos de Robert Mills, Julie Nelson Couch, Susanna Fein e Andrew Lynch, não funciona apenas como força motriz na confecção de The Texts and Contexts of Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108. The Shaping of English Vernacular Narrative, mas, sobretudo, a transforma num conjunto textual de referência para pesquisadores de diferentes disciplinas e contextos acadêmicos (especialmente aos interessados em textos em inglês médio do século XIII e de períodos posteriores), pluralizando não somente os olhares sobre o manuscrito de Laud, mas também refratando o que de mais múltiplo tal manuscrito nos oferece: sua própria ‘essência’ constitutiva e textual.

Anexo

Part I

The manuscript and its Provenance

  1. Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108: Contents, Construction and Circulation, A.S.G. Edwards
  2. Talk in the Camps: On the Dating of The South English Legendary, Havelok the Dane and King Horn in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, Thomas R. Liszka

III. “Very Like a Whale?”: Physical Features and the “Whole Book” in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, Murray J. Evans

  1. “Her Y Spelle”: The Evocation of Minstrel Performance in a Hagiographical Context, Andrew Taylor
  2. Miscellaneous Masculinities and a Possible Fifteenth-Century Owner of Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, Christina M. Fitzgerald

Part II

The Manuscript and Its Texts

  1. A Text for Its Time: The Sanctorale of The Early South English Legendary, Diane Speed

VII. The Audience and Function of the Apocryphal Infancy of Jesus Christ in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, Daniel T. Kline

VIII. The Eschatological Cluster – Sayings of St. Bernard, Vision of St. Paul, and Dispute Between the Body and the Soul – in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, J. Justin Brent

  1. Genre, Bodies and Power in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108: King Horn, Havelok and The South English Legendary, Andrew Lynch
  2. The Early South English Legendary and Difference: Race, Place, Language and Belief, Robert Mills
  3. The Magic of Englishness in St. Kenelm and Havelok the Dane, Julie Nelson Couch

XII. “holie mannes liues”: England and its Saints in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108’s King Horn and South English Legendary, Kimberly K. Bell

XIII. Somer Soneday: Kingship, Sainthood and Fortune in Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108, Susanna Fein

Nota

1. Cf. Thompson, Anne B., Robert K. Upchurch e E. Gordon Whatley. Lives in Middle English Collections (Kalamazoo: Medieval Institute Publications, 2004), p. 22

Gabriela Cavalheiro – Doutoranda em Medieval Studies, King’s College London. E-mail: [email protected]


BELL, Kimberly K.; COUCH, Julie Nelson. The Texts and Contexts of Oxford, Bodleian Library, MS Laud Misc. 108. The Shaping of English Vernacular Narrative. Leiden, Boston: Brill, 2011. Resenha de: CAVALHEIRO, Gabriela. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.13, n.2, p. 133-137, 2013. Acessar publicação original [DR]

Festas, Cultura e Ambiente no Caribe / Revista Brasileira do Caribe / 2013

O Caribe surpreende pela sua capacidade de mostrar frequentemente ao mundo que a modernidade é um processo contraditório e que as desigualdades e injustiças vêm se perenizando no seu curso, para além do desenvolvimento tecnológico e das possibilidades que este abre em termos de educação, saúde, moradia e outros domínios da existência humana. A inquietude de sua gente diante da dominação colonial que ainda não conheceu o fim, a efervescência cultural verificada em diversas linguagens, os processos migratórios em várias migrações e suas intensas conexões com diversas outras regiões do mundo fazem do Caribe um desafio permanente de pesquisa e reflexão.

Este número se debruça diante da relação entre festa, cultura e ambiente. Seu primeiro artigo, de Giliard da Silva Prado, apresenta a relação entre as comemorações da Revolução Cubana e sua legitimação, a partir da análise dos discursos de seus líderes, focando principalmente as transformações verificadas neste processo ao longo de mais de cinco décadas.

O segundo artigo, de Milton Moura, bem como o terceiro, de Edgar Gutiérrez, abordam as festas populares no Caribe Colombiano, mais precisamente, em Cartagena de Indias. Milton Moura aborda sobretudo as transformações recentes ocorridas na Festa de Independência daquela cidade, enquanto Edgar Gutiérrez tece considerações mais amplas sobre o fazer festivo na Costa e sua importância na história desta porção do Caribe, abrangendo iniciativas de produção cultural neste âmbito. De forma complementar, o quarto texto, de Eduardo Hernández Fuentes, discorre sobre a dimensão festiva da Costa a partir da reflexão sobre o Projeto BordCaribe, relacionando este aspecto da sociedade caribenha a expressões artísticas contemporâneas.

De que é feito o Caribe? De praias e rotas de navegação? De fortalezas e praças de comércio? De tambores, guitarras e ritmos que alcançam sucesso em boa parte do mundo? Em que mesmo consiste esta região de história tão dramática, de natureza tão singular, em que vivem sociedades tão marcadas pelos trânsitos interétnicos e pela violência? O que faz como que esta parte da América atraia tanto os olhares e ouvidos da humanidade como uma região especialmente vigorosa na sua expressão?

Poder-se-ia perguntar, em tantos casos, onde termina a peleja política e onde começa a festa. A esta indagação, em vão se procuraria responder. As sociedades caribenhas, desde o início, têm suas expressões plásticas, musicais e coreográficas no núcleo de sua vitalidade diuturna. Por isso não se poderia pensar autenticamente em um tipo de arte desencarnada, assim como não se poderia falar em um tipo de festa que não tivesse, estampada em suas manifestações, sua dimensão política. Assim como o ambiente, que aparece sempre paradisíaco na propaganda turística e, por outro lado, se constitui como uma arena de conflitos, quando se coloca a perspectiva da escassez dos recursos naturais e a questão ético-biológica da sustentabilidade.

O Caribe surpreende pela sua capacidade de mostrar frequentemente ao mundo que a modernidade é um processo contraditório e que as desigualdades e injustiças vêm se perenizando no seu curso, para além do desenvolvimento tecnológico e das possibilidades que este abre em termos de educação, saúde, moradia e outros domínios da existência humana. A inquietude de sua gente diante da dominação colonial que ainda não conheceu o fim, a efervescência cultural verificada em diversas linguagens, os processos migratórios em várias migrações e suas intensas conexões com diversas outras regiões do mundo fazem do Caribe um desafio permanente de pesquisa e reflexão.

Este número se debruça diante da relação entre festa, cultura e ambiente. Seu primeiro artigo, de Giliard da Silva Prado, apresenta a relação entre as comemorações da Revolução Cubana e sua legitimação, a partir da análise dos discursos de seus líderes, focando principalmente as transformações verificadas neste processo ao longo de mais de cinco décadas.

O segundo artigo, de Milton Moura, bem como o terceiro, de Edgar Gutiérrez, abordam as festas populares no Caribe Colombiano, mais precisamente, em Cartagena de Indias. Milton Moura aborda sobretudo as transformações recentes ocorridas na Festa de Independência daquela cidade, enquanto Edgar Gutiérrez tece considerações mais amplas sobre o fazer festivo na Costa e sua importância na história desta porção do Caribe, abrangendo iniciativas de produção cultural neste âmbito. De forma complementar, o quarto texto, de Eduardo Hernández Fuentes, discorre sobre a dimensão festiva da Costa a partir da reflexão sobre o Projeto BordCaribe, relacionando este aspecto da sociedade caribenha a expressões artísticas contemporâneas.

O quinto artigo, de Joseania Miranda Freitas, coloca a importância dos museus como estratégia de dinamização cultural e de reflexão sobre o patrimônio cultural a partir de pesquisas e intervenções no Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, destacando a importância da formação dos estudantes para a percepção do valor das coleções presentes nos museus aos efeitos de uma educação etno-cultural.

O sexto artigo, de Dernival Venâncio Ramos Júnior, toma como problema a construção da nacionalidade moderna na América Latina, enfocando o drama colombiano. O autor sublinha as dificuldades que as elites andinas, que capitanearam o estabelecimento dos estados nacionais ao longo da cordilheira, encontraram no sentido de forjar um projeto propriamente nacional, que pudesse incluir e integrar diferentes territórios e grupos étnicos. Destaca-se o papel dos intelectuais neste processo.

Olga Cabrera e Rickley Leandro Marques construíram o sétimo artigo a partir de pesquisas realizadas em Santana dos Pretos, no Maranhão, Brasil, e no Palenque de San Basílio, em Cartagena de Indias, na perspectiva de uma educação etno-histórico-ambiental. Consideram a importância da percepção da dimensão transnacional manifesta nas culturas negras da Diáspora para uma reflexão sobre os rumos e modelos da educação, justamente em áreas tão empobrecidas em que a dominação colonial perdura de formas renovadas.

O oitavo artigo, de Gilberto Javier Cabrera Trimiño, enfoca as práticas da agricultura urbana em Ciudad Habana, Cuba. Esta estratégia foi estimulada para a produção de alimentos para as populações urbanas, levando em conta os saberes destas populações em termos ambientais como um recurso fundamental para enfrentar o drama da segurança alimentar.

A perspectiva de gênero se mostra cada vez mais relevante na análise das sociedades caribenhas. Sonia Catasús Cervera, no nono artigo, mostra que o modo como se dá o desenvolvimento econômico e social tem influxos sobre o comportamento reprodutivo da população, como se pode verificar pelas modificações na taxa de nupcialidade e na idade média para o enlace matrimonial, bem como na taxa de divórcio. O estudo parte da comparação entre os quadros de Cuba e República Dominicana, destacando a especificidade do Oriente Cubano.

Por fim, o décimo artigo, de Isabel Ibarra, apresenta as transformações na sociedade cubana contemporânea a partir da análise realizada pela autora das cartas de cubanos à ONG Puente Familiar con Cuba.

A partir destas miradas múltiplas, temos mais uma oportunidade de nos voltarmos reflexivamente sobre o Caribe e continuar desdobrando nosso papel de pesquisadores, artistas, pensadores e profissionais envolvidos em políticas públicas, no sentido de buscar estratégias de desenvolvimento que não somente respeitem o legado etno-histórico destas sociedades; mais do que isto, trata-se de pensar estratégias que considerem o próprio patrimônio cultural caribenho como uma base fecunda a partir da qual se possa pensar caminhos de construção da prosperidade, da paz e da liberdade. O Caribe anseia por isto.

Milton Moura – Universidade Federal de Bahia. Salvador de Bahia, Br.


MOURA, Milton. Festas, Cultura e Ambiente no Caribe. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.14, n.27, p.7-10, jul./dez., 2013. Acessar publicação original [IF].

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Impressões Rebeldes | UFF | 2013

Impressoes Rebeldes

A Revista Impressões Rebeldes (Niterói, 2013-) divulga, desde 2013,  estudos sobre as resistências e os protestos, no Brasil ou em outros lugares. Qualquer tema relacionado ao fenômeno das rebeliões, seja onde for ou em qualquer tempo histórico, desde que fundamentado em pesquisas, será bem recebido.

Essa publicação é dirigida a estudiosos, professores e pesquisadores, mas também a leitores leigos, por isso buscamos empregar uma linguagem fluida e um texto com perfil mais curto e objetivo, prezando sempre por apresentar um conteúdo rigoroso.

A equipe editorial vai cuidar para que seu trabalho contribua da maneira mais ampla para os debates sobre história e ciências sociais.

Em 2022 esse periódico incorporou dezenas de artigos de colaboradores espalhados pelo Brasil e pelo exterior que, desde 2013, vinham sendo publicados na seção “Temas em Debate”, da antiga versão do atual site Impressões Rebeldes.

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Tessituras | UFPEL | 2013

Tessituras Antropologia e arqueologia 2

Tessituras – Revista de Arqueologia e Antropologia (2013-), é uma iniciativa do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e vêm agregar como mais uma das iniciativas de um grupo de professores e professoras da UFPel que, desde 2008, com a abertura do curso de Bacharelado em Antropologia, investe no desenvolvimento e consolidação de estudos nas áreas de Antropologia e Arqueologia no extremo sul do Brasil.  Desde a criação do Bacharelado, assim como com o início do curso de Pós-Graduação em Antropologia em 2012, a UFPel tem contribuído com a produção de pesquisas e com o desenvolvimento de cursos e seminários que vêm ampliando tanto o acesso a dados da região sobre temas próprios à Antropologia e à Arqueologia como proporcionado uma reprodução qualificada dos referencias teóricos que sustentam a produção destas disciplinas.

A publicação da revista Tessituras é mais um passo para a qualificação desse trabalho acadêmico, uma vez que ela pretende possibilitar o diálogo da produção em Antropologia e Arqueologia da região com a produção de nível nacional e internacional. Entendemos que a publicação da revista nos integra cada vez mais a um circuito acadêmico mais ampliado, fortalecendo um movimento que já é feito através da produção de seminários, publicação de livros e artigos e a participação de nossos docentes e discentes em eventos científicos de todos os âmbitos. Enfim, o que pretendemos é que a Tessituras promova uma marca própria da Antropologia e Arqueologia feita no extremo sul do Brasil e, ao mesmo tempo, abra um canal de diálogo importante e duradouro com a produção de outros espaços de produção acadêmica.

Esta revista oferece acesso livre imediato ao seu conteúdo, seguindo o princípio de que disponibilizar gratuitamente o conhecimento científico ao público proporciona maior democratização mundial do conhecimento.

Periodicidade semestral

ISSN 2318-9576 (Online)

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Fé, guerra e escravidão: uma história da conquista colonial do Sudão / Patricia T. Santos

Essa não é uma resenha convencional. Àqueles que desejam conhecer os principais argumentos e hipóteses que Patricia Teixeira Santos apresenta em sua obra sobre o Sudão sugiro o contato direto com o livro, sem mediadores. Por isso, esse texto não é uma resenha clássica, mas um convite à leitura de uma História que é ao mesmo tempo distante e vizinha de nós. A História é retratada na cultura árabe-islâmica como um instrumento sedutor de encantamento do outro, seja quando empregada de maneira literária ou político-institucional. Para a sociedade árabe, saber utilizar as palavras e conceitos históricos de maneira atraente é uma postura sediciosa, o que transforma todo e qualquer discurso sobre o passado em um jogo sutil que deve produzir fascínio no receptor do discurso. Na literatura árabe clássica, as referências ao poder arrebatador da História são incessantes. A obra mais difundida da cultura árabe-islâmica, conhecida no Ocidente como “Livro das mil e uma noites”, reforça o sentido prodigioso da palavra bem empregada ao transformar a filha do vizir (Scherazade) em uma personagem ardilosa que, pela sedução da História bem contada, supera a tirania política do rei Shariar e altera seu destino fatal. Todas as noites ao se deitar com seu próprio algoz, Scherazade converte o infortúnio em salvação recorrendo ao estratagema ainda hoje escasso aos historiadores arabistas: o de seduzir, respeitar e maravilhar o seu interlocutor. Ao longo de inúmeras noites em que a morte parecia ser o seu destino, Scherazade enfeitiça a todos, negociando ao final não somente a preservação de sua vida, como também a sua condição de rainha definitiva de um mundo mais livre e historicamente justo. Ao constatar que o trabalho historiográfico é um modo sedutor de agir sobre o mundo, como sugere Scherazade, pode-se afirmar que o Sudão mahdista de Patricia Teixeira Santos é uma longa noite dentre mil e uma, que se realiza na escolha assertiva de um tema pertinente ao encantamento do leitor. Aqui, não há gênios salvadores, heróis mambembes, nem odaliscas vaporosas, mas sim a velha conhecida missão civilizadora da Europa ocidental fantasiada de fé, guerra e escravidão. Leia Mais

Todo Chávez: De Sabaneta al socialismo del siglo XXI / Eleazar D. Rangel

Introdução

Todo Chávez se trata da publicação de uma entrevista de Hugo Chávez com o jornalista Eleazar Díaz Rangel. A obra parte das origens de Chávez até seu alçamento à presidência da república – e as suas dificuldades para montar um governo, o qual se distanciava das correntes políticas tradicionais do país. A entrevista se inicia com perguntas sobre a infância e adolescência de Chávez, um rapaz aficionado por baseball, até a seu contato com o Exército e, posteriormente, com a sua vida política.

A obra se divide em diferentes partes. Nas três primeiras, estão contidas a entrevista. Nesta parte, Chávez é indagado e discorre sobre sua infância, ingresso no Exército e a articulação do golpe de 4 de Fevereiro de 1992. Na segunda, há uma abordagem sobre o seu governo e a ideologia bolivariana. Na terceira parte, temos uma análise do golpe de abril de 2002. Leia Mais

Política. El código Chávez – Descifrando la intervención de los Estados Unidos en Venezuela / Eva Golinger

A autora

A doutora Eva Golinger é advogada, especialista em leis internacionais sobre direitos humanos e imigração. Desde 2003, a autora investiga, analisa e escreve sobre a intervenção dos EUA na Venezuela, recorrendo ao Freedom of Information Act (FOIA) para obter informações sobre os esforços do governo norte-americano para minar os movimentos políticos progressistas da América Latina.

Golinger vive em Caracas, Venezuela, desde 2005. Em 2009, venceu o Prêmio Internacional de Jornalismo no México. “La Novia de Venezuela” como é chamada pelo presidente Hugo Chávez, é autora de vários títulos de sucesso como: “The Chávez Code: Cracking US Intervention in Venezuela” (2006 Olive Branch Press), “Bush vs. Chávez: Washington’s War on Venezuela” (2007, Monthly Review Press), “The Empire’s Web: Encyclopedia of Interventionism and Subversion”, “La Mirada del Imperio sobre el 4F: Los Documentos Desclasificados de Washington sobre la rebelión militar del 4 de febrero de 1992” and “La Agresión Permanente: USAID, NED y CIA”. Leia Mais

Origens, Construções, Conversões: dos Castros da Ibéria à Floresta de Broceliande / Brathair / 2013

Nesta edição o Brathair faz a sua estreia como membro do CIEC – Centro Internacional de Estudios Celtas, que congrega instituições da Espanha, Portugal e Brasil. Este organismo procura fortalecer os estudos celtas nos países ibéricos, através de projetos conjuntos, de eventos e de uma rede de informações sobre as atividades desenvolvidas pelos seus membros.

A temática central do dossiê é Origens, Construções e Conversões: dos Castros da Ibéria à Floresta de Broceliande, tratando as origens celtas na Península Ibérica, a construção da identidade da região através de um processo de conversão ao cristianismo entre os suevos, visigodos e outros povos e a circulação de relatos relacionados à Matéria da Bretanha.

Representando o CIEC em Portugal, através do Museu Arqueológico de San Fiz e da Universidade do Porto, temos o artigo do Prof. Dr. Armando Coelho, tratando precisamente do passado céltico, depois celtibero, da Península Ibérica e, com ênfase mais detalhada, do atual território português. O leitor terá a oportunidade de ver esclarecida a contumaz confusão, presente mesmo na Historiografia, que vincula, sem fundamentos históricos e arqueológicos, os castros das regiões central e boreal da Ibéria e os vestígios proto-históricos da civilização megalítica ao sul da Península. Neste sentido, o artigo apresenta importante contribuição, mapeando a paisagem natural e cultural da região nos albores da revolução neolítica que lá sofreram, durante o primeiro milênio antes da Era Comum, diversas correntes indoeuropeias, e sua interação com a população autóctone. O texto traça um itinerário didaticamente ótimo para a compreensão das transmissões e apropriações culturais indoeuropeias que se pode detectar nas paisagens castrejas, ligadas às tribos célticas da região.

Juan Antonio López Férez (UNED) analisa, em continuidade não proposital, mas notável e instigante com relação ao artigo de Armando Coelho, as recorrências de termos, passagens e descrições – que hoje poderíamos caracterizar como «etnografias » – relativas às populações célticas que, em algum momento, interagem ou interpenetram-se com as civilizações mediterrânicas do Mundo Clássico. Enfocando citações e descrições de populações como os alobroges, brigos e brigues, presentes em escritos de mitógrafos gregos do período romano (século I antes da Era Comum), o texto pretende – e consegue, efetivamente – fornecer subsídios para a compreensão terminológica recorrente entre tais mitógrafos, não apenas de um ponto de visto histórico, mas também para propósitos filológicos. Desta forma, López Férez oferta aos leitores, nesta edição de Brathair, um convite erudito e sedutor a um conhecimento mais profundo das hetero-representações elaboradas na língua erudita do Mundo Clássico – o grego – que as civilizações escravistas do Mediterrâneo tecem e consagram como memória canônica a respeito das populações célticas para além do Limes imperial.

Arlete Motta (UFRJ) mostra o papel dos germanos no De Bello Gallico, quando o papel heroico de povos é ressaltado no intuito de valorizar as próprias características dos romanos. Trata-se aqui de uma refinada análise, sob o enfoque metodológico da Teoria Literária, da forma como o general romano Júlio César (100-44 a.C.) vislumbrou, compreendeu e representou as populações germânicas, com as quais travou contatos bélicos (Livro VI do De Bello Gallico, c. 50 a.C.). Encetando sua exegese a partir da noção de foco narrativo e de como se apresenta, na gramática textual, a persona narrativa do conquistador Júlio César, enquanto heroi, Arlete Motta traz um interessante ensaio sobre a produção reversa da memória de conquistas, grandiloquência e virtudes dos romanos – o conquistador, o vencedor – a partir de uma operação mitográfica muito sutil. Não se trata, para César, de desvaler o adversário germânico como automática e imediatamente inferior, incivilizado ou “bárbaro” (o não-falante de latim), mas, ao inverso, de realçar seus predicados guerreiros, físicos e morais, para demonstrar, retoricamente, a superioridade romana, que consegue sobrepor-se inclusive a povos tão bravos e valorosos como os germanos. Como pano de fundo, a pressuposto, reafirmado a todo instante, do proselitismo civilizatório do Populus Romanus.

O tema da conversão ao cristianismo é abordado em dois artigos. Sérgio Feldman (UFES) analisa o papel do clero na cristianização dos judeus no reino visigótico, através do posicionamento do bispo Isidoro de Sevilha. Segundo o autor a proximidade do hispalense com o rei Sisebuto auxiliou o processo de conversão forçada daqueles. No entanto, para Feldman o bispo apresenta no seu pensamento uma posição contraditória, apesar de ser favorável à conversão.

Já Leila Rodrigues da Silva (PEM-UFRJ) e Nathalia Agostinho Xavier apresentam o pensamento de Martinho de Braga, buscando discutir os interesses eclesiásticos contidos no sermão De Correctione Rusticorum, cujo objetivo seria ao criticar as práticas pagãs (como o politeísmo, as adivinhações, entre outras) voltar-se para a instrução dos camponeses, fazendo com que desistissem de seus “erros” e adotassem o cristianismo. Porém, as articulistas concluem que ao elaborar o sermão, Martinho buscava na verdade realizar estratégias que garantissem não somente a cristianização dos suevos, mas também a passividade dos fieis para sua submissão aos clérigos no contexto da Galiza do século VI.

Dentre os temas ligados à Floresta de Broceliande, Ramón Sainero, grande especialista espanhol dos estudos celtas, docente da UNED e membro do CIEC apresenta o papel do triângulo amoroso em obras arturianas. O autor inicialmente discute a preservação de relatos míticos celtas no medievo através da ação dos monges irlandeses, os quais colocaram as narrativas por escrito, tanto em gaélico quanto em latim. O tema central do texto é o triângulo amoroso em relatos da Matéria da Bretanha utilizando várias fontes, envolvendo Artur-Guinevere e um terceiro personagem, como Mordred, nos primeiros relatos arturianos (ex: na Historia Regum Britanniae) e depois a figura de Lancelot do Lago que se enamora da rainha Guinevere. Outro famoso triângulo analisado tem por centro as relações entre Tristão, Isolda e o rei Marcus, inspiradas numa narrativa de origem celta mais antiga, sobre os amores de Deirdre e Naoise. Sainero trata de outros triângulos amorosos, como o que envolve Gawain, o Cavaleiro Verde e a esposa deste último. O artigo é interesante na temática e por apontar diversas fontes utilizadas, desde as da Matéria da Bretanha, produzidas nos séculos XII-XIV até narrativas celtas mais antigas, inspiradas no ciclo do Ulster, no Mabionogion, entre outros relatos, que por sua vez, poderiam ter pontos de contato, segundo o autor, com narrativas indo-europeias da Anatólia e do Mar Negro.

Rita de Cássia Mendes Pereira (UESB) e Kamilla Matias, também trabalhando com a temática da Floresta de Broceliande, analisam o papel de Merlin nas narrativas míticas arturianas, oferecendo-nos, com notável erudição, uma oportunidade de dissecar a formação e as transformações pelas quais transita um dos mitemas arturianos, a um só tempo, mais arcanos e funcionalmente mais relevantes, em termos da sintaxe e evolução episódica das narrativas arturianas, o Mago Merlin. Este erudito artigo apresenta não apenas a hibridação de narremas anteriores responsáveis pela construção mítica de Merlin, tais como o Merlin Caledônio e o Merlin Ambrosius, ambos da lavra do cronista inglês Geoffrey of Monmouth, mas suscita uma discussão teórica adicional. Ao caracterizarem o aludido compilador como principal cronista da monarquia britânica, as autoras nos convidam a repensar a questão das memórias oficiais, das narrativas identitárias e das mitologias de origem que as casas reinantes e nobiliárquicas da Idade Média nunca deixaram de engendrar. Neste lastro, está presente uma reflexão sobre a faculdade mitopoética de Merlin e das historiografias canônicas a serviço das monarquias feudais.

Ainda sobre o espaço das Ilhas Britânicas, Ricardo Boone Wotckoski (Claretiano – Centro Universitário de Batatais) apresenta a tradução da Visão de Thurkill, narrativa do início do século XIII que trata de uma viagem ao Além-túmulo realizada em Essex, no bispado de Londres, cujo protagonista é um camponês. Thurkill é conduzido por São Juliano por dois dias para conhecer os lugares do Purgatório, Inferno e Paraíso e depois retorna ao seu corpo. O relato faz parte de uma ampla produção de viagens imaginárias produzidas nos séculos XII-XIII, de autoria anônima e compostas por eclesiásticos, inicialmente em latim e depois traduzidas para o vernáculo, tendo por base o relato de um leigo, com o objetivo da conversão dos fieis. Um elemento interessante que mostra a ligação entre este mundo e o Além é que Turkill é punido durante a viagem imaginária com fumaça, devido ao fato de não ter pago corretamente o dízimo e neste momento o seu corpo tosse no mundo terreno.

A narrativa proporciona a compreensão de elementos do imaginário medieval sobre a vida depois da morte, e tem uma importância fundamental por ter como seu personagem central um membro do campesinato na Inglaterra. Isso mostra que todos poderiam ter pecados a purgar depois da morte, tanto os ricos, como os pobres, motivo pelo qual quando volta do Além, Thurkill se torna um excelente cristão.

Na parte referente às resenhas, Gabriela Cavalheiro apresenta, ao mesmo tempo uma leitura atenta, um comentário crítico e, de certa maneira, um pequeno ensaio próprio em que demonstra o processo centro-medieval de superação da diglossia medieval. Resenhando a obra recente das teóricas inglesas da Literatura Kimberly Bell e Julie Couch, a bela leitura de Cavalheiro permite entrever os processos de transformação social que se deram durante os séculos XI a XIII (Idade Média Central). Dentre eles, a constituição, por legado episcopal de William Laud à Bodleian Library da Universidade de Oxford, de um manuscrito complexo, composto por narrativas diversas, salientando-se a mais antiga versão do The South English Legendary, uma referenciada coletânea de hagiografias de santos insulares e continentais, e duas das primeiras versões dos romances King Horn e Havelok the Dane, os mais antigos romances em inglês médio, além de outras obras religiosas e laicas. Ainda mais relevante, ocorre a pontuação de uma tensão latente entre dois vernáculos, o Middle English, vetor das expressões orais na Inglaterra entre os séculos XII e XV, e o Anglo-Normando, vernáculo cortesão ao tempo do reinado de Henrique III (1216-1272). De forma patente, portanto, vê-se a disputa entre vernáculos para aceder à condição de língua escrita – língua apta para a tessitura de memórias canônicas da sociedade inglesa centromedieval. De modo mais latente, pode-se entrever o declínio do latim, mesmo entre preeminentes membros do clero como Laud, e a consoante ascensão de outros atores sociais e linguísticos disputando hegemonia sobre os registros da memória escrita.

Nazareth Accioli Lobato preparou para os leitores desta edição de Brathair uma apresentação crítica do livro Da Ilha dos Bem-Aventurados à Busca pelo Santo Graal. Como adequadamente resenhou Lobato, este trabalho consiste em uma coletânea plural e denotativa de um percurso intelectual, uma carreira dedicada ao maravilhoso medieval. A resenha introduz aos leitores alguns tópicos do trabalho de Adriana Zierer, tais como a Ilha Paradisíaca e sua vinculação ao mitema celta de Avalon, a Ilha das Maçãs, a concepção espiral do tempo do mundo, bem como sua inserção tensa na História da Salvação cristã, por exemplo, no Conto de Amaro. O texto de Lobato cumpre à excelência sua função de convidar e instigar nossos colegas medievalistas e todos os amantes da Idade Média à leitura da obra. Ao final, o leitor terá aprendido muito, sem dúvida, além de sentir mais denso seu fascínio pelos tempos medievais.

É nesta perspectiva que apresentamos a nossos leitores, sejam os contumazes amantes do Medievo, sejam os diletantes motivados pelo encanto das narrativas maravilhosas, ou ainda colegas historiadores que desejem analisar os conflitos e processos sociais subjacentes à gesta do Ocidente, uma ampla gama de escritos, cuidadosamente selecionados para cada um desses leitores.

Adriana Zierer – UEMA. École des Hautes Études en Sciences Sociales, 2013-2014. E-mail: [email protected]

Marcus Baccega – UFMA. Pós-Doutorado Université Paris I, 2013. E-mail: [email protected]


ZIERER, Adriana; BACCEGA, Marcus. Editorial. Brathair, São Luís, v.13, n.2, 2013. Acessar publicação original [DR]

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História e Educação / Ágora / 2013

Percebe-se nos últimos anos um importante crescimento do campo da História da Educação, Entretanto, isto tem ocorrido quase sempre capitaneado pelos pesquisadores de Programa de Pós-Graduação em Educação. No Espírito Santo, embora ainda de forma tímida, se visualiza ações voltadas para o estudo da História da Educação executadas a partir do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo. Algumas delas é verdade, em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma universidade.

Assim, em 2004, numa parceria entre os professores Sebastião Pimentel Franco, do Programa de Pós-Graduação em História e a professora Regina Helena Silva Simões, do Programa de Pós-Graduação em Educação, ambos da Universidade Federal do Espírito Santo, foi publicado a obra História da educação no Espírito Santo: catálogo de fontes, cujo objetivo era contribuir para a ampliação e o fortalecimento necessários à consolidação de pesquisas historiográficas sobre a educação no Espírito Santo.

Em 2006, novamente o Programa de Pós-Graduação em História da UFES, se associa ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, para realizarem um evento interdisciplinar, intitulado I Seminário Interdisciplinar em História e Educação.

Nesse mesmo ano, esses dois Programas de Pós-Graduação reúnem textos de pesquisadores em História da Educação, na publicação Ensino de História, seus sujeitos e suas práticas, na “tentativa de dialogar a educação e a história, quer seja pela vertente da formação e da prática docentes, quer seja no campo das pesquisas históricas e da educação”, publicação essa que em 2009 foi reeditada.

Ainda em 2006, o Programa de Pós-Graduação em História da UFES, publicou a obra História e educação: em busca da interdisciplinaridade, volume 7 da Coleção Rumos da História. Nessa publicação, objetivou-se estabelecer “um núcleo interdisciplinar composto por historiadores, estudiosos da educação, esperando esse diálogo! Pudesse produzir frutos significativos, fomentando o debate e a crítica, contribuindo ainda mais para o avanço de tais estudos.

Em 2007, como fruto do I Seminário Interdisciplinar em História e Educação, surgiu a publicação História e Educação: territórios em convergência, reunindo textos de professores e pesquisadores da História e da Educação de instituições de ensino do Espírito Santo e de outros estados brasileiros.

Mais uma vez, os Programas de Pós-Graduação da UFES, em História e em Educação se associaram e produziram a publicação História da Educação no Espírito Santo: vestígios de uma construção. Na apresentação da obra, a professora Regina Helena Silva Simões diz que essa publicação foi “concebida em dupla perspectiva, ambas relevantes no tratamento do conhecimento produzido: o trabalho de mapeamento da trajetória da pesquisa sobre a História da Educação no Espírito Santo, cm preocupações de historicizar um processo que não foi homogêneo […] repletos de silêncios e com muitos vestígios ainda negligenciados e que passaram despercebidos em uma construção histórica mais linear e formalizada”.

Novamente os Programas de Pós-Graduação da UFES, em História e em Educação, se unem, para apresentar uma nova publicação intitulada A Educação no Espírito Santo: entre o século XIX e XX, a partir de textos reunidos de professores e alunos dos dois Programas de Pós-Graduação.

Os artigos estão organizados a partir de três perspectivas: a instrução no período imperial, a educação na fase republicana e por fim, optou-se pelo o uso de possibilidades metodológicas para o ensino da história.

Edvaldo Jorge Mendes, em seu texto, A educação como chave do progresso e os desafios para a consolidação na Província do Espírito Santo (1834-1873), objetiva refletir o ensino público no Espírito Santo do século XIX, no contexto histórico da cosmovisão dos Estados Nacionais da Europa e da formação do Brasil independente em uma época caracterizada, principalmente, pela confiança na educação como chave do progresso das nações, e sob o auspício desse referencial, as iniciativas dos presidentes da província do Espírito Santo para levar o país ao nível de civilização imaginado via escolarização do povo, esbarravam em obstáculos de difícil remoção em face de implicação de outros fatores condicionantes de natureza econômica, política, social e cultural da província e do país.

Em A religião católica na história da educação capixaba do século XIX: uma análise do regimento das escolas de primeiras letras de 1871, Cleonara Maria Schwartz e Dirce Nazaré Andrade Ferreira, evidenciam a presença da religiosidade católica na educação elementar pública do século XIX. Como fonte de análise foram utilizados a Constituição de 1824, a Lei Januário da Cunha Barbosa e o Regimento Interno de 1871, da Província do Espírito Santo.

Karen Calegari Santos Campos, no texto Só os que nenhuma habilitação tenham que as vezes para nada servem, se quererão a isto prestar: representações oficiais sobre professores capixabas no século XIX, discute as representações sobre a docência na Província do Espírito Santo, entre as décadas de 1850 e 1860, produzidas e postas a circular por meio do discurso dos presidentes de Província.

Em seu texto O Colégio Pedro II não era aqui: o olhar imperial e outras falas sobre a escolarização e a docência no Espírito Santo nas décadas de 1850 e 1860, as autoras Regina Helena Silva Simões, Rosianny Campos Berto e Tatiana Borel, investigam o exercício da docência na Província do Espírito Santo, nas décadas de 1850 e 1860, buscando compreender o processo de escolarização e da docência durante a vigência dos regulamentos da instrução pública, datados de 1848 e 1862.

A educação na Primeira República e o texto apresentado por Elezeare Lima de Assis e Sebastião Pimentel Franco, intitulado Considerações sobre o Grupo Escolar Gomes Cardim no contexto da educação primária no Espírito Santo na Primeira República, onde tecem considerações sobre o Grupo Escolar Gomes Cardim inaugurado na cidade de Vitória, capital do Espírito Santo em 1908 e sua inserção no projeto reformista educacional exercitado no Espírito Santo da Primeira República.

Cleonara Maria Schwartz e Eliete Aparecida Locatelli Vago, em seu artigo O ensino primário na década de 1960: considerações acerca do Brasil, do Espírito Santo e de Santa Teresa, tece considerações acerca de mudanças sócio-políticas e econômicas ocorridas na década de 1960, a fim de compreender tensões que perpassaram o ensino primário em âmbito nacional, estadual e municipal. Para isso, dialogam com autores que discorreram sobre essa temática e fazendo uso de legislações, relatórios e mensagens do governo do estado do Espírito Santo da década de 1960, atas de reuniões pedagógicas das escolas primárias teresenses e atas de reuniões da Câmara Municipal de Santa Teresa (ES).

Gustavo Henrique Araújo Forde e Luiz Antonio Gomes Pinto, no texto Uso da microhistória na historiografia dos movimentos sociais na/da educação brasileira, afirmam que “As pesquisas sobre história da educação são, em muitos casos, caracterizadas pela existência de narrativas que ocultam – macro-narrativas – ou desvelam – micro-narrativas – os movimentos sociais. Ao longo das últimas décadas, observamos o crescimento de estudos que procuram ampliar os espaços de participação desses movimentos. As teorias, que vão do marxismo ao pós-estruturalismo tentam, cada um a seu modo, elaborar narrativas enfocando aspectos afeitos a esses esquemas explicativos. Assim, os movimentos negro e indígena, também veem a possibilidade de elaborar narrativas históricas através da construção de signos que produzem identidades”.

Miriã Lúcia Luiz, em História ensinada para crianças: análises a partir de proposições de Marc Bloch, busca realizar a partir do proposto por Bloch, uma análise das práticas de professores no ensino de história nas séries iniciais.

Cleonara Maria Schwartz

Regina Helena Silva Simões

Sebastião Pimentel Franco

Os organizadores

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Escritos sobre a história do Piauí – pesquisas e abordagens contemporâneas / Vozes Pretérito & Devir / 2013

Vozes: fenômeno plural e mimético que ecoa como um sopro no ouvido, trazendo o susto, a dúvida, a indagação. Um resoar inquietante que nos leva a re-pensar o fazer. Por outro lado, as vozes também podem surgir como facho de luz lançado por um farol distante em meio à escuridão do mar longínquo e soturno, ou se apresentar como um brilho resplandecente que ilumina o caminho pelo qual iremos trilhar em nossa incursão intelectual com empenho e avidez, assim como faz o ogro faminto em busca de sua caça [1].

Pretérito: estilhaço da dádiva de Chronos: o tempo. Dimensão onde se situa o que já se foi, o que se pode sondar, o cogito, e o que jamais se saberá. Caverna incógnita, gélida e sombria, na qual dormitam espectros de outrora, que, desdenhosamente, despertam para nos assombrar no presente [2]. Mas é nesta extensão / redução de tempo que montamos o ‘‘maquinário’’, tecemos e desmanchamos utopias. É nesta dimensão irregular, onde se edifica a morada do historiador, sua oficina ou seu tear [3].

Devir: metamorfose incessante que subtrai o regular, o estável, aquilo que era, que se dizia “certo”. Força que traciona as engrenagens das curvas das horas e dissipa a natureza torpe da inércia no tempo. A mesma força que escava caminhos para outras possibilidades, remodelando e diluindo as certezas, pois, nos campos e canteiros da história [4], se lança dúvida a quem se diz deter a verdade e presta-se tributo àquele que sempre se encontra à sua procura, num incessante ato de perscrutar o “vir a ser”.

Vozes, Pretérito e Devir três elementos que se apresentam forjados pela áurea da subjetividade, categorias com as quais o historiador se depara como entidades inerentes ao seu oficio. Por tal fato, pareceu-nos sugestivo fazer desta tríade o nome que chancela a primeira revista eletrônica de história filiada à Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Por meio deste periódico, de operacionalidade semestral, almejamos dar feição a um veículo interativo que venha oportunizar a possibilidade de divulgação e aferir visibilidade às produções acadêmicas e suas implicações com a realidade social. Nosso público alvo está centrado em professores, estudantes e demais pesquisadores de áreas das ciências humanas que tenham interesse em pesquisar e / ou publicar produções de seus respectivos estudos e trabalhos no campo da história local, regional ou (inter)nacional.

Os artigos presentes no corpo desta edição inaugural são resultados de estudos e pesquisas históricas nas mais variadas perspectivas. Todavia, ao tempo em que se propõem enquanto contribuições que constituirão a feitura deste exemplar, suas relevâncias vão para além de escritos que estabelecem o conhecimento sobre uma determinada abordagem historiográfica, pois eles também estarão territorializando a abertura de um novo espaço de interação intelectual. Um domínio voltado à produção do saber histórico em diálogo com suas propriedades epistemológicas e com outras áreas do conhecimento.

Em sua composição, a revista se encontra dividida por seções. Através das mesmas, procuramos contemplar as seguintes proposições de análise: dossiê temático, artigos, seção especial, resenha e monografias: resumos expandidos. Elegemos “Escritos sobre a história do Piauí – pesquisas e abordagens contemporâneas” como proposta inicial de discussão temática. A partir deste dossiê, iremos nos deparar com as mais diversas pesquisas e discussões incorporadas a distintos objetos de estudos situados na dimensão local. A seção de artigos se oferece como espaço para a publicação de temáticas livres, ampliando assim a inclusão de discussões concernentes ao conteúdo proposto para composição deste periódico.

Ainda contamos com uma seção especial, que estará aberta a produções que possam adicionar materiais de relevância para a reflexão do pensamento na história. A ela também irá se destinar outros trabalhos, como traduções, publicação de fontes, entrevistas, e artigos de outras áreas que possam subsidiar um diálogo com a história. A seção de resenhas será dedicada à análise e comentários de obras contemporâneas e de relevância para os estudos históricos. A última seção é dedicada a resumos expandidos de trabalhos monográficos, por meio desta seção objetivamos abrir espaço para que os estudantes recém-graduados possam divulgar o resultado de suas pesquisas acadêmicas.

Muito do que confrontamos ao itinerar pelas edificações desta revista, é fruto do apoio e trabalho coletivos. Por esse fato, aproveitamos tal momento para ressaltar a inestimável colaboração daqueles que se propuseram a contribuir com opiniões, avaliações e diálogos acerca das diretrizes pelas quais poderíamos trilhar através deste periódico. Assim sendo, agradecemos aos professores que aceitaram prontamente o convite para compor os conselhos editorial e consultivo. Também gostaríamos de agradecer a todos aqueles que contribuíram direta e indiretamente para a efetivação deste projeto, em especial, citamos o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa no Piauí – FAPEPI – pela liberação do espaço on-line para armazenar o conteúdo digital, à Pro- Reitoria de Extensão e Assuntos Estudantis – PREX / UESPI – pelo apoio institucional neste empreendimento.

Do mesmo modo, agradecemos às pessoas de Gustavo Lima, pelo fundamental auxílio na configuração do espaço on-line, Jairon James, pelo auxílio no desenvolvimento da logomarca e layout da revista, Domingos Cavalcante Carvalho Jr., pela catalogação e encaminhamento de registro do periódico junto à biblioteca nacional. Agradecemos também a Dennison de Oliveira, pelas conversas iniciais e sugestões para a estrutura composicional da revista, e à Méri Frotscher – eterna gratidão – pelas consultas, orientações, e inspiração do modelo de trabalho que aqui foi impresso (muito deste projeto se deve a você).

Por fim, fica o convite à toda comunidade acadêmica, e geral, para apreciar nossa edição inaugural. Esperamos que esta seja a primeira de muitas edições a serem produzidas no exercício de elaboração do conhecimento histórico. Encerramos esta apresentação colocando em tela a simplória e clássica indagação de Michel de Certeau, a qual nos remete à meditação sobre o papel do historiador em seu exercício intelectual. Afinal, “o que fabrica o historiador quando ‘faz história’?” [5].

Notas

1. BLOCH, Marc. Apologia da História, ou o Ofício do Historiador, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2002.

2. ARENDT, Hannah. Responsabilidade e Julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

3. ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. O Tecelão dos Tempos: o historiador como artesão das temporalidades. Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4, Nº19, Rio de Janeiro, 2009.

4. BOUTIER, Jean & JULIA, Dominique (orgs). Passados recompostos: campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998.

5. CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1982.

Francisco Chagas O. Atanásio

02 de Janeiro de 2013.


ATANÁSIO, Francisco Chagas O. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.1, n.1, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Mídia e Política / Albuquerque: Revista de História / 2013

Toda história é presente e aos vivos ela pertence. Diversos historiadores disseram a mesma coisa com outras palavras, em tempos diversos e de diferenciadas maneiras. O importante, contudo, é consolidar a idéia de que o objeto de estudo da história é o homem, o seu tempo e as suas construções.

A revista Albuquerque, em sua nona edição, está viva e presente. A cada número que vem à luz, amadurece e solidifica a sua proposta original de divulgar estudos inovadores que revigoram a área de conhecimento da história, enfatizando temáticas regionais. Mas, como representação da produção histórica viva e presente no ambiente acadêmico contemporâneo, a revista assume também a forma apropriada de um caleidoscópio de temas e de abordagens balizadas sempre pelo critério de qualidade científica.

Dessa forma, em sua primeira parte estão publicados artigos completos e de diversas e interessantes abordagens: Impactos sobre o desenvolvimento regional decorrentes do Assentamento Itamarati, Ponta Porã (MS): 2001 -2010, de Maria de Fátima Lessa Bellé, Gilberto Luiz Alves e Celso Correia de Souza; Nacionalismo, antifascismo e internacionalismo nas Brigadas Internacionais na Guerra Civil Espanhola (1936 -1939) de Jorge C. Fernández; Do Tejo ao Rio das Mortes: sobre fazer-se “homem bom” na longínqua Vila de São João Del Rei. Séculos XVIII e XIX de Tarcisio Greggio e Relações de trabalho e industrialização recente na periferia de Vitor Wagner Neto de Oliveira.

Na segunda parte, a revista Albuquerque, com o Dossiê Mídia e Política, apresenta um painel significativo e oportuno, tendo como eixo a imprensa brasileira que ainda reflete os seus dilemas históricos na sua difícil convivência e articulação com outras esferas de poder, com as incertezas da crise de paradigmas do nosso século e mudanças sociais, econômicas e tecnológicas vertiginosas. De fato, debruçar sobre o passado para buscar a compreensão e a explicação do nosso mundo, do nosso tempo e dos processos históricos que os produziram, é a especial e principal responsabilidade dos historiadores, iniciantes e veteranos aqui representados vivos e presentes.

O Caderno Especial dedicado a divulgar documentos interessantes para a história regional, nesta edição, acompanha a temática dos trabalhos do Dossiê Mídia e Política, reproduzindo um artigo do jornal A Tribuna de Corumbá, de 1943. O autor, Lobivar de Matos, falecido prematuramente aos trinta e três anos de idade, foi um expoente da poesia moderna da língua portuguesa, apenas reconhecido recentemente por pesquisadores da literatura regional. Naquela oportunidade, Lobivar de Matos homenageou a figura do cidadão Pedro de Medeiros, também poeta, líder popular e corumbaense proeminente.


Editores. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.5, n.9, 2013. Acessar publicação original [DR]

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Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII) | Ruy de Oliveira Andra de Filho

A Península Ibérica sempre ocupou dentro do mundo romano um espaço importante no tocante não apenas a sua localização, mas também como um dos mais ricos celeiros do Imperium. Com o fim político do Império Romano do Ocidente, a região, que, no passado, abrigou povos de etnias várias como lusitanos, iberos, celtas e celtiberos, vivenciaria até o século VIII a ocupação de seu território por dois povos de origem germânica, os quais para lá estenderam seus domínios após sua migração, a saber, suevos e visigodos. Estes últimos assentaram-se preferentemente na Hispânia romana, em um contexto sócio-histórico e religioso bastante peculiares. Exatamente sobre estas singularidades do mundo germânico em um território antes celta e romano debruça-se Ruy de Oliveira Andrade Filho.

Cada vez mais estudos historiográficos sobre a Alta Idade Média (ou Primeira Idade Média) [como queiram] realizados por pesquisadores brasileiros concentram-se sobre a movência, assentamento e contribuições de toda a ordem legados, apropriados, fundidos e refundidos pelo estrato populacional germânico no ocidente europeu. Vinícius Dreger, Mário Jorge Bastos, Leila Rodrigues da Silva, Renan Friguetto, apenas para citar alguns nomes, compõem esse espectro de investigadores. Caso nos ocupemos em especial com a Espanha medieval, o nome do professor da Universidade do Estado de São Paulo, citado no primeiro parágrafo, deve assomar como um dos principais e Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VIVIII) preenche uma lacuna cronológica e historiográfica nesses estudos.

O medievista sintetiza em cinco capítulos e 253 páginas os acontecimentos sobre a relação Monarquia-Igreja presentes no desenvolvimento do reino visigodo de Toledo ao longo de três séculos e para alcançar este objetivo, divide seu trabalho em cinco capítulos teórico-práticos, nos quais expõe não apenas seu instrumental de trabalho e análise das fontes investigadas, como também seu vasto arcabouço teórico que subjaz as suas práticas de pesquisa.

No primeiro capítulo, “Uma Hispânia convertida?”, evidencia-se um levantamento crítico com opiniões de diversos renomados estudiosos acerca da extensão, penetração e aceitação do cristianismo na região, preferentemente entre os séculos IV e VIII. Ao lado da superstitio e das gentes que professavam o judaísmo e defendiam as heresias, assiste-se também a presença dos innumeri christiani (p. 40). O historiador aponta, com sólida erudição, as questões que perpassavam os citadinos de então, bem como a massa de camponeses, com suas visões e práticas muitas vezes diferenciadas da própria experiência cristã, em que escolhas (heresias) não ligadas à ortodoxia, como o caso do priscilianismo, também encontraram espaço de circulação dentro do território majoritariamente hispânico. Esse estado de coisas, assevera Ruy, serviu também como circunstâncias, nas quais as estruturas de Sippe visigodas foram lentamente sofrendo modificações em favor de uma monarquia consolidada. Para isso, a influência da Igreja e sua habilidade em amalgamar na imagem de unus Dei populus, unumque regnum, expressa no Terceiro Concílio de Toledo, foram fundamentais. O paulatino mas inexorável avanço do cristianismo sobre as práticas pagãs dos rustici fora aberto.

“Cultura e Religião no Reino de Toledo” é o título do segundo capítulo, no qual o binômio “cultura/religião” é abordado no reino de Toledo, porém até chegar no medievo, o autor elabora um percurso histórico dessa relação, iniciando sua viagem na Tardoantiguidade, mais precisamente, no século III, com a sacralização do poder imperial, reafirmado e remoldado a partir da implantação do cristianismo como religião oficial do império um século depois. Contudo, ainda sentia-se na Hispânia uma forte presença de traços pagãos dentre os senadores e os camponeses, o que, a posteriori, com o fortalecimento da monarquia dos visigodos e em especial após a conversão do rei Recaredo, ainda tenderia a se manifestar. Um fator que contribui sobremaneira para a difusão da religião “oficial” foi, sem dúvida, uma rede de “escolas episcopais, paroquiais e monásticas, cuja finalidade principal era … a formação de clérigos” (p. 80). Igreja e Monarquia apoiam-se mutuamente em Toledo, porém no tocante à saúde, física e d´alma, sente-se uma simbiose de práticas e costumes populares com a utilização de elementos cristãos, configurando uma união perene entre corpo/alma e lhe dando juízo de fé pública. Interessante notar que o historiador ressalta dois aspectos importantes nesse processo: o primeiro prende-se à conversão dos monarcas e de seu séquito mais próximo; já o segundo, a cristianização, ainda necessitava de uma implementação maior, pois o maravilhoso, o insólito, o estranho que fugiam à compreensão dos eclesiásticos ainda rodeavam e povoavam estratos significativos da população visigótica da Hispânia e de Toledo.

Nada mais justo, portanto, que o próximo capítulo “Religiosidade ou Religiosidades?” também apresentasse uma indagação como tema central. A questão do encontro entre modos de vivenciar o sagrado expresso pela dicotomia paganismo X cristianismo no território hispânico é debatida e o historiador aponta desde o início para o fato de que obras como os Capitula Martini ou o De correctione rusticorum, de Martinho de Braga, “não parecem estar dotadas de uma intenção apenas preventiva ou lutando contra lembranças residuais ou obscuras, ´meras impurezas´” (p. 103). Tais textos demonstrariam a coexistência de duas formas de religiosidade, uma oficial e outra ´popular`.

Para Ruy Andrade, o termo `religiosidade popular` situa-se na esfera de um embate que oporia o cristianismo, uma religião da cultura escrita, a um conjunto de crenças e práticas, que sobressaiu exatamente a partir da expansão dominadora do credo cristão, pois o estudioso defende para o período “a religiosidade como elemento catalisador dos descontentamentos, e não seu agente elaborador.” (p. 109) Portanto, vislumbrar-se-ia uma antinomia campo X cidade, em que o meio rural manteria tradições e expressões de religiosidade dissonantes daquelas das cidades, ligadas ao círculo real e de certa forma aliadas ao poder eclesiástico. Esta “cisão de fé”, se é que assim podemos denominar tal fenômeno no reino visigodo de Toledo, colocava em lados opostos a magia pagã e o milagre cristã, embora, afirma o historiador, questionando-se ao fim do capítulo, se é realmente possível falarmos de ´religiosidade popular´, na medida em que este termo parece englobar mais que simplesmente uma escolha ou prática não referendada pela Mater Ecclesia, revelando-se como um outro viés da religião do Cristo.

No próximo capítulo, “A Utopia Monárquica Visigoda”, discute-se a partir da conversão ao cristianismo dos visigodos do reino de Toledo ocorrida no ano 589 o projeto de referendo da organização monárquica do reino em consonância com a esfera religiosa, já que “A unidade política assentava-se, pois, na unidade religiosa.” (p. 132) A coesão política do reino atrelava-se agora ao apoio eclesiástico, que ensejava e ansiava por uma “utopia monárquica”, em que bispos e nobres visigóticos possuiriam papel de destaque nos assuntos régios em Toledo.

Para a realização em terra de um ideal cristocêntrico até o fim do reino visigótico de Toledo em 711, a Igreja lança mão da metáfora do corpus Christi para direcionar os papéis sociais de todos, reis e súditos, no céu e na terra com a intermediação dos clérigos, representantes do Criador entre os homens. Para o historiador, uma aliança é estabelecida, tanto em nível civil quanto em teológico, entre realeza e igreja, a ponto de, cita o pesquisador brasileiro, se chegar em certos momentos “à promulgação pelos reis da lex in confirmatione concilii” (p.142). A lei e a Lei fundem-se, e a consagração em Toledo do rei Wamba, em 672, é marco na história ocidental.

A sacralização da monarquia, as etapas, as funcionalidades e as características deste momento histórico descritas no capítulo IV somam-se agora no capítulo V, Religiosidade e Monarquia no Reino de Toledo os resultados visíveis e depreensíveis de tal processo. Partindo de Paulo e Isidoro de Sevilha ter-se-ia a divisão do homem em sua integralidade em três instâncias: “espírito/pneuma, que corresponderia à parte que estava reservada para a imortalidade; alma/psykhe, que animaria o corpo; e corpo/soma, [este último par apenas para Paulo] a parte degradável que desapareceria.” (p. 166) O historiador analisa com argúcia a inserção do homem – visigodo – dentro do plano cosmológico cristão, em que a teia cultural do cristianismo e suas expressões de religiosidade servem de base e de argamassa para ordenar o mundo, já que, como bem explica Ruy Andrade, “´Cosmo´, significando ordem, estrutura, mundo, universo, também é uma palavra entendida como ´caos´…” (p. 171), o que logicamente pressuporia a existência prévia de uma falta de coesão. As uerba Dei mostram, num mundo ordenado, as belezas da Criação e caberia ao homem ser o espelho deste ordenamento e deste encanto. A natureza deve se sujeitar ao melhor specimen forjado por Deus, a cidade é eleita o seu melhor abrigo, embora sobre a terra ainda pairasse o a possibilidade da sedição do Mal.

Tal perigo, que lembraria ao ser humano a presença do demônio, pode ser polarizado pelos binômios catolicismo/arianismo devido à associação ao Mal de reis visigodos que professavam a doutrina de Ário. Todavia, o rei cristão verdadeiro traria a salvação e a saúde ao seu povo, sendo ambos os termos derivados etimologicamente de salus. Enfim, o Homem e o Reino do plano divino ver-se-iam então personificados e revividos na figura do monarca e seu reino terrestre. Nesse momento entende-se o porquê do título Imagem e Reflexo, como bem sumariza o historiador: “É uma condição básica: a moldura do espelho não lhe distorce a imagem, confere-lhe uma forma.” (p. 192)

Em suma, lançando questões, propondo interpretações aos moldes de uma História Argumentativa, amparado em sólida bibliografia e em uma linguagem acessível a estudiosos e leigos, Ruy de Oliveira Andrade filho leva-nos ao reino visigodo de Toledo, em uma viagem que se encerra no “eterno retorno” do mundo germânico medieval à plasmação da Europa que em grande parte ora conhecemos e que cada vez mais é objeto de investigação de historiadores brasileiros.

Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Departamento de línguas Anglo-Germânicas. E-mail: [email protected]


FILHO, Ruy de Oliveira Andrade. Imagem e reflexo – religiosidade e monarquia no reino visigodo de Toledo (Séculos VI-VIII). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012. Resenha de: BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo. Germanos na Espanha medieval – entre Reis e Deus (es). Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.13, n.1, p. 114-119, 2013. Acessar publicação original [DR]

Kalevala. O poema épico finlandês | Elias Lönnrot

A obra e o autor

O Kalevala é a representação poética mais destacada da cultura tradicional dos povos fin – os finlandeses. Tal como outros poemas clássicos “nacionais”, ou étnicos ele é o resultado da composição, em uma obra só, de relatos poéticos variados e dispersos. Mas, ao contrário da maioria desses poemas, cuja composição remonta a épocas arcaicas, a redação do Kalevala é recente, e seu autor é bem conhecido: o médico e etnólogo Elias Lönnrot (1802-1884). Formado em medicina pela Universidade de Turku trabalhou como secretário de saúde em Kainuu, e aproveitou sua profissão, que o levava a percorrer o meio rural, para coletar poesias regionais tradicionais. Com elas compilou diversas obras, entre as quais Kantele (1831) – o título é uma referência ao instrumento de cordas tradicional – a primeira versão do Kalevala (Antigo: 1835), Kanteletar (1840) e Kalevala (o Novo: de 1849, sendo esta a versão aqui traduzida). Lönnroth selecionou narrativas míticas e lendárias, simplificou os relatos, procurou dar-lhes unidade de conjunto, se necessário inventando um ou outro trecho ou traço poético a fim de organizar o poema final; este processo foi semelhante ao que quase na mesma data (1848) Richard Wagner usaria para dar início à composição do Anel do Nibelungo a partir das mitologias nórdicas. A estrutura do poema em sua versão atual é composta de cinquenta cantos, ou capítulos, de dimensões variáveis, num total de 22.795 versos. O conjunto não forma uma narrativa única, mas uma sucessão de relatos cuja unidade é realizada não só pelo estilo e referências contextuais, mas por um grupo de personagens que vão se sucedendo e entrosando ao longo do poema. A ação, ou ações, passa-se em diversos territórios, que em tempos préhistóricos eram ocupados por povos distintos, mas no poema abrangem praticamente todo o território (e apenas ele) atualmente constituído pelo país Finlândia, e unificado também pelo idioma finlandês contemporâneo, o que fez do Kalevala um símbolo e um “tônico” espiritual na luta dos finlandeses (final do século XIX e início do XX) pela sua independência contra as nações vizinhas e particularmente contra a Rússia (1917).

Estrutura do poema

As narrativas passam-se num contexto de “antes do tempo”, quando os seres humanos conviviam com os animais, e neste sentido elas são mitológicas; todos os seres possuíam poderes superiores aos comuns da humanidade e natureza atual. Mas o Kalevala não é uma narrativa mítica no sentido de Jung e Eliade – em que o fato acontecido no “mundo dos deuses” é o protótipo e arquétipo do que acontece no mundo dos humanos – a não ser, como dissemos, como possível arquétipo da cultura e modo de pensar dos finlandeses. Considerando o Kalevala sob o aspecto das narrativas temáticas temos três grupos principais, constituídos pelas narrativas referentes a cada um dos heróis dominantes – Väinämöinen e Lemminkäinen – e o “coadjuvante” que é Ilmarinen, interrompidas, porém, por dois episódios: o referente à noiva de Ilmarinen, com as recomendações à mulher que vai casar (XX – XXV) e o referente a Kulervo, escravo de Ilmarinen (XXXI – XXXVI) que se compõe de uma sucessão de vinganças e tragédias. Outro tema é um objeto especial, que percorre e unifica todo o poema: o Sampo – algo que é indefinido, talvez indefinível, do qual depende, ao menos em parte, a ordem do mundo e a felicidade das pessoas, algo que se pode perder, ou quebrar, mas que pode ser reconstituído, mas que não se sabe, ou não se diz, o que é. Mas o tema da busca do misterioso Sampo começa no canto VII (310) e só termina com a sua destruição nos últimos cantos (XLVIII a L).

Os personagens

Os heróis do Kalevala, tal como os deuses e heróis da mitologia grega e nórdica, não são modelos das virtudes tradicionais, clássicas ou cristãs, mas são modelos de astúcia, como Ulisses, e de uso de poderes mágicos. São heróis “nacionais”, mas não são modelos morais nem arquétipos míticos. São fantasias da vida popular rural, talvez representem aspirações, talvez indiquem traços da mentalidade, ou do subconsciente coletivo. Todos os heróis têm que realizar tarefas difíceis para conseguir a mão das donzelas pretendidas: capturar um alce, derrubar um urso, construir um barco… Os dois personagens mais constantes e significativos – Väinämöinen e Lemminkäinen- são um velho feiticeiro (o primeiro), e um jovem estouvado (o outro). Väinämöinen aparece já no canto I, quando Ukko, o Criador, dá origem ao mundo, e, depois do surgimento do Sol, da Lua e das estrelas, a mãe-d’água Ilmatar dá à luz o herói. As circunstâncias deste nascimento, e o fato de estar colocado no início do poema mostram que Lönnroth destacou Väinämöinen como personagem principal de toda a narrativa; essa importância vem ainda dos poderes do herói semideus, que completa a criação do mundo como um demiurgo prometéico. Ao longo dos 50 cantos ele é citado e atuante em pelo menos trinta; além de demiurgo ele combate adversários, conquista mulheres, realiza prodígios, canta músicas encantadoras, e cura doenças. Lemminkäinen é o resultado da sobreposição de diversos personagens das poesias populares, e por isso aparece ao longo do poema com diversos nomes; mas sempre como o jovem estouvado; é citado na criação do mundo, mas só começa a ser atuante nos cantos XI – XV; vai ao casamento de Ilmarinen sem ser convidado; mata o amo de Pohja, e foge: perseguido, esconde-se numa ilha, conquista todas as mulheres, foge de novo, volta para casa, e vai fazer a guerra contra Pohja (XXVI – XXX); sua atividade “preferida” é conquistar donzelas, que persegue ao longo do poema, acabando por ter uma merecida fama de “garanhão” (Canto XXIX 243-246). Por isso e por ser arrogante e dado a brigas e bravatas, sofre perseguições, é morto, mas ressuscitado por sua mãe. Ilmarinen, o terceiro herói, é o ferreiro com poderes extraordinários, consegue forjar até um novo Sol; ele aparece em diversas passagens, mas só começa a ter papel destacado quando disputa com Väinämöinen, a mesma donzela de Pohja (ou Pohjola), e realiza proezas como lavrar um campo de víboras e capturar um urso (XIX). Finalmente Ilmarinen descobre que em Pohjola se vive bem porque têm o Sampo, e o conta a Väinämöinen (XXXVIII); é então que os três heróis principais se encontram (XXXIX) para juntos irem à procura do Sampo; enfrentam perigos de peixes gigantes, mas, morto o peixe (XL), Väinämöinen fabrica com as espinhas um kantele e com ele toca uma música que encanta o mundo inteiro (XLI) e adormece o povo de Pohja, a quem os heróis roubam o Sampo (XLII). Perseguidos pela dama de Pohjola, o Sampo se quebra e cai ao mar. Com sua música, poderes e unções Väinämöinen traz felicidade ao mundo, e Kalevala vence Pohjola. Numa sucessão de breves episódios finais (quase como adendos) Väinämöinen vence o urso (um ritual arcaico siberiano) e com Ilmarinen vai à procura do Sol, da Lua e do fogo, roubados pela dama de Pohja, conseguindo recuperálos. No final um velho batiza um menino como rei da Carélia; Väinämöinen retira-se deixando para o povo o seu kantele, seus cânticos, e a esperança de reaver o Sampo. Dos personagens haveria que destacar muitos outros elementos masculinos, mas há que referir sobretudo a presença de mulheres, algumas delas com ação importante, sobretudo a dama de Pohjola; dizer que a figura da mulher aparece sempre num papel secundário e submisso ao homem seria bastante óbvio, mas isso nem sempre é assim, e haveria que analisar o poema de maneira mais atenta para perceber que as ideias referentes à mulher não são sempre machistas. Entre os personagens não humanos há os animais, que na maioria dos casos são agentes passivos, e os sobrenaturais, como fadas, e semideuses, que não têm ação preponderante; apenas o criador, Ukko, é chamado algumas vezes para intervir, sabendo-se que tem poder decisivo, que pode modificar a sequencia dos acontecimentos.

Poema étnico

O lugar de origem das narrativas poéticas que compõem o Kalevala, onde Lönnroth os recolheu, é a Carélia, região que se divide entre o Sudeste da atual Finlândia, e a correspondente região fronteiriça da Rússia. Mas ao longo dos diversos cantos faz-se referência não só às outras regiões do atual país, inclusive até à Lapônia, no extremo norte, como a povos vizinhos, particularmente alemães, russos e estonianos. Na pré e proto-história o território da atual Finlândia era habitado por diversos povos, que foram sendo unificados, embora ainda subsistam evidências da diversidade: o país que conhecemos como Terra dos Fin, ou Finlândia, designa-se a si mesmo como Suomi, nome de outro povo. Mas desde antes da Idade Média as influências nórdicas, ou vikings, na maioria suecas e dinamarquesas, estão bem atestadas, por exemplo, pela fundação, no século XII, de Talin (capital da Estônia) com o nome de Tanikka (canto XXV 613) abreviatura provável de Tanimerki (Dinamarca, nota 219). Foi nesse período da Baixa Idade Média que se reforçou e consolidou a influência do cristianismo nos povos da Carélia e seus vizinhos do Báltico. Os especialistas consideram que de fato a mitologia e em geral a cultura da Escandinávia germânica, e a doutrina cristã, deixaram traços no Kalevala, mas só uma análise comparativa atenta pode destacar aquilo que para o leitor comum é sutil e passa despercebido.

A tradução

A linguagem original dos textos que compõem o Kalevala seria certamente o finlandês arcaico, ou mesmo outro idioma dos muitos povos que habitavam a região do Báltico; mas Lönnroth os recolheu em finlandês do século XIX, e deu-lhe ainda algumas características peculiares para reforçar o estilo poético-lendário, como a inclusão de muitas expressões onomatopaicas. A primeira tradução para o inglês é a de John Martin Crawford em 1888: ela acompanha rigorosamente o ritmo original do poema, que já está traduzido em mais de sessenta idiomas. No caso da tradução para português a principal dificuldade a resolver é o fato de o idioma finlandês ser uma língua do grupo uralo-altaico (correspondendo a alguns povos da Sibéria e do Altai, na Ásia Central), aparentada com o húngaro (magiar) e o estoniano, mas muito distinto, em estrutura gramatical, e vocabulário, dos idiomas indo-europeus; os vocábulos finlandeses possuem até dezesseis declinações, e as frases podem ser construídas sem verbo; além disso, a terminologia refere-se constantemente, e de modo particularmente expressivo na sua singularidade musical, a um contexto ambiental (natureza) diferente do português. As tradutoras procuraram resolver esses problemas mantendo o formato poético, a estrutura rítmica, e sempre que possível a rima dos versos; além disso realizaram um trabalho se não exaustivo pelo menos muito completo de apresentação de informações e complementos por meio de notas. O convite a um desenhista – Rogério Ribeiro – bom conhecedor da cultura finlandesa, permitiu, através de ilustrações, ampliar o aspecto figurativo da linguagem, infelizmente, porém, o ilustrador faleceu antes de concluir sua obra, que, em alguns casos, ficou apenas nos esboços.

Os povos eslavos, e, em parte, os bálticos, são aparentados com os celtas e germanos, e suas culturas e, particularmente, as literaturas, têm muito em comum; mas os europeus fino-úgrios, como uralo-altaicos que são, têm afinidades mais afastadas. Porém a história e a vizinhança criaram tantas interferências e intercâmbios que não podemos considerar o Kalevala uma literatura distante: ele nos é próximo, e, se nas semelhanças, podemos com ele recuar a traços comuns meso e neolíticos, nas diferenças podemos destacar os componentes do mosaico cultural que compõe a humanidade.

João Lupi – Departamento de Filosofia – UFSC. E-mail: [email protected]

LÖNNROT, Elias. Kalevala. O poema épico finlandês. Introdução de Seppo Knuuttila. Tradução de Merja de Mattos-Parreira e Ana Isabel Soares. Desenhos de Rogério Ribeiro. Alfragide (Lisboa): Dom Quixote, 2013. Resenha de: LUPI, João. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.13, n.1, p. 120-124, 2013. Acessar publicação original [DR]

Novecento | INPP | 1999

Novecento

La prima uscita della rivista Novecento.org – Didattica dela storia in rete è del dicembre 2013, ma la sua storia risale al 1999 quando Antonino Criscione ha l’intuizione di affiancare a Italia contemporanea – storica rivista dell’Istituto Nazionale – uno strumento telematico. Si trattava di pensare a un modo diverso: «[…] di progettare e definire il rapporto con il «pubblico» e gli interlocutori del proprio lavoro di documentazione, ricerca, divulgazione storica […]. Il sito web è […] una presenza nuova […] non codificata […] che rappresenta già oggi un ambito di «uso pubblico» della storia» (A. Criscione, 2006).

È un’idea culturale definita e innovativa che si apre allo scenario da “frontiera inesplorata” che caratterizza il web e la digital history tra la fine degli anni Novanta e il Duemila. Il sottotitolo di allora – “Storie contemporanee. Didattica in cantiere” – sottolinea la centralità della didattica della storia nell’ambito delle attività dell’Istituto nazionale e della sua rete.

Dopo la morte di Criscione il progetto resta in cantiere per riemergere quando, nel 2012, la dirigenza dell’Istituto si pone l’obiettivo di dare rilievo al lavoro di rete delle sezioni didattiche degli istituti locali, soprattutto nella logica di incentivare momenti di lavoro comune.

Non a caso è proprio in occasione dell’organizzazione della prima Summer School nazionale di formazione docenti – diretta da Antonio Brusa affiancato da un gruppo di lavoro di docenti in distacco dal MIUR e dalla commissione scientifica dell’Istituto nazionale – a farsi strada l’idea di riaprire la rivista, nella quale far confluire i materiali prodotti dalle sezioni didattiche e dare loro maggiore visibilità e diffusione. La centralità degli strumenti informatici per diffondere idee, riflessioni, materiali, notizie è diventata, nel frattempo, una risorsa imprescindibile.

È un grande successo, testimoniato dal numero sempre crescente di lettori e di documenti scaricati per la consultazione.

La rivista, diretta fino al 2018 da Antonio Brusa, è stata in seguito affidata a un team di direzione costituto da Annalisa Cegna, Carla Marcellini e Flavio Febbraro che purtroppo è scomparso in modo tragico e improvviso nel luglio del 2019. Oggi Novecento.org è diretta da Agnese Portincasa coadiuvata dai vicedirettori Carla Marcellini e Enrico Pagano.

[Periodização quadrimestral]

[Acesso livre]

ISSN 2283-6837

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Velhas direitas e novas direitas: a atualidade de uma polêmica / Boletim do Tempo Presente / 2013

Apresentação

Em 2001 a equipe de pesquisa do Laboratório de estudos do Tempo Presente, da UFRJ, organizou e publicou a obra coletiva “Dicionário Crítico do Pensamento de Direita” (Rio de Janeiro, Editora Mauad, 2001). A edição deste vasto volume gerou, na ocasião, um amplo debate sobre a “atualidade”, menos de dez depois do colapso da União Soviética, da díade “Direita-Esquerda” para a compreensão do cenário político mundial e brasileiro. Depois da “Queda” do Muro de Berlin, em 1989, e subsequente colapso soviético com o fim da Guerra fria, não existiria mais nenhum sentido, ou utilidade teórica, na imagem “geográfica” surgida no interior da Assembleia Nacional durante a Revolução Francesa de 1789.

Contudo, tanto na época, quanto hoje, uma série de fenômenos históricos – desde a emergência do grupo dos chamados “neoconservadores” na esteira da vitória de George W. Bush, em 2001, o papel relevante do chamado “Tea Party”, até a constante reinvenção, ou ressurgimento, dos fascismos (incluindo aí o nazismo) em vários países da Europa (Alemanha, França, Itália, Noruega, Grécia, etc…) e, mesmo em países fora da Europa (como na Turquia, Argentina, Japão, etc…) demonstrariam a constante presença, no espectro político, da definição de um campo “da direita”. Duas advertências, no entanto, devem ser destacadas e analisadas com todo cuidado, evitando análises estereotipas e simples. De um lado, o chamado “campo da direita” é composto por uma gama extremamente variada, ampla, de formas e tendências. Neste sentido, devemos destacar que vários segmentos (auto)assumidos como “de direita”, como o “thatcherismo”, dentro e fora da Inglaterra, caracteriza-se, de forma muito clara, por uma completa adesão ao sistema de valores e às instituições representativas das democracias liberais. Mesmo com forte conteúdo antissocial e regressivo – como o corte de direitos sociais e de conquistas políticas – tais tendências políticas não propuseram a supressão da ordem representativa e, ou mesmo, abandonram o conceito de “liberdade” enquanto um símbolo de sua ação e propaganda política. Mesmo que tal “liberdade” fosse, invariavelmente, voltada para a supressão de direitos e para a melhoria da barganha política e econômica dos grupos dirigentes em fase do conjunto organizado e popular da sociedade (como no caso da tentativa de Margareth Thatcher “desmontar” o sindicalismo britânico e, simultaneamente, impor um sistema de impostas altamente regressivo, como o “poll tax”, nos anos de 1979-1990) ou, hoje, na União Europeia a ação regressiva da chamada “Troika”.

Contudo, reafirmamos, esta direita é parte fundante do espectro político do Estado liberal-representativo e não deve ser confundido e mesclado como formas autoritárias e liberticidas que também compõe o campo da direita, como em vários exemplos apresentados nos artigos que compõe este número da Revista do Tempo Presente. Assim, podemos destacar uma direita “tradicional” – os “Conservadores” britânicos, os Republicanos americanos ou o DEM no Brasil, com grupos – tais como o “Tea Party”, os “Die Republikaner”, na Alemanha, “Os Lobos Cinzentos”, na Turquia ou “A Aurora Dourada”, na Grécia, ou grupos religiosos no Brasil ou EUA, entre outros – que são, resolutamente, anti-institucionais, pretendem um Estado autoritário e liberticida. Estes, para além da “direita tradicional” operam na derivação fascista.

Outro ponto, que devemos destacar, é a inexistência, ao longo da história, de uma essência única no “campo da direita”. Embora alguns temas sejam repetitivos – como a supressão de direitos sociais, a liberdade do uso de armas e a diminuição dos direitos políticos – não podemos criar uma definição única “da direita” atual. Um exemplo clássico é aquele atribuído ao papel do Estado. Em alguns segmentos da direita tradicional ou da direita fundamentalista, como para os Conservadores britânicos ou o “Tea Party” norte-americano, o Estado será sempre um ente “totalitário” e incompetente, perdulário, na gestão da coisa pública – o exato contrário da noção que denominam de “liberdade”. Mas, em outros setores da direita, como nos grupos fascistas e da direita radical, e mesmo algumas ditaduras militares clássicas, o Estado é instrumento fundamental para a prosperidade e a realização dos objetivos “nacionais”, incluindo-se aí o dirigismo econômico. Outros temas, desde a gestão da economia até o grau de intervenção do Estado nos assuntos da vida cotidiana – educação, saúde, uso de armas etc… – há claras divergências. No entanto, temos temáticas que “fecham” uma ampla concordância no campo da direita. Trata-se, neste caso, de uma guinada comportamentalista que viria substituir uma análise essencialista do espectro político.

Assim, o direito das mulheres ao livre dispor do seu corpo e da gestação, a união civil de gays, a educação sexual nas escolas públicas, o sistema de cotas raciais e sociais merecem um ampla, e quase universal, condenação no campo da direita (embora, mesmo aqui, haja divergências, como no caso a união civil de gays que provoca um “racha” nos Conservadores britânicos). Na maioria dos casos, como no Brasil, Estados Unidos e França, a direita assume claramente a luta contra a ampliação dos direitos “sociais” dos novos grupos emergentes na sociedade.

Assim, hoje, a díade “Direita-Esquerda”, envolve um largo espectro de temas que abarcam desde o papel do Estado até temas que se voltam diretamente para o comportamento individual dos cidadãos. Temos aqui, ainda, uma importante novidade política e social: a emergência, como núcleo “duro”, das novas direitas, de grupos e instituições religiosas, que assumem um forte papel na organização de grupos de pressão, partidos ou frações de partidos contrários a ampliação dos direitos políticos, sociais e civis. Assim, na França ou na Espanha, católicos integristas, assumiram posições fortemente conservadores frente a questões como a união civil de pessoas do mesmo sexo e, em grande parte apoiados e estimulados pelo então papa Joseph Ratzinger, uniram-se a grupos igualmente fundamentalistas de adeptos das “novas igrejas televisivas” e, mesmo, de muçulmanos frundamentalistas. Nos Estados Unidos e no Brasil grupos religiosos ( por exemplo, a chamada “bancada dos evangélicos” ) são a ponta mais agressiva da nova direita, como no caso da atual crise da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, da recusa de qualquer forma de controle da venda de armas pelo “Tea Party” e sua ala “radicalizada” do Partido Republicano

No campo da direita, contudo, convive – e muitas vezes “empurram” as organizações e partidos da direita tradicional para posições radicalizadas e intolerantes – uma larga gama de chamados “neo” fascistas, com uma brutal ressurgência do ideário de extrema-direita. Segundo o escritor alemão Richard Herzinger o potencial de violência racista, contido no pensamento e ação da extrema direita, se funda precisamente onde faltam as estruturas da sociedade civil ou onde estas se encontram em ruínas. [3] Herzinger continua argumentando que tanto maior é o pânico, causado por estes grupos, quando o potencial latente de violência perpetrado por eles sai da superfície: um suicídio em massas aqui, um atentado com gás em um metro lotado, um ataque anônimo com bomba de fabricação caseira ali. A grande questão é que esses seguem sendo interpretados, em larga maioria, como casos isolados que não chegaria a representar um cenário mais contundente de ameaça. A ultradireita ressurgente do Nazismo é uma forma de expressão das mais radicais de um submundo que afirma e legitima sua presença na sociedade com o que podemos chamar de ‘ato violento’, seja ele físico ou verbal. Neste sentido, a expressão ressurgente ultrapassa os limites da ideologia e se transforma num comportamento político. O fenômeno da ressurgência dos fascismos está ligado, no tempo presente, a um agir político fascista, voltado para uma questão central que ainda identificamos como sendo a alteridade. Portanto, não é só a violência física que mostra a força destes movimentos, mas também seu poder discursivo de transformação do ethos político negando a possibilidade da diferença e da pluralidade na sociedade. Para nós, este debate caminha para uma reflexão bastante contundente de um paradoxo existente na nossa sociedade: como nos declararmos radicalmente contra os grupos extremistas sem trair o próprio modelo pregado no presente; a ideia de que não há nenhuma diferença na sociedade que não possa ser integrada? Não podemos negar que durante a década de ’90 e na primeira década do século XXI houve uma crescente expansão, sobretudo entre os jovens, do culto a violência, desapego aos valores do Estado de Direito e da democracia e o ódio xenófobo, sempre agravado em períodos de fortes crises econômicas. Há, de fato um fator preponderante no fomento a essas práticas de xenofobia e violência da ressurgência dos fascismos: a falta de reação social e institucional perante os crimes cometidos por tais grupos. Essa percepção de ‘impunidade’ é, deverás inaceitável dentro de sociedades democráticas.

No dia 13 de junho de 2012, o jornalista Maximilian Pop publica no influente jornal alemão Der Spiegel uma matéria intitulada Os Nazistas prosperam livremente em partes da Alemanha Oriental, onde retratava a ação de grupos de ressurgentes atuando em nome da antiga proposta Nacional Socialista. Maio de 2012, Saxônia, cidade de Bautzen. Dois homens agrediram um estudante colombiano com chutes e xingamentos. Em Hoyersweda [4], outro grupo de extrema-direita cercou o escritório de um dos membros do Parlamento alemão, Bundestag, quebrando as janelas e atacando fisicamente um dos funcionários. Em Limbach-Oberfrohna, outro grupo ressurgente atacou um centro de educação alternativa. Em Geithain, um exposivo foi acionado em frente à Pizzaria Bollywood, restaurante que tinha como proprietário um paquistanês.

Uma das entrevistadas pela matéria é Kerstin Krumbholz, de cinquenta anos, que resume os acontecidos em sua cidade com a seguinte expressão: o inferno é assim. Ela conta que tinha escolhido se mudar para a cidade de Geithain, aproximadamente a quarenta quilômetros de Leipzig, há dezenove anos, pois queria que seus filhos crescesse num ambiente mais seguro, longe da criminalidade e dos entorpecentes presentes com mais frequência nas grandes cidades. De qualquer maneira, para a família Krumbholz as ações ressurgentes não passavam de algo que se via e ouvia através dos noticiários, coisas do tipo incêndio nos asilos ou mesmo a entrada do Partido Nacional Democrático (NPD) em alguma câmara legislativa estadual. Essa realidade foi completamente alterada quando seu filho Florian, de quinze anos, foi atacado por um grupo extremista de uma maneira abrupta até entrar em coma e ter que ser submetido a diversos procedimentos cirúrgicos. Florian era membro de uma turma punk e foi atacado pelo grupo ressurgente num posto de gasolina em maio de 2010 e teve seu crânio perfurado por pancadas. Hoje o jovem vive com uma placa de titânio na cabeça e a família Krumbholz não mais reside na cidade de Geithain.

Este é apenas um exemplo dos diversos eventos ocorridos por ações de grupos extremistas no leste da Alemanha no presente. Estes acontecimentos nos questionam quase automaticamente sobre o porquê estudar as ‘direitas’ no século XXI? Qual seu significado? Há uma tipologia dessas direitas? O que a história apresentado como novas e velhas direitas no tempo presente? Um ponto fundamental neste questionamento é entender que não existe nem um só tipo ou um só modelo para categorizar os movimentos de ‘direita’. A ressurgência dos fascismos talvez seja sua expressão mais contundente, mas está longe de ser a única.

Esta edição foi pensada nesta perspectiva: como a história tem lido as novas e as velhas direitas? Porque temas como ódio, negacionismo e integralismo continuam na pauta de discussão sobre esse tema? Este volume esta dividido em quatro partes. A primeira direciona nossa atenção e estudos para a permanência e a reinvenção da direita fascista no tempo presente. O debate realizado pelos textos da professora Clara Góes e, em seguida, do historiador Luis Edmundo Moraes discutem sucessivamente a construção do ódio na história e a negação da política de extermínio nazista. Os pesquisadores Gisele Reiz e Jerônimo Filho se debruçam sobre as propostas e ideários do grupo extremista brasileiro, formado por ex-militares, Guararapes, cujo foco está na crítica a perda da nossa identidade nacional, usando como base o pensamento conservador, nacionalista, autoritário. O professor Jefferson Rodrigues Barbosa da UNESP trouxe a tona uma discussão sobre o que chamou de ‘herdeiros de Plínio Salgado’, uma análise do integralismo no tempo presente. Seu texto reafirma a tese de que o termo ‘neo’ nem sempre é suficientemente elucidativo quando falamos deste grupo extremista. O que teríamos aqui não seria necessariamente um ‘neo’integralismo, mas, uma ressurgência do fenômeno que busca sua base de legitimação no movimento existente nos anos ’30.

Na segunda parte da revista buscamos trazer ao público leitor pesquisas de fôlego sobre as experiências dos fascismos na América do Sul. Primeiro com o texto do professor Pedro Ernesto que se dedicou a uma análise da extrema direita durante a implementação da doutrina se segurança nacional no cone sul. Em seguida o historiador, docente da Universidade Federal do Amapá, Iuri Cavlak retoma a discussão do primeiro governo de Perón relativizando as perspectivas históricas que generalizaram a aproximação de Perón com o Nazismo. Num atual e instigante debate, o historiador sergipano, Dilton Maynard, apresenta um estudo da apropriação do ciberespaço por grupos de extrema direita na argentina no presente, apresentando os mesmos como aglutinadores da extrema direita na América do Sul através do uso das novas tecnologias.

Na terceira parte, as direitas no Brasil, os estudos aqui apresentados estão ligados a uma historicização destas direitas. Filipe Cazetta estuda a Ação Imperial Patrianovista – AIP procurando entender quais características deste grupo foi mantido pela Ação Integralista Brasileira – AIB. Já o historiador Carlos Leonardo Bahiense nos apresenta uma análise do fascismo japonês no Brasil através do caso Shindo Renmei, que o mesmo define como “uma estratégia de resistência face o nacionalismo autoritário estabelecido por Getúlio Vargas a partir da Campanha da Nacionalização.” Natalia dos Reis Cruz retoma a problemática da aproximação entre o governo Vargas e os fascismos. Seu foco está nas políticas de aproximação e de distanciamento em relação aos fascismos utilizando como ponto de referência a questão da identidade nacional. A professora Janaina Cordeiro escreveu sobre a memória militar sobre Emílio Médici e a ideia de que o mesmo era o nome ideal para contornar todos os problemas que o regime vivenciava. O pesquisador Gustavo Alonso se dedicou ao estudo da música popular durante a ditadura militar, em especial a música sertaneja. Seu foco não esta na canção de protesto, mas ao contrário, num tipo de música que em muito serviu ao regime civil-militar brasileiro. O estudo de Alonso está em ampla sintonia com a nova historiografia que estuda o consenso e o consentimento nas ditaduras civis-militares. O historiador Odilon Caldeira apresenta um estudo sobre as apropriações da memória pela direita. O centro de gravidade de seu texto está nas relações conflituosas entre a memória e a história e as diversas estratégias políticas de três tipos específicos de iniciativas de direita: a Ação Integralista Brasileira, a Aliança Renovadora Nacional e o Partido da Reedificação da Ordem Nacional.

Por fim, apresentamos duas resenhas acadêmicas: uma voltada para a análise do filme A Onda, discutindo a adesão aos grupos de extrema direita e a sedução do fascismo e outra, sobre o livro da historiadora Janaina Cordeiro, Direitas em Movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil, que enfoca a reconstrução da memória social da ditadura civil militar brasileira quebrando o mito de uma sociedade resistente ao regime.

Assim, procuramos nesta edição apresentar aos leitores (as) pesquisas de fôlego, de historiadores especialistas em áreas especificas que se unem num debate sobre as ‘velhas’ e as ‘novas’ direitas no Brasil e no mundo.

Notas
3. HERZINGER, Richard. DIE Zeit. 2000.

4. Todas as cidades citadas neste parágrafo estão localizadas na Saxônia no leste da Alemanha.

Francisco Carlos Teixeira Da Silva – Professor Titular de História Moderna e Contemporânea da UFRJ

Karl Schurster – Professor Adjunto de Teoria e Metodologia da História da Universidade de Pernambuco. Doutor em História Comparada pela UFRJ.

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Alemanha-Brasil: as pesquisas no Instituto de Estudos Latino-Americanos / Boletim do Tempo Presente / 2013

Apresentação

A Revista Eletrônica do Tempo Presente/IUPERJ apresenta ao público mais uma edição. Este volume traz o dossiê intitulado Alemanha – Brasil: as pesquisas no Instituto de Estudos Latino Americanos, que reúne artigos de professores e pesquisadores do Instituto de Estudos Latino-Americanos (LAI) da Freie Universität Berlin. Este renomado instituto, fundado em 1970, tem como sua principal característica a interdisciplinaridade. O LAI é o maior centro de pesquisa em América Latina na Alemanha sendo um dos maiores da Europa. Sua estrutura agrega os seguintes campos disciplinar: antropologia cultural e social, estudos de gênero, história, literaturas e culturas latino-americanas, ciência política, economia e sociologia. No ano de 2010 foi fundando no LAI o Centro de Pesquisas Brasileiras (forschungszentrum brasilien) com o objetivo de desenvolver projetos de pesquisa sobre a inserção do Brasil no cenário mundial. Além disso, foi inaugurada na instituição, em 2012, a Cátedra Interdisciplinar Sérgio Buarque de Holanda que teve como primeiro pesquisador o historiador Jurandir Malerba da PUC-RGS. Nesse sentido, integrado com as comemorações do ano da Alemanha no Brasil e através de longa parceria com a Freie Universität, a Revista Eletrônica do Tempo Presente, indexada no qualis da Capes, convidou o catedrático de América Latina do LAI, prof. Dr. Stefan Rinke, para organizar um dossiê, juntamente com o prof. Dr. Karl Schurster (Universidade de Pernambuco), composto por quatro artigos, sobre as pesquisas que estão sendo realizadas no instituto sobre a América Latina, dando maior ênfase ao Brasil.

O dossiê inicia com o texto da professora Debora Gerstenberger (LAI/FU/Berlin) intitulado Globalising Brazilian History: The Case of D. João VI in Brazil, que nos remonta a instalação da corte portuguesa no Brasil no início do século XIX. O instigante texto da professora Gerstenberger nos aponta que por mais estudado que este fato possa ser no Brasil, ainda é muito desconhecido pela comunidade acadêmica internacional, sobretudo pela sua singularidade: a implantação da capital de um império numa colônia. O pesquisador Frederik Schulze (LAI/FU/Frederich Meinecke Institut/Berlin) no artigo, Imigrantes Alemães entre a participação e o papel de vítimas: A transformação de Leopoldina em heroína da independência Brasileira, se debruçou sobre as memórias do processo de independência do Brasil dando ênfase a imagem construída sobre a primeira imperatriz brasileira, Leopoldina como ‘figura heroica’. A pesquisa de Schulze está focada em estudar como diferentes grupos lidavam com a memória homogênea do processo de independência através do estudo de caso da imagem da imperatriz Leopoldina, construída arquetipicamente como a ‘mulher tolerante alemã’. A pesquisa que vem a seguir, mostra e reafirma a natureza interdisciplinar do LAI. Stefan Rinke, no texto Constructions of Femininity and the ‘American Way of Life’ in Latin America in the Early 20th Century: The Case of Chile, faz um sistemático estudo sobre o feminismo no Chile mostrando sua relação com o movimento macro, mundial e suas peculiaridades locais. Seu texto, além de uma narrativa leve e agradável, apresenta um grande rigor teórico e metodológico. Constrói sua hipótese defendendo a ideia de que as feministas chilenas, apesar de opiniões políticas distintas, lutaram por uma forma bastante peculiar de identidade feminina que difere largamente dos modelos estrangeiros. Rinke, baseado amplamente em fontes, traçou um panorama da construção da feminilidade e influência dos EUA, através do American way of life, na sociedade chilena. O professor Georg Fischer no ensaio A crise ecológica na América Latina e a história ambiental, nos provoca fortemente a refletir sobre como a perspectiva histórica poderia contribuir para o entendimento da crise ecológica atual, em especial na América Latina. Além de trazer uma ampla e densa discussão sobre o conceito de crise e um debate historiográfico sobre o nascimento da história moderna ambiental, tanto na Europa quanto na América Latina, o texto de Fischer se localiza dentro da chamada história do tempo presente incluindo na pauta do historiador a tão defendida pelo professor François Bédarida, responsabilidade social.

Além do núcleo central, baseada nos artigos de pesquisadores alemães, a edição também conta com a colaboração de pesquisadores brasileiros através de textos sobre a obra do naturalista alemão von Martius, sobre o aclamado filme Cabaret (1972), que retratou o cenário sociopolítico da Berlim do início dos anos ’30 do século passado, e, um perfil biográfico de um dos mais importantes escritores alemães do século XX Thomas Mann.

Assim, os esforços da equipe da Revista Eletrônica do Tempo Presente em estabelecer parcerias, redes de trabalho, através de projetos de cooperação com as mais importantes e renomadas instituições de pesquisa no mundo reflete amplamente nas contribuições que ora apresentamos nesta edição.

Stefan Rinke – Freie Universität Berlin
Karl Schurster – Universidade de Pernambuco

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História e Historiografia da África no Brasil / Boletim do Tempo Presente / 2013

Apresentação

Com enorme satisfação, organizamos e, agora, apresentamos o Dossiê “História e Historiografia da África no Brasil” da Revista Eletrônica do Tempo Presente, publicação do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os artigos e as resenhas aqui contidos são uma pequena amostra da significativa produção historiográfica sobre África produzida no Brasil, realizada por doutores, doutorandos, mestres e mestrandos: fato esse que cada vez mais afirma os estudos africanos em nosso país.

Resolvemos abrir o conjunto temático da revista com o artigo do pesquisador Amailton Azevedo, pois descortina a partir de uma situação familiar – um diálogo entre ele e sua filha – uma reflexão sobre os estereótipos e preconceitos que pesam contra as sociedades e culturas africanas, demonstrando como eles são paradoxalmente e, ao mesmo tempo, muito antigos e também contemporâneos. Denuncia, o articulista, como os paradigmas aviltantes sobre o homem africano penalizaram a sua história no sentido de conquistar um lugar legítimo no mundo acadêmico. Porém, esses não estão presentes apenas no mundo “científico”, internalizaram-se quotidianamente nos corações e mentes dos brasileiros, dos africanos e dos afrodescendentes. Retoma-se, no escrito de Azevedo, o que existe de original, diferente e libertador nas culturas africanas. Entretanto, a África não é uma terra idílica, onde tudo se apresenta bom e perfeito, mas uma terra humana com valores e desvalores específicos como todos os outros continentes.

O artigo Imagens da África: entre a violência discursiva e a produção da memória de Amailton Azevedo fornece, portanto, uma base reflexiva para que aprofundemos como o Brasil construiu um saber, do ponto de vista das Ciências Naturais, sobre a África desde os fins do século XVIII, acoplado aos interesses das Humanidades e da Economia. Vemos no texto do Professor Sílvio Marcus de Souza Correa como, na ilustração brasileira, já estavam presentes alguns dos estereótipos e preconceitos analisados por Azevedo. Na narração de Primeiras contribuições do pensamento ilustrado brasileiro a uma história da África, Correa ressalta a visão dos nossos naturalistas viajantes se inserir no senso comum de então – só de então? – de que a religião dos negros era fanática e supersticiosa, seus hábitos indisciplinados, preguiçosos ou vadios, pouco zelosos em suas habitações, sendo até praticantes de antropofagia! Como vemos a longa duração braudeliana – mais que quinto secular – das intolerâncias em relação ao continente africano são ratificados por esses dois brilhantes articulistas, abrindo nossas sensibilidades para as leituras que nos propicia esse Dossiê.

Bruno Rafael Véras de Morais e Silva, no artigo A Medicina Empírico-Metafísica dos Tsonga do Sul de Moçambique: Arte Médica, Magia, Doença e Cura através da obra do missionário suíço Henri A. Junod, traz-nos a visão desse suíço, missionário e médico, da virada do século XIX para o XX, que fora para o meio dos Tsonga em Moçambique, objetivando produzir novos sujeitos negro-africanos mais afáveis e submissos aos homens brancos. Nessa tarefa, conjugou o aprendizado da língua desses povos com a passagem dos textos sagrados cristãos para esse idioma africano; relatou e classificou os seus costumes e “criou”, para o saber colonial, a etnia Tsonga, ao arquitetar-lhe um etnônimo e traços diacríticos. Silva mostra como os brancos estavam gerando novos sujeitos africanos na religião, na cultura e na etnologia, conjugando, na ação do missionário-etnólogo Junod, sentidos científicos e práticos, um exemplo do conhecer para estabelecer poderes, ou seja, do saber-poder. Em suas diferenciações entre Magia e Religião, Junod, na construção de seu saber sobre os Tsonga, estabeleceu as hierarquizações inferiorizantes para o que é culturalmente africano.

Dando sequência a essa relação entre biografia e história, Antonio Evaldo Almeida Barros traz-nos agora John Dube e os Desafios da Segregação na África do Sul. O personagem Dube, um zulu proeminente, educado em escola em que se proibia falar sua língua zulu, escreveu, talvez em resposta a essa interdição, o primeiro romance nesse idioma. Esse homem, que em si hibridiza diferentes tradições – a zulu e a ocidental-cristã -, foi marcado profundamente por essas influências em suas ações, tornando-se assim um ardoroso promotor da ascensão social do negro sul-africano. Após a crise do sistema político segregacionista, tornou-se uma figura reabilitada em plenitude por suas ligações com o Congresso Nacional Africano. O texto de Barros, portanto, é uma manifestação de que as trajetórias humanas não são feitas sempre por coerências e as contradições são mais constantes do que queremos. Dube, crítico às relações de submissão da mulher ao androcentrismo nas sociedades sul-africanas, postulou a equiparação hierárquica dos gêneros posição à frente de sua época. Pediu representatividade no governo para os negros sulafricanos, revelando a luta desses por uma política que lhes reconhecesse direitos. Ao acusar os brancos racistas por sua política de aviltamento econômico, cultural e social dos negros, não eximiu os últimos de serem também responsáveis por algumas de suas mazelas. Ou seja, conhecemos um personagem complexo como as relações sociorraciais da África do Sul do seu tempo.

As narrativas missionárias na Zâmbia são trazidas ao nosso exame por Jefferson Olivatto da Silva, ressaltando a importância documental desse tipo de relato, alertando-nos para sempre analisar os fatos aí expostos, levando em conta os filtros ideológicos, em especial religiosos, que perpassam os documentos. Entretanto, a riqueza de descrições sobre o quotidiano que esses escritos – muitas de caráter prosaico como caçadas, doenças, brigas entre outros – é de suma relevância. Seu artigo A Dupla Sondagem para interpretar as Narrativas Missionárias Católicas na Zâmbia também traça-nos uma tipologia dos textos missionários, marcando as características e a relevância desse tipo de fonte.

O belíssimo texto de Robson Dutra, O Brasil na África, a África no Brasil, reata ambas as margens do Atlântico sul, assim como relembra-nos de sua continuidade com o Índico, assinalando a influência da literatura brasileira nas literaturas de Angola, Cabo Verde e Moçambique, não só em seus movimentos e órgãos de divulgação fundantes, assim como em suas mais recentes gerações de escritores. Afinal, o Brasil surge como modelo alternativo às normas estéticas e linguísticas que emanam da metrópole e ajuda a germinar novidades rebeldes nas caçulas literaturas coirmãs.

Ao se voltar para o trabalho intelectual de um dos escritores africanos, o artigo Pepetela: Fragmentos de uma trajetória retoma essa inspiração do Brasil na formação literária do renomado escritor angolano e, entrelaçando história e biografia, analisa fragmentos de um depoimento de Pepetela em 2008. Esses extratos relatam momentos da infância e juventude do ainda anônimo Artur Pestana, as influências culturais sofridas em tenra idade, o meio social e cultural benguelense, seus estudos na metrópole, sua adesão política ao MPLA, seus amores e desafetos com esse movimento político. Revelando esses entrecruzamentos do pessoal com o social, afirma-nos, o articulista, sem o dizer, que a vida e a obra se amalgam, fazendo surgir uma diversidade polifônica. Afinal, um suposto sujeito unificado não é senão entrelaçamentos de vidas de si e de outros, vivenciadas na prosa e no prosaico? Portanto, um não à morte do autor.

Entre o livro, a enxada e a Kalashnikov de Luiz Guimarães Sousa revela os nexos construídos entre cultura, política econômica e “revolução”, nos quais a primeira subordina-se aos interesses das segundas. Essas simbioses envolvem tanto a bandeira do Estado quanto o projeto de construção política de Moçambique, que muitas vezes misturaram e confundiram a identidade nacional em projeto e a identidade nacional em processo. Esse “homem novo” moçambicano projetado não parece ter sido entendido ou querido por todos os nacionais em formação.

Transportando-nos para a margem de cá do Atlântico, Mauro Marques faz-nos reler as notícias da imprensa sul rio-grandense sobre a morte do Presidente Agostinho Neto, tornado herói máximo no panteão erigido pelo Estado Angolano, apontando alguns limites de informação e de interpretação da mídia imprensa sul rio-grandense, no seu tentar recuperar o que realmente aconteceu.

No artigo Na “Rainbow Nation”: Mudanças Legislativas e Reforma da Terra, Viviane Barbosa presenteia-nos com uma análise detalhada de como as leis sobre a terra foram importantes para construção do Apartheid e como a manutenção das propriedades por elas constituídas mantêm a desigualdade no pós-Apartheid. Logo, alerta-nos que a retirada da apartação jurídica não foi total na África do Sul, pois as regras constituintes da propriedade agrária deixaram os seus frutos vingentes apesar das leis compensatórias para os negros sul-africanos, após a derrocada do regime racista. A reforma agrária antidiscriminatória tem sido lenta na terra de Mandela, apontando que o regime de apartação de certo modo ainda persiste sob a face da nova democracia.

A visão holística e articuladora de Larissa Gabarra sobre a situação da África no contexto histórico após a década de 1970, permeado pelo entardecer da Guerra Fria e o emergir da panaceia neoliberal, permite-nos ter uma visão panorâmica nesse dossiê pejado por pesquisas verticalizadas. A autora não só reflete sobre as direções políticas tomadas pelos governos africanos e pelas grandes potencias, indicando os seus reais interesses e equívocos, como fornece-nos os limites e os descasos na construção dos Estados Nacionais Africanos. Abre-nos também um descortinar sobre as relações Brasil e África, suas possibilidades e entraves. Somos, aqui nesse dossiê, contemplados por uma concepção de conjunto em uma produção científica que cada vez mais se especializa. Todavia, essa abordagem, ao buscar uma totalidade, relembra as articulações existentes aos especializados e sintetiza pedagogicamente os conhecimentos para os novatos no campo. Logo, artigos como esses são muito úteis.

Esse dossiê se finda com duas resenhas magistrais. A primeira foi escrita por Murilo Sebe Bon Meihy sobre o livro recentemente lançado pela pesquisadora Patrícia Teixeira Santos, intitulado Fé, Guerra e Escravidão: uma históriada conquista colonial do Sudão. Sobre a importância deste livro dentro da historiografia brasileira sobre a África, deixamos que as sensíveis e inteligentes palavras de Meihy o façam, pois seria muita pretensão desse apresentador pretender aqui fazer melhor. Contudo, ressaltamos, na resenha, a beleza da narrativa, que não devia ser estranha à História, fato, sempre por nós, historiadores, desejado, mas nem sempre alcançado. O poder instigador do texto que, mais do que resumir, nos faz desejar ler a obra original: eis supremo e ambicionado escopo de toda resenha!

A segunda resenha de Mariana Schlickman percorre cada capítulo do livro coletivo África e Brasil no mundo moderno, organizado por Vanicléia Santos e Eduardo Paiva, incitando-nos a curiosidade sobre esse notável balanço sobre as relações demográficas, econômicas e culturais entre as populações africanas e o Brasil, no período em que esses nexos são regrados pela escravidão. Os autores deste livro fazem parte da melhor plêiade de especialistas existente em nossa historiografia sobre esse extenso período da história africana e também brasileira.

Em suma, este dossiê é, antes de tudo, indiciador de tendências que se estabelecem na atual historiografia brasileira sobre a África. Primeiro, o surgimento de inúmeras pesquisas fora do âmbito da África de colonização portuguesa. Segundo, a pluralidade e diversidade das fontes, de objetos e abordagens utilizadas por essa historiografia. Terceiro, testemunha uma nova etapa já descortinada para a História da África no Brasil, sinalizada pela maturidade, profundidade e riqueza das pesquisas. Estamos aqui, nesta coletânea, dando mais um passo no rompimento do eurocentrismo de nossos currículos e um espaço para novos continentes em nosso saber além da Europa e das Américas. Dessa forma, estamos quebrando multisseculares preconceitos de uma episteme. Por fim, resta desejarmos aos leitores uma deliciosa viagem por essas Áfricas.

Notas

Agradeço a leitura e críticas da Prof. Dr. Fátima Machado Chaves a este texto e aproveito o momento para indicar meu e-mail para que possamos estabelecer diálogo com os leitores: [email protected]

Silvio de Almeida Carvalho Filho – LEÁFRICA/PPHGC/IH/ UFRJ)

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Venezuela no Tempo Presente / Boletim do Tempo Presente / 2013

Apresentação

Com enorme satisfação apresentamos o Dossiê “A Venezuela no Tempo Presente” da Revista Eletrônica Boletim do Tempo Presente, uma publicação do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, financiada pela Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) através do projeto “Caminhos da Integração Sul-americana”. Os artigos e as resenhas desse número demonstram, de forma sucinta, a produção historiográfica sobre a Venezuela produzida no Brasil, realizada por docentes e discentes de distintas Instituições de Ensino.
Entre 1999 e 2013, a política sul-americana foi marcada pela onipotente presença de Hugo Chávez (1954-2013). O carismático líder venezuelano liderou um processo transformador que influenciou os demais países sul-americanos, fosse pelo apoio ou pelo repúdio as suas propostas.

Com Chávez, a democracia participativa e “protagônica”, a integração da América Latina, o Socialismo do Século XXI, o antineoliberalismo e o anti-imperialismo passaram a fazer parte do vocabulário político da região no início deste século. Com isso, movimentos sociais e partidos políticos de esquerda tiveram em tais bandeiras os referenciais para suas lutas contra os poderes estabelecidos em seus países.
Além disso, Hugo Chávez colocou a Venezuela no centro da geopolítica mundial. O país deixou ser reconhecido internacionalmente apenas pelo petróleo, pela beleza de suas praias caribenhas e por suas mulheres (vide os títulos do país nos concursos de Miss Universo!). As posturas internacionais de Chávez e da sua diplomacia, que não se limitaram à defesa da integração sul-americana, chegando a questões de interesse internacional, que fizeram com que o país se tornasse um ator central em inúmeros debates globais.

O fortalecimento da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), o repúdio às intervenções norte-americanas no Afeganistão e Iraque, as críticas às posturas israelenses com os palestinos, a defesa global do meio-ambiente, entre outros, consistiram em exemplos da ação externa venezuelana durante a presidência “do Comandante”.

Destacaram-se, também, os enfrentamentos aos líderes de países considerados imperialistas por Chávez. O seu discurso na ONU em janeiro de 2007, no qual chamou o ex-presidente norte-americano George W. Bush de “Diabo” e as provocações ao rei espanhol Juan Carlos durante a Cúpula Ibero-Americana em novembro do mesmo ano, que gerou a reação do monarca espanhol com a frase “Por que no te callas?”, se tornaram os principais exemplos do estilo irônico e provocador utilizado pelo ex-presidente venezuelano na relação com os líderes de países considerados imperialistas.

Internamente, Chávez implantou medidas e realizou propostas que influenciaram partidos políticos e movimentos sociais de países latino-americanos. A defesa da democracia participativa, a refundação nacional por meio de Assembleias Constituintes e o novo socialismo entusiasmaram ativistas políticos de outras nações, principalmente, da Bolívia e Equador, que viram em Chávez a sua grande referência.
Durante o seu governo, a Venezuela mudou socialmente em razão da efetiva distribuição de renda, como veremos nos artigos dessa edição, e fortaleceu a sua democracia. Em 2013, 87% dos venezuelanos apoiam a democracia, índice que era de 60% em 1998, ano em que Chávez foi eleito, segundo relatório do Latino Barômetro divulgado em novembro de 2013.[i]

Os últimos meses foram marcados pela inércia do governo de Nicolas Maduro, que transpareceu a sensação de paralisia pelos efeitos da crise econômica e pela apertada vitória contra Henrique Caprilles nas eleições de abril de 2013. A proposta de Lei Habilitante indicada pelo presidente e aprovada em novembro último pelo parlamento materializou o desejo do governo Maduro de fortalecer a capacidade de intervenção estatal em áreas consideradas estratégicas. Com isso, o presidente venezuelano poderá governar por decretos durante 12 meses em questões referentes à corrupção e na área econômica.[ii]

Cremos que a Lei Habilitante marcou uma primeira diferença entre os estilos de Chávez e Maduro. O primeiro, provavelmente, buscaria um referendo popular para a aprovação dessa lei, haja vista que a oposição ao governo bradou nos últimos meses que o chavismo estava perdendo força.

Ao invés de realizar uma consulta popular, que em um cenário de vitória fortaleceria a presidência, o governo institucionalizou o debate, aprovando-o no parlamento de maioria psuvista. Com isso, Maduro perdeu a oportunidade de demonstrar a possibilidade de existência de um “chavismo sem Chávez”, algo que de certa forma se desenhou nas eleições municipais de 08 de dezembro. Esta foi marcada por mais uma vitória eleitoral do chavista Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) com aproximadamente 49% dos votos contra 40% da Mesa da Unidade Democrática (MUD), liderada pelo ex-candidato presidencial Henrique Caprilles.[iii] O presente número da Revista Boletim do Tempo Presente debate a Venezuela de Hugo Chávez e as possíveis continuidades do fenômeno do chavismo. Sem dúvida, o presidente ingressou na lista dos grandes líderes políticos latino-americanos e já tem seu nome gravado na história da região, o que faz com que a análise das causas e implicações do fenômeno seja necessária para os que acompanham o Tempo Presente da América Latina.

Esta edição é composta por onze artigos de professores de diversas Instituições de ensino do Brasil e da Venezuela. Conta também com resenhas de dois livros e de um filme, além dos perfis de Nicolas Maduro e Diosdado Cabello, duas das principais lideranças do chavismo após o falecimento de Chávez.
A revista está organizada em cinco seções. Na primeira, apresentamos as contribuições dos professores André Coelho, Claudia Wassermann e Wagner Pinheiro. Esses artigos debatem a instabilidade institucional na América Latina ao longo do século XX e uma das expressões desse fenômeno: a ascensão de lideranças políticas que personificam sujeitos políticos coletivos.

Os artigos desta parte tratam, ainda, das razões que tornaram Hugo Chávez a expressão das insatisfações políticas dos venezuelanos com o Pacto de Punto Fijo, que estabeleceu os parâmetros da democracia venezuelana entre 1958-1998. Para eles, a transformação de Chávez em mito político decorreu, entre outras causas, do apoio ao protagonismo popular por meio da democracia participativa. Neste sentido, Chávez contribuiu para o fortalecimento das instituições democráticas venezuelanas ao reinventar o agir político venezuelano.

A segunda seção é composta por artigos dos professores Felipe Ador, Mariana Bruce e Wallace Moraes, que se dedicam a exemplificar duas questões chaves para refletirmos o chavismo: a democracia participativa e a proposta do socialismo do século XXI.

Nos artigos de Mariana Bruce e Felipe Ador, observamos a construção da democracia participativa, elemento fundamental para a proposta do socialismo do século XXI. Para ambos, a demanda por participação era uma bandeira do movimento social antes da eleição de Chávez em 1998. O grande mérito do presidente foi, assim, apoiar a sua implantação após a eleição. As análises da democracia participativa ocorreram nos artigos a partir dos estudos, respectivamente, dos Consejos Comunales e da implantação da democracia participativa no Município venezuelano de Torres, no Estado Lara.

Já Wallace Moraes apresenta uma análise da democracia participativa e do socialismo do século XXI. O autor discorre sobre as principais políticas públicas do chavismo e a proposta do socialismo do século XXI, comparando-a com outras vertentes do socialismo. Além disso, ele aponta duas possibilidades de interpretação para o chavismo: o seu caráter legalista e a definição de capitalismo de las calles para o fenômeno em razão das reformas sociais do governo em consonância com as reivindicações populares.

A terceira parte traz os artigos das professoras venezuelanas Maria Hernandez Barbarito e Francis Lopes e do professor Vicente Neves. Os seus textos refletem sobre a dependência venezuelana em relação à exploração de petróleo, as disputas internas em torno do controle da exploração desse hidrocarboneto e o seu uso pela diplomacia venezuelana para o desenvolvimento da integração latino-americana. É dada uma especial atenção à proposta chavista da Alianza Bolivariana das Américas (ALBA), que propõe um modelo de integração de laços solidários e cooperativos, diferenciado dos que predominam na América Latina.

A quarta seção é dedicada ao debate das políticas externa e de defesa da Venezuela de Chávez. O artigo do professor Leonardo Valente discute a política externa de Chávez, demonstrando as rupturas e continuidades em relação à política externa do país na segunda metade do século XX. Segundo ele, a política externa de Chávez não rompeu com aspectos da diplomacia venezuelana puntofijista, tais como: fortalecimento da OPEP, independência na política externa e defesa da integração latino-americana.
Já o texto do professor Ricardo Cabral, também incluído nessa seção, tem como ponto central a questão da política de defesa de Hugo Chávez. Para tal, o autor analisa as transformações nas Forças Armadas, as dinâmicas de integração e segurança sul-americanas. Além disso, há uma abordagem sobre os principais contenciosos dos venezuelanos com os seus vizinhos sul-americanos.

Por fim, a quinta seção está dividida em resenhas e perfis. Há resenhas dos livros “El Código Chávez” e “Todo Chávez: De Sabaneta al socialismo del siglo XXI” que retratam momentos relevantes do chavismo, a análise do filme “Ao Sul da Fronteira”, do cineasta Oliver Stone, e os perfis de dois dos principais nomes do chavismo pós Chávez, Nicolas Maduro e Diosdado Cabello.

Boa Leitura!

Notas

[i] Informe Latino Barômetro 2013. Disponível em: http://www.latinobarometro.org/latNewsShow.jsp Acesso: Nov/2013.

[ii] Revise el contenido de la Ley Habilitante. Disponível em: http://www.el-nacional.com/politica/Contenido-Ley-Habilitante_0_283171683.html Acesso: Nov/2013.

[iii] Sobre os resultados preliminares das eleições municipais de 08 de dezembro, ver: Venezuela: partido de Maduro vence eleições municipais, mas perde terreno para oposição. Disponível em:http://oglobo.globo.com/mundo/venezuela-partido-de-maduro-vence-eleicoes-municipais-mas-perde-terreno-para-oposicao-11009697 Acesso: Dez/2013 e 10 curiosidades numéricas que dejó el 8-D. Disponível em:http://www.ultimasnoticias.com.ve/noticias/actualidad/politica/10-curiosidades-numericas-que-dejo-el-8-d.aspxAcesso: Dez/2013.

Rafael Pinheiro de Araujo

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Replanteando el desarrollo: Modernidad indígena e imaginación moral – GOW (A-RAA)

GOW, David D. Replanteando el desarrollo: Modernidad indígena e imaginación moral. Bogotá: editorial Universidad del Rosario, 2010. Resenha de: TOCANCIPÁ-FALLA, Jairo. Antípoda – Revista de Antropolgía y Arqueología, Bogotá, n.16, jan./jun., 2013.

Hasta hace un poco más de dos décadasla idea de desarrollo seguía siendo un principio de cambio generalmente aceptado en ámbitos tanto académicos como no académicos. Sin embargo, en las últimas décadas las revisiones críticas que adelantaron variados estudiosos sobre el tema (Escobar, 1984, 1988, 1992a, 1992b, 1995, 1997; Ferguson, 1994; Ferguson et al., 1990; Frederique y Marglin, 1990; Sachs, 1992) marcaron un nuevo hito que resquebrajó los cimientos de este discurso y práctica dominante, proponiendo nuevas formas alternas a dicho ideario. El espíritu del momento es representado en la expresión de Sachs: “La idea del desarrollo permanece hoy como una ruina en el paisaje intelectual. Su sombra opaca nuestra visión” (Sachs, 1992: 1, mi traducción). Pero el pesimismo de la época ha trascendido en años recientes a una visión más esperanza-dora y transformadora respecto a la idea obsoleta y dominante inicial.

El trabajo del profesor Gow parece corresponder a esta última tendencia, aunque sin abandonar en buena medida el espíritu crítico que se dio en aquel momento inicial de escepticismo. Ciertamente, el autor ahonda en lo que Escobar denominó “la crisis del modelo del desarrollo’, pero desde una perspectiva específica centrada en la “evaluación crítica de las prácticas locales del desarrollo” en los nasa, una de las poblaciones indígenas más destacadas en el departamento del Cauca y el país, no sólo por su número sino por lo significativo de su lucha histórica que vienen librando contra el Estado colombiano y frente a otros actores como los terratenientes, la guerrilla y los paramilitares.

Más específicamente, su análisis se enfoca en procesos de reasentamiento que involucran a tres comunidades que se vieron afectadas por un sismo-avalancha que devastó parte del nororiente del Cauca en 1994 y que implicó su reubicación en diferentes pisos térmicos, unos afines con sus lugares de procedencia y otros no tan afines. Cada uno de ellos siguió un patrón de reubicación que siguió la orientación que mantenían en Tierra-dentro, lugar de origen, en el nororiente del Cauca, y que se proyectó en otros lugares en el Cauca y en el departamento vecino del Huila: el caso de Tóez Tierradentro se reubicó más hacia el norte del departamento del Cauca, en un nuevo lugar que llamaron Tóez Caloto (municipio de Caloto); el que le seguía a Tóez, un poco más hacia el sur, en Tierradentro (caso de San José), se reubicó hacia el centro del departamento con el nombre de Cxayu’ce (municipio de Cajibío), y finalmente, el que se encontraba más al sur de Tóez Tierradentro (caso de Vitoncó, cuna del líder mítico Juan Tama), se reubicó hacia el suroriente del Cauca, más precisamente, en el occidente del departamento vecino de Huila, con el nombre de Juan Tama.

El proceso de reasentamiento se documenta y discute a la luz de los procesos educativos y de adaptación que se dieron en las tres comunidades; el desempeño de la Corporación Nasa Kiwe (CNK), agencia del Estado que contribuyó al proceso de reasentamiento de las poblaciones afectadas; el papel de líderes carismáticos nasas como Álvaro Ulcué y la lucha continuada que libraron líderes como Manuel Quintín Lame, los quintines -grupo armado indígena de comienzos de los ochenta del siglo pasado y que retomó las banderas de Lame desde una perspectiva de la defensa armada de su territorio-, y el consecuente proceso de reinserción y participación en la Asamblea Nacional Constituyente; la creación de “La María” (municipio de Piendamó, centro del departamento del Cauca) como espacio social y político que sirve de “foro para la difusión de las ideas en todo el departamento” (p. 256), y el plan alterno del primer gobernador indígena (guambiano) en la historia de Colombia, Floro Tunubalá.

Dado que el proceso de reasentamiento implicó una serie de oportunidades sociales y económicas para los nasa, Gow se ocupa de informar sobre cómo las tres comunidades asumen y recrean dichas oportunidades a la luz de su historia, sus intereses y expectativas. Para ello, la idea del desarrollo y su técnica -la planificación- aparecen como herramientas que son moldeadas por ellos mismos para dar cauce así a su horizonte de cambio, pero también de reafirmación de sus derechos, de su propia condición de indígenas, pero además, en palabras del autor, de “ciudadanos culturalmente diferenciados”. La idea de un “replanteamiento del desarrollo” -como una forma de “contradesarrollo”- que revela ciertas modernidades indígenas e imaginación moral -paradójicamente, derivada de la Ilustración pero asumida en los propios términos de los nasa- se estructura en el libro en seis capítulos, sin contar la introducción y las conclusiones.

En la introducción, Gow presenta el argumento de fondo centrándose en cómo se ha discutido el desarrollo y cómo, para algunos autores -y contrario a lo planteado por Escobar y Ferguson-, la idea sigue viva “lo queramos o no”. Al respecto, examina el vínculo entre desarrollo y modernidad en plural, su alternatividad, su moralidad y la importancia de estudiar su discurso, aspectos que se relacionan con el nivel de compromiso que debe asumir el investigador con sus interlocutores. Enseguida presenta alguna información básica introductoria sobre el Cauca indígena y los casos de reasentamiento que examinará a lo largo del texto. Ello configura la discusión dialéctica que existe entre desarrollo, cultura y tradición, y el problema del cambio de fondo que muchas comunidades rurales enfrentan en el mundo contemporáneo. Basado en el trabajo de Escobar (1995), discute la relación entre desarrollo, tres formas discursivas y resistencia. La primera forma es el “imaginario democrático”, el cual se centra en categorías como “justicia económica y social, derechos humanos y la igualdad de clase, género y etnia” (p. 32); la segunda alude al “discurso de la diferencia”, que, como su denominación lo sugiere, se enfoca en valores como la particularidad cultural, la autodeterminación y la autonomía; y finalmente, se encuentra el discurso del “antidesarrollo”, que plantea esquemas alternativos al convencionalmente establecido. Si bien los casos tratados por el autor se relacionan con la interrelación de las tres formas discursivas, él aclara que el último, en su criterio, está mal denominado, pues “las alternativas propuestas no pretenden transformaciones radicales irreales” (p. 32). Llama la atención en la introducción que el autor no discuta la literatura que plantea la relación existente entre movimientos sociales -entre ellos, el indígena-, modernidad y desarrollo. La discusión es pertinente, por cuanto “La María”, el Consejo Regional Indígena del Cauca (CRIC) y las organizaciones indígenas zonales como la Asociación de Cabildos Indígenas del Norte del Cauca (ACIN), entre otras organizaciones -incluidas otras no indígenas-, configuran en gran medida un movimiento social que va ganando un amplio reconocimiento tanto político como social, y donde sus reclamos y demandas se corresponden con aquello referido a modernidades y alternatividades al desarrollo convencional.

El capítulo 1, “Más que unas notas de campo comprometidas: colaboración, diálogo y diferencia”, documenta el proceso y la experiencia metodológica que el profesor Gow sostuvo con las autoridades indígenas1 y varios investigadores indígenas en la zona, no sin antes advertir los peligros y riesgos presentados durante el “trabajo de campo” en un área conflictiva del Cauca. El examen del trabajo de campo lo realiza en el marco de las discusiones que se han venido dando en la antropología estadounidense sobre la práctica etnográfica, para luego llegar al caso colombiano en la década de los setenta, con el trabajo de Vasco y el grupo de “La Rosca” y la metodología Investigación Acción Participante (IAP) liderada por el sociólogo Orlando Fals Borda. Infortunadamente, no menciona la discusión de la Antropología del Debate que se dio para la misma década, y que también ilustra sobre la discusión antropológica que se presentó sobre el método etnográfico, el problema de investigadores foráneos y la diversidad de la experiencia etnográfica articulada con otras formas participativas todavía por explorar y reportar (cfr. Arocha y Friedemann, 1984; Tocancipá-Falla, 2010). Al final, refiere a su experiencia en otro proyecto donde interactuó con otros investigadores nasa y donde emergieron discusiones vitales no sólo sobre el desarrollo sino también sobre otras dimensiones significativas de “La María” como un espacio de formación; la importancia de los derechos humanos, y en particular, el reconocimiento de las mujeres en la parte social y política.

El capítulo 2, “Desastre y diáspora: discursos de desarrollo y oportunidad”, entra en materia con respecto a la discusión de los trabajos antropológicos e históricos que examinan tragedias o desastres causados por la naturaleza, sus interpretaciones desde la dimensión social y cultural de los grupos humanos, el contexto etnográfico de los nasa donde ocurrió la avalancha en 1994, la historia de la Corporación Nasa Kiwe (CNK), que actuó como institución del Estado colombiano que se encargó de todo el proceso de rehabilitación y reasentamiento de las poblaciones afectadas, y el tipo de relaciones e interpretaciones que las comunidades del caso establecieron con la CNK, y las oportunidades y valoraciones que los grupos reasentados establecieron en el período posavalancha. La trayectoria de este capítulo parte de la discusión que se da entre los académicos, al analizar los fenómenos donde grupos sociales marginales se ven afectados, y las interpretaciones dadas por los médicos tradicionales nasa frente al fenómeno, y que se basan en el abandono de los valores sociales y culturales nasa, lo cual se evidencia en el pta’nz, considerado como “todo aquello que genera desarmonía y desequilibrio” (p. 84). En la sección de contexto etnográfico, como su designación lo indica, se presentan datos básicos de la zona, la historia de lucha de los nasa, los estereotipos que se han generado sobre ellos, y el contexto geográfico de los tres resguardos que hacen parte del estudio. Lamentablemente, el mapa y sus convenciones no ilustran claramente la ubicación de los resguardos, ni los nuevos sitios de reasentamiento, y el lector queda con la tarea de encontrar relaciones entre puntos de origen y nuevos espacios de reubicación. La sección siguiente versa sobre la creación y el papel de la CNK, la cual no fue aceptada por las comunidades indígenas que trata en el texto. En medio de la ambigüedad que presenta esta institución entre el éxito y el fracaso, Gow subraya que en sus primeros años la corporación contribuyó a “mejorar la situación” (p. 93). La última sección de este capítulo muestra en detalle cómo cada resguardo, después de la avalancha, mantuvo en sus nuevos lugares de reasentamiento una relación de extensión con los lugares de origen. Asimismo, trataron de aprovechar las oportunidades que se les presentaron para mejorar sus condiciones de vida, algo que contrastó con el estereotipo generalizado por la CNK de mantener la ecuación indígenas = tradición, conservación. A pesar de esta percepción, Gow sostiene que el discurso de la CNK no fue monolítico y que, amén de esta veneración por lo tradicional, también se aceptaron elementos y componentes del cambio social, cultural y económico vistos a través del llamado desarrollo alternativo y una nueva modernidad, influencias que fueron previstas a través de la presencia de diferentes actores que estaban ligados con este tipo de discurso.

El capítulo 3, “Planificación del desarrollo: ¿esclavos de la modernidad o agentes de cambio?”, constituye uno de los núcleos temáticos más significativos del libro, pues allí se revela el contexto legal y constitucional que posibilitó la idea de los planes de vida en los tres casos tratados. Las palabras claves analizadas son planes, planificación y participación. El Plan de Vida es entendido por el autor como una “estrategia a largo plazo para el desarrollo integral del resguardo, [allí se] aborda todos los aspectos de la cultura y la sociedad indígena y expone una visión de futuro al contestar implícitamente tres preguntas: ¿Quiénes somos?, ¿de dónde venimos? Y ¿hacia dónde vamos?” (p. 115).

Cada uno de estos casos es examinado en su proceso de concepción y formulación; algunos de ellos fueron apoyados por el autor en términos financieros (caso de San José y Cxayu’ce) y de acompañamiento o asesoría como “planificador” en la elaboración del Plan de Vida (caso de San José y Tóez Caloto). Un hecho importante es la colaboración que tuvieron los nasa en la elaboración de dichos planes, especialmente de profesionales y no profesionales (internos y externos) como profesores, promotores, técnicos, etc., y que le imprimieron hasta cierto grado su visión del cambio: “la iniciativa original vino del interior de las comunidades: del liderazgo político en Cxayu’ce y Tóez Caloto y de los profesores en Juan Tama” (p. 144). Pero más allá de quien tomó la iniciativa, existe un conjunto de condiciones y oportunidades que los nasa valoraron, y a través del cual activaron y fortalecieron su identidad, en unos casos (Juan Tama, por ejemplo), y en otros buscaron una franca articulación con procesos de cambio social, económico y político que su posición de reasentados les posibilitó. Una de las debilidades del trabajo en esta parte es la poca discusión que el autor establece en relación con la crítica al concepto de “planificación” (Escobar, 1992c), y que, en el caso de la “planificación indígena”, como la plantea Gow, sugiere aspectos interesantes pero ambiguos en relación con la idea de desarrollo local y la resistencia indígena.

El capítulo 4, “Conocimiento local, sueños diferentes: planeando para la próxima generación”, propone el problema de la educación y su papel en relación con el pasado, presente y futuro de los resguardos reasentados. Antes de entrar en cada caso, presenta una discusión sobre el papel de los actores (agency), el conocimiento local y su relación con la categoría del “contradesarrollo”, una categoría tomada de Arce y Long (2000) que contribuye a comprender el establecimiento de “múltiples modernidades”. En la sección siguiente se analiza el Programa de Educación Bilingüe (PEB) y su carácter afirmativo, en el caso de la escuela de Juan Tama, que, a pesar de los altibajos que ha tenido, ha logrado sostener el principio de interculturalidad, identidad y autonomía. Todos los profesores son nasa hablantes y el modelo aplicado es participativo (padres, maestros, niños, y la sociedad mayor), flexible y abierto, algo que no se corresponde con la planificación educativa convencional. En el caso del Centro Etnoeducacional de Tóez Caloto, el interés por la educación se dio en el proceso de reasentamiento, y no antes, como había acontecido con Juan Tama. Dicho interés se fundamentó en la idea de integrar el enfoque indigenista y las condiciones de cambio que se avizoraban, por su cercanía a centros urbanos como Cali. El interés por crear el colegio y edificar valores como “ser indígena, multicultural y colombiano” valida esta interpretación. El caso de Cxayu’ce, por su ubicación vecina a población campesina, ha logrado capitalizar muy bien la interculturalidad, tanto en términos educativos como en el aprovechamiento de las oportunidades del momento. Al comparar los tres casos y su relación entre educación y la economía, el profesor Gow favorece más las experiencias de Cxayu’ce y Juan Tama, ya que mientras la primera ha sido realista y ha retenido sus valores tradicionales, la segunda ejemplifica bien la idea de educación nasa y resistencia frente al desarrollo convencional, aunque con cierto matiz de modernidad basado en “promesas de pluralismo” y de ciudadanía. En el caso de Tóez Caloto el panorama es menos esperanzador en cuanto a materializar las oportunidades económicas, a pesar de que la indigenidad fue reafirmada para lograr cierto reconocimiento del Estado. Existe en este ejercicio comparativo una predisposición a valorar las experiencias que retienen “satisfactoriamente” los valores indígenas, mientras que aquellas experiencias que se acercan más a un individualismo o al manejo de un indigenismo instrumental para el reconocimiento, como en Tóez Caloto, sólo “puede resultar a largo plazo en otra comunidad más de pequeños agricultores dependientes para su sobrevivencia del empleo fuera de sus parcelas” (p. 184).

El capítulo 5, “Los nasa del norte y las tensiones de la modernidad”, introduce la experiencia del resguardo de Toribío, como un bastión de la resistencia nasa frente al conflicto armado y de su esfuerzo por sacar adelante la idea de un plan de desarrollo en sus propios términos, y que fue conocido como el Proyecto Nasa, y el Proyecto Global, en el caso del resguardo vecino de Jambaló. Esta experiencia fue edificada en su mayor parte por el padre Álvaro Ulcué Chocué, sacerdote nasa y párroco de Toribío que a través de un taller realizado en 1980 logró visualizar la idea de la planeación indígena. Este ejercicio es comparado con otro realizado en 1999, y el cual se muestra menos radical y político que el primero. Es de anotar que el padre Ulcué fue asesinado el 10 de noviembre de 1984, y su nombre entró a formar parte de los mártires que cayeron por la defensa de los derechos de los nasa. La descripción del primer taller que dio origen al Proyecto Nasa se destacó por un énfasis en la capacidad de transformación que tienen los indígenas para resolver sus problemas y cambiar sus condiciones de vida. Se plantearon tres componentes, a saber: i) la concientización a través de la educación y la capacitación; ii) la participación y la organización comunitaria, y iii) el desarrollo de proyectos productivos y de comercialización de tipo comunal. El taller de 1999 planteó una perspectiva más integral, en el sentido que el manejo comunitario del dominio de la economía debía pasar por una articulación comprensiva con el dominio de la cultura y la política, y que, como tales, valores como la economía solidaria podían articularse con la economía de mercado, condición que todavía sigue siendo un reto y que marca tensiones todavía por resolver. El caso de Toribío constituye de esta manera una primera reflexión y acción de cómo enfrentar la modernidad en sus propios términos, y de por sí representa una “alternativa, la modernidad indígena” (p. 217).

El sexto y último capítulo, “Más allá del desarrollo: la lucha continuada por la paz, justicia e inclusión”, plantea una perspectiva más amplia en términos temporales y espaciales, en cuanto a la continuidad del pensamiento histórico de líderes como Manuel Quintín Lame y Álvaro Ulcué, hacia los quintines y las nuevas generaciones de jóvenes nasa que vienen valorando el pensamiento de estos líderes, y la creación de un escenario político como lo es “La María”. El Plan alterno de Floro Tunubalá (2001-2003) también mereció atención, ya que fue articulado con la idea de communitas ideológica, término acuñado por los Turner, y articula la experiencia colectiva con “el anteproyecto utópico para la reforma de la sociedad” (Turner y Turner, 1978: 252). Según Gow, esta trayectoria configura la idea de un “espacio contrapúblico” que ya no se ciñe al movimiento indígena como tal, sino que se expande a un público más amplio, lo que perfila una imaginación moral que reclama los derechos, de primera y segunda generación, de los actores en sí.

El texto finaliza con algunas conclusiones que reivindican lo tratado en el texto, en cuanto al contraste de las experiencias de planificación en los tres reasentamientos, enfatizadas en el campo educativo, una mirada crítica comparada con los dos planes que se elaboraron con casi dos décadas de diferencia, para el caso de Toribío, y la relativa autonomía que los reasentamientos van logrando en sus nuevos espacios. Al final, argumenta que la imaginación moral que se empezó a gestar con Manuel Quintín Lame, la creación del CRIC, y recientemente con “La María”, desborda el discurso étnico para incorporar una dimensión de ciudadanía que busca ante el Estado colombiano la incorporación o inclusión dentro del sistema nacional, pero no en los términos de éste, sino en los de los propios nasa.

Para resumir: el libro del profesor Gow constituye la continuación de la saga de trabajos de académicos que cuestionaron radicalmente el desarrollo en su fase inicial pero que luego conciben que la idea del desarrollo y técnicas como la planificación pueden ser posibles desde el punto de vista indígena, en particular los nasa, quienes a través de su lucha histórica en las últimas décadas han sabido catalizar dichos conceptos hacia la generación de procesos políticos y culturales más inclusivos frente al Estado.

Esto pudo ser apreciado en tres casos de comunidades que fueron reasentadas en diferentes lugares del Cauca y del Huila, y que justamente muestran aspectos comunes pero tratamientos y resultados distintos en cuanto a procesos de adaptación y de asimilación de ideas como communitas, que recoge el sentido de la colectividad y del cambio. El libro tiene esta virtud, ilustrar, desde una perspectiva comparativa y crítica, y en un continuum, cómo se van estructurando procesos participativos y de lucha indígena con resultados variados, lo cual ejemplifica la complejidad del tema. Pero la crítica del autor a veces se presenta limitada, pues sólo se enfoca sobre los procesos, y no tanto sobre su papel como planificador y colaborador; y su insistencia en ideas como planificación indígena -¿acaso no hay otras categorías diferentes? ¿Existe el término planificación en nasa yuwe? ¿Qué términos se le aproximan, más allá de la categoría de communitas de Turner?- deja dudas, en especial si no es más que una insistencia del autor, y no una preocupación de los nasa mismos. Finalmente, si bien el autor simpatiza con metodologías participativas como la IAP, y pareciera en el comienzo que éste será el tratamiento en todo el trabajo, al final no se logra percibir en qué consiste esta valoración. A lo largo del texto se escuchan sólo su voz -salvo los comentarios de algunos investigadores en el capítulo inicial- y su interpretación de los eventos. De hecho, su idea de una inclusión ciudadana constituye una idea que empieza apenas a discutirse en los nasa, a raíz de los acontecimientos recientes en Toribío sobre la presencia del Ejército y los grupos armados. Asimismo, no existen indicios de que el texto haya sido trabajado con los nasa en cuanto a análisis y discusión, lo que de modo seguro hubiera aportado sustantivamente en la reafirmación o invalidación de muchas de sus aseveraciones. No obstante, el libro es un insumo importante para que los nasa examinen su contenido y las implicaciones de su análisis. Desde esta perspectiva, este trabajo constituye un importante aporte, no tanto como un punto de llegada, sino como un punto de partida para posteriores reflexiones y análisis, sobre todo a la luz de los recientes eventos y acontecimientos que se vienen dando en el departamento del Cauca. Los nasa tienen la palabra.

Comentarios

* Primera edición en castellano. Bogotá: Universidad del Rosario, 306 páginas. ISBN: 978-958-738-133-7

1 La autoridad indígena a la que se alude en el texto es el “chamán”, una expresión que no se compadece mucho con la idea del médico tradicional en los nasa, y que es conocido como el tjê’jwala. Chamán es una expresión que derivó de la experiencia de los tunguses, grupo étnico de Siberia, para designar al “especialista religioso”, y que, si bien en su razón de ser se presenta como un “intermediario entre el hombre y los espíritus” -papel similar al que se le plantea al tjê’jwala-, mantiene diferencias en cuanto a iniciación, el uso de plantas alucinógenas, y rituales que son inherentes a su actuación en el medio (Bonte y Izard, 1996: 152-153). Para otros autores, existe una relación más cercana entre el vocablo chamán, tomada de su acepción inicial en Siberia, y la de los grupos de la selva amazónica y el Pacífico en América del Sur (e.g., jaibaná, en los embera) (Cebrián, 2005). En cualquier circunstancia, y a pesar de los principios unificadores que se plantean para el chamán y el médico tradicional, creo que era necesario una nota aclaratoria de por qué se optó por un vocablo más generalizador, frente a uno más específico.

Referencias

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Jairo Tocancipá-Falla – Ph.D. en Antropología Universidad de Cambridge Inglaterra. Profesor Titular del Departamento de Antropología y miembro del Grupo Estudios Sociales Comparativos, Unicauca. Universidad del Cauca, Popayán, Colombia. Bogotá, Editorial Universidad del Rosario, 2010. E-mail: jtocanápa@unícauca.edu.co

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Walter Benjamin: rastro, aura e história – SEDIMAYER (A-EN)

SEDIMAYER, Sabrina; GINZBURG, Jaime (Orgs.). Walter Benjamin: rastro, aura e história. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2012. Resenha de: VASCONCELOS, Lisa Carvalho. Walter Benjamin: rastro, aura e história. Alea, Rio de Janeiro, jan./jun., 2013.

Em 1935, Erich Auerbach escreve uma triste carta a seu colega Walter Benjamin. Nela, o autor da Mimesis explica que suas pretensões de obter para o colega um posto na Universidade de São Paulo, que então se formava, haviam sido completamente frustradas. Na época, para ambos os intelectuais, que compartilhavam também a origem judaica e a nacionalidade alemã, a emigração parecia ser a única saída de uma Europa cada vez mais beligerante e totalitária. Sabemos que Auerbach, pouco tempo depois, de fato se exilou na Turquia, sendo obrigado a deixar para trás sua biblioteca e os muitos trabalhos que conduzia; sabemos também que Benjamin, entretanto, não teve a mesma sorte: ele morreu em 1940, durante uma última e fracassada tentativa de fugir à perseguição e à guerra, na travessia dos Pireneus já quase em solo espanhol. Pressentiria ele, então, que sua obra faria anos depois o caminho que não conseguiu fazer pessoalmente, com os próprios pés? Afinal, se o próprio Benjamin não conseguiu atravessar o oceano, seus trabalhos têm hoje aqui, do outro lado do Atlântico – no país que um dia poderia ter vindo a habitar – uma rica e fértil recepção.

Segundo Hannah Arendt, “a fama póstuma parece ser o quinhão dos inclassificáveis”.*1 Benjamin, a quem a frase se refere, foi um autor cuja obra não se adequava à ordem de sua época: sem ser propriamente um historiador, um teólogo, um filósofo da linguagem ou um crítico da literatura e da arte, escrevia sobre história, teologia, estética e literatura indistintamente, misturava áreas e saberes constituindo uma forma própria de lidar com o mundo e com o conhecimento.1 Nos dias de hoje, nos quais a valorização da interdisciplinariedade e da interpenetração de saberes vai se tornando o caminho prioritário, seu trabalho se torna particularmente atual. Prova disso é que no Brasil, sua acolhida não se limitou aos campos mencionados acima, mas se espraiou e vem se espraiando pelos campos da psicanálise, da arquitetura, da sociologia e, principalmente, da teoria literária, disciplina que recentemente tem se expandido para dar conta não só de objetos artísticos, mas também dos discursos e das narrativas que compõem o vasto panorama da cultura.

O volume Walter Benjamin: rastro, aura e história, lançado pela Editora UFMG, no segundo semestre de 2012, é um bom exemplo do que afirmamos. Fruto de um trabalho coletivo, o livro é a mais nova produção do Núcleo Walter Benjamin, grupo coordenado, entre outros por Georg Otte e Élcio Cornelsen e que, desde 2006, se dedica à pesquisa e à divulgação dos trabalhos do pensador alemão. O livro reúne em forma de ensaios as principais comunicações dadas à luz durante o segundo Colóquio Internacional do núcleo, intitulado “Spuren: rastros, traços, vestígios” realizado em 2010 na Universidade Federal de Minas Gerais e acrescenta, a esse material, contribuições de convidados, que vem enriquecer e ampliar o projeto inicial. O resultado é um volume amplo e diversificado que mistura reflexões teóricas exclusivamente benjaminianas (como as de Rolf-Peter Janz e de Jeanne Marie Gagnebin, que procuram delimitar filosoficamente os conceitos aura e rastro, fundamentais para as posteriores discussões do livro) com trabalhos de natureza comparatista (como, por exemplo, os de Paulo César Endo e Michele Cometa, que procuram estabelecer a relação entre Benjamin e outros pensadores, no caso Sigmund Freud e o historiador italiano Carlo Ginzburg), e ainda com trabalhos nos quais os conceitos e formulações de Benjamin são usados na abordagem de realidades outras (como fazem Márcio Seligmann-Silva, ao usar o conceito de rastro para abordar a obra da artista plástica Regina Silveira, ou Willi Bolle, que procura ler a cidade de Belém a partir dos mesmos protocolos que Benjamin mobiliza para ler Paris, na obra das Passagens; vale lembrar, entretanto, que seu paradigma de modernidade não é mais Baudelaire, mas Dalcídio Jurandir, escritor paraense e o seu romance Belém do Grão-Pará).

Como o próprio título dá a entender, para todos esses autores serão essenciais os conceitos de rastro e aura. Ambos fazem referência a realidades fugidias e às expressões usadas para se referir aos dois não o são em menor medida. “Aparição única de uma coisa distante, por mais perto que esteja”*2 é uma das definições de aura elencadas por Rolf-Peter Janz. “Presença de uma ausência e ausência de uma presença” é como Gagnebin define rastro. Ao longo dos textos, esses conceitos se alternam colocando em oposição duas realidades diferentes, mediadas pelo terceiro item da tríade que dá título ao livro, a história. Se no passado os objetos históricos (a obra de arte em especial) eram cercados de uma aura que lhes conferia valor quase religioso, hoje, no contexto de sociedades pós-industriais, só podemos entrar em contato com o passado através de seus rastros.

Em dois artigos específicos esses conceitos são empregados em situações particularmente interessantes para a reflexão sobre o mundo contemporâneo. Em “A interpretação do rastro em Walter Benjamin” de Jaime Ginzburg, o rastro é elegido como concepção fundamental para o entendimento da realidade brasileira em seus recalques e não ditos. Já em “A memória poética da guerra colonial de Portugal na África: os vestígios como material de uma construção possível”, de Roberto Vecchi e Margarida Calafate Ribeiro, o rastro vai ser o elemento que permitirá a construção de uma memória da guerra no contexto pós-colonial português, utilizando para isso a produção poética (canônica e não canônica) disponível sobre o assunto.

No primeiro desses artigos, Jaime Ginzburg partirá de uma diferenciação básica no que diz respeito ao conceito de rastro para problematizar as especificidades da realidade brasileira (e da sua representação artística). Para isso, o professor e pesquisador se dedica ao estudo comparativo de dois teóricos importantes: o historiador Carlo Ginzburg e o próprio Walter Benjamin. Para o primeiro, o rastro é compreendido como parte constitutiva de uma narrativa a ser formada. Em sua acepção mais básica, o rastro é a marca (a pegada) deixada por um animal em seu caminho. Cabe ao caçador, recompor, a partir dessas marcas, um percurso que o permita encontrar o animal buscado. Para Carlo Ginzburg, o historiador deve agir como um caçador, selecionando “os principais elementos decisivos para a compreensão do passado”*3 e formando a partir deles a narrativa a que chamamos história. A concepção de Benjamin sobre esse mesmo assunto, entretanto, não poderia ser mais diferente. Segundo Jaime Ginzburg, ele “entende a interpretação do humano em pautas que envolvem componentes dissociativos e cindidos”,*4 ou seja, em sua concepção, o rastro não seria necessariamente encaixável em uma narrativa linear e totalizadora, mas produziria cortes, esquecimentos e dissonâncias.

Ao estudar as especificidades do caso brasileiro (das suas narrativas históricas dominantes, das suas elaborações conceituais, da formação das suas instituições), ele encontra muitos exemplos desses cortes e disjunções. Enquanto país, viemos, no Brasil, ao longo de nossa história, reprimindo as memórias da violência estrutural e formadora do país: a destruição de povos indígenas, a escravidão africana, o massacre de Canudos, a repressão e os assassinatos durante os regimes de exceção (com a ditadura civil-militar de 1964 em primeiro plano). Todos são episódios do nosso passado que preferimos deixar de lado, numa verdadeira política do esquecimento. Ainda segundo Ginzburg, a literatura brasileira dá testemunho formal de uma desconfiança legítima em relação às narrativas falsas e totalizadoras. Bons exemplos disso são, nessa perspectiva, os narradores pouco confiáveis de Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos ou mesmo Raduan Nassar. Tanto Bentinho, como Riobaldo, Paulo Honório ou André desprezam a linearidade e a causalidade das estórias que contam e se revelam sempre hesitantes e desconfiados da própria memória.

O segundo artigo é quase um corpo estranho dentro da coletânea. Sem se dedicar especificamente a Benjamin ou a realidades próximas ao contexto brasileiro ele faz, entretanto, um movimento muito interessante de buscar no rastro benjaminiano as bases para a construção literal de uma memória coletiva. É preciso deixar claro que esse processo não tem ambições totalizadoras; muito pelo contrário, é uma memória falha, estilhaçada e fragmentada a que se desenha através desse esforço. Talvez a única memória possível em uma situação de guerra generalizada. Expliquemos. O artigo de Roberto Vecchi e Margarida Calafate Ribeiro vem debater teoricamente os princípios de uma coletânea poética elaborada pelos próprios autores – a Antologia da memória poética da Guerra Colonial. O livro procura, nas palavras de seus próprios organizadores, recolher um corpo textual que paute os principais temas e problemas da produção poética feita no e a partir do período da Guerra Colonial portuguesa (1961-1974). Nesse sentido, os conceitos benjaminianos de rastro, vestígio e ruína se revelaram essenciais, como afirmam Vecchi e Ribeiro, uma vez que fundamentaram as questões iniciais a partir das quais foi possível se desenhar um corpus para o trabalho. É preciso lembrar que o conflito colonial foi uma experiência praticamente universal dentro da realidade portuguesa da época, mobilizando algo em torno de um milhão de soldados e atingindo quase todas as famílias do país, independentemente da classe social. A produção artístico-literária que lida diretamente com o assunto é igualmente profusa, daí a dificuldade e ambição da tarefa.

Elegido um material de trabalho, a tentativa dos autores foi então a de abordar os poemas e fragmentos textuais que compõem o livro como rastros, que, lidos em sequência, comporiam uma narrativa incompleta, mais ainda assim uma narrativa. O modelo usado para isso é novamente o do caçador, que recompõe o percurso de sua presa a partir das pegadas deixadas por ela. Ao contrário da narrativa linear e causal de uma caça, a memória recomposta pelos poemas seria uma memória em perigo, ou ainda uma memória em disputa. E isso se dá não só porque aquilo que os poemas buscam partilhar faz oposição direta à política de esquecimento adotada pelos órgãos oficiais do país, mas também pelo caráter traumático dessa própria memória. A experiência avassaladora e sem sentido da guerra se erige nesses textos como fato não simbolizável, como ruína e signo (mudo) de morte, e instaura, assim, um tempo recursivo, não linear dentro do qual é impossível enterrar o passado. Não é sem razão que o corpo insepulto será, como lembram os autores do ensaio, um tema recorrente na literatura portuguesa de guerra. Como um fantasma a materialidade do império desfeito sem impõem sem “nenhuma totalidade ou sentido possível”*5 resistindo à amnésia do mundo da técnica.

Assim como os dois artigos mencionados acima, muitos outros da coletânea Walter Benjamin: rastro, aura e história mereceriam uma leitura mais prolongada aqui. As limitações da presente resenha impedem, entretanto, uma análise maior ou mais detalhada. Fica registrado aqui o convite para que o leitor dê continuidade a esse trabalho, através da leitura desse livro que, como queremos enfatizar, é fundamental para a compreensão seja do Brasil, seja de outras realidades.

Notas

*1 (ARENDT, Hanna. Walter Benjamin: 1892-1940. In: Homens em tempos sombrios. São Paulo: Companhia das Letras: 167.         [ Links ])
*2 (SEDLMAYER, Sabrina e GINZBURG, Jaime (Org.). Walter Benjamin: rastro, aura e história. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2012: 13.         [ Links ])
*3 (Ibidem: 119.)
*4 (Ibidem: 124.)
*5 (Ibidem: 98.)

1 Vide Theodor Adorno, em “O ensaio como forma”. In: Notas de literatura I. Tradução e apresentação de Jorge de Almeida. São Paulo: Duas cidades; Editora 34, 2003.

Lisa Carvalho Vasconcellos é doutora em Teoria Literária pelo Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. E-mail: <[email protected]>

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Língu@ Nostr@ | UESB 2013

Lingu@ Nostr@

Língu@ Nostr@ (2013-) tem como escopo a publicação de artigos inéditos provenientes de estudos que, de alguma forma, estejam na interface entre Gramática e Linguística, preferencialmente aplicados ao ensino da Língua Portuguesa como língua materna. A revista, de periodicidade semestral, aceita submissões em português, espanhol e inglês.

ISSN 2317-2320

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Boletim Vida Escolar: uma fonte e múltiplas leituras sobre a educação no início do século XX – GALVÃO; LOPES (RBH)

GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; LOPES, Eliane Marta Teixeira (Org.). Boletim Vida Escolar: uma fonte e múltiplas leituras sobre a educação no início do século XX. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. 146p. Resenha de: LEON, Adriana Duarte. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.32, n.64, dez. 2012

O livro Boletim Vida Escolar: uma fonte e múltiplas leituras sobre a educação no início do século XX, organizado por Ana Maria de Oliveira Galvão e Eliane Marta Teixeira Lopes, foi lançado recentemente e reúne cinco textos de pesquisadores do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação da UFMG, produzidos especialmente para compor a reflexão apresentada na obra. Os capítulos são diferentes abordagens sobre o mesmo objeto, o Boletim Vida Escolar, que circulou na cidade de Lavras (MG) entre maio de 1907 e novembro de 1908.

Os estudos sobre impressos educacionais são recorrentes no campo da História da Educação, pois possibilitam emergir detalhes das tensões presentes no debate educacional. A imprensa educacional foi produzida de forma mais intensa a partir da segunda metade do século XIX, sobretudo como material de formação para os professores, considerando a quantidade limitada de compêndios para essa função. No século XX a imprensa educacional amplia sua abordagem e observa-se a criação de impressos vinculados a diferentes instituições.

Boletim Vida Escolar se encaixa nessa lógica, pois era uma publicação do Grupo Escolar de Lavras, inaugurado no dia 13 de maio de 1907. Seu diretor, Firmino Costa, era também o editor do Boletim. O impresso compunha-se de quatro páginas e tinha periodicidade quinzenal, e foram publicados ao todo 34 números. Os textos apresentados no impresso eram didáticos ou pedagógicos, e alguns tinham caráter informativo. Observa-se que o impresso circulou em diversos locais do município e do estado, o que indica ampla divulgação das ideias ali publicadas.

A fim de precisar quem eram os leitores visados pelo editor do Boletim Vida Escolar, Ana Maria de Oliveira Galvão e Mônica Yumi Jinzenji realizaram a análise do impresso sob três ângulos: estudaram as matérias direcionadas para um leitor específico, o conteúdo das temáticas abordadas e, por último, as estratégias discursivas utilizadas pelo editor.

Como estratégia metodológica as autoras categorizam o conteúdo do Boletim de acordo com as três abordagens destacadas, para posteriormente estabelecerem uma interpretação dessa categorização. Sob inspiração de Umberto Eco buscaram identificar os leitores presentes no impresso e concluíram que esse público era masculino e inserido no mundo da escrita, o que transparece, respectivamente, na identificação de formas de tratamento (caríssimos, prezados, conterrâneos e amigos) e no vocabulário utilizado.

Sobre os temas mais tratados no impresso observa-se que o próprio Grupo Escolar recebe o maior destaque, assim como seu diretor. Na construção discursiva, ou nas estratégias discursivas adotadas pelo impresso, percebem-se a valorização de Firmino Costa e o destaque às atividades por ele desenvolvidas em prol do Grupo. Firmino Costa busca convencer o leitor de que está colaborando para o êxito da reforma da instrução no estado, e que os grupos escolares são uma opção moderna e de acordo com o período.

Tratando das construções discursivas presentes no Boletim e buscando identificar o que constitui o bem viver no Grupo Escolar de Lavras, Eliane Marta Teixeira Lopes e Andrea Moreno indicam que parece emergir a valorização da educação na cidade. Acompanhando as preocupações da época, Firmino Costa anuncia o bom trato da saúde e o estímulo a bons hábitos de higiene como característica positiva da escola. Tal ênfase poderia estar relacionada à preocupação da escola em promover uma imagem moderna e atual, e diversos artigos tratam desse tema no Boletim Vida Escolar. Pode-se inferir que a divulgação dessa característica no veículo do Grupo Escolar segue o pensamento higienista da época.

Além disso, o Grupo Escolar anuncia nos seus princípios e métodos uma comparação entre a velha e a nova educação, e chama a atenção para algumas qualidades dessa nova escola: deve ser polida, justa, carinhosa, animada, atraente e prática. Pela análise de tais afirmações pode-se inferir que o Grupo Escolar integra a modernidade urbana como instituição educacional adequada à urbanização do país.

No final do século XIX e no início do século XX o urbano assume características de civilidade acentuada, em oposição ao rural que predominava anteriormente. Cynthia Greive Veiga aponta profundas mudanças nas formas de tratamento entre alunos e professores, pois os castigos e as imposições se tornam menos aceitos na lógica da civilidade. A necessidade de produção de uma matriz urbana de comportamento social está atrelada ao crescimento das cidades. A autora afirma que a escola sempre foi parte da história das cidades, e que o crescimento destas torna necessário reorganizar a vida social.

Considerando a necessidade de regrar a vida urbana e implementar/internalizar os códigos de postura, a “escola estatal pública se desenvolve como fator de alteração da própria rotina das cidades”. Esse é o caso do Grupo Escolar de Lavras, um dos primeiros grupos de Minas a proporem diversas mudanças, até mesmo nas relações entre alunos e professores. No Boletim Vida Escolar Firmino Costa estimula as manifestações de carinho e delicadeza como formas de relacionamento no ambiente escolar. Há uma demarcação das diferenças geracionais, especialmente entre adulto e criança, com destaque para o papel relevante da mãe como responsável pelo cuidado da criança. Enfim, são diversos movimentos que indicam um novo trato do indivíduo e uma atenção à constituição de suas sensibilidades. O Boletim advoga a construção desse novo indivíduo sociável, de acordo com os tempos de civilidade.

É interessante que o repertório pedagógico de Firmino Costa foi construído com base nas ideias circulantes em um espaço de ambiência cultural, mas não se tratava de uma apropriação passiva, era um processo de apropriação e reelaboração, como bem destacam Juliana Cesário Hamdan e Luciano Mendes Faria Filho.

Por intermédio do Boletim, Firmino consegue propiciar visibilidade e circulação às ideias por ele defendidas, dentre as quais destacam-se a defesa do regime republicano, do ensino mútuo e do ensino profissional e a valorização da criança e das relações estabelecidas no interior do Grupo Escolar, enfim, diversas questões que se relacionavam com o período e anunciavam o seu repertório pedagógico.

No primeiro relatório que enviou às autoridades mineiras como diretor, Firmino relata que inaugurou o grupo em 13 de maio e logo publicou o primeiro número do Boletim. Ressalta que no impresso deveriam ser tratados assuntos relativos à instrução e à história do município. Dentre os temas educativos, o ensino profissional é o que mais povoa os textos de Firmino Costa no Boletim. A ideia predominante era de que a educação deveria aproximar o sujeito do trabalho, e que por meio do ensino profissional o governo poderia resolver o problema da educação do povo.

A ideia de que a escola deveria educar para o trabalho começou, lentamente, a ganhar espaço no século XIX, via escolarização dos ofícios manuais, dos Liceus de Artes e Ofícios, das escolas particulares e das instituições filantrópicas. Carla Simone Chamon, Irlen Antônio Gonçalves e Bernardo Jefferson de Oliveira analisam as proposições para o ensino profissional presentes no Boletim Vida Escolar. O processo de escolarização do trabalho ocorre concomitantemente às transformações das relações de trabalho em curso em Minas Gerais e em vários outros estados do país. Com o processo de industrialização, na virada do século XIX para o XX, ocorre um movimento de criação de escolas profissionais que visava alcançar os trabalhadores livres.

O ensino profissional foi incluído na reforma da instrução pública nacional em 1906, e um ano após já se percebem nas páginas do Boletim Vida Escolar estratégias discursivas que buscam convencer os leitores sobre a importância do trabalho e da escola. Nesse caso, preparar para o trabalho podia ser uma estratégia de convencer as famílias a manterem os filhos na escola, pois os índices de evasão eram consideravelmente altos no período.

Nas falas de Firmino Costa transcritas para o Boletim o ensino profissional na escola primária se relaciona à ideia da formação de um sujeito útil a si e à sociedade. Embora se perceba certo destaque no ensino técnico para as classes populares, há também notas que buscam desconstruir essa ideia: “nunca é demais saber um ofício”, afirmava Firmino Costa.

Boletim Vida Escolar é uma possibilidade de investigação sobre diversos aspectos do processo de implementação e operacionalização dos grupos escolares em Lavras e em Minas Gerais. E ler o livro recém-lançado que analisa essa publicação é visitar, por meio do impresso, parte importante da história da escolarização no Brasil, considerando que a criação dos grupos escolares, no início do século XX, marca a ampliação e a complexificação da estrutura da escola pública brasileira..

Adriana Duarte Leon – Doutoranda, Faculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Av. Antônio Carlos, 6627 – Pampulha. 31270-901 Belo Horizonte – MG – Brasil. E-mail: [email protected].

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Trabalho e Trabalhadores / Revista Brasileira de História / 2012

Revista Brasileira de História, criada em 1981 com o objetivo de se constituir em um canal de divulgação da produção dos professores e historiadores brasileiros, está lançando seu 64º número. Com periodicidade semestral, a partir do número 59 a RBH iniciou uma nova etapa, passando a ser somente digital e a oferecer uma versão em inglês. Essas inovações visam agilizar a consulta dos volumes novos e antigos, bem como ampliar o escopo de circulação do periódico, permitindo que um público não conhecedor da língua portuguesa possa acessar nossa produção.

Neste número o Conselho Editorial elegeu o tema “Trabalho e Trabalhadores” para o Dossiê que, seguindo a trilha do anterior, também está sofrendo uma ampliação no que diz respeito ao número de artigos publicados. Como já dissemos, o interesse em publicar na RBH tem sido crescente na comunidade de historiadores e cientistas sociais, e a cada número aumenta o volume de contribuições para avaliação. Neste número, recebemos cerca de cem artigos apenas para o Dossiê, dos quais um montante expressivo foi aprovado pelos nossos pareceristas, sem que tenhamos condições de publicar todos. Essa nova demanda da produção historiográfica brasileira em busca de canais para internacionalização dos seus estudos é muito bem-vinda, mas coloca muitos desafios para a RBH e indica a necessidade não só de ampliarmos a extensão dos números, mas também de repensarmos sua periodicidade. Este número conta com 15 artigos.

Para o Dossiê “Trabalho e Trabalhadores” foram selecionados nove artigos focados essencialmente na realidade brasileira, com apenas dois dedicados aos Estados Unidos e a Portugal. No que diz respeito aos recortes temporais, pudemos selecionar textos que abordavam diferentes conjunturas, contemplando desde as relações de trabalho no final do século XIX até a problemática do trabalho análogo ao escravo, já no século XXI. Quanto às formas de abordagem, são apresentados trabalhos que adotaram como estratégia de pesquisa o estudo de trajetórias de lideranças, assim como análises de movimentos sociais como greves e lutas contra a repressão. Do conjunto de textos recebidos e selecionados podemos dizer que essa área de trabalho, que por um expressivo período se mostrou em declínio, apresenta-se agora com grande dinamismo e de maneira renovada. Assim, do ponto de vista historiográfico é possível detectar que esse campo de investigação sobre o trabalho dá indicações de voltar a ser alvo de grande interesse dos pesquisadores, conquistando um novo espaço entre os objetos nobres de pesquisa. Iniciamos com um artigo de Leon Fink que apresenta análise historiográfica com foco especial nos Estados Unidos sobre a renovação dos estudos na área de trabalhadores. Joana Vidal de Azevedo Dias Pereira estuda espaços industriais e comunidades operárias na periferia de Lisboa, na virada para o século XX. Joseli Maria Nunes Mendonça no artigo “Sobre cadeias e coerção: experiências de trabalho no Centro-Sul do Brasil do século XIX” trabalha com a história de uma imigrante portuguesa estabelecida no Centro-Sul cafeeiro de meados do século XIX, com o objetivo de recuperar aspectos das experiências vivenciadas por trabalhadores juridicamente livres; Endrica Geraldo com “Os prisioneiros do Benevente” discute a repercussão pública da deportação, no ano de 1919, de 23 imigrantes, incluindo o militante Everardo Dias, episódio que revela aspectos importantes da repressão contra o movimento operário no Brasil. Aldrin Armstrong Silva Castellucci com o texto “Agripino Nazareth e o movimento operário da Primeira República” analisa a atuação dessa liderança socialista no movimento operário brasileiro. Antonio Luigi Negro em “Não trabalhou porque não quis” examina como a Justiça do Trabalho tratou uma greve no ramo têxtil baiano em 1948, procurando aplacar temores e tensões do sistema político e sindical brasileiro. Clarice Gontarski Speranza em “Os mineiros de carvão, seus patrões e as leis sobre trabalho: conflitos e estratégias durante a Segunda Guerra Mundial” estuda uma série de conflitos ocorridos nas minas de carvão no Rio Grande do Sul em 1943, com foco nas lutas pelo cumprimento de leis trabalhistas. Cristiana Costa da Rocha com “Os Retornados: reflexões sobre condições sociais e sobrevivência de trabalhadores rurais migrantes escravizados no tempo presente” dedica-se ao estudo de trabalhadores rurais de Barras, Piauí, que migram repetidas vezes para os estados do Pará, Mato Grosso e Goiás e vivenciam formas de trabalho análogo à escravidão. Fechando o dossiê, Ângela de Castro Gomes no texto “Repressão e mudanças no trabalho análogo a de escravo no Brasil: tempo presente e usos do passado” analisa a ação dos Grupos de Fiscalização Móvel, do Ministério do Trabalho e Emprego, e da Igreja católica, pela Comissão Pastoral da Terra, na apuração e punição das denúncias da utilização do denominado trabalho escravo.

A seção de avulsos apresenta seis artigos. Carmen Teresa Gabriel Anhorn em “Teoria da História, Didática da História e narrativa: diálogos com Paul Ricoeur” tem por objetivo discutir a potencialidade analítica da categoria ‘narrativa’ na reflexão sobre produção, distribuição e consumo do conhecimento histórico. Muryatan Santana Barbosa com “A construção da perspectiva africana: uma história do projeto História Geral da África (Unesco)” analisa a construção dessa grande obra focando o período entre 1965 e 1979; Patricia Santos Hansen com o texto “Território em disputa: a escola na luta entre o republicanismo e a Igreja em Portugal (séculos XIX e XX)” discute conceitos centrais aos processos de secularização e laicização do ensino em Portugal desde a Monarquia Constitucional até o início da Primeira República. Luís Miguel Carolino em “Manoel Ferreira de Araújo Guimarães, a Academia Real Militar do Rio de Janeiro e a definição de um gênero científico no Brasil em inícios do século XIX” analisa a atuação de um professor de astronomia na Academia Real Militar do Rio de Janeiro que produziu um dos primeiros manuais de astronomia esférica, um gênero maior da literatura científica do século XIX. Luiz Alberto Grijó com “Soldados de Deus: religião e política na Faculdade de Direito de Porto Alegre na primeira metade do século XX” aborda as ideias e concepções filosóficas que predominaram nessa Faculdade, focalizando as disputas entre os católicos e os chamados positivistas. Mara Rúbia Sant’Anna em “De perfumes aos pós: a publicidade como objeto histórico” trata dos anúncios de cosméticos publicados na revista Fon-Fon! de 1911 a 1934, com o objetivo de destacar as rupturas e continuidades.

Este número apresenta ainda entrevistas com os historiadores franceses Christian Delacroix e François Dosse e publica quatro resenhas: Adriana Duarte Leon analisa Boletim Vida Escolar: uma fonte e múltiplas leituras sobre a educação no início do século XX, organizado por Ana Maria de Oliveira Galvão e Eliane Marta Teixeira Lopes; Iara Lis Franco Schiavinatto apresenta Viagem ao Cinema Silencioso do Brasil, organizado por Samuel Paiva e Scheila Schvarzman; Maria Filomena Pinto da Costa Coelho analisa Colunas de São Pedro: a política papal na Idade Média central, de Leandro Duarte Rust, e, por último, Wolney Vianna Malafaia resenha História e documentário, organizado por Eduardo Morettin, Mônica Kornis e Marcos Napolitano.

Mais uma vez convidamos nossos leitores a consultar o site da Anpuh e do SciELO e baixar nos computadores ou nos leitores digitais os artigos de seu interesse.

Marieta de Moraes Ferreira


FERREIRA, Marieta de Moraes. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.32, n.64, dez, 2012. Acessar publicação original [DR]

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The Druids: A Very Short Introduction | Barry Cunliffe

Quem teriam sido os druidas? A pergunta aparentemente simples tem provocado debates e polêmicas na historiografia contemporânea. Pode-se dizer que esses personagens cercados pelas brumas de antigos mistérios no imaginário popular continuam a despertar, em pleno século XXI, o fascínio e admiração de muitas pessoas.

O livro escrito por Barry Cunliffe, The Druids: A Very Short Introduction busca apresentar ao público e discutir algumas das principais questões envolvendo os múltiplos universos do “druidismo”, a partir de uma perspectiva conciliadora entre Arqueologia, História e Literatura. A obra faz parte de uma coleção da editora da Universidade de Oxford que busca disponibilizar para o público (acadêmico ou não) manuais introdutórios de temas clássicos e atuais escritos por especialistas através de abordagens inovadoras. Os livros que pertencem à série intitulada A Very Short Introduction se caracterizam por um preço acessível, um formato prático e leve (estilo pocket) e, sobretudo, uma linguagem de fácil entendimento. The Druids é o segundo livro publicado pelo autor nesta série, precedido por The Celts (2003). Cunliffe é professor Emérito da Universidade de Oxford onde ocupava a cadeira de titular de Arqueologia Europeia, além de manter vínculos variados com diversas instituições britânicas de pesquisa e de preservação do patrimônio histórico como o British Museum e o English Heritage, dentre outros. De suas obras mais recentes destacam-se: Facing the Ocean (2001), The Extraordinary Voyage of Pytheas the Greek (2001); The Celts: A very short introduction (2003), Europe Between the Oceans (2008) e Celtic from the West: Alternative Perspectives from Archaeology, Genetics, Language and Literature (2010), esta última editada junto com J. T. Koch.

Em The Druids, o autor traça um panorama histórico em relação à figura dos druidas, em um misto de construção e desconstrução. Explora desde os primeiros relatos históricos, que datam do séc. IV a.C. em língua grega, passando pelos textos latinos, os mitos e fragmentos de uma tradição oral antiga cristianizados na literatura vernácula galesa e irlandesa do séc. VIII-XI d.C., até as produções intelectuais mais recentes do séc. XVII e dos românticos dos séculos XVIII e XIX. Aliada a isso, encontra-se uma arqueologia das práticas religiosas a partir da cultura material encontrada na Gália e nas Ilhas Britânicas ao longo de aproximadamente cinco séculos antes da ocupação romana. Desta forma, é apresentada ao leitor uma análise das evidências arqueológicas ressaltando a vida intelectual e os sistemas de crenças dessas populações europeias ao longo da Idade do Ferro – tradicionalmente chamadas de celtas –, a partir de ritos mortuários, sacrifícios, calendários, santuários e estatuetas votivas dentre outros. O que se busca é propor uma reflexão conjunta, aliando os “druidas históricos” descritos nos textos gregos e latinos às evidências materiais de atividades rituais encontradas ao longo da Europa antiga, com textos medievais irlandeses e galeses que representam e evidenciam resquícios de algumas práticas culturais antigas compartilhadas.

Da Proto-História à Antiguidade clássica passando pelo Medievo, Cunliffe apresenta a seguir parte significativa dos movimentos intelectuais de redescoberta do passado a partir do séc. XVII. São destacados os trabalhos de autores tais como John Aubrey, George Buchanan, Aylett Sammes, Paul-Yves Pezron e alguns outros. Assim, o leitor passa a ser gradualmente apresentado ao contexto histórico das principais discussões intelectuais em regiões como a França (e, sobretudo, a Bretanha: região do noroeste francês), a Inglaterra, a Irlanda e a Escócia. O objetivo é mostrar ao leitor a partir de documentos da época (textuais e visuais) como parte considerável do imaginário atual associado aos druidas foi gradualmente construída de uma releitura dos textos clássicos.

A ideia de druidas detentores de mistérios mágicos, construtores de Stonehenge e praticantes de sacrifícios humanos em larga escala como no famoso “Wicker Man” [1], todos esses elementos são explorados por Cunliffe. O autor analisa esses estereótipos a partir de seus locais e contextos de produção, em um jogo de desconstrução de anacronismos que são, de certa forma, duplamente históricos: primeiro, por se proporem a representar sociedades históricas antigas, modelos de representação estes ainda presentes em larga escala no imaginário atual (cf. BIRKHAN, 2009); segundo, porque (por mais anacrônicos que sejam) esses olhares são, eles próprios, dotados de historicidade (cf. LEERSSEN, 1996).

Cunliffe explora a relação entre as artes, a literatura, o Romantismo e os nacionalismos na virada do XVIII, XIX e início do XX, mostrando partes importantes dos usos (políticos) do passado. Chega a apresentar e discutir também o surgimento de novas seitas, grupos neopagãos e ordens neodruídicas, como a United Ancient Order of Female Druids, fundada em 1876 como reflexo das novas dinâmicas de gêneros existentes no interior da sociedade Vitoriana e a Ancient Order of Druids, na qual Winston Churchill foi introduzido em 1908. Boa parte desses grupos existe ainda nos dias atuais, além de muitos outros mais recentes que surgiram nas últimas décadas e se espalharam pelo mundo inteiro – inclusive, no Brasil.

Ao longo desse livro e, sobretudo, em sua conclusão, Cunliffe deixa claro, no entanto, que “os Druidas foram um fenômeno do passado e que esses indivíduos que, desde o século XVII, vêm se denominando de tal forma não são capazes de reivindicar nenhum grau de continuidade com a antiga prática druídica” (CUNLIFFE, 2010: 131). Em outras palavras, as ordens neodruídicas do século XVIII ou dos dias atuais nada têm a ver com os druidas mencionados pelas fontes textuais da Antiguidade ou com os indivíduos que nos deixaram alguns vestígios materiais de atividades rituais realizadas ao longo da Idade do Ferro europeia. Não se tratam, portanto, de perpetuadores de uma tradição ininterrupta ancestral, mas, sim, de releituras sobre esse passado. Talvez este seja um dos maiores méritos da obra: permitir ao público entender, ainda que de forma indireta e não tão explícita, que o termo “druida” é um conceito histórico e plural, cuja acepção varia de acordo com a época. Postura semelhante, aliás, foi defendida pelo mesmo autor a respeito do conceito “celta” (cf. CUNLIFFE, 2003). De certa forma, The Druids: A Very Short Introduction se assemelha ao livro de Detienne (2008): ainda que possua uma estrutura, organização, linguagem, metodologia e propostas completamente distintas ambos permitem entender como partes de um passado antigo se tornam historicamente partes do nosso passado; como identidades são construídas a partir de [re]leituras da Antiguidade e estão enraizadas em nossas percepções e projeções culturais.

Do livro escrito por Cunliffe surge um retrato mais complexo em relação à figura dos antigos druidas e que vai além da representação historiográfica tradicional associada à figura exclusiva de sacerdotes religiosos. Se por um lado a documentação disponível nos dias atuais pode ser considerada lacunar e desafiadora sob vários aspectos, por outro o autor é capaz de relacionar o druidismo antigo com um conjunto maior de transformações sociais, religiosas, políticas e econômicas na região Atlântica da Europa, atestadas desde a metade do segundo milênio antes da era comum (CUNLIFFE, 2010: 134-5). Os druidas aparecem como indivíduos detentores de saberes, que vão desde o domínio da arte do cultivo, dos ciclos naturais e dos calendários lunares, até serem compositores de canções e poemas, intérpretes, adivinhos, professores, filósofos e intermediadores entre os homens e os deuses. Tratava-se muito mais, portanto, de uma elite intelectual que poderia acumular em si diferentes funções que, na Antiguidade, estavam interligadas (CUNLIFFE, 2010: 136).

Outras publicações acadêmicas também direcionadas à discussão da temática dos druidas entre os celtas antigos vêm sendo publicadas ao longo das últimas décadas. Dentre elas se destacam as de Guyonvarc’h e Le Roux (1986), Lonigan (1997), Ellis (2003), Ross (2004), Brunaux (2006), Hutton (2007) e Green (1997; 2010). Tratam-se de diferentes abordagens, com diferentes enfoques. A obra de Cunliffe, por sua vez, se apresenta em meio a esse debate maior como uma contribuição de enriquecimento, redigida de uma forma simples e acessível. Apesar de ser relativamente curta (não mais de 145 páginas), The Druids: A Very Short Introduction representa um livro original na medida em que aborda a figura dos druidas de uma maneira complexa e problematizada, ousando articular diferentes suportes de informação a partir de dados e questões atuais. Particularmente interessante é o modo como o autor é capaz de fazer dialogar evidências históricas que datam da metade do segundo ao primeiro milênios a.C. em uma zona Atlântica de contatos pré-históricos, a fim de mostrar a existência de contatos (religiosos, econômicos, sociais, culturais), trocas e circulações (de pessoas e de ideias) entre diferentes populações – uma característica marcante e recorrente em diversos outros trabalhos do autor.

Discutir o papel histórico dos druidas requer certa sensibilidade e cuidados, não apenas do ponto de vista histórico ou arqueológico, mas também social–contemporâneo. De certa forma, os “druidas” ainda vivem, mesmo sem possuírem quaisquer vínculos com as populações da Idade do Ferro, senão os desejados e sonhados. Parece certo pensar que se toda a tradição e identidade são, de alguma forma, inventadas (HOBSBAWM, RANGER, 2002; MEGAW & MEGAW, 1996: 180), The Druids: A Very Short Introduction, com seu formato modesto, é uma pequena, mas bela contribuição, como Megaw (2005: 66) se referiu ao livro publicado em 2003 pelo mesmo autor, ao entendimento de como os Druidas foram sendo inventados ao longo da História: desde a Antiguidade aos dias atuais.

Nota

1. “O homem de vime” é descrito por César (DBG,VI, 16) como sendo supostamente uma estrutura gigante feita de palha no formato de um homem, onde pessoas seriam aprisionadas e queimadas vivas, como parte de um ritual de sacrifício organizado pelos antigos druidas gauleses. Nenhuma outra referência semelhante é encontrada em nenhum texto antigo. A temática foi amplamente revisitada na modernidade. Na contemporaneidade, o ícone do “Homem de vime” se faz presente em produções cinematográficas de terror com os filmes “The Wicker Man” (1973 e 2006); em um single de 1999-2000 da banda britânica Iron Maiden e em festivais neopagãos.

Referências

Documentação antiga

CAESAR. C. J. The Gallic War. Trad: H. J. Edwards. Cambridge: Harvard University Press/Loeb Classical Library, 2004.

Instrumentais ou específicas

BIRKHAN, H. Por que nos encantamos tanto com os celtas e a ‘elfização’ do mundo?. In: TACLA, A. B.; TÔRRES, M. R. (et alii). Livro de Atas do III Simpósio Nacional e II Internacional de Estudos Celtas e Germânicos. São João Del Rei: UFSJ, 2009, p.15-36.

BRUNAUX, J.L. Les druides: des philosophes chez les Barbares. Seuil: Editions du Seuil, 2006.

CUNLIFFE, B. Europe Between the Oceans: themes and variations: 9000 BC to AD 1000. Yale: Yale University Press, 2008.

____________. Facing the Ocean: The Atlantic and Its Peoples 8000 BC-AD 1500. Oxford: OUP, 2001.

____________. The Celts: A very short introduction. Oxford: OUP, 2003.

____________. The Extraordinary Voyage of Pytheas the Greek. Oxford: OUP, 2001.

CUNLIFFE, B.; KOCH, J. (eds). Celtic from the West: Alternative Perspectives from Archaeology, Genetics, Language and Literature. Oxford: Oxbow Books, 2010.

DETIENNE, M. Os Gregos e Nós: Uma antropologia comparada da Grécia Antiga. São Paulo: Edições Loyola, 2008.

ELLIS, P. B. A Brief History of the Druids. New York: Carroll & Graf, 2003.

GREEN, M. J. Caesar’s Druids. Yale: Yale University Press, 2010.

_________. Exploring the World of the Druids. London: Thames & Hudson, 1997.

GUYONVARC’H, C.; LE ROUX, F. Les Druides. Rennes: Ouest-France,1986.

HOBSBAWM, E; RANGER, T. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

HUTTON, R. The Druids. London: Hambledon Continuum, 2007.

LEERSSEN, Joep. Celticism. In: BROWN, T. Celticism. Amsterdan-Atlanta: Rodopi, 1996, p. 3-20.

LONIGAN, P. R. The Druids: Priests of the Ancient Celts. Westport: Greenwood Press, 1997.

MEGAW, J. V. S. The European Iron Age with – and without – Celts: a bibliographical essay. European Journal of Archaeology, 2005, Vol. 8 (1): 65-78.

MEGAW, J. V. S.; MEGAW, M. R. Ancient Celts and modern ethnicity. Antiquity, 70, 1996: 175-181.

ROSS, A. Druids: Preachers of Immortality. Gloucestershire: Tempus, 2004.

Pedro Vieira da Silva Peixoto – Universidade Federal Fluminense. Mestrando do PPGH-UFF. Bolsista do CNPq. Professor-tutor UNIRIO-CEDERJ. E-mail: [email protected]


CUNLIFFE, Barry. The Druids: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2010. (vol. 232 de Very Short Introductions series). Resenha de: PEIXOTO, Pedro Vieira da Silva. Os Druidas: um passado presente. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.12, n.2, p. 118-122, 2012. Acessar publicação original [DR]

A dinâmica das fronteiras: os brasiguaios entre o Brasil e o Paraguai – ALBUQUERQUE (RTF)

ALBUQUERQUE, José Lindomar Coelho. A dinâmica das fronteiras: os brasiguaios entre o Brasil e o Paraguai. São Paulo: Annablume, 2010, 268p. Resenha de: BALLER, Leandro. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 5, n. 2, jul.-dez., 2012.

De forma clara o autor no início do livro observa as suas relações com os su-jeitos, ou atores sociais da pesquisa, mostrando ao leitor a sua análise metodológica e teórica, sem perder de vista o seu metiê, que é a Sociologia, ou melhor, às Ciências So-ciais, sem, todavia, esquecer dos perigos que uma pesquisa no ambiente fronteiriço re-presenta ao pesquisador.

Isso posto, auxilia na compreensão do objetivo central do trabalho que está ligado a pensar as representações nacionais e as relações de poder entre o Brasil e o Paraguai, a partir dos discursos dos imigrantes, líderes camponeses paraguaios, jornalistas, empresários, religiosos, entre outros. Acredito que as tipologias de fontes utilizadas supriram os objetivos no tratamento da problemática, as entrevistas, as reportagens nos jornais e revistas, e os documentos analisados foram suportes para pensar tais representações, no recorte da análise.

Referente à bibliografia ela se mostrou variada tanto no tocante às explicações teóricas e do tema específico, percebi uma preocupação em aplicar a interdisciplinaridade especialmente na construção textual, mesmo compreendendo que tal preo-cupação é resultado imediato do trabalho de campo, ou seja, não basta utilizar a inter-disciplinaridade referindo-se apenas a autores e obras de outras áreas, mas sim, esta-belecer da melhor forma possível um diálogo interdisciplinar.

As fronteiras são conceituadas na pesquisa como um limite territorial nas migrações fronteiriças, quanto à presença de brasileiros no Paraguai, sem deixar de lado, as questões políticas, jurídicas e culturais. As representações abordadas pelo au-tor muitas vezes são negativas por meio de conflitos violentos e disputas de território, a imigração clandestina, o tráfico de drogas e o roubo de carros é uma das realidades reforçadas pela imprensa, não que isso seja mentira, mas auxilia na estigmatização acentuada dessas ocorrências. O fenômeno da imigração produz pluralidades de fronteiras, entre o material e o simbólico, a abordagem historiográfica como paradigma a ser seguido nos leva a aplicar grande parte de seus significados na Marcha para o Oeste, algumas vezes confundida até mesmo com a abordagem de Turner, como um mito fundacional da identidade que é elaborada pelos historiadores, a percepção da alteridade pelos antropólogos, sociólogos e geógrafos, que tentam explicar o movi-mento migratório no Brasil pelas frentes de expansão e frente pioneira. No caso dos Brasiguaios isso não se aplica nas migrações fronteiriças. O autor reconhece as diferentes perspectivas e inovações no cenário dos atuais estudos fronteiriços especial-mente etnográficos e históricos, e não apenas aqueles que se dão em relação aos estudos que refletem sobre locais privilegiados de análise, dessa forma encontramos nesses atores sociais o cruzador de fronteiras e o reforçador de fronteiras, tais processos po-dem ser vistos nas teorias pós-coloniais.

A articulação do autor entre as vertentes de pensamento se dá de maneira bastante clara, como por exemplo, com o que denominamos na historiografia de pós-moderno. “Os espaços de intercâmbio cultural não significam espaços de integração social. Hibridismo não é sinônimo de integração” (p. 51). O que parece ser uma característica do pesquisador em relação ao tema; quero dizer que a clareza entre correntes de pensa-mento é para mim um “trânsito” intelectual que coloca o autor em evidência na perspectiva dos estudos fronteiriços.

Seguindo como referência as teorias dos movimentos migratórios tradicionais – migrar do mais pobre para o mais rico – a tônica migracional do Brasil para o Para-guai está invertida, e a grande quantidade de brasileiros indo para o país vizinho a par-tir de 1960 e se acentuando na década de 1970 se explica por alguns fatores; como a proximidade geopolítica, a migração espontânea, as políticas de incentivo, a construção da Itaipu, e o boom do comércio fronteiriço.

O autor retoma os principais eventos históricos do século XIX para dar um ponto de partida à sua explicação e mostrar a ocorrência histórica do movimento migratório, bem como denota a situação política entre 1870 e 1932, um período entre guerras que o Paraguai sobreviveu entre golpes políticos. A abordagem que o pesquisador dá na retomada da articulação política entre os dois países após a Guerra da Tríplice Aliança, mostra um período de ditaduras, concessões e apoio, inclusive na construção de grandes projetos. O que se denominou de estratégias geopolíticas que mostrava o crescimento do Paraguai, era na verdade a legitimação do governo de Stroessner (1954-1989), com o Brasil atuando como expansionista e subimperialista naquele país, Stroessner facilitou a entrada e a compra de grandes extensões de terras nas zonas de fronteiras por estrangeiros, entre eles a maioria brasileiros.

No tocante ao comércio e o seu crescimento o autor denota a importância que é a baixa carga de impostos naquele país e o crescimento das cidades mais próximas ao Brasil, o que se percebe é a forma de fazer este comércio “ilegal” de exportação e importação entre os dois países (sacoleiros, muambeiros, camelôs, atravessadores, […]). O que se percebe é que a economia paraguaia se volta para fora do país e não ao seu interior, especialmente uma dependência para com o Brasil, frutos das políticas de expansão dos dois países que ultrapassa os territórios nacionais.

O quantitativo demográfico brasileiro no Paraguai não é exato, até pela diferente metodologia de controle que é exercida pelos dois países, mas por outro lado, é também fruto de interesses políticos e econômicos, seja do governo, da igreja, da imprensa em geral, etc. essa inexatidão não é neutra de valores, e quanto à ilegalidade e legalidade demográfica há um receio político nessas áreas de fronteiras, como, por exemplo, brasileiros “legais” ocupando cargos políticos, ou mesmo em questões mais diretas como a questão de votos e bases eleitorais em cidades nos dois países.

Os fluxos migratórios ao Paraguai são frutos de duas frentes, uma vinda do sul do Brasil – a maior – e outra do norte e nordeste – a menor. O que ocorre segundo o autor, são várias migrações internas no interior do Brasil e depois ultrapassa-se a barreira internacional, como percebemos nas fontes orais (p. 73/74/75), dessa forma há uma mescla migracional e de naturalidade no interior das famílias. O Paraná é uma das últimas fronteiras nacionais em direção ao Paraguai, desses dois fluxos migratórios.

O autor com o auxílio da bibliografia de Sprandel denota classificações ou estratificações sociais dos brasileiros no Paraguai em seis grupos diferentes (p. 76/77). Há outros autores como Oliveira que pensa essas classificações como categorias na-tivas, tendo assim um sentido histórico e analítico mais rico, do que um sistema de conceitos sociológicos. O autor “utiliza também as classificações dos próprios agentes sociais, que a todo instante estabelecem suas hierarquias sociais e as nomeiam de várias formas” (p. 78). Essa realidade é diversa e complexa para o autor, justamente porque a problemática estudada, em relação às identidades dos imigrantes que viera já de regiões distintas do Brasil.

No Paraguai a frente de expansão capitalista atua em antagonismo, pois en-riquece os de “fora”, ao mesmo tempo em que empobrece e expulsa os pequenos agricultores, o que provoca uma mudança nos sistemas políticos e econômicos, justamente por causa dos organismos de fomento – Bancos – com o fim das ditaduras, os agricultores pobres vislumbram novas possibilidades de propriedade no Brasil com o Pl-no Nacional de Reforma Agrária (PNRA), para muitos pesquisadores esse é o movimento que deu origem aos denominados Brasiguaios. Nesse mesmo contexto, os empresários e grandes agricultores se mantiveram no país e se fortaleceram, com outros incentivos, acordos e demandas, como por exemplo, com o Mercosul em 1995 (Tratado de Assunção), especialmente com o plantio de soja e a aplicação de novas tecnologias, sendo desse montante entre 70 e 80% responsáveis os imigrantes e desses em sua maioria brasileiros.

O autor denota alguns exemplos de como essa expansão é desigual no Paraguai. Por exemplo, ele cita a renda per capita no departamento de Alto Paraná no Paraguai que gira em torno de 14 mil dólares, enquanto no restante do país ela cai para aproximadamente 950 dólares. Os principais indicadores dessa expansão é a pre sença brasileira que se dá pelo plantio em larga escala de soja, pela Usina de Itaipu, e pelo comércio da Ciudad del Este, o que de certa forma legitima nesse contexto espacial um crescimento na zona fronteiriça, não descartando em momento algum a expansão em seus moldes para o interior daquele país. No interior do país ocorrem outras formas de vislumbrar essa expansão ocorrendo até mesmo atritos interclasses, haja vista que adentram as áreas dos Menonitas.

Esses atritos e conflitos fazem com que muitos empresários agrícolas, e grandes agricultores brasileiros voltem seus olhares para a aquisição de propriedades no Brasil comprando terras especialmente em MT, RN, PA, e GO. Por outro lado, quem permanece no Paraguai acaba aumentando seu poder econômico e político com a nacionalização dos filhos e descendentes, como ocorre em Santa Rita. “Nessa perspectiva, os estrangeiros seriam os porta vozes dos ideais da modernidade, enquanto os paraguaios seriam tradicionais e atrasados […]” (p. 90).

A influência cultural brasileira no Paraguai se dá muito em relação ao idioma português nas zonas fronteiriças, essa questão mexe com “todos” os aspectos culturais nacionais paraguaios desde as escolas, televisão, rádios, fachadas de lojas, letreiros públicos, entre outras formas. Tais aspectos acabam mesclando as culturas em um com-plexo, ambíguo e ambivalente movimento migratório, com seus conflitos, sejam “bons ou ruins”, em permanente desequilíbrio econômico de um país que se adapta no interior do outro.

O autor explora de maneira hábil as fontes a que se propõe sobre os conflitos na zona de fronteiras, mostrando a perspectiva bilateral das questões que envolvem brasileiros e paraguaios, e ainda que há outros imigrantes que não são brasileiros nestes locais. Existe até mesmo de maneira bastante visível uma tendência conflituosa entre paraguaios e indígenas naquele país, o que mostra que as relações de poder não são uníssonas. Aparecem nesse contexto de disputas de terras as várias narrativas coletadas pelo autor como a visão de paraguaios, brasileiros, jornalistas, autoridades, professores, motoristas, diretores de escolas, entre outros profissionais e segmentos. Muitos deles pela perspectiva do autor buscam mostrar a origem do movimento migratório para o Paraguai na “oferta” que se dava no período ditatorial em ambos os países.

Atualmente e na visão do autor ele percebe as formas de resistência nestas relações de poder, bem como se ordenam os discursos políticos de políticos brasileiros no Paraguai, e de discursos políticos paraguaios, ou seja, as decisões se dão na maioria das vezes obedecendo a conjunturas políticas da atualidade, e propósitos políticos lo-cais, sempre atuando sobre forte pressão, um exemplo, é a aprovação da Lei de Segurança Nacional Fronteiriça, que antes era defendida sob o jugo da questão territorial e não era aprovada, no momento de sua aprovação ela foi defendida enquanto propósito da identidade e do nacionalismo. E mais atualmente a criação do Mercosul deu espaços de infiltração multinacional nessas mesmas áreas. Considero as percepções do autor excelentes ao remeter muitas dessas questões atuais a um passado memoria-lístico dramático nas relações dos dois países, ou seja, mesmo em momentos de “apa rente” tranqüilidade, a disputa é um ponto efervescente em qualquer discussão entre pessoas desses dois países, seja nos meios políticos, intelectuais especialmente de es-querda, e muito mais ainda entre proprietários e campesinos, isto é, se estabelece na percepção do autor uma disputa cotidiana no senso comum. E este aspecto mostra co-mo o autor se relaciona com seus interlocutores, bem como, a maneira como explora a literatura em relação ao método da História Oral.

A narração histórica da nação na fronteira ocorre por recortes sincrônicos, sem uma perspectiva linear, dilemas que remontam aos impérios metropolitanos, sem-do primeiro por questões religiosas – Jesuítas – depois por questões de enfrentamento – Guerra da Tríplice Aliança – e por último a influência geopolítica – proximidade territorial – entre Brasil e Paraguai.

O autor percebe um discurso atual no Paraguai que os leva a uma imagem negativa da presença dos brasileiros, como os coloniais Bandeirantes, esses discurso se fortalece com a monumentalização dos locais de memória, que para as “pessoas comuns” possui um valor simbólico importante. A visualização é propagada por bispos que exercem forte influência política, além de religiosa em alguns Departamentos, por outro lado, estes discursos sofrem resistências internas por parte da imprensa que muitas vezes defende os brasileiros que ali residem. Nota-se que as fronteiras imprecisas do século XVII, fazem com que religiosos até hoje se vejam como guardiões das fronteiras, como ocorria, por exemplo, com as reduções indígenas, o Paraguai atual-mente herda excessivamente esse discurso, de proteção espanhola, seja na Argentina guaranítica, e nas margens dos grandes rios dessas regiões. O Brasil traz consigo o es-tigma de imperialista e/ ou expansionista, como se apresentavam os Bandeirantes do Século VXII, contra os indígenas convocados pelos espanhóis para defender esse território.

Outros defendem o progresso que os brasileiros levam ao Paraguai, podemos perceber isso como uma luta simbólica, em que o brasileiro está em permanente avanço silencioso no outro país, na visão de segmentos de esquerda. Não se negou em mo-mento algum a ressignificação da memória que se herdou das duas batalhas – Tríplice Aliança, e Guerra do Chaco. Bem como, os marcos simbólicos de ambas que se juntam num mesmo sentimento nas experiências bélicas do passado, reforçando com isso o nacionalismo paraguaio. Pelo lado brasileiro essas experiências segundo o autor podem ser denotadas pelos escravos, ou seja, as questões bélicas funcionam como um espécie de calvário para o Paraguai. Terminam-se os combates, mas continuam as lu-tas simbólicas de heróis e traidores. O autor retoma e conduz muito bem o revisionismo historiográfico do pós-guerra no Paraguai, especialmente com Leon Pomer, Ju-lio José Chiavenatto, e Francisco Doratioto, sem deixar de lado outras abordagens so-bre a questão, como uma que se apresenta nos livros didáticos do Paraguai em que a figura de Solano Lopes não é aceita como herói pelos próprios paraguaios.

Nesse ínterim a figura de Stroessner não demora à aparecer como o “pa-triarca do progresso”, sendo ele o principal personagem da imigração brasileira para o Paraguai, essa questão durante anos personificou sua imagem com o auxílio das forças armadas, às vezes se compara à outros heróis do passado surgindo lado-a-lado com outros famosos personagens. Em 35 anos de ditadura ele apoiou a entrada de capital estrangeiro e de imigrantes com o “intuito” de desenvolver o país, uma ditadura personalista que viu desde a ascensão com a construção da Usina de Itaipu Binacional, até a decadência com o final das ditaduras na América do Sul. Mas para o povo para-guaio apenas em 2008 se rompeu com o Partido Político Colorado e os ideais de Stroessner com a eleição do bispo Fernando Lugo, nota-se uma espécie de nostalgia a Stroessner no Paraguai, que o autor denota como a necessidade de uma construção identitária forte e coletiva espelhada no General, especialmente para pessoas que viveram naquele período, bem como pelos imigrantes brasileiros que foram favorecidos pelo seu sistema de governo.

As lembranças dos momentos significativos servem para demarcar fronteiras políticas e culturais, e reafirmar identidades nacionais no confronto contemporâneo na zona fronteiriça […], as recordações do passado servem para reativar e alimentar os sentidos das lutas do presente” (p. 159). Percebe-se que de uma coletividade pode haver a reativação e intensificação dos ressentimentos, reafirmando inferioridades e superioridades nacionais.

O autor denota o “jogo” de representações que se configuram, nestas “fronteiras entre ‘nós’ e ‘eles’”, a partir de discursos classificatórios entre imigrantes brasileiros e os paraguaios, faz inclusive uma rememoração no tempo histórico na in-tenção de mostrar os caracteres do jogo identitário e de alteridade, desde o movimento migratório europeu para a América e em consequência para o Brasil e seus principais descendentes – italianos, alemães, portugueses, holandeses (…). Nesse sentido, muito do que é representado no Paraguai é o que se herdou desses discursos provindos da Europa, com ideologias prontas e que são reproduzidas no Paraguai, como por exemplo, a ideologia do trabalho, da limpeza, da organização, e a valorização dessa cultura considerada superior tanto por parcelas paraguaias, quanto por parcelas brasileiras. Esse ethos classificatório mostra na relação entre as pessoas dos dois países a gestação de preconceitos que também ganham força em outro tempo histórico – a Guerra da Tríplice Aliança no século XIX.

Tais analises valorativas mostradas por meio de suas fontes cria estigmas que provocam outras conseqüências, como as ondas nacionalistas nesses países e a construção de discursos de ambos os lados que fazem com que se generalizam aspectos culturais, sociais, agrícolas, econômicos, religiosos, entre outros, nos dois países. Esses aspectos estigmatizantes encontram teses que advém do período colonial, como já foi posto anteriormente. A relação de poder nessa construção de discursos encontra variá-veis que servem para denotar a realidade, ou para atender um objetivo atual ligado a questões políticas e de propriedade, o que o autor chama de figuração de poder, que está diretamente permeada nas relações de poder, momentos em que as construções das imagens são feitas, aparecendo geralmente o valorativo superior e inferior, isto é, é a produção das identidades que estão em disputa, em um meio bastante dinâmico que são os movimentos migratórios nas zonas fronteiriças e nesse contexto “todos” os fa-tores culturais estão atuantes.

Talvez a grande expectativa que o autor lançou e que é difícil de conferir em sua escrita clara e objetiva, é de como legitimar estes discursos, por se tratar, como ele mesmo afirma, de realidades heterogêneas, e de representações homogêneas, para isso o esforço do autor é interessante, pois a percepção desses discursos classificatórios neste contexto fronteiriço é um jogo de expressões que de certa forma explicam tais expectativas como disputas simbólicas, em que se percebe as resistências, as imposições, as micro relações sociais, as tensões culturais e especialmente como isso “tudo” é res-significado pelas pessoas, isso quer dizer “os termos estão em permanente mudança de sentido e são ativados conforme as relações conflituosas que se estabelecem no cenário das relações interculturais” (p. 191). As relações discursivas muitas vezes são produzidas pela imagem do espelho do ‘outro’, e este ‘outro’ não pode ser generalizado, seja em seu espaço, tempo, ou história. Enfim o que denota-se aqui é um Brasil com aspectos supe-riores, e um Paraguai inferiorizado.

Acredito que as identidades fronteiriças é o cerne da pesquisa do autor, o entrelaçamento das propostas que discute no decorrer do livro, é resultado de uma extensa pesquisa. Consolidar identidades a meu ver é impossível, em um ambiente fronteiriço e que envolvem práticas culturais discrepantes, e a latente sociabilidade co-mo percebe-se na coexistência entre brasileiros, paraguaios, e Brasiguaios, isso se torna ainda mais complexo, pois não existem construções/produções/processos humanos eternos, e a identidade faz parte desse jugo em meio as expressões e dos discursos pro-duzidos e que alimentam essas práticas e o seu cotidiano; como ocorre com a im-prensa, intelectuais, políticos, empresários, religiosos, camponeses, campesinos, entre outros grupos, sejam eles grupos étnicos, nacionais, de proprietários, comunidades, etc.

Percebe-se que são os vários conflitos de ordem objetiva e subjetiva que demonstram a complexidade da pesquisa, ao observar a tentativa de construção indentitária como algo que não age sem a resistência de grupos, comunidades, nações, etnias, ou seja, as relações de poder que o autor inúmeras vezes aborda é uma complexa rede de simbologias e concretudes que não se auto explicam, muito pelo comtrário servem para legitimar perspectivas despreparadas que não percebem a ambiva-lência que está alocada nos dois lados desses países, isto é, o olhar bilateral do autor nos leva a ver que a noção de cidadania se conquista e se perde ao longo do processo histórico que existe enquanto ocorrência histórica entre Brasil e Paraguai, e posterior-mente com os Brasiguaios. Uma história que tem genealogia próxima de meio século de ocorrência e que sofre interferências desde o século XVII, até a atualidade.

As práticas culturais que fazem parte da convivência de brasileiros e paraguaios considerados “puros” são claras, como por exemplo, a música, o tererê, o idio-ma, a moeda, as escolas, as famílias […]. Tais práticas corroboram na hibridação desse novo grupo e dos considerados “puros” como um processo inacabado. Por último concordo com a abrangência maior que o autor dá ao termo Brasiguaio, algo que já de-fendi em outros estudos, isso quer dizer que a compreensão em torno do que é ser brasiguaio é independente do entendimento desse grupo, como sentido de etnicidade; quero pensar que muitos estudos auxiliam a pensar esta perspectiva enquanto escolha teórica e metodológica em relação ao tema, mas que não dá conta da totalidade que representa a formação do grupo, bem como a sua manutenção no tempo presente, sem, todavia deixar de reconhecer a importância de outras abordagens, no ambiente fronteiriço, especialmente entre os conflitos harmoniosos ou de tensões que o Brasil mantem com os países vizinhos na América do Sul.

As hipóteses de futuras e prováveis pesquisas que o autor levanta no final do livro são riquíssimas, justamente por que não se pode cair em perspectivas generalizantes em relação às fronteiras e aos países e suas gentes que circundam o Brasil. Ou seja, cada caso possui suas especificidades. Acredito que a mobilidade do autor em re-lação às diferentes “correntes” de pensamento, seja na Sociologia, na Antropologia, na Geografia e na História, é importante para a que a obra não sofra classificações teóricas e metodológicas, quero dizer que a preocupação em abordar diferentes perspectivas como a pós-modernidade, o marxismo, a história do tempo presente, a história oral, a imprensa, entre outras sintetiza para o leitor não especialista no assunto uma realidade complexa da fronteira e que pode ser compreendida por meio das fontes trabalhadas, independente das questões simétricas ou assimétricas sobre a identidade. Esta resenha não substitui a leitura integral do livro, tem como objetivo, estabelecer pontos de reflexões e de abordagens que a pesquisa do autor denota.

Leandro Baller – Universidade Federal Mato Grosso do Sul. Centro de Ciências Humanas e Sociais Campus de Nova Andradina, Cidade Universitária Rodovia MS 134 Km 3. CEP 79750-000. Nova Andradina – MS – Brasil. E-mail: [email protected].

Povos indígenas no Caribe contemporâneo / Revista Brasileira do Caribe / 2012

A Revista Brasileira do Caribe, sob a direção atual da professora Isabel Ibarra Cabrera, historiadora da Universidade Federal do Maranhão que já organizou vários fascículos e se encontra vinculada à Revista desde sua fundação, conta também com o apoio da fundadora e diretora anterior de longos anos, professora Olga Cabrera. A Revista está fortemente comprometida com o projeto de desenvolver os estudos do Caribe no Brasil vinculados também com outras culturas e com suas matrizes africanas.

Foi-me uma grande honra receber convite da professora Isabel Ibarra para colaborar na organização de um dossiê que abrangesse, entre outros temas, artigos que tratam da questão indígena na região do Caribe. Ao abordar povos indígenas no Caribe, resolvi incluir artigos que versam sobre alguns povos indígenas contemporâneos em toda a região do Maciço Guianense do norte da América do Sul, região de maior concentração dos povos indígenas que pertencem à família linguística Caribe, incluindo, também, o litoral norte da América do Sul, as ilhas do Caribe e a região Circum-Caribe mexicana. Além de povos indígenas da família linguística Caribe, essa região também abarca outros povos indígenas da família linguística aruaque, alguns povos da família tupi e outros povos de famílias linguísticas menores. Em uma tentativa de caracterizar ospovos de línguas caribe da América do Sul na década de 1970, Ellen Basso (1977) separa oito características que julga serem tipicamente caribes, relacionadas, em parte, a fatores ecológicos. Entretanto, esses traços são encontrados em muitas sociedades indígenas, revelando que diferenças linguísticas não coincidem necessariamente com diferenças socioculturais. Focalizando os povos indígenas do maciço guianense, Peter Rivière (2001 [1984]), na década seguinte, desenvolve uma teoria a partir de um estudo comparativo da organização social ameríndia,

de que os povos da região guianense representariam, ao serem comparados com os povos de línguas jê e os povos do Alto Rio Negro, a cultura das Terras Baixas da América do Sul em sua forma mais simples de todas as possibilidades, referindo-se a possibilidades lógicas, e não como a origem da cultura. Segundo esse autor a economia política das sociedades indígenas da região guianense preocupa-se com o gerenciamento das capacidades produtivas e reprodutivas dos indivíduos, homens e mulheres, sobretudo das mulheres que constituem um recurso escasso. A partir de estudos realizados por pesquisadores do seu grupo de pesquisa centrado na Universidade de São Paulo, sobre os sistemas indígenas multilocalizados de comunicação e intercâmbio na região das Guianas, Dominique Gallois (2005) implode qualquer tentativa de fazer um recorte étnico dos povos indígenas dessa região por ser inadequado para explicar essas sociedades indígenas,ressaltando a importância de estudos da história. Em trabalho publicado no mesmo volume organizado por Gallois, a pesquisadora Denise Fajardo Grupioni (2005) questiona a caracterização típica feita por Rivière e propõe, a partir de uma abordagem que leva em consideração o espaço e o tempo, em que “abertura e fechamento, dispersão e isolamento, exogamia e endogamia, descendência e aliança não se excluem, mas se opõem de forma complementar (2005, p.50)”. Enquanto crescer o número e a qualidade das pesquisas etnológicas com povos indígenas nas Guianas, revela-se uma enorme diversidade sociocultural entre os povos dessa região, e histórias particulares e regionais do contato interétnico entre povos indígenas e as sociedades nacionais, em que as pesquisas sobre temas diversos se complementam. A obra de Nádia Farage (1991) sobre a colonização do rio Branco apresenta uma rica história dos povos indígenas da região guianense, como também o livro de Paulo Santilli (1994) sobre as fronteiras da República do Brasil, e a obra de Niel Whitehead (1988) sobre a história dos povos caribes na Venezuela e na Guiana em tempos coloniais.

O dossiê “Povos Indígenas no Caribe contemporâneo” inclui seis artigos sobre povos indígenas atuais e cinco artigos históricos e literários.

O primeiro artigo, “Dispersão e Concentração Indígena nas Fronteiras das Guianas: análise do caso kaxuyana” de autoria do professor Ruben Caixeta de Queiroz da Universidade Federal de Minas Gerais junto com Luisa Gonçalves Girardi, aborda o povo indígena kaxuyana que habita um tributário direito do médio rio Trombetas, localizado na porção brasileira da Amazônia Setentrional. No final dos anos 1960, esse povo, assolado por doenças trazidas pelas frentes de colonização, dividiu-se, uma parte mudando para o rio Paru de Oeste, outra parte para o rio Nhamundá. Por meio de casamentos com índios Tiriyó no Paru de Oeste, e com os índios Hixkaryana no Nhamundá, a população kaxuyana voltou a crescer, e após quatro décadas separadas, estas duas frentes voltaram a se reunir no seu lugar de habitação tradicional, onde fundaram duas aldeias próximas e distantes ao mesmo tempo para garantir a boa relação dos grupos.

O artigo seguinte, “A Vontade de Saber – a escola e o mundo das profissões entre os Ye’kuana”, escrito por Karenina Vieira Andrade, professora do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais, trata da busca da educação superior por parte do povo indígena Ye’kuana, cujas terras se localizam na fronteira entre o noroeste do estado de Roraima no Brasil e os estados de Bolívar e Amazonas no sul da Venezuela. Na mitologia ye’kuana, Wanaadi, o demiurgo ye’kuana, criou, dentre outras coisas, o papel e a escrita para enganar o anti-herói Odo’sha. Nos últimos anos os Ye’kuana têm se envolvido em um processo acelerado pela formação dos

primeiros professores ye’kuana na licenciatura intercultural do Instituto Insikiran da Universidade Federal de Roraima, e de repensar a escola indígena. Apesar da sua história violenta de contato com a população não-indígena, os Ye’kuana buscam se reinventar novamente por meio da profissionalização no mundo dos brancos, mantendo sua própria cultura.

O terceiro artigo, “Una montaña bañada por el mar: La Sierra Nevada de Santa Marta en el Caribe Colombiano” de autoria de José Arenas Gómez, aluno de Pós-Graduação do Departamento de Antropologia da UnB, aborda a Sierra Nevada de Santa Marta no litoral Caribe da Colômbia, região onde, conforme ressalta esse autor, os estudos

que se têm realizado nos diferentes campos do conhecimento não parecem transcender as fronteiras físicas da zona, e em decorrência disso muitos dos elementos mais interessantes dos grupos ijka, kággaba, viwa y kankuamo, seus habitantes indígenas, são desconhecidos no âmbito acadêmico internacional. O autor analisa aspectos destas comunidades indígenas com o objetivo de abrir possibilidades de diálogo tanto com as zonas vizinhas quanto com outras regiões geograficamente distantes como a Amazônia, que compartilham elementos etnológicos.

O quarto artigo do dossiê, “Estratégia de Aumento de Valência: A Construção Causativa em Waimiri Atroari (Carib do Norte)” da antropóloga e linguista Dra. Ana Carla Bruno, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA/CSAS propõe descrever e analisar alguns aspectos da morfologia verbal concentrando-se em algumas questões comoa estratégia de aumento de valência e a construção causativa na língua waimiri-atroari. Os Waimiri Atroari, povo indígena que habita o norte do estado do Amazonas e sul de Roraima, no Brasil, em comum com outras línguas da família Carib, falam uma língua cuja estrutura do verbo é basicamente prefixo-raiz sufixo. A análise linguística revela que os prefixos, nesta língua, usualmente marcam a pessoa e os sufixos marcam tempo/aspecto/ modo, negação, nominalização e mudança de valência através do processo de causativização.

O quinto artigo “Os povos indígenas Wapichana e Makuxi na fronteira Brasil-Guiana, região do Maciço Guianense”, de autoria de Stephen G. Baines, professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília e pesquisador do CNPq, aborda as estratégias narrativas entre os Makuxi e Wapichana que vivem ao longo da fronteira internacional entre o Brasil e a Guiana de se reafirmarem etnicamente a partir da crescente consolidação do movimento indígena desde a década de 1970 até o momento. A história indígena é acionada por lideranças dentro do contexto dos Estados nacionais como uma apropriação do passado para fortalecer as identidades indígenas em lutas políticas atuais. Os discursos dos Makuxi e dos Wapichana, cujos territórios tradicionais foram divididos pela fronteira internacional em 1904, revelam as contradições e as ambiguidades dos discursos governamentais dos respectivos Estados nacionais a respeito de nacionalidade e etnicidade.

O sexto artigo “Migraciones mayas y yucatecas a Cuba; notas etnográficas”, escrito pela antropóloga Victoria Novelo O. do Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social (CIESAS), México, versa sobre os Yucatecos que, desde

o início da colonização do México participaram de um processo migratório à Ilha de Cuba. Segundo a autora, os maias foram, na maioria dos casos, levados pela força à Cuba colonial para servir como trabalhadores domésticos e da construção. No séculoXIX foram enviados como prisioneiros feitos durante o conflito conhecido como “guerra de castas” em Yucatán e vendidos como escravos. No século XX os migrantes são mais variados, incluindo diaristas e operários, políticos, professionais, artesãos, músicos, artistas, sacerdotes e outros. A migração yucateca e mexicana ao longo dos séculos deixou uma herança cultural visível na cultura popular cubana.

O sétimo artigo, em Artigos históricos e literários, “La apuesta por el “Guano” en Puerto Rico: exploraciones científicas, desempeño empresarial y mercado internacional”, escrito pelos professores María Teresa Cortés Závala e José Alfredo Uribe Salas da Universidad Michoacana de San Nicolás de Hidalgo, México, trata da história do “guano” das ilhas caribenhas de Mona e Monito que, a partir da metade do século XIX, havia penetrado no imaginário científico e popular de Espanha como a panaceia para potenciar a produção agrícola e diversificar seus cultivos, e como uma saída à crise do açúcar nos domínios espanhóis de Cuba e Puerto Rico. O crescimento de demanda levou o governo da Espanha a financiar expedições nas ilhas Mona e Monito, no Caribe, com a finalidade de determinar seu valor no mercado. O resultado revelou que se tratava de um mineral com rico conteúdo de cal-fosfato A exploração do minério utilizou mão de obra barata das ilhas de Guadalupe e Bahamas, e deixou pouco para a economia local, até que nos anos de 1920 e 1930 o crescimento da indústria química tornou sua extração obsoleta.

O oitavo artigo, “Uma janela sobre o Haiti: estórias andantes de uma blanc no Caribe” escrito por Pâmela Marconatto Marques, da Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, propõe uma estética híbrida: é testemunho de viagem atravessado por elaborações poéticas de uma brasileira em sua “viagem de descobrimento” ao Haiti. Conforme a autora, se a estética é ambígua, a ética do trabalho, entretanto, é uma e bem definida: “contar” um Haiti pouco conhecido dos brasileiros, sendo mais complexo e mais humano.

O nono artigo, “A Guiana Francesa, entre o pós-colonialismo e a afirmação nacional” de autoria de Charles Benedito Gemaque Souza, pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos/UFPA, aborda a Guiana Francesa, região administrativa da França metropolitana no litoral norte da América do Sul, sociedade etnicamente diversificada que abarca todas as contradições do pós-colonialismo. O modelo estatal francês universalista e integracionista não tolera as diferenças seja aquelas trazidas pelos imigrantes ou originárias dos povos indígenas, e o processo de descolonização reproduz as velhas políticas de dominação colonial.

O décimo artigo desse dossiê, “Notas historiográficas sobre la elección presidencial de Tomás Estrada Palma y el establecimiento de la República cubana, 1902”, escrito pela pesquisadora María del Rosario Rodríguez Díaz, do Instituto de Investigaciones Históricas, da Universidad Michoacana de San Nicolás de Hidalgo, objetiva mostrar as tendências gerais da historiografia cubana referente às diferentes discussões que a primeira eleição presidencial na Ilha provocou na narrativa histórica cubana em datas recentes. A autora focaliza textos de dois acadêmicos cubanos, Ana Cairo e Yoel Cordoví, ambos representantes ambos do mais atual da historiografia em torno ao estabelecimento da República em Maio de 1902.

O décimo primeiro e último artigo, escrito pelo professor Amailton Magno Azevedo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, intitulado “Gilberto Gil e Caetano Veloso: ser jovem nos alegres tristes trópicos” visa à identificação e à reconstrução de rastros de um modo de juventude no Brasil a partir das trajetórias musicais de Gilberto Gil e Caetano Veloso nos anos 1960 ao início dos anos 1980. O autor enfatiza que, com as obras desses dois artistas musicais, surgiu a construção de uma nova experiência juvenil no Brasil que moldou uma estética de ser e estar no mundo.

O dossiê apresenta uma variedade de temas, todos versando sobre a região Caribe tomado em sentido amplo. Espera-se que este dossiê apresenta uma contribuição para os estudos dessa região.

Referências

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FARAGE, Nádia. As Muralhas do Sertão: os povos indígenas no rio Branco e a colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS, 1991.

GALLOIS, Dominique Tilkin. Introdução: percursos de uma pesquisa temática. In: GALLOIS, Dominique Tilkin (org.) Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 6-22.

GRUPIONI, Denise Fajardo. Capítulo 1 Tempo e espaço na Guiana indígena. In:

GALLOIS, Dominique Tilkin (org.) Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Associação Editorial Humanitas: Fapesp, 2005, p. 23-57.

RIVIÈRE, Peter. O Indivíduo e a Sociedade na Guiana: um estudo comparativo da organização social ameríndia. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001 [Cambridge University Press, 1984].

SANTILLI, Paulo. As Fronteiras da República: história e política entre os Makuxi no vale do rio Branco. São Paulo: NHII – USP; FAPESP, 1994.

WHITEHEAD, Niel. Lords of the tiger spirit: a history of the Caribs in colonial Venezuela and Guya na, 1498-1820. Dordrecht, Holland; Providence, U.S.A.: Foris Publications, 1988.

Stephen G. BainesProfessor Associado 3, Departamento de Antropologia, UnB; Pesquisador 1A do CNPq.


BAINES, Stephen Grant. Povos indígenas no Caribe contemporâneo. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.13, n.25, p.7-14, jul./dez. 2012. Acessar publicação original. [IF].

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Sur le désir de se jeter à l’eau – QUIGNARD; FENOGLIO (A-EN)

QUIGNARD, P.; FENOGLIO, I. Sur le désir de se jeter à l’eau. Paris: Presses Sorbonne Nouvelle, 2011. Resenha de: GALÍNDEZ-JORGE, Verónica. Surpreenda-se com o direito à propriedade. Alea, Rio de Janeiro, v.14, n.2, jul./dec., 2012.

Há anos conhecemos obras dedicadas aos manuscritos de escritores. Dos cadernos manuscritos publicados sob a forma de fac-símiles com transcrições, às edições fac-similares de rascunhos; da publicação da fábrica de Francis Ponge, aos estados não acabados de edições de obras completas. O público, seja ele universitário ou não especializado, terá praticamente visto de tudo. Ora, foi necessário esperar esta última empreitada para que a literatura e a crítica testemunhassem um diálogo inédito, do qual nos foram legados apenas vestígios, certamente, mas, mais importante, reflexões.

Por um lado, temos o escritor, para quem a empreitada genética será objeto de análise antes de tornar-se algo próprio. Do outro, o investigador, que procura a gênese in vivo e que se verá dividido entre a construção da distância crítica e a proximidade do corpus que lhe é confiado diretamente.

Sur le désir nos apresenta a reprodução dos manuscritos de trabalho, com anotações e desenhos que compõem o dossiê genético de Boutès, de Pascal Quignard, publicado em 2008 pela editora Galilée e acompanhado de textos – as categorias narrativas não são úteis para descrevê-los – , dois que pertencem ao escritor e três à crítica e diretora de pesquisas do ITEM (Instituto de Textos e Manuscritos Modernos), Irène Fenoglio. Esses textos são testemunho da amizade que se construiu entre os dois, mas também de um pacto tácito de generosidade. O leitor confirmará a generosidade do escritor para com a crítica, mas também desta para com o escritor e dos dois, tornados autores deste livro, para com o público. De modo algum trata-se aqui de demonstrar um percurso de criação, como poderia dar ler a reprodução dos manuscritos, mas de tornar público um processo, uma aprendizagem, o desafio que se coloca às duas partes implicadas. A empreitada deste livro poderia ser situada muito mais do lado da criação de um novo tipo de corpus que do lado da constituição de um processo que se daria a ler e analisar.

Os dois, Quignard e Fenoglio, se lançam nos manuscritos, assim como faz Boutès, para efetivamente ouvir o canto das sereias, para a escuta recíproca. Os textos descortinam o contexto deste projeto, as condições nas quais os manuscritos foram arquivados para serem posteriormente transmitidos ao investigador, que se interroga sobre como lê-los, como abordá-los.

Não se trata, como sugerido em outro lugar, de um dossiê escapado das chamas – Quignard costuma queimar seus manuscritos, ato que já foi filmado uma vez – mas da formalização de uma troca de natureza rara em nossos tempos: a da partilha. “Normalmente destruo tudo para que o quarto fique vazio. Para que a casa fique fazia. E também para que a vida fique vazia.

Aceitei. Irène Fenoglio ensinara-me tanto – desenganara-me tanto – sobre o meu próprio trabalho”, afirma Quignard.

O escritor não se contenta em conservar seus traços para que outro avalie seu trabalho, ou sua eventual genialidade, mas decide lançar-se em um diálogo com a pesquisadora. Desse processo repleto de questionamentos, surge o projeto editorial que contempla a publicação dos manuscritos. Esse primeiro projeto não será publicado.

Por sua vez, a pesquisadora tenta compreender as razões que levam-na a querer trabalhar sobre manuscritos tão contemporâneos, ultracontemporâneos: “[…] sempre pareceu-me que compreender o processo de criação pela escrita se beneficiaria de um olhar que fosse orientado para o que se escreve hoje, no tempo de um atual questionamento sobre a escrita”. E esse objetivo é trabalhado sob forma de apresentação da escrita de Pascal Quignard, das pistas que permitem que o leitor leia os manuscritos publicados à sua maneira. Assim, os textos de Fenoglio apresentam as diferentes materialidades do conjunto genético: desenhos, fotos impressas, folios impressos a partir do uso de editor de texto e anotações manuscritas, papeletas manuscritas, para descrever um gesto de escrita, assim como suas “quedas” e questões relativas à própria possibilidade de leitura de manuscritos. “Abrir o manuscrito permite passar o limiar, introduzir-se atrás da tela que o escritor constrói para si mesmo para, atrás dela, retirar-se. É crer na possibilidade de introduzir-se. De fato, permanecemos sempre sobre o limiar para passar ao ato do nosso próprio desejo”.

Essas mesmas “quedas” serão objeto de escritos inéditos de autoria de Quignard e que formalizam a atividade de escrita tal como parece vivê-la: “Rupturas de oralidade, é o que são os livros”.

Ainda que a pesquisadora nos chame a atenção: “Um manuscrito não se abre“. Ainda que previna que o leitor se perderá, ele reencontrará, neste diálogo único e original, a essência de Boutès, o “único herói da antiguidade que terá tido a audácia de mergulhar no mar para juntar-se às sereias”.

Trata-se, sem dúvida, de uma obra que acabará questionando os criadores e os pesquisadores, dado que será necessário incorporar definitivamente a materialidade dos manuscritos como evidência de diálogo à toda reflexão sobre a criação. Se por acaso a crítica vê-se incapaz de reconstituir um eventual interlocutor, pelo menos emergirá o diálogo que o ato em si, aquele de guardar vestígios, estabelece com a escrita como ato, como política, como partilha.

Verónica Galíndez-Jorge – Professora de literatura francesa na área de Estudos Linguísticos, Literários e Tradutológicos em Francês do Departamento de Letras Modernas da USP. É autora de Fogos de artifício. Flaubert e a escritura. Traduziu, em colaboração com Roberto Zular, a coletânea de poemas franceses Dois ao cubo. Alguma poesia francesa contemporânea. Atualmente dirige a coleção Ecritures du XXIe siècle com Irène Fenoglio, dedicada a mapear e analisar a produção literária contemporânea. E-mail: <[email protected]>.

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Mundo Antigo | UFF | 2012-2017

Revista Mundo Antigo

A Revista Mundo Antigo (Campos dos Goytacazes, 2012-2017) é um periódico científico e de acesso aberto (Open Access Journal). A revista é especializada em  História Antiga, História Medieval e Arqueologia, e é publicada pelo  Núcleo de Estudos em História Medieval, Antiga e Arqueologia Transdisciplinar (NEHMAAT) subordinada ao Departamento de História de Campos dos Goytacazes – Universidade Federal Fluminense. Este periódico tem por objetivos:

  • Promover o intercâmbio entre pesquisadores, professores e pós-graduandos do Brasil e do exterior.
  • Disseminar pesquisas de professores e pós-graduandos do Brasil e do exterior.
  • Permitir acesso mais ágil e fácil a produção acadêmica de modo a ser usada em pesquisas futuras por discentes e docentes.
  • Estimular a produção de conhecimento sobre a História Antiga, História Medieval e Arqueologia Antiga.
  • Divulgar publicações, eventos, cursos e sites, quando possível, de modo a contribuir com a pesquisa docente e discente.
  • Estabelecer uma relação entre mundo antigo e mundo contemporâneo, quando possível, para uma melhor compreensão dos processos históricos.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2238-8788

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Diáspora, literatura e arte / Revista Brasileira do Caribe / 2012

Como afirma Brah (1996) na diáspora múltiplas posições de sujeitos se justapõem, se questionam, se proclamam, negam e se narram. A região do grande Caribe tem na diáspora experiências fundamentais para entendermos a história de sua sociedade e sua cultura. Seja no que diz respeito às emigrações de caribenhos para a Europa, América do Norte ou do Sul no século XXI, seja no que concerne à diáspora africana, do período moderno, ou as diásporas europeias mais recentes como aquela vivenciada pela comunidade de espanhóis fugidos da queda da República. Isso sem contarmos a diáspora síria, libanesa e chinesa do começo do século XX. Outrossim, a migração de trabalhadores indianos contratados deve ser lembrada.

A diáspora tem sido pensada como intersecção da errância com a fronteira, da localização com o deslocamento; é ponto confluência de processos econômicos, sociais, políticos, culturais ocasionados no trânsito, no deslocar-se. Nesse sentido, como parte da história caribenha, ela marcou as experiências e se constituiu em contextos fundamentais de produção artística e literária caribenha, quando não tema para artistas e escritores caribenhos diaspóricos ou não. Não poucas vezes, para retomar a expressão de Hall (2003) eles foram obrigados a pensar as suas sociedades na diáspora.

Esse número da Revista Brasileira do Caribe reúne textos sobre a relação entre Diáspora, Literatura e Arte no Caribe, fruto do trabalho de cooperação em rede entre grupos de pesquisa das Universidades de Granada, Carlos III y Autônoma de Barcelona, a Filmoteca de Madri, na Espanha, a Universidade Federal do Tocantins, Universidade Federal de Goiás e Universidade Federal de Maranhão, no Brasil e a Universidade do Atlântico, na Colômbia. Abre o Dossiê o artigo “Anecdotario de una visa imaginaria. Diáspora y activismo en la obra de Jean-François Boclé,” que analisa a produção artística da diáspora caribenha a partir da trajetória e do ativismo do artística plástico Jean-François Boclé. Na sequência, Jordi Lladó, “Literatura catalana en la prensa latinoamericana: una nación en la diáspora” trata da relação estabelecida no século XX entre a literatura catalã e o mundo cultural latino-americano, mostrando, por um lado, o enriquecimento da produção cultural na América Latina e Caribe, e, por outro, como as revistas catalãs na América se constituíram como lugar de fortalecimento cultural da língua catalã quando ela era perseguida na Espanha.

O artigo “La ‘primera piedra’: José Gómez Sicre y la fundación de los museos interamericanos de arte moderno de Cartagena y Barranquilla” de Alessandro Armato, reconstrói a história do primeiro lançamento do museu interamericano de arte moderna em Cartagena de Índias e Barranquilla e o envolvimento de personagens diáporicas, como o cubano José Gómez Sicre e a Martha Traba nesse projeto, mostrando o papel de migrantes no desenvolvimento do modernismo artístico na Colômbia. Seguindo uma mesma perspectiva, Danny González Cueto en “Arte, literatura, prensa e intelectualidad en el Caribe colombiano (1917-1980)” escreve sobre a produção cultural na cidade de Barranquilla, focando, entre outros aspectos, a importância de personagens diáporicos como o judeu David Zacarías López (Penha) e o catalão Ramon Vinyes. Ainda no que diz respeito á produção cultural, Alexa Cuesta Flórez apresenta o artigo “Feminismo, género o reivindicación en el arte del Caribe colombiano: Colectivo La REDHADA” no qual se problematiza a produção artística feminina do Caribe Colombiano, fazendo ênfase nas trajetórias diaspóricas de muitas dessas artistas.

Os estudos que seguem tratam de personalidades inquietas e errantes como o crítico Juan Acha, o escritor Alejo Carpentier e o artista Jaime Suárez. No primeiro caso, aparece o artigo de Dagmary Olívar Graterol “Revisión del latinoamericanismo en la propuesta teórica y crítica de Juan Acha”, nesse propõe estudar a obra desse importante crítico de arte em torno da questão do latino-americanismo. Dernival Venâncio Ramos e Marina Haizenreder Ertzogue em “Performance biográfica e narrativa no Caribe: um estudo de La consagración de la primavera, de Alejo Carpentier” problematizam o lugar da biografia como discurso legitimador na narrativa de um dos maiores escritores cubanos. Por fim, Daniel Expósito Sánchez em “Jaime Suárez ante la crítica de arte puertorriqueña. Impresiones de una década (1975-1985)” problematiza o lugar da crítica de arte na projeção do artista porto-riquenho como um dos mais importantes criadores de seu país.

Este dossiê, tenta contribuir para o aprofundamento da discussão sobre o lugar da diáspora na experiência histórica cultural caribenha. Como se pode perceber, o trânsito de gentes do e pelo Caribe foi um contexto importantíssimo para a produção artística regional; no entanto, a experiência da diáspora tem sido também o contexto no qual muitos escritores, artísticas, críticos têm localizado sua produção artística e literária.

Na sequência aparece o artigo “En torno a la Ciénaga de García Márquez: El proyecto de adaptación de La Casa Grande de Álvaro Cepeda Samudio por Luis Alcoriza” de Javier Herrera. Neste se descreve o projeto de filmar a obra La casa grande de Álvaro Cepeda Samudio. Simultaneamente, mostra a faceta cinematográfica do autor de Cien años de soledad. Fecha essa edição o artigo “Filosofía de la Historia y Teoría de la Frontera en el Ensayo Americano” de Luiz Sérgio Duarte da Silva que, centrado na produção literária e ensaísta, chega a insights que podem ser aplicados a outros campos, como as artes plásticas. Para Silva, a arte é produção de sentido, tentativa de dar conta das demandas sociais e, por isso, tenta orientar à sociedades no modo como ela compreende seu passado e futuro.

Referencias

BRAH, Arthur. Cartographies of Diaspora: Contesting identities. New York: Routledge, 1996.

HALL, Stuart. Da diaspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003.


CUETO, Danny González; RAMOS, Dernival Venâncio; LLADÓ, Jordi. Diáspora, literatura e arte. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.12, n.24, jan./jun., 2012. Acessar publicação original. [IF].

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Pensares | UERJ | 2012

Pensares em Revista

Pensares em Revista objetiva divulgar trabalhos acadêmicos nas áreas de Letras e Linguística, Literaturas, Língua Portuguesa, Linguística e Linguística Aplicada, Ensino de Línguas ou Linguagens e de Literaturas. Destina-se a socializar textos que divulguem resultados de pesquisas. É um periódico do Programa de Mestrado Profissional em Letras da FFP-UERJ.

Desde 2008, um grupo de docentes do Departamento de Letras da Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) realiza fóruns de pesquisas, anuais, promove e socializa produções que se inserem num movimento mais amplo de produção de conhecimento. A revista eletrônica surge como desdobramento e etapa importantes no processo de construção de um Programa de Pós-Graduação stricto sensu, atende ao necessário movimento de redistribuir papéis na economia social da escrita, ao explorar o potencial da textualidade eletrônica. Nossa opção alinha-se à tendência atual de revistas acadêmicas, num âmbito global, com acesso gratuito e completo aos textos. A partir de 2014 passa a ser o periódico do Programa de Mestrado Profissional em Letras da FFP-UERJ.

Pensares em Revista conta com a colaboração das Editoras em conjunto com o Conselho Editorial, compostos por integrantes destacados na docência e pesquisa acadêmica nas áreas de abrangências, no Brasil e no exterior. A revista pretende atender aos critérios de qualidade instituídos pela comunidade científica, com setenta por cento de artigos exógenos ao corpo docente da UERJ.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 2317 2215

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Tempo Presente | UPE | 2012

Boletim do Tempo Presente2

O Laboratório de Estudos do Tempo Presente responsável pela revista eletrônica trimestral Boletim do Tempo Presente (Recife, 2012-), informa a todos os interessados em apresentar artigos e resenhas para publicação que continua recebendo artigos e resenhas em fluxo contínuo.

Serão bem-vindas produções de historiadores, geógrafos, cientistas sociais, filósofos, jornalistas, administradores, economistas, psicólogos, estudiosos das relações internacionais, dos meios de comunicação e demais áreas das ciências humanas.

Periodicidade trimestral.

Acesso livre.

ISSN 1981-3384

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História da Mídia | ABPHM | 2012

Historia da Midia

A Revista Brasileira de História da Mídia -RBHM (São Paulo, 2012-) é uma publicação em formato eletrônico com periodicidade semestral da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (São Paulo-SP). Lançada em 2012, tem como objetivo principal divulgar pesquisas que enfoquem a relação mídia e história de forma a incentivar a pesquisa nesta área do conhecimento.

Publica a produção acadêmica de pesquisadores da área da comunicação, da história e outras visando também aprimorar as discussões em torno de questões históricas dos meios de comunicação em geral.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2238-5126

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Acervo | Arquivo Nacional | 2012

Acervo

Acervo (Rio de Janeiro, 2012-) é a revista do Arquivo Nacional, publicada desde 1986. Seus números são quadrimestrais, e, desde maio de 2021, foi adotado o formato de publicação contínua. A revista tem por objetivo divulgar estudos e fontes nas áreas de ciências humanas e sociais aplicadas, especialmente história e arquivologia. É composta pelas seções Entrevista, Dossiê Temático, Artigos Livres, Documento e Resenha.

O periódico se dirige a todos aqueles interessados nos temas relacionados a arquivologia, ciência da informação e história.

Periodicidade quadrimestral.

Acesso livre

ISSN 2237-8723 (online)

ISSN 0102-700-X (impresso)

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Leituras, projetos e (Re)vista(s) do Brasil (1916-1944) – De LUCA (RBH)

De LUCA, Tania R. Leituras, projetos e (Re)vista(s) do Brasil (1916-1944). São Paulo: Ed. Unesp, 2011. 357p. Resenha de: NEVES, Livia Lopes. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.32, no.63, 2012.

A autora Tania Regina de Luca, que é pesquisadora reconhecida no campo intelectual nacional e internacional, graduou-se em História na Universidade de São Paulo, instituição na qual obteve o título de mestre e doutora em História Social. Sua trajetória afina-se com as discussões relativas à História do Brasil República, e sua atuação profissional envolve principalmente os seguintes temas: Historiografia, História da Imprensa, História Social da Cultura e História dos Intelectuais. A imprensa na Era Vargas tem sido seu foco de pesquisa atualmente, tema esse contemplado em parte por seu livro recém-lançado e objeto da presente resenha. Se seus estudos muitas vezes fizeram referência à Revista do Brasil, como em Leituras, projetos e (Re)vista(s) do Brasil, a autora não deixou de dar continuidade a seus trabalhos anteriores de forte teor metodológico acerca do trato com o periodismo cultural brasileiro, e o que de fato se agregou ao debate foi o estudo de outras publicações de cunho cultural, o que proporcionou uma visão ampla acerca da produção intelectual do período veiculada por esse suporte. Tal acréscimo permite também a discussão sobre as leituras e os projetos do e para o Brasil, tanto políticos como culturais, que agregaram parte dessa intelectualidade envolvida com tais empreendimentos editoriais.

Ao longo do texto a autora frisa a importância de atentarmos para o percurso metodológico que orientou sua análise, o qual, segundo ela, representa uma colaboração para a construção de uma forma específica de abordagem dos impressos. As contribuições, dessa maneira, seriam dadas por conta de alguns aportes metodológicos, como por exemplo, atentar para a dinâmica dos grupos intelectuais, para os aspectos relativos ao suporte, e também para as apresentações de ordem material e tipográfica (capa, papel, ilustração, propaganda, paginação). Todos esses elementos, de maneira geral, já haviam sido objeto de reflexão da autora, figurando entre as importantes contribuições para estudos dessa natureza no campo da história. Além dos citados, ganharam destaque em sua análise fontes que colaboraram para a apreensão das relações e atuações dos editores e mentores das publicações: as correspondências, as memórias e as produções autobiográficas.

A soma dessas frentes de pesquisa, anunciada na introdução do livro, demonstra de antemão a amplitude da proposta da autora, que estabeleceu diálogo profícuo com autores que se propuseram a discutir as sociabilidades intelectuais, o campo intelectual (brasileiro ou não) e as relações que aproximaram ou distanciaram os intelectuais e o Estado, como Sirinelli (1990), Pluet-Despatin (1992), Bomeny (2001), Miceli (2001) e Candido (2001), ou com autores que, assim como ela, ofereceram aportes para a análise de jornais e revistas, como Doyle (1976), Prado e Capelato (1980), e mesmo com os que se debruçaram sobre publicações específicas, como Boaventura (1975), Caccese (1971), Guelfi (1987), Lara (1972), Leonel (1976), Napoli (1970) e Romanelli (1981), entre outros.

Estruturado em quatro capítulos que seguem cronologicamente as fases mais expressivas de sua publicação o livro confronta a Revista do Brasil às demais revistas coetâneas. Pareceu ser essa uma boa forma de se aproximar de um panorama editorial – ainda que sobremaneira calcado na retomada das mais destacadas revistas da época, certamente as mais estudadas atualmente – que consistiu em uma grande revisão bibliográfica sobre cada uma dessas publicações e na consulta a diversas fontes periódicas orientada por um olhar mergulhado em novas preocupações. Ao somar os estudos das fontes aqui citadas, De Luca nos apresenta uma obra enriquecida e madura, que evidencia a importância de se atentar para as redes de sociabilidade intelectuais e para a fluidez do campo intelectual, bem como para o impacto de um elemento sobre o outro.

No primeiro capítulo, “A Revista do Brasil (primeira e segunda fases) e os periódicos modernistas”, a autora procurou articular as fases iniciais da revista com as publicações modernistas fundadas a partir de Klaxon, realizando a análise com dupla perspectiva: da sincronia e da diacronia, sendo a primeira responsável por dar conta do momento da publicação de cada fase da Revista do Brasil e do diálogo com as congêneres contemporâneas. A segunda perspectiva ocupou-se das diferentes fases e de suas possíveis articulações. Para tanto, a autora elaborou um gráfico (reproduzido no livro entre as páginas 69 e 70), no qual apresenta uma seleção das revistas literárias e culturais em circulação entre o lançamento da Revista do Brasil, em janeiro de 1916, e meados da década de 1940, quando do encerramento de sua quarta fase. Nesse capítulo ganham destaque: NovíssimaEstéticaA Revista Terra Roxa e outras terras.

Já no segundo capítulo, nomeado “Revistas literárias e culturais (1927-1938)”, a autora nos traz uma visão panorâmica percebendo que em termos de longevidade, até o início da década de 1930 continuaram a ser fundadas revistas de breve duração – à exceção da Revista Nova, que circulou durante mais de um ano –, VerdeFestaRevista da AntropofagiaMovimento BrasileiroBoletim de ArielRevista AcadêmicaLanterna Verde, Dom CasmurroDiretrizes, Cultura Política e Movimento Brasileiro recebem uma análise não muito minuciosa, conforme previamente anunciado pela autora ainda no título. Nesse capítulo foram discutidos, do mesmo modo, aspectos como o alinhamento de projetos editoriais a tendências políticas e a elementos do mundo editorial na conjuntura do pós-1930, encerrando discussões sobre as condições do exercício da atividade intelectual e a proliferação de editoras no Brasil. A autora promove, de forma bastante pertinente, o debate sobre a censura à imprensa e o alinhamento de periódicos à plataforma governista durante o Estado Novo e defende uma análise historiográfica que priorize a dinâmica de posicionamentos em detrimento de rótulos unidimensionais, o que, via de regra, anula uma série de complexidades que envolvem os empreendimentos editoriais.

Revista do Brasil (3ª fase): inserção no mundo letrado, objetivos, características e conteúdo” é o título do terceiro capítulo, que trata da retomada da publicação da Revista do Brasil em julho de 1938, com sua diversidade de assuntos e a preocupação com problemas nacionais, ainda que se explicitasse como um projeto cultural de corte elitista.

No quarto e último capítulo, intitulado “A Revista do Brasil e a defesa do espírito”, é retratado o momento em que a publicação voltou a circular, período marcado pela ascensão das forças autoritárias na Europa e do Estado Novo no Brasil, o que gerou limitações impostas à liberdade de expressão por parte do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Ao atentar para o fato de que as práticas liberais, o individualismo e a democracia eram aspectos defendidos por vários articulistas da revista, De Luca destaca a especificidade da publicação em questão frente a algumas coetâneas, quadro que se alterou após 1942 com a adesão brasileira à política pan-americana.

O que se apresenta em Leituras, projetos e (Re)vista(s) do Brasil é um método de análise novo e frutífero, capaz de esclarecer o lugar ocupado pela publicação na história da imprensa, especialmente com base em alguns diálogos com as congêneres contemporâneas, o que demandou, segundo De Luca, que se aliassem sistemáticas consultas às coleções citadas à leitura e ao estudo de outras fontes, sobretudo as advindas do que se convencionou chamar de ‘escritas de si’.

Sentiu-se certamente a ausência de imagens relacionadas ao tema e aos periódicos recorrentemente citados, o que enriqueceria a obra e poderia angariar, talvez, um público leitor mais amplo que o acadêmico. A iniciativa de dinamizar a leitura disponibilizando no site da Editora uma série de tabelas produzidas ao longo da pesquisa, conforme consta na nota dos editores presente no livro, mostrou-se pouco eficiente tendo em vista a dificuldade em encontrá-las de fato. Mais interessante seria que essas tabelas constassem na obra e acompanhassem a linha de pensamento desenvolvida, clarificando muitos dos nós relacionados ao objeto de estudo do livro.

Destarte, a contribuição que pode ser apreendida a partir desse trabalho reside, a meu ver, na aplicação metodológica plural que propôs a agregação de aportes que tratam do estudo de periódicos como objeto e fonte, desde os primeiros estudos gerais sobre periódicos – empreendidos sob a coordenação do professor José Aderaldo Castello, que estribou sua pesquisa preferencialmente nos acervos do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP) – aos obtidos a partir da renovação das práticas historiográficas, que vislumbram a importância do estudo do periodismo cultural cotejado com outras fontes, como as iconográficas, epistolares, os relatos memorialísticos e autobiográficos.

NEVES, Livia Lopes.-  Mestranda do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista CNPq. [endereço] [email protected].

Memoria Americana | UBA | 2012

Memoria Americana

Memoria Americana. Cuadernos de Etnohistoria (Buenos Aires, 2012-) es una publicación que edita la Sección Etnohistoria del Instituto de Ciencias Antropológicas de la Universidad de Buenos Aires. Se trata de una Revista  Científica de aparición semestral on-line cuyos fascículos son publicados los meses de mayo (primer semestre) y noviembre (segundo semestre).

Publica artículos originales de investigación de autores nacionales y extranjeros en el campo de la etnohistoria, la antropología histórica y la historia colonial de América Latina, con el objetivo de difundir ampliamente los avances en la producción de conocimiento de esas áreas disciplinares. Sus contenidos están dirigidos a especialistas, estudiantes de grado y posgrado e investigadores de otras disciplinas afines. […]

El propósito de esta publicación es difundir trabajos de investigación de especialistas -formados y en formación, nacionales y extranjeros- que aporten avances sobre las distintas problemáticas que son objeto de atención de nuestra disciplina: las sociedades indígenas en etapas previas y posteriores a la conquista, los cambios, transformaciones y continuidades en sus formas de organización social, política y económica; los procesos de conformación de las sociedades coloniales en hispanoamérica; los conflictos, rebeliones y disputas que enfrentaron a distintos actores sociales en diferentes coyunturas políticas y económicas; las instituciones sociales, políticas, económicas y religiosas del mundo colonial y del período independiente, etc.

Estos problemas son abordados tanto a través de planteos teóricos y metodológicos como de estudios de caso que responden a diferentes regiones, áreas o jurisdicciones tales como el Tucumán colonial, el litoral, Chaco, Pampa-patagonia, el Surandino y comprenden períodos en estudio desde fines del siglo XV hasta el siglo XIX. Otros temas importantes que atraviesan la producción presentada son el mestizaje, la dinámica de la frontera, la formación de grupos de poder, la familia y el matrimonio tanto en el sector indígena como hispano-criollo. Los trabajos incluidos en los números ya publicados combinan una perspectiva doble de análisis, teórica y metodológica, proveniente de la historia y la antropología.

Periodicidade semestral.

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ISSN 1851-3751

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Espaço e tempo e suas representações entre celtas e germanos / Brathair / 2012

O presente dossiê abre um novo ciclo na existência da Revista Brathair, que culmina na indexação do periódico junto à Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), bem como no estabelecimento de novas parecerias.

Contando com a colaboração de pesquisadores nacionais e internacionais, o presente dossiê apresenta Tempo e Espaço como categorias principais de análise, conforme assevera Markus Schroer em entrevista para este dossiê: “O tempo e da mesma forma o espaço não são fatos sempre encontrados na realidade, mas sim categorias, com cujo auxílio se pode ordenar o ambiente natural e social” (p. 199). Desta forma, os artigos aqui apresentados versarão sobre as representações dessas categorias entre celtas e germanos.

Iniciando esse dossiê, apresentamos o artigo do doutor em História Social Vinicius Cesar Dreger de Araujo, que discute as representações do espaço geográfico no mapa mundi de Ebensdorf. Já abordando o eixo temático tempo, do doutor em História Social Marcus Baccega foca a discussão acerca das concepção de tempo terrestre e sua relação com a atemporalidade da versão alemã da Demanda do Santo Graal (Die Suche nach dem Gral). Abordando as duas categorias de análise propostas por este dossiê, temos a contribuição da doutoranda romena Liliana Emilia Dumitriu, a qual se baseia no conceito vangennepiano de rito de passagem, mais especificamente o de liminalidade, para analisar e comparar as obras de Wolfram von Eschenbach (Parzival) e Richard Wagner (Parsifal).

A Privatdozentin1 Andrea Grafetstätter apresenta ao público brasileiro a obra Kudrun através da perspectiva da topografia do tempo e espaço. A doutoranda em História Comparada, Maria de Nazareth Corrêa Accioli Lobato, por sua vez, discorre sobre a sacralização do espaço na obra de Beda. Baseando sua análise na obra Lanzelet, de Ulrich von Zatzikhoven, Kai Lorenz, doutor em Germanística, apresenta a discussão acerca do espaço na literatura arturiana.

O artigo da doutoranda Marion Poilvez lida com a relação espaço, exílio e liminalidade, discutindo tais conceitos através da interpretação de diversas sagas islandesas. Encerrando a sessão de artigos, Paulo Duarte Silva, doutorando em História Comparada, centra sua pesquisa na análise do conceito de tempo / temporalidade durante a Primeira Idade Média, mas especificamente o calendário litúrgico.

À sessão de artigos, seguem-se a resenha Contribuições para a elucidação da etnogênese saxônia de Vinicius Cesar Dreger de Araujo e a tradução d’A Batalha de Maldon realizada pelo doutor em História Social Elton O. S. Medeiros.

Para finalizar o nosso dossiê, apresentamos uma entrevista sobre os ‘Estudos de Espaço’ (Spatial studies) e a ‘Virada Espacial’ (Spatial turn) com o especialista alemão em Sociologia do Espaço, Prof. Dr.2 Markus Schroer da Universidade de Marburg.

Os organizadores deste dossiê agradecem a colaboração dos articulistas, sem a qual a presente edição seria inviável. Desejamos a todos os pesquisadores e demais interessados uma excelente leitura e conclamamos a todos que possuem contribuições na área de estudos celtas e germânicos e visem o estabelecimento de diálogos acadêmicos frutíferos a enviarem suas propostas para as próximas edições.

Notas

1 Privatdozent designa um título acadêmico alemão conferido a doutores que completaram sua livredocência, mas que ainda não possuem uma cátedra própria dentro do sistema universitário.

2 Prof. Dr. É um título acadêmico conferido a doutores que apresentaram suas habilitações e possuem uma cátedra. O correspondente no Brasil seria o cargo de Professor Titular.

Álvaro Alfredo Bragança Júnior – Professor Doutor (UFRJ)

Daniele Gallindo Gonçalves Silva – Professora Doutora


BRAGANÇA JÚNIOR, Álvaro Alfredo; SILVA, Daniele Gallindo Gonçalves. Editorial. Brathair, São Luís, v.12, n.1, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Bretanha-Britânia-Angelcynn Celto Germânica entre Literatura e História / Brathair / 2012

Os habitantes das Ilhas Britânicas, tema do dossiê Bretanha / Britânia / Angelcynn Celto Germânica entre Literatura e História englobam duas culturas principais, uma de origem céltica e outra de origem germânica.

Os anglo-saxões penetraram nas Ilhas Britânicas por volta do século V e logo depois dominaram boa parte do território que já era ocupado anteriormente por populações célticas, na atual Inglaterra, formando, a princípio, a Heptarquia Anglo-Saxônica, com sete reinos independentes. Ali estabeleceram um novo idioma, que deu origem ao atual inglês, falado e compreendido em boa parte do mundo contemporâneo, e uma rica cultura, da qual um dos exemplos mais marcantes no plano literário é o poema Beowulf, do século X. Esse povo também esteve em contato com os vikings que chegaram ali por volta do século IX e foram repelidos com sucesso por Alfred, o Grande (871-899), além de estar em contato com as populações celtas da região.

As relações entre a cultura celta e a anglo-saxã nos são mostradas no artigo de A. Joseph McMullen (Harvard University), através dos primeiros manuscritos de Echternach, que apresentam um aspecto trilíngue em latim, antigo irlandês e anglo-saxão, mostrando a influência das relações entre Irlanda e Inglaterra anglo-saxã no século VIII.

Vinicus Dreger (Centro Educacional Anhaguera) salienta aspectos da História do Poder ao analisar as alianças matrimoniais estabelecidas pelo rei Æthelstan que ampliaram os domínios anglo-saxões até a Germânia Otônida entre os anos 920 e 940.

Elton Medeiros destaca a importância dos temas anglo-germânicos na atualidade através de um histórico desses estudos na Inglaterra e Escandinávia e aponta as possibilidades de pesquisa através da análise de fontes, dentre as quais, além do já conhecido poema Beowulf, a coletânea The Anglo-Saxon Poetic Records, um importante depósito de tradições, que tem muito a ser explorado.

Ryan Lavelle, da Universidade de Winchester, apresenta em sua entrevista, concedida a Elton Medeiros, a relevância dos estudos anglo-saxões na atualidade e aponta alguns caminhos para a realização de novas pesquisas. Salienta como obra essencial e introdutória ao assunto, a de Campbell, The Anglo-Saxons, de 1982. O autor também sugere como leituras documentais importantes Beda, na sua Historia Ecclesistica Gentis Anglorum e coleções de documentos anglo-saxões, que estão disponíveis on line, como a Crônica Anglo-saxã. A entrevista também esclarece visões maniqueístas sobre o contato entre anglo-saxões e vikings, auxiliando-nos a uma visão mais abrangente sobre o contato entre esses dois povos, bem como a importância do rei anglo-saxão Alfred, sobre quem o autor é especialista.

Por fim, temos um exemplo de documento anglo-saxão que dialoga com o Antigo Testamento, a tradução do poema Judite, provavelmente compilado no século X, que tem por base o relato bíblico contido no livro de Judith. Tem por base o manuscrito Cotton Vitelius A. XV, sendo um texto em verso, que se encontra no manuscrito junto com o poema Beowulf. A narrativa descreve como a personagem de Judite decapita o líder Holorfenes que sitiava a cidade de Betúlia. Ela o seduz e corta a sua cabeça enquanto ele dormia embriagado, ação que impede a ação do exército assírio. Medeiros salienta a importância de a personagem central ser, nesta narrativa, uma mulher, ao contrário do que ocorre em outros relatos anglo-saxões, quando estas aparecem como exemplos de nobreza e bons costumes, embora sejam figuras secundárias.

Sobre os germanos na Península Ibérica e as disputas religiosas, Jaqueline Calazans e Leila Rodrigues da Silva (PEM / UFRJ) analisam os cânones do Concílio de Zaragoza, no século IV e observam as influências do priscilianismo, que propagava ideias de austeridade e pobreza, calcadas no ascetismo, vigílias, jejuns e desapego aos bens materiais. O pensamento de Prisciliano gerou disputas eclesiásticas acerca do controle de práticas cristãs e posterior reforço da autoridade dos bispos e afirmação dos clérigos sobre a população laica.

Os povos de origem celta habitaram as Ilhas Britânicas desde antes da chegada dos anglo-saxões e também nos deixaram um rico legado de tradições. A contribuição das culturas celtas para a gesta da Matéria da Bretanha, em suas diversas versões regionais, expressas em distintos vernáculos, é inegável e já reconhecida e consagrada por todos os estudiosos arturianos. As formações sociais célticas engendraram mitemas arturianos nas Grandes Ilhas, sobretudo nas regiões do atual País de Gales e na Hibérnia (Irlanda), destacando-se os Mabinogion, contos para infância sob a forma de um manual de instruções rituais para a declamação dos bardos. Apesar de os Mabinogion terem sido compilados em kymrisch apenas na transição entre os séculos XIV e XV, seu lastro encontra-se em tradições celtas ancestrais, veiculadas pela oralidade. No que concerne ao continente, já na Idade Média Central (séculos XI a XIII), constituíram-se os Ciclos de Versificação, com Chrétien de Troyes (segunda metade do século XII), e os dois célebres Ciclos de Prosificação da Matéria da Bretanha, o Ciclo do Lancelot-Graal (Ciclo da Vulgata) e o Ciclo do Pseudo-Boron (Ciclo da PostVulgata), na primeira metade do século XIII. Os dois últimos, com destaque para o segundo, influenciaram a compilação de versões das aventuras arturianas em outros vernáculos, como o português, o castelhano, o alemão, o holandês e mesmo o checo.

A respeito das tradições e sagas ancestrais, Wolfgang Meid (Universidade de Innsbruck, Tirol) brinda-nos com um detalhado e erudito estudo, instigante e profundo, acerca das sagas irlandesas, sua tipologia e seus ciclos mais importantes. Destacam-se, em seu texto, o Ciclo de Ulster, o chamado Ciclo Mitológico, o Ciclo dos Reis e o Ciclo de Finn. A análise de Meid denota refinamento intelectual ao explicitar que esta maneira de elencar e classificar as narrativas da Hibérnia é, na verdade, uma hetero-representação, uma construção intelectual da Historiografia e da Teoria Literária contemporâneas. A esta classificação, Meid integra, discutindo suas confluências e dissintonias, o modo como as próprias sociedades celtas compreendiam e representavam as similitudes e diferenças entre suas narrativas. Por conseguinte, seu artigo apresenta a tipologia céltica dos contos, apontando para designações como Batalhas, Histórias de Amor, Cercos, Destruições, Mortes Heroicas, Cortejos Amorosos, Aventuras, Viagens pelo Mar, Roubos de Gado e, por fim, Fugas.

Também nesta senda caminha a bela resenha de Pedro Vieira da Silva Peixoto ao recente livro do consagrado estudioso Barry Cunliffe, The Druids: a very short introduction (2010). Dialogando com as proposições do autor, Peixoto traz a lume noções introdutórias e rudimentos sobre as práticas mágicas e rituais destes sacerdotes celtas, responsáveis, como shamans que eram, pela mediação entre o sagrado e o profano. A resenha vale-se de autores relevantes para os estudos celtas, como o austríaco Helmut Birkhan, autor do monumental Kelten (1997). Convém salientar que o Santo Graal, enquanto mitema fundamental para a construção da gramática do mito arturiano, derivou das copas mágicas célticas, bem como das copas análogas dos rituais alanos (com destaque para a Nartamongae), e da cornucópia celta da fartura, também ela um cálice. Portanto, entender o papel simbólico e social exercido pelos druidas é crucial para a melhor compreensão das aventuras arturianas e da simbologia híbrida do Santo Vaso.

Quanto aos ciclos de versificação e prosificação da Matéria Arturiana na Idade Média Central, a presente edição de Brathair apresenta dois artigos que analisam o papel da memória dos idosos e das tentações diabólicas no enredo da versão portuguesa de A Demanda do Santo Graal, cujo texto original dataria de 1248, atribuído ao cortesão Joam Vivas, conviva do rei Afonso III (1248-1279). Neste contexto, o artigo de Alessandra Conde (UFPA) resgata e inventaria os excertos da narrativa gralesca em que se consagram as recordações de dois anciãos, cujas identidades expressam uma importante clivagem social e religioso-ideológica.

Trata-se, por um lado, das reminiscências de um velho pescador, evidente figuração alegórica do Apóstolo Pedro, “Pescador de Homens”, bem como de seu sucessor mitológico, o Rei Pescador das narrativas do Santo Graal. O pescador exara palavras santas, ortodoxas, ensinamentos morais consentâneos ao ethos cristão, razão pela qual sua fala se constitui em vetor retórico de expressão da normativa clerical para as sociedades medievais. Este lugar canônico de sua fala vê-se ratificado pelo fato de que o pescador é eternamente alimentado pelo Santo Graal. Por outro lado, o velho judeu é retratado como eterno pecador, herdeiro do anátema de assassino de Cristo, de aparência repugnante, o que o torno lugar retórico em que se constroi o outro do poder clerical, o marginal a ser proscrito da unitas cristã.

Ainda no esteio de investigação de A Demanda do Santo Graal como formação discursiva, o artigo de Ana Márcia Alves Siqueira (UFC) estuda as artimanhas do Diabo para tentar e danar os homens, com ênfase nos pecados carnais, enquanto exempla, dentro da rede narrativa da aventura-peregrinação para encontrar o Cálice Crístico. Pela voz do Diabo e pela correlata preceptiva da Igreja sobre como combatê-lo e resistir à sua sedução, o texto projeta ainda mais luz sobre o ideal eclesial de disciplinarização da Cristandade Latina em seu sentido mais amplo.

Outro tema importante desta edição de Brathair é o processo de reapropriação e reorientação política e ideológica da memória recente a respeito de nosso passado céltico longínquo. Não apenas nos interessa esta discussão enquanto ocidentais, mas como estudiosos de Ciências Humanas, pois sua discussão implica problematizar a memória e a própria história como artefatos simbólicos dispostos ao manuseio político e identitário permanentemente ressignificado. Desta fora, o artigo de Juan Miguel Zarandona trabalha a reapropriação de uma pretensa identidade ancestral celta para a construção discursiva de uma narrativa de legitimação da singularidade e da especificidade da nação galega perante a investida centralizadora da cultura e do idioma de Castela sobre as particularidades culturais das etnias que formam a Espanha. No fundo, trata-se de uma instigante reflexão sobre a dialética entre passado e presente, ou passado-presente, para construção das narrativas identitárias, subsídios ideológicos para se tecer a auto-representação de uma comunidade e trazer à cena suas pretensões políticas.

Os estudos desta edição mostram a importância dos anglo-saxões e das heranças célticas nos tempos atuais, tanto através de tradições, como pela afirmação de identidades. As pesquisas aqui apresentadas auxiliam os leitores interessados no aprofundamento das culturas desenvolvidas mais especificamente nas Ilhas Britânicas, tema desse dossiê, e garantem à revista Brathair um papel ativo e de destaque na difusão dos estudos celtas e germânicos.

Adriana Zierer – Professora Doutora (UEMA). E-mail: [email protected]

Marcus Baccega – Doutor em História pela USP. Pós-Doutorando na Sorbonne, França. E-mail: [email protected]


ZIERER, Adriana; BACCEGA, Marcus. Editorial. Brathair, São Luís, v.12, n.2, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Cultura Histórica & Patrimônio | UNIFAL | 2012-2017

Cultura Historica e Patrimonio

A revista Cultura histórica & Patrimônio (Alfenas, 2012-2017) é um periódico do curso de História da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), de periodicidade semestral, dedicado à publicação de artigos originais, resenhas de livros e entrevistas da área de História, com ênfase para a produção acerca da Cultura histórica, do Patrimônio, da Educação histórica e da História pública.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 2316 5014

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Educação Histórica | UFPR | 2012

Educacao Historica1

A Revista de Educação Histórica (Curitiba, 2012-)  é produzida por professores e destinada a professores de História. Ter como referência o diálogo respeitoso e compartilhado entre a Universidade e a Escola Básica. Colaborar na produção, distribuição e consumo do conhecimento na área da Educação Histórica, pautada na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

[Periodicidade semestral]

Acesso livre

ISSN: 2316-7556

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Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos | Cyril Lionel Robert James

I. Sobre o Sr. Cyril Lionel Robert James [2]

O historiador, romancista e jornalista Cyril Lionel Robert James nasceu em janeiro de 1901 na ilha de Trinidad. Teve uma infância e juventude privilegiada, marcada por uma excelente formação escolar e pela prática esportiva do cricket. Com apenas 19 anos deu início a sua carreira docente, lecionando literatura, na Royal Queen’s College.

Em 1932, aos 31 anos, muda-se para a Grã-Bretanha, devido a sua paixão e conhecimento sobre cricket tornasse repórter esportivo do Manchester Guardian. Na terra da rainha, filia-se ao Partido Trabalhista Independente, (Independent Labour Party) e, em 1938, aderiu a IV Internacional Comunista, entrando em contato, mais intensamente, com as ideias de Leon Trotsky.

É notória a influência que as teses marxistas, em especial as interpretações trotskista, exercerão em suas obras “A Revolução Mundial 1917-1937”, publicada em 1937, e os “Jacobinos negros” de 1938. Vale destacar, que nesse período, a Europa passava por grande instabilidade política, devido à ascensão do nazi- -fascismo e pelo totalitarismo stalinista na URSS.

Por conta da Segunda Guerra Mundial, James refugia-se nos Estados Unidos, onde deu prosseguimento a suas atividades acadêmicas e políticas. Membro fundador do Partido Socialista dos Trabalhadores (Socialist Workers Party ou SWP) publicou em 1948 o manifesto “Uma resposta revolucionária ao problema do negro nos Estados Unidos”.

Devido a sua militância, em 1953, James foi expulso dos Estados Unidos. Ele decidiu voltar à Inglaterra, onde permaneceu até 1958, quando, então, retorna a Trinidad. Em sua terra natal, envolve-se na luta pela libertação anti-colonialista britânica. Ainda na década de 1950 publica a obra “Navegantes, Renegados e Náufragos: Herman Melville e o mundo em que vivemos” em 1953.

A década de 1960 foi bem movimentada para o nosso autor, no campo político James se envolve nos movimentos de independência na África e em Trinidad, é entusiasta dos ideais do Pan-Africanismo e da integração das ilhas caribenhas em uma – Federação das Índias Ocidentais.

No tocante a carreira acadêmica e produção intelectual publica em 1960, “Política Moderna”, em 1962, “Partidos Políticos Livres nas Índias Ocidentais” e, em 1963, “Além da Fronteira”. Em 1968, vem o convite para lecionar na prestigiada Universidade de Columbia nos Estados Unidos.

Durante a década de 1970, James retorna para a Inglaterra e ainda encontra fôlego para publicar “Nkruma e a Revolução de Gana” em 1977. Na década de 1980 retorna para Trinidad aonde veio a falecer em 1989, deixando como legado, uma produção acadêmica respeitada e de referência para estudos nas ciências humanas, bem com, um exemplo de vida marcado pela entrega a militância e a seus ideais.

II. Sobre a obra: Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos

Em 1938 James, residindo em Londres, publica “Os jacobinos negros” (The black jacobins), a obra trás questões referentes à revolução negra de São Domingos e a sua relação com a sua principal liderança: Toussaint L’Ouverture. No Brasil o texto terá sua primeira tradução apenas em 2000, feita por Afonso Teixeira Filho, com uma edição revisada em 2007 pela Editora Boitempo. Em suas 400 páginas a estrutura física do livro está dividida em 13 capítulos acompanhados de um apêndice intitulado “De Toussaint L’Ouverture a Fidel Castro”.

Para maior compreensão do livro, temos que levar em conta o contexto em que foi escrito: descrédito do liberalismo, auge do nazi-fascismo e predominância das teorias eugênicas. Tal cenário acabou motivando o autor a escrever um texto, que denunciava o estado de opressão em que vivam os africanos e seus descendentes, seja na África ou em outras partes do globo, tornando a posteriori leitura obrigatória para estudos sobre a diáspora Africana.

Embora o ano de publicação date de 1938 James já havia escrito sobre o assunto antes, em 1932. O trabalho de levantamento bibliográfico e de fontes foi grandioso, sendo necessário até “importar da França livros que trataram seriamente desses eventos tão célebres na história daquele país.” [3]. A pesquisa também contou com correspondências e relatórios oficiais, compêndios de história do comercio colonial, narrativas de viajantes, dados estatísticos e biografias.

Ainda no tocante a função social da obra e sua importância para a interpretação histórica, James nos aponta, que a grande virtude contida no “Os jacobinos negros” é a ênfase dada ao protagonismo dos escravos no processo revolucionário, nas palavras do autor: “foram os próprios escravos que fizeram a revolução.” [4] , tendo especial destaque a figura do líder do movimento – “foi quase totalmente trabalho de um único homem: Toussaint L’Ouverture” [5] .

III. A tese central

A viabilização da revolução no Haiti deve-se, em parte, ao fato dos escravos já se encontrarem, em certa mediada, organizados e disciplinados, devido o sistema fabril, já implantada, no século XVIII, nas lavouras da ilha. Para o autor:

Trabalhando e vivendo juntos em grupos de centenas nos enormes engenhos de açúcar que cobriam a Planície do Norte, eles estavam mais próximos de um proletariado moderno do que qualquer outro grupo de trabalhadores daquela época, e o levante foi, por essa razão, um movimento de massas inteiramente preparado e organizado [6]. (Grifo nosso)

Observa-se que para o autor, já no século XVIII, havia entre os escravos do Haiti uma consciência de classe, que os permitiu se organizarem para combater a exploração colonial. Deve-se destacar também, que os revoltosos tinham o desejo de libertar-se da tirania a que eram submetidos, deste modo, se insurgiam contra os maus tratos, ainda nos navios negreiros – “Morriam não apenas por causa do tratamento, mas também de mágoa, de raiva e de desespero. Faziam longas greves de fome; desatavam as suas cadeias e se atiravam sobre a tripulação numa tentativa inútil de revolta.” [7]

III. Leitura Marxista Revolta escrava ou uma luta de classes?

Mesmo para os leitores que não tem contato com a biografia de James, a terminologia empregada por ele, deixa claro que se trata de uma leitura fundada no marxismo. Não são poucos os conceitos empregos em seu texto: proletariado, imperialismo, luta de classes, revolta das massas trabalhadoras, exploração dos escravos, dos trabalhadores – constituem a interpretação dado pelo nosso autor para o problema em que se dispões a analisar além das citações a Lênin e a Trotsky.

É possível afirmarmos, diante do seu livro, bem como de sua biografia, que James, como filiado ao Partido Trabalhista Independente, militante da IV Internacional, fundador do Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) e integrante ativo de diversos movimentos sociais, de que demarcou sua interpretação sobre a História a partir de sua leitura da “teoria da revolução permanente” proposta por Leon Trotsky.

Respondendo a questão feita acima, se partirmos da leitura de nosso autor sobre o fato histórico que ocorreu no Haiti, foi à demonstração de uma luta de classes. Tal leitura recebeu diversa criticas, uma das mais conhecidas no Brasil foi feita pelo professor Dr. Jacob Gorender

As rebeliões, no começo do século XIX, no continente americano, só podiam ter caráter antiescravista e anticolonialista. No mundo atual, o cenário internacional é sacudido pelas lutas anticapitalistas e antiimperialistas. Trata-se de etapas históricas profundamente diversas. Não obstante, o anacronismo não prejudica o texto que se segue ao Preâmbulo.[]8

Não podemos deixar de mencionar a crítica feita pelo professor Jacob Gorender ao preâmbulo datado de 1980, em que James liga as rebeliões escravas no Haiti com as lutas operárias do século XX cometendo aquele que é considerado o maior dos pecados para o historiador: o Anacronismo. Todavia dentro de uma abordagem histórica e social, entendemos que devemos contextualizar o autor e sua obra com sua leitura de vida, nos parece que a escrita de “Os jacobinos negros” e o prefácio de 1980, antes de um texto acadêmico é um esforço militante, que tem como pretensão denunciar, conforme o próprio autor, a “perseguição e opressão” que vivem os africanos e os afro- descendentes.

VI. O caso Haiti

Em 1789, a colônia francesa das Índias Ocidentais de São Domingos representava dois terços do comércio exterior da França e era o maior mercado individual para o tráfico negreiro europeu. Era parte integral da vida econômica da época, a maior colônia do mundo, o orgulho da França e a inveja de todas as outras nações imperialistas. A sua estrutura era sustentada pelo trabalho de meio milhão de escravos.[9]

Basta ligar a televisão, sintonizar o radio ou acessar a internet e entrar em contato com as notícias que vem do Haiti. Logo nos depararmos com as palavras: tragédia, caos, crise, fome, morte, doenças. Estas informações quando soam aos nossos ouvidos nos faz refletir – como uma colônia produtora de açúcar, café, anil, cacau, algodão, entre outros produtos, responsável por dois terços do comércio exterior da França, que em 1789, exportou 11 milhões de libras [10], fracassou no projeto de Estado-nação livre da miséria e das desigualdades? James propôs uma resposta.

Para o nosso autor, o fracasso do projeto Haiti não se deve apenas a falta de diversidade econômica, uma vez que, a produção primária dominava a paisagem, não havendo maiores perspectivas de geração de riqueza, em especial ao desenvolvimento industrial.

Na análise de James o isolamento ou quarentena imposta pelas potências imperialistas e até mesmo as nações latino-americanas, foram responsáveis pelo atrofiamento econômico da ilha caribenha, não permitindo o desenvolvimento de uma economia mais sólida, tendo por consequência o agravamento das desigualdades históricas já bem conhecidas pela massa trabalhadora do Haiti.

V. Considerações finais

Compreendemos o texto de Cyril Lionel Robert James, como sendo um esforço para responder questões que não se restringem somente ao caso da independência do Haiti, mas como uma leitura sobre a exploração do trabalho escravo e as formas de relação do sistema escravista e colonial na América.

Para finalizarmos, podemos dizer que ainda hoje, o texto serve como instrumento de análise para entendermos as relações de trabalho em muitos países latino-americanos, onde encontramos cada vez mais latente essa realidade apregoada pelo método capitalista de exploração, proposta pela manutenção dos grandes latifúndios, das monoculturas de exportação e da exploração da mão de obra dos trabalhadores do campo.

Notas

2. Informações extraídas da comunicação feita pelo doutorando, Unesp/Franca, Rubens Arantes no curso “A escravidão na cultura ocidental”; e pela comunicação de: SILVA, Tiago Hilarino Christophe da. Um marxista caribenho: o pensamento e a práxis de Cyril Lionel Robert James. Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

3. JAMES, C. L. R. Op. cit., p. 11.

4. Idem, p. 14.

5. Idem, p. 15.

6. Idem, p. 99.

7. Idem, p. 23.

8. GORENDER, Jacob. O épico e o trágico na história Haiti. Estudos Avançados. V. 18, n. 50, 2004, p. 296.

9. JAMES, C. L. R. Op. cit., p. 15.

10. Idem.

Carlos Alexandre Barros Trubiliano1 – Doutorando em História Política da Universidade Julho de Mesquita (Unesp – Campus Franca)/ Bolsista FAPESP. E-mail: [email protected]


JAMES, C. L. R. Os jacobinos negros: Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos. São Paulo: Boitempo, 2010. Resenha de: TRUBILIANO, Carlos Alexandre Barros. Albuquerque – Revista de História. Campo Grande, v. 4, n. 7, p. 225-230, jan./jun., 2012.

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História e Literatura / Albuquerque: Revista de História / 2012

A revista Albuquerque cumpre mais uma vez o seu compromisso de divulgar a produção acadêmica de qualidade, representando a área de História e suas articulações com as demais Ciências Humanas. Nesta edição de número oito, em seu quarto ano de teimosa existência sob o seu formato em papel e a despeito das dificudades inerentes à publicação tradicional de artigos, a Albuquerque apresenta o dossiê História e Literatura.

Os trabalhos aqui publicados atenderam à chamada pública através de edital espefícico, submetidos à avaliação e aprovação de conformidde com os seus critérios e normas. Entretanto, neste caso, os responsáveis pela resvista se surpreenderam com o resultado desta chamada, prontamente atendida com a afluência de bons trabalhos e em quantidade que extapolou as expectativas desta edição.

Entende-se, dessa forma, que a Albuquerque se fortalece e se consolida, buscando sempre atrair os pesquisadores que elegeram a área da História para focar seus estudos e que escolheram também a forma convencional de revista acadêmica, editada como brochura. Isso não sinifica uma reação conservadora diante das ferramentas eletrônicas, das redes sociais e demais instrumentos de divulgação via internet que, sem dúvida nenhuma, socializam a produção científica de forma muito mais rápida e democrática. Muito ao contrário, acredita-se que em breve a Albuquerque será editada também em versão eletrônica, sem excluir a sua forma tradicional.

Como bem demonstram os artigos do dossiê que seguem publicados, a escrita, o texto e a literatura, expressada sob as suas mais diversas modalidades e através dos diálogos possíveis com a ciência da História, remetem à tradição da pena, do papel e da prensa que produziram epístolas, documentos, códices e livros. Essa tradição é ainda muito importante e o prazer que proporcionam aos leitores e pesquisadores jamais será superado pelas inovações tecnológicas por mais fantásticas que se apresentem.


Editores. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.4, n.8, 2012. Acessar publicação original [DR]

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Biopunk: DIY Scientists Hack the Software of Life | Marcus Wohlsen

O movimento punk emergiu na década de 1970, na América do Norte e na Inglaterra, em resposta às mudanças causadas pelas guerras e pelos rearranjos geopolíticos ocorridos na época. Teve como principais adeptos jovens londrinos, de famílias tradicionalmente operárias, ou que viram-se frustrados com as políticas conduzidas no Reino Unido e nos Estados Unidos. Provocou rupturas estéticas e conceituais, buscando autonomia política e social. Cunharam o termo do it yourself (DIY) para propagar a ideia do faça-vocêmesmo.

Em contraponto da estética hippie que, uma década atrás, cultuava valores espitituais, ligação com a natureza e o viver em comunidade. O punk trouxe a estética do improviso, do escuro, do sujo, como representação da sociedade que, para o movimento, desprezava as práticas e os contextos que não se adequavam ao sistema capiltalista.

Quase meio século depois, na década de 2010, o conceito de punk é revisitado. Surge o biopunk: um movimento diverso que busca possibilidades de pesquisa, produção e engajamento em processos muitas vezes restritos aos moldes da comunidade científica contemporânea, fomentados em instituições de ensino e pesquisa tradicionais ou em grandes laboratórios.

Biopunk: DIY Scientists Hack the Software of Life (em tradução livre, BioPunk: Cientistas do faça-você-mesmo raqueando o software da vida) do jornalista científico Marcus Wohlsen, publicado em 2011, traz uma abordagem lúdica da ciência, enquanto relata experiências possíveis, aplicadas em laboratórios estabelecidos em cozinhas ou garagens. O livro reforça que biopunks não precisam de estruturas perfeitas ou honrarias acadêmicas pois estão focados a equacionarem suas pesquisas.

Wohlsen revisita a ciência como atividade secular, e afirma que o DIYbio (a ciência do faça-você-mesmo) não é uma nova ciência, mas sim uma nova forma forma de fazer ciência: na maioria das vezes autodidata, baseada em processos de tentativa-erro, encontra-se sob os pilares da ciência clássica que abrange experimentação, observação e análise de resultados.

A obra faz alusão ao movimento hacker que, em meados de 1980, concebeu descobertas e criações revolucionárias, conectou pessoas e ideias a partir de um modelo descentralizado e compartilhado, proporcionado pela internet. Assim como o movimento biohacking que compartilha informações sobre biotecnologia e desenvolve pesquisas descentralizadas em plataformas que proporcionam a inteligência distribuída, como: redes sociais, redes peer-to-peer e grid computing [1].

O livro traz exemplos de biohackers que estão usando o crowdsourcing [2] no desenvolvimento de medicamentos para a cura do câncer, e reconfigurando bactérias presentes no iogurte para gerar análises de contaminação do leite. Wohlsen enfatiza que a tecnologia de manipulação do DNA está disponível, e já é utilizada por cientistas DIY em suas garagens ou cozinhas, com baixo custo, de forma descentralizada e inovadora.

Notas

1. Modelo que permite alta taxa de processamento dividindo as tarefas entre diversas máquinas.

2. Utiliza a inteligência e os conhecimentos espalhados na internet para desenvolver novas tecnologias.


WOHLSEN, Marcus. Biopunk: DIY Scientists Hack the Software of Life. Inglaterra: Penguin Group, 2011.Resenha de: BEGALLI, Maira. A História da Ciência revisitada: os cientistas do faça você mesmo. Revista Ágora. Vitória, n.15, p.210-212, 2012. Acessar publicação original [IF].

Filosofia e História | GVAA | 2012

Filosofia e Historia

A RBFH – Revista Brasileira de Filosofia e História (Pombal, 2012-) se propõe a divulgação de trabalhos nacionais e internacionais. publicando artigos, relatórios, relatos, notas, resenhas e outras informações sobre estudos desenvolvidos no campo da Filosofia e da História, que poderão servir de fontes de consulta para alunos, professores, pesquisadores, etc. A Revista pertence ao GVAA – Grupo Verde de Agroecologia e Abelha (Pombal-PB).

Periodicidade anual

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ISSN  2447-5076

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Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century: An Ethnographic Perspective | Dennis Green e Frank Siegmund

O volume The Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century foi editado por Dennis H. Green e Frank Siegmund, dois especialistas em questões ligadas à História dos povos germânicos no período medieval. A área específica de Dennis Green encontra-se nas relações entre Linguagem, Literatura e História no período medieval, especialmente entre os povos germânicos, como exemplificado nas seguintes obras: Medieval Listening and Reading: The Primary Reception of German Literature 800-1300 – Cambridge, 1994; Language and History in the Early Germanic World – Cambridge, 2000; The Beginnings of Medieval Romance: Fact and Fiction, 1150-1220 – Cambridge, 2002 e Woman and Marriage in German Medieval Romance – Cambridge, 2009 entre outras. Por sua vez, Frank Siegmund é um arqueólogo especializado nos povos germânicos durante o período Merovíngio, podendo-se conhecer mais de sua prolífica produção nos seguintes websites: http://www.frank-siegmund.de e http://independent.academia.edu/ Frank Siegmund (acessado em 10/07/2012).

Este volume sobre os Saxões Continentais continua a série anual de discussões no Center for Interdisciplinary Research on Social Stress em San Marino, realizadas por iniciativa de seu diretor, Dr. Giorgio Ausenda. Elas têm como objeto de estudo o impacto dos “bárbaros” germânicos no Império Romano e nos reinos sucessores. Desde o início, a metodologia adotada para estas discussões foi a interdisciplinaridade: História, Arqueologia, Filologia e Etnografia. O primeiro encontro (cujas discussões foram publicadas sob o título After Empire: Towards an Ethnology of Europe’s Barbarians, editado por Giorgio Ausenda) foi devotado a vários aspectos gerais do problema, enquanto que os encontros subsequentes foram concentrados em tópicos específicos. Assim, os volumes posteriores foram: The Anglo-Saxons from the Migration Period to the Eighth Century: An Ethnographic Perspective (editado por John Hines), Franks and Alamanni in the Merovingian Period: An Ethnographic Perspective (editado por Ian Wood), The Visigoths from the Migration Period to the Seventh Century: An Ethnographic Perspective (editado por Peter Heather), The Scandinavians from the Vendel Period to the Tenth Century: An Ethnographic Perspective (editado por Judith Jesch). Após a publicação do volume dedicado aos Saxônios, foram publicados The Ostrogoths from the Migration Period to the Sixth Century: An Ethnographic Perspective (editado por Sam Barnish e Federico Marazzi) e The Langobards from the Migration Period to the Eighth Century: An Ethnographic Perspective (editado por Paolo Delogu e Chris Wickham), sendo que ainda aguardam a realização (e posterior publicação) as discussões voltadas aos Vândalos e Suábios (volume conjunto), aos Burgúndios e aos Bávaros.

Uma das vantagens destes encontros, além do estímulo causado pela reunião de estudiosos de diferentes disciplinas e países, sempre foi o reduzido número de participantes que, em conjunto com o considerável período de tempo dedicado à discussão de textos pré-distribuídos, permite uma amigável e animada troca de opiniões, mas, inevitavelmente, isso significa que nada semelhante a uma avaliação completa de cada tópico pode ser obtida.

Isto está refletido neste volume, onde somente algumas das questões relativas aos Saxônios, sua etnogênese, seus encontros com vizinhos diversos como os Frísios, os Daneses, os Eslavos e os Francos (além de suas conexões com os Anglo-Saxões), assim como seu encontro com os Carolíngios e sua ascensão posterior com os Otônidas, puderam encontrar espaço nesta discussão.

Este tomo inicia-se com “Location in Space and Time” (p. 11-36), uma análise crítica de Matthias Springer acerca da localização dos Saxônios tanto no tempo quanto no espaço. O texto está apropriadamente no início do volume porque o autor não apenas polemiza contra as opiniões tradicionais sobre as origens dos Saxônios, mas também, como parte deste questionamento, submete a uma análise crítica o emprego do termo Saxones na Antiguidade Clássica e o que se reporta como sua localização geográfica no mesmo período. A partir disso somos levados sistematicamente pelo que foi relatado na Antiguidade Tardia, nas fontes merovíngias, nas carolíngias e nas do século X.

Ptolomeu (s. II d.C.) é a primeira fonte cuja confiabilidade histórica, geográfica e etnográfica foi questionada. Springer dúvida da validade do senso comum acerca da expansão meridional dos Saxônios (a partir de onde Ptolomeu os localizou), seja através da subjugação de outros povos, seja pela formação de uma confederação. Ele ainda argumenta que a expansão da designação de um grupo étnico nem sempre significa que os portadores originais do mesmo tenham migrado, nem que a denominação étnica sempre se expanda de dentro para fora (cita como exemplo os imigrantes germânicos que se estabeleceram na Transilvânia húngara em fins do período medieval, mas chamados pelo monarca magiar de “Saxônios”). Para complicar a situação, o mesmo nome pode ser utilizado em relação a povos muito diferentes (como no caso dos Serby em Eslavônico, mas Serben e Sorben em Alemão, que designam, respectivamente, aos Sérvios e aos Sorbos, uma população eslava nativa da região da Lusatia). Em muitos casos fica claro que os autores posteriores aplicaram denominações conhecidas, como a de Francos e Saxônios, a grupos populacionais que lhes eram desconhecidos.

A partir destes casos complicados Springer prosseguiu analisando referências que, embora indisputadas em relação à sua aplicação aos Saxônios, são problemáticas em relação ao período em questão. Ademais, como os termos “Vikings” e “Normandos”, a palavra Saxones pode ter sido utilizada inicialmente para descrever saqueadores vindos do mar ao invés de um grupo étnico, quanto mais um grupamento geográfico específico. O resultado é tal que na Antiguidade Tardia os Saxônios podem ser localizados no tempo, mas não em seu espaço original. Uma anomalia final é apresentada pelo termo Anglisaxones. Pelo contraste com estes, os Saxões Continentais são os “verdadeiros” Saxões, dos quais os invasores da Britânia tinham que ser distinguidos pelo prefixo Angli-, ao passo que para Beda, os “verdadeiros” Saxões eram aqueles da Inglaterra, e as contrapartes continentais é que precisavam ser referidas por um atributo: Antiqui Saxones. Aliás, deve-se notar que as dificuldades para denominar esta população estendem-se à Língua Portuguesa, já que, seguindo o uso dado por Beda, denominam-se como Saxões (aliado ao prefixo “Anglo”) aos habitantes germânicos das ilhas britânicas e aos do norte da “Alemanha”, como Saxônios. Por outro lado, dentro do mesmo padrão estabelecido por Beda, também é perfeitamente aceitável denominá-los como Saxões Continentais.

Em “The North Sea Coastal Area: Settlement History from Roman to Early Medieval Times” (p. 37-76), Dirk Meier dedica sua atenção ao litoral do Mar do Norte e a história de seus assentamentos dos tempos romanos à Alta Idade Média. Ele dividiu seu ensaio em quatro seções, analisando primeiro a paisagem, depois a área costeira entre os períodos Romano e das Migrações, a seguir o mesmo para o período medieval inicial e, finalmente, um “epílogo” sobre a herança cultural das zonas costeiras e pantanosas.

O autor inevitavelmente confronta nesta região problemas relativos à história dos assentamentos tanto dos Saxônios quanto dos Frísios, cuja diferenciação arqueológica nem sempre é fácil. A área costeira estava próxima o suficiente da fronteira renana do Império para interessar aos Romanos, que mantiveram boas relações comerciais com seus habitantes, como atestado pelos muitos achados Romanos provenientes da região. A localidade de Feddersen Wierde (talvez o melhor exemplo de um assentamento do período romano) foi discutida neste contexto. Meier também volta sua atenção para a área do rio Eider e seu estuário: aqui o recuo do mar tornou possível a construção de assentamentos no nível do mar nas margens do rio durante os dois primeiros séculos d.C., fato que incrementou a importância da área em termos comerciais e logísticos.

Este sistema econômico (e político) entrou em colapso com a queda do Império Romano; com isso, muito pouco sabe-se a respeito do padrão de ocupação da região durante a instabilidade do período das Migrações. Contudo, o dramático declínio populacional ocorrido entre os séculos IV e VI pode estar relacionado a uma piora do clima. Afinidades arqueológicas entre as regiões costeiras do norte da Alemanha, sul da Dinamarca e Inglaterra definem as duas primeiras como áreas de origem e a última como área de destino das migrações dos Anglos, Saxões e Jutos.

Em sua seção relativa à Alta Idade Média, Meier considera os Frísios e seu relacionamento com os Saxônios, mas também a migração destes para a região costeira entre o Eider e o sul da Dinamarca (norte da Frísia). É sobretudo neste período que o Mar do Norte (compreendendo o continente, a Inglaterra e a Escandinávia) se tornou uma importante via de tráfego e comércio. Aqui o importante centro comercial de Dorestad e o assentamento viking de Ribe alcançaram mais do que importância simbólica.

Com o ensaio “Social Relations among the Old Saxons” (p. 77-112) Frank Siegmund trata o objeto das relações sociais entre os Saxônios, levando em consideração os seguintes tópicos: a questão étnica, o decréscimo nos assentamentos nos séculos V e VI, a disposição dos cemitérios, a demografia, os gêneros e a elite.

Siegmund inicia destacando que as diferentes tradições de pesquisa significam que as fontes arqueológicas disponíveis acerca dos Saxões continentais diferem daquelas que concernem aos Alamanos e aos Francos. Sobre a etnicidade ele aponta que as atuais ideias arqueológicas a respeito da história inicial dos Saxônios procedem de uma tentativa de reconciliar as fontes clássicas (Tácito e Ptolomeu) com a Arqueologia, mas os registros arqueológicos devem ser verificados de maneira mais independente possível de fontes escritas supostamente confiáveis.

Ele pergunta se algumas das características consideradas como tipicamente saxãs talvez não estejam baseadas em tradições mais antigas, oriundas de um fundo germânico comum, sobrevivendo entre os Francos a leste do Reno, mesmo se não entre os do oeste. Uma complicação extra encontra-se no fato de que, em contraste com outros grupos mais unidos, talvez seja mais correto falarmos de “povos Saxões”, no plural, já que contavam entre seus componentes populações diversas como os Angrarii, os Nordalbingii, os Westfálios e os Ostfálios.

Como outros contribuintes neste volume, o autor também procura por possíveis indicadores da emigração dos Saxões para a Inglaterra, mas compartilha das dúvidas surgidas pelo exame recente da região dos Anglos na Jutlândia, onde o declínio populacional foi menos severo e pode ser analisado de modo cronologicamente diferente, sem o recurso à teoria da migração. Resultados similares, agora disponíveis para a área saxônia, fortalecem estas dúvidas. Ademais, o mesmo fenômeno pode ter ocorrido em outros lugares (como com os Alamanos ou os Francos), sem a necessidade da utilização de complexas hipóteses migratórias para explicá-los.

Também deve ser notada como bem-vinda a atenção dispensada às mulheres, para as quais o risco de morte na pré-história sempre foi maior que para os homens. A civilização Romana trouxe algumas melhoras para a condição das mulheres nas províncias ocidentais, como testemunhado pelos achados nos cemitérios escavados que apresentaram tanto considerável diminuição no número de restos mortais pertencentes a mulheres em idade parturiente quanto na elevação da sua expectativa de vida. Dados como estes evidenciam o que Siegmund apresenta como um risco de morte mais balanceado entre ambos os sexos.

Em “Jural relations among the Saxons before and after Christianization” (p. 113-132) Giorgio Ausenda inicia sua contribuição sobre as relações jurídicas entre os Saxônios antes e depois de sua conversão ao Cristianismo, argumentando que antes deste ponto de inflexão os saxões continentais constituíam uma “sociedade simples” ágrafa e regulada por costumes. Após a conversão eles fizeram a transição para uma sociedade complexa, fazendo uso de leis escritas. Portanto, neste texto Ausenda procura detectar sobrevivências de leis costumárias anteriores nas primeiras leis escritas concernentes aos Saxônios. Como a discussão posterior demonstra amplamente, isto provocou um debate animado e prolongado acerca do que constituiria uma “sociedade simples”, sobre o relacionamento de tal sociedade com a oralidade e a escrita (rúnica ou outra) e, de fato, sobre os diferentes significados que devemos agregar ao termo “alfabetização” quando aplicado às runas e à escrita romana.

O artigo começa observando as leis escritas de duas outras sociedades relacionadas aos Saxões Continentais em período anterior ou a seus vizinhos. Os Anglo-saxões são discutidos em relação às leis de Æthelbert de Kent e os Longobardos (só denominados como Lombardos após o fim de seu reino independente) em relação ao Édito de Rothari. As respectivas compensações por ferimentos (wergeld) estabelecidas por estes dois códigos são comparadas de forma tabular. Iluminados por estes dois paralelos, foram discutidos os três conjuntos de “leis saxônicas”, ou melhor, de leis aplicáveis aos Saxões Continentais mas emitidas pelos Francos. O primeiro conjunto (e também mais severo) é o Capitula de partibus Saxoniae (com suas medidas de cumprimento de ordem pública e conversão compulsória), o segundo – e menor – é o Capitulare Saxonicum (rascunhado durante um concílio ocorrido em Aachen, com a participação dos Saxônios) e, por último, a Lex Saxonum (possivelmente elaborada com um olho na legislação costumária dos saxônios).

No ensaio “Rural Economy of the Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century” (p. 133-158), Walter Dörfler baseou-se nas escavações realizadas em assentamentos rurais para recuperar informações acerca de suas estruturas, diferenciações sociais e econômicas, a função do comércio e a extensão da auto-suficiência econômica. Embora algumas destas informações possam ser inferidas dos artefatos encontrados (tais como foices, pás e arados), as principais fontes são as análises pedológicas, botânicas e zoológicas. Sua argumentação enquadra-se em diversos aspectos: primeiramente, a arqueozoologia e a pedologia; e então, a arqueobotânica; atividades agrícolas na Era do Ferro romana e na Idade Média inicial; finalmente, um sumário e conclusões.

A partir deste levantamento surgem numerosas questões, concernentes não apenas aos Saxões Continentais, mas também aos Anglo-saxões. Dörfler estabelece a partir de suas evidências que houve um claro rompimento nos assentamentos na Saxônia entre os séculos VI e VIII (contudo, o autor aponta que o abandono dos campos na região já havia iniciado por volta do século III), com um considerável declínio nos indicadores de assentamentos entre 450 e 600, coincidindo com o período das Migrações. A maior parte dos assentamentos desapareceu na segunda metade do século V. Contudo, o número de saxões que podem ter ficado para trás é incerto (todavia, certamente o suficiente para justificar a fortificação de Danevirke no início do século VIII). Para alcançar suas conclusões, Dörfler utilizou-se de “micro-resquícios” botânicos para reconstruir a paisagem natural deste período e as mudanças conectadas às atividades de assentamento.

No ensaio “The Beginnings of Urban Economies among the Saxons” (p. 159-192), Heiko Steuer argumenta que antes da incorporação do território dos Saxônios ao império Carolíngio, a nobreza saxônia monopolizava o comércio e a produção artesanal, além de supervisionar a distribuição dos bens. O território saxônio encontrava-se cercado por economias mais desenvolvidas, voltadas para formas pré-urbanas de organização, nas quais existiam formas monetárias de circulação da riqueza e possuíam o comércio regulado por mercadores. A Saxônia manteve-se na periferia até a segunda metade do século VIII, quando foi influenciada pelo império Carolíngio e sua estrutura econômica; Steuer primeiro analisa os Saxônios e os Carolíngios, estendendo sua discussão até o império Otônida, que viu os Saxônios em uma nova posição: o centro político de um Império Romano revigorado.

Daí segue uma seção sobre a rede de centros pré-urbanos e a circulação de bens, outra sobre a reforma Carolíngia da cunhagem e outra sobre novos mercados. O ensaio é concluído com um levantamento de fortalezas, mosteiros e sés diocesanas ou episcopais como centros pré-urbanos em território saxônio.

Desde o início fica claro que havia uma considerável diferença entre a Saxônia e os domínios dos Francos antes da integração da primeira na grande esfera econômica e política dos segundos. O trabalho missionário junto aos saxônios foi preparado não apenas para o proselitismo, mas também como um veículo para a incorporação dos conversos em novas atividades políticas e econômicas, resumidas no estabelecimento de laços comerciais, grandes concentrações populacionais e novos distritos legais, juntamente com fortificações exercendo funções centralizadoras. A reforma da cunhagem é vista como uma mudança especialmente importante e iluminada, de numerário baseado em ouro (entesourado e difícil de ser obtido) para um padrão baseado em prata (muito mais acessível), que tornou possível a transição de uma economia de escambos locais para atividades comerciais de longa distância. Este processo também compreendeu centros de comércio marítimo, sobretudo nos dois extremos da região friso-saxônia: os portos de Dorestad (no oeste) e Haithabu na Jutlândia.

No ensaio “Saxon Art between Interpretation and Imitation: the Influence of Roman, Scandinavian, Frankish, and Christian Art on the Material Culture of the Continental Saxons AD 400-1000” (p. 193-246), Karen Høilund Nielsen baseou-se em diferentes tipos de arte e artesanato para traçar as influências romanas, escandinavas, francas e cristãs na cultura material dos Saxões continentais entre os anos 400 e 1000. Ela apresenta esta sequência em quatro estágios: primeiro, uma tentativa saxã de criar uma identidade particular a partir da tradição romana. Em segundo, a influência escandinava no norte da área saxônia, que nunca levou à produção local. Em terceiro, a influência franca no sul que, provavelmente, também nunca ocasionou produção local. Finalmente, as influências carolíngias/cristãs que submergiram o que havia sido a cultura material tradicional saxônia.

Em concordância com esta visão essencialmente negativa de qualquer independência cultural dos saxônios, sua argumentação inicia com a forte influência da tradição romana tardia na região do Elba-Weser. A despeito desta dependência em modelos romanos, ela enfatiza que a qualidade do material saxônio é geralmente superior. Uma seção mais ampla discute as influências impostas de direções diferentes: Escandinávia e Frância, com a escandinava bem atestada nas bracteates (moedas mais leves, cunhadas em apenas um lado, que demandavam menores quantidades de metal, em média 0,9g). Já a influência franca pode ser detectada em peças que apresentam estilos semelhantes aos encontrados na Austrásia (mas também na Nêustria e mesmo na Alemânia). A estas influências foi acrescentada a tradição cristã, representada pelo assim chamado estilo Tassilo (que não era distintamente Saxônio, mas muito disseminado), pelo relicário de Enger (que dificilmente foi produzido na Saxônia) e broches com santos ou animais sagrados. Esta última seção resume a rendição final dos Saxônios à religião e política do império Carolíngio.

Dennis H. Green, em seu texto “Three Aspects of the Old Saxon Biblical Epic, The Heliand” (p. 247-270) lida, evidentemente, com o anônimo épico literário bíblico Heliand, uma vida de Cristo composta no século IX em versos aliterativos tradicionais germânicos. Green realiza uma comparação e ao mesmo tempo uma contrastação entre esta obra e o que Beda reporta acerca da composição do Hino de Cædmon em Inglês Antigo. Ambas as obras empregam a técnica de acomodação linguística na busca de equivalentes vernaculares para os conceitos bíblicos (por exemplo, descrevendo Cristo como o líder de poucos escolhidos em termos que sugerem que eles eram membros de um bando guerreiro germânico). O que parece ser uma concessão cristã ao passado germânico é, contudo, muito diferente de uma Germanização do Cristianismo, mas, em efeito, uma Cristianização dos Germânicos, sendo que aqui o autor adota uma postura francamente hostil a James C. Russell (The Germanization of Early Medieval Christianity, Oxford: OUP, 1994) e G. Ronald Murphy (The Saxon Savior, Oxford: OUP, 1989 e The Heliand – The Saxon Gospel, Oxford: OUP, 1992).

Isto fica claro nos três aspectos sob os quais o Heliand foi discutido. O primeiro trabalha com o relacionamento entre as literaturas em Inglês e Saxão Antigos, com foco na forma em que as obras foram entregues às suas audiências e por estas recebidas (por recital público aos ouvintes ou como texto para a leitura individual – grande preocupação de outra obra do autor, Medieval Listening and Reading – The primary reception of German literature 800-1300, Cambridge: CUP, 1994). O Hino de Cædmon é visto em termos da primeira possibilidade, enquanto que o Heliand combina ambas. O segundo aspecto abre com a questão da relação entre a visão pagã do destino e o conceito cristão de Providência (o autor do Heliand subordina termos da esfera mais antiga para expressar visões posteriores). Finalmente, o Heliand proporciona evidências mostrando como a Cristandade reagiu aos valores heroicos e marciais do mundo germânico. Aqui também a mensagem cristã impôs-se à tradição germânica.

Em “Beyond Satraps and Ostriches: Political and Social Structures of the Saxons in the Early Carolingian Period” (p. 271-298), Ian Wood expressa insatisfação com a maneira com que as evidências relativas aos Saxônios muitas vezes são tratadas com desrespeito em relação à cronologia. Para remediar esta situação ele considera as evidências escritas acerca das estruturas políticas e sociais dos Saxônios em sequência histórica, esperando assim iluminar atitudes cambiantes nestas fontes ou sua prontidão em emprestar ou adaptar material mais antigo.

Partindo de Beda como a fonte substancial mais antiga em sua descrição dos Antiqui Saxones, Wood ilumina o uso que o Venerável fez da palavra satrapae, observando suas ocorrências bíblicas, mas também em dois comentários bíblicos do próprio monge anglo-saxão, assim como em outras fontes latinas. A descrição de Beda destaca-se por sua relevância em relação à missão dos anglo-saxões no continente, apresentando um mundo ainda por ser convertido. Bonifácio também estava ciente das muitas entidades populacionais cobertas pelo termo “Saxônia”. Todavia, a despeito da óbvia importância de sua missão entre os Saxônios, nenhuma obra hagiográfica importante os descreve ou ao seu território com detalhes.

O próximo grupo de fontes consideradas provém do período carolíngio, como seus anais e sua legislação, portadores da reveladora distinção entre três povos na Saxônia: Westfálios, Angrarii e Ostfálios. Os próximos textos considerados são as Historiae de Nithard e a Vita Lebuini antiqua (com suas referências à assembleia dos Saxônios em Marklo). De grande interesse, se bem que não confiável, é a obra de Rodolfo de Fulda, com sua surpreendente afirmação de que ao invés dos Saxões terem migrado para a Britânia, na verdade eles é que de lá migraram para a Germânia, proporcionando assim aos Saxônios uma etnogênese similar à de outras tribos, ao menos no topos relacionado ao deslocamento marítimo, derivado da Eneida.

Widukind de Corvey (um descendente do guerreiro saxônio Widukind do século VIII) dedicou sua obra a Matilda, filha de Otto I, identificando-a como uma descendente do mesmo ancestral. Sua Res gestae Saxonicae também providencia aos Saxônios uma respeitável etnogênese de acordo com seu status imperial de fins do século X. Este historiador, por duvidoso que seja, nos provê com a mais completa descrição das origens dos Saxônios.

Questões religiosas, incluindo seu possível reflexo na literatura em Saxão Antigo, são discutidas no ensaio de John Hines, “The Conversion of the Old Saxons” (p. 299-328). Ele também inicia com Beda, uma testemunha considerada como confiavelmente informada acerca da organização social dos Saxões Continentais e sobre o que ele diz a respeito de seus satrapae no lugar de um monarca. Se isto implica em alguma medida de fraqueza política (e assim pode ter sido), tivesse a estrutura social saxônia sido mais centralizada, os resultados de suas lutas contra Carlos Magno e contra a conversão ao Cristianismo poderiam ter sido bem diferentes.

Nosso conhecimento do paganismo Saxônio foi contaminado pela presença dos Francos, já que as fontes disponíveis a este respeito revelam um duplo ponto de partida: elas são tanto Cristãs quanto Francas. Já que é o reino Franco que detalha o que descrevia o que estava confrontando, estas fontes precisam ser tratadas com grande cuidado.

Um aspecto desta questão que dominou a discussão subsequente a este ensaio, foi a forma com que a historiografia franca apresentou a conversão dos saxônios em termos altamente individualizados, como um conflito entre Carlos Magno, o governante do imperium christianum, e Widukind, o líder pagão local. Esta visão estreita foi muito ampliada por Hines, referindo-se ao apoio que Widukind recebeu do rei danês; assim, o saxônio pode ser visto como um lutador pertencente a um sistema político e religioso (não Cristão e mesmo “norte-germânico”) ao invés de outro, o império Carolíngio.

Em seu tratamento da literatura em Saxão Antigo, Hines ressalta que como os scriptoria onde estas obras foram compostas (Corvey, Fulda e Verden), estão localizados no oeste e no sul da Saxônia (portanto afastados das áreas que permaneceram pagãs por mais tempo), então estes textos acabam assumindo aspectos marginais e intrusivos em relação à questão. Também enfatizou o fato de que esta literatura não pode, de maneira alguma, ser interpretada como uma “Germanização do Cristianismo”, em consonância com as ideias expressas anteriormente por Dennis Green.

Como foi dito no início desta resenha, muitas questões permaneceram não discutidas, tanto pelo tempo limitado do colóquio quanto pelo número restrito de especialidades representadas em San Marino. Isto fica patente nas discussões subsequentes a cada ensaio, mas de forma muito mais contundente em boa parte do último dia do evento, reservado para um olhar mais prolongado aos temas abordados e as probabilidades de trabalhos futuros. Isto foi resumido no fim do volume sob o título “Current Issues and Suggested Future Directions in the Study of the Continental Saxons” (p. 329-352) de F. Siegmund e G. Ausenda.

Toda a série Studies in Historical Achaeoethnology possui um valor extraordinário para os medievalistas em geral, mas ainda maior para os pesquisadores voltados para o estudo das populações germânicas que moldaram a Europa após o Império Romano. Nas últimas décadas houve um crescimento considerável no número e na qualidade das obras dedicadas à análise da etnogênese dos povos germânicos, como as séries Transformations of the Roman World (atualmente com treze volumes) e sua continuação Early Middle Ages (contando com sete volumes) editadas pela neerlandesa Brill, a série Studies in the Early Middle Ages (atualmente com trinta e sete volumes) pela belga Brepols, além de outros.

Porém, nenhum outro volume foi dedicado exclusivamente aos saxônios, embora as perspectivas reveladas neste volume, particularmente em relação à publicação de futuros trabalhos, especialmente relativos às escavações arqueológicas realizadas na Saxônia, prometam novos desdobramentos e publicações futuras. Assim, o valor de The Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century como um compêndio acerca dos saxônios, mantém-se intacto.

Vinicius Cesar Dreger de Araujo – Centro Educacional Anhanguera – Pós-graduação (Santo André e Osasco). E-mail: [email protected]


GREEN, Dennis H.; SIEGMUND, Frank (Ed.). Continental Saxons from the Migration Period to the Tenth Century: An Ethnographic Perspective. Woodbridge: Boydell, 2003. (Studies in Historical Archaeoethnology 6). Resenha de: ARAUJO, Vinicius Cesar Dreger de. Contribuições para a elucidação da etnogênese saxônia. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.12, n.1, p. 152-160, 2012. Acessar publicação original [DR]

História | UEG | 2012

Historia da UEG

A Revista de História da UEG (Morrinhos, 2012-) é uma publicação do Programa de Pós Graduação em História da UEG (PPGHIS), Campus Morrinhos.

É um periódico de fluxo contínuo (ahead of print) que tem como objetivo publicar artigos, resenhas, notas, dossiês, entre outros, de professores e pesquisadores de instituições de ensino e pesquisa de prestigio regional, nacional e internacional, preferencialmente na área da História ou áreas afins (Geografia, Teologia, Ciências Ambientais, Letras, Sociologia, Antropologia, etc), desde que tenham convergência com uma análise historiográfica das fontes e no uso de conceitos relativos ao fazer histórico.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2316-4379

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Trabalho e Movimentos Sociais: Velhas, novas, outras questões / Canoa do Tempo / 2011-2012

Como no passado, nosso mundo contemporâneo tem se mostrado prenhe de transformações as mais diversas – econômicas, políticas, sociais, culturais, que trazem, todavia, percepções de uma aceleração do tempo nunca antes vivenciada pela humanidade, em especial por estarem, tais transformações, ancoradas numa arrancada tecnológica igualmente sem precedentes.

Como argumenta Marshall Berman, diante do turbilhão do novo, muitas vezes se afiguram tanto uma sensação de desencanto, com a perda do mundo antigo que se esvai; quanto o receio e a incerteza diante dos processos desconhecidos que vão se avizinhando no horizonte. [1] No cruzamento de tais percepções, é sempre comum ver emergir uma plêiade de profetas a brandir suas sentenças aos quatro cantos do planeta.

Há não mais de duas décadas, em nosso próprio ofício, uma propalada crise de paradigmas das ciências sociais, nos prostraria aos pés de doutrinas e posturas niilistas, a apregoar nossa condição de mero gênero literário, desprovido da capacidade de prova e aferição da verdade, deixando em seu lugar a pluralidade de discursos e jogos de linguagem. [2] Em paralelo, passamos à contagem regressiva para o desaparecimento do livro e do impresso diante das novas mídias. [3] No plano político, com o alardeado fim da história, os ideais de um mundo socialmente mais justo se viram expurgados para os escombros da história junto com as marcas do socialismo real e de seus muros, dando lugar a novas sacralizações do mercado e do capital. [4] Vigoroso esforço teórico foi igualmente estabelecido para decretar a perda de centralidade do trabalho, [5] levando de roldão a classe trabalhadora e seus movimentos, tidos, outrora, como incômodos e inconvenientes, e agora como personagens de um passado a ser esquecido. [6]

As dimensões mais propriamente conservadoras desses processos, bem como seus impactos no cenário historiográfico contemporâneo, têm sido frequentemente percebidos e denunciados. [7] Em que pese à riqueza e o adensamento alcançado no interior de nosso campo disciplinar, não se deve descuidar, tampouco, de abordar os caminhos historiográficos recentes de forma crítica [8 ]e atenta à pluralidade de suas dimensões. [9]

Felizmente, como nos lembra Chartier, “os historiadores têm sido sempre os piores profetas”, [10] e a dinâmica histórica contemporânea tem nos apontado para a necessidade de repensar integralmente aqueles postulados lançados há duas décadas. Assim, o livro e o impresso reafirmaram sua força e vigor, chegando em 2012 a patamares editoriais nunca alcançados; a construção historiográfica tem resistido ao ceticismo das interpretações pós-modernas [11] e, no interior dos mundos do trabalho, os movimentos sociais recobram suas forças e voltam ao cenário das ruas. [12]

Com efeito, a explosão de novos temas, a centralidade adquirida pelo conceito de cultura no interior do trabalho historiográfico e mesmo certa supremacia da História Cultural, não anularam os aportes e o legado da História Social. Antes, permitiram um diálogo novo e enriquecedor,13 em que a retomada de temas tradicionais é flagrada em dimensões novas e inusitadas. [14]

Os artigos que compõem o dossiê temático, assim como as demais contribuições que integram este número da revista Canoa do Tempo, trazem a marca desse complexo e profícuo diálogo, em que a articulação do eixo temático Trabalho e Movimentos Sociais, reafirmando sua vitalidade e pertinência, alcançam dimensões e perspectivas inovadoras.

Em primeiro lugar, longe das tradicionais noções hierarquizantes, que frequentemente, na análise dos movimentos sociais, opunham em escala valorativas descendentes, movimentos revolucionários às rebeliões de escravos ou à simples turbas urbanas, [15] os movimentos sociais aqui analisados são pensados em suas dimensões e potencialidades intrínsecas, que existiram enquanto possibilidades históricas de intervenção e transformação social.

Em segundo lugar, tampouco são os movimentos sociais ou os processos de trabalho que articulam crianças, mulheres, seringueiros, posseiros ou operários, abordados aqui em esquemas interpretativos arcaicos e/ou alheios aos aportes historiográficos contemporâneos. Ao contrário, eles nos dão a ver dimensões culturais, que se veem incrustadas nos processos de experienciação e identificação vivenciada por esses múltiplos sujeitos.

Por fim, outro ponto importante a ser salientado está no fato de que as análises presentes no dossiê – sejam elas acerca dos movimentos de rebeldia e sedições do século XIX, dos mocambos do Baixo Amazonas ou dos portuários riograndinos – passam ao largo de recorrentes perspectivas polarizadoras como as noções de centro/periferia ou mesmo a de história nacional/história regional. Com efeito, a produção historiográfica que elas articulam e exemplificam dão conta de processos singulares que, materializados em diferentes espaços do país, reconfiguram outras histórias do Brasil. [16]

Por tais dimensões, fica aqui o convite para uma leitura que desejamos ser ao mesmo tempo instigante e prazerosa.

Notas

1 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Cia das Letras, 1999. p. 15-35.

2 MALERBA, Jurandir. Teoria e História da Historiografia. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A História Escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006. p. 13.

3 CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1998.

4 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: O breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 2002. p. 537-562.

5 ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 13-14.

6 GORZ, Andre. Adeus ao Proletariado: para além do socialismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

7 DOSSE, François. A História em Migalhas: Dos Annales à Nova História. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.

8 VAINFAS, Ronaldo. Avanços em Xeque, Retornos Úteis. In: CARDOSO, Ciro Flamarian e VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Novos Domínios da História. Rio de Janeiro: Eselvier, 2012, p. 319-335.

9 Veja-se o comentário de Antoine Prost acerca do caso francês: “É verdade que se alterou a conjuntura do fazer história. O complexo de superioridade dos historiadores franceses, orgulhosos de pertencerem, em maior ou menor grau, à escola dos Annales – cuja excelência, supostamente, é elogiada pelos historiadores do mundo inteiro – começou a tornar-se , não propriamente irritante, mas injustificado”. PROST, Antoine. Doze Lições de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p. 9.

10 CHARTIER, Roger. A História ou a Leitura do Tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, p. 8.

11 GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros: Verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Cia das Letras, 2007.

12 SANTOS, Boaventura de Souza. Trabalhar o Mundo: Os caminhos do novo internacionalismo operário. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

13 PROST, Antoine. Social e Cultural Indissociavelmente. In: RIOUX, Jean-Pierre e SIRINELLI, Jean-François (Orgs.). Para uma História Cultural. Lisboa: Estampa, p. 123-137.

14 Cf.: BATALHA, Cláudio, SILVA, Fernando Teixeira da e FORTES, Alexandre. Culturas de Classe: Identidade e Diversidade na Formação do Operariado. Campinas-SP: Editora Unicamp, 2004.

15 GARCIA, Marco Aurélio. Reforma ou Revolução/ Reforma e Revolução. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 10, n.º 20, mar.91/ago.91, p. 9-38.

16 Cf: MONTENEGRO, Antonio Torres et al. História, Cultura e Sentimento: Outras histórias do Brasil. Recife: Editora da UFPE; Cuiabá: editora da UFMT, 2008.

Referências

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005.

BATALHA, Cláudio; SILVA, Fernando Teixeira da; FORTES, Alexandre. Culturas de classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas-SP: Editora Unicamp, 2004.

BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Cia das Letras, 1999.

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: UNESP, 1998.

CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.

DOSSE, François. A história em migalhas: Dos Annales à Nova História. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.

GARCIA, Marco Aurélio. Reforma ou Revolução/ Reforma e Revolução. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 10, n. 20, p. 9-38, mar.91/ago.91.

GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Cia das Letras, 2007.

GORZ, Andre. Adeus ao proletariado: para além do socialismo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Cia das Letras, 2002.

MALERBA, Jurandir. Teoria e História da Historiografia. In: MALERBA, Jurandir (Org.). A história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.

MONTENEGRO, Antonio Torres et al. História, cultura e sentimento: outras histórias do Brasil. Recife: Editora da UFPE; Cuiabá: Editora da UFMT, 2008.

PROST, Antoine. Doze Lições de História. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

PROST, Antoine. Social e Cultural Indissociavelmente. In: RIOUX, Jean-Pierre; SIRINELLI, Jean-François (Org.). Para uma história cultural. Lisboa: Estampa, [s.d.], p. 123-137.

SANTOS, Boaventura de Souza. Trabalhar o mundo: os caminhos do novo internacionalismo operário. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

VAINFAS, Ronaldo. Avanços em Xeque, Retornos Úteis. In: CARDOSO, Ciro Flamarian; VAINFAS, Ronaldo (Org.). Novos domínios da história. Rio de Janeiro: Eselvier, 2012. p. 319-335.

Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro – (Ufam)

Maria Luiza Ugarte Pinheiro – (Ufam)

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[DR]

América Latina frente a pandemia do Covid-19 / Boletim do Tempo Presente / 2020

Apresentação

A pandemia causada pelo vírus Sars-Cov-2 (COVID-19) inseriu a humanidade em uma profunda crise sanitária, socioeconômica e psicológica, cujos efeitos políticos se demonstram imprevisíveis. O pânico decorrente da possibilidade de contração da doença afetou o bem-estar individual e coletivo, ao mesmo tempo em que gerou diversas preocupações com o futuro. Esse mal-estar, de uma sociedade sem horizonte de expectativas, levou a diversas crises no modelo de representação, das instituições políticas e das formas de organização social.

Paralelamente a este processo, a COVID-19 fortaleceu críticas às práticas econômicas neoliberais, acentuando as disparidades econômicas entre os países que compõem o sistema internacional. Ao mesmo tempo, o vírus expôs as profundas desigualdades sociais, em especial em países da América Latina, Caribe e África. A pandemia deixou em evidência, para parcelas da sociedade civil, as mazelas que envolvem o dia a dia dos segmentos sociais pauperizados, como ashabitações precárias, que tornaram o distanciamento social irrealizável, até mesmo desumano, ou os deletérios efeitos da informalidade no mercado de trabalho.

Na América Latina e Caribe, relatórios preliminares sobre os efeitos sociais e econômicos da pandemia, organizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a CEPAL, projetaram cenários desalentadores. Vislumbram-se retrações de até 23% no Comércio Internacional, 9,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e o PIB per capita regional deve retroceder aos patamares do ano de 2010, ocasionando, assim, uma nova década perdida. A pobreza e a extrema pobreza devem elevar-se, respectivamente, em 7,1% e 4,5%. Com isso, em torno de 327 milhões de latino-americanos (52,8% da população local) estarão na condição de extrema pobreza ou pobreza ao fim de 2020.[1]

A pandemia também impactou as Relações Internacionais. O cooperativismo e o multilateralismo consistiram em um dos seus efeitos, como observamos no apoio às iniciativas realizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o combate à pandemia. No entanto, em paralelo, notamos uma ampliação das disputas entre as potências internacionais. A “corrida global” para a descoberta de uma vacina, o fortalecimento da autonomia do Estado-Nação e o robustecimento das tensões entre norte-americanos e chineses, causadas pela narrativa de Donald Trump acerca da “cupabilidade chinesa” pela pandemia, evidenciaram isso.

O Sars-Cov-2 demonstrou os efeitos da racionalidade moderna, impulsionada pelo neoliberalismo e globalização, que submeteu as sociedades globais à espoliação, à reprodução do capital e a um desprezível individualismo. Assim, esse dossiê, que atesta os esforços das Universidades em entender o complexo presente, buscará debater os múltiplos impactos econômicos, sociais, políticos, psicológicos, educacionais e culturais causados pela pandemia nos dez artigos que o compõem.

Em Pandemia e Cosmovisões – Solidão, Medo e Morte Maria Teresa Toribio Brittes Lemos realiza um breve histórico das epidemias a partir de uma narrativa que percorre suas ocorrências da Antiguidade à COVID-19. A autora ressalta sentimentos, como a angústia, o medo e a solidão, ocorridas em outros momentos pandêmicos da história da humanidade e destaca os efeitos desses eventos nas memórias coletivas e nos imaginários sociais com o intuito de observar possíveis sequelas, individuais e coletivas, da atual pandemia para as nossas sociedades.

Johannes Maerk, em Será la pandemia de Covid-19 el fin del neoliberalismo?, aborda os impactos socioeconômicos e políticos da crise da década de 1929 nos países ocidentais, a teoria keynesiana e o modelo de Indústrias de Substituições de Importações (ISI). Ademais, o artigo analisa as motivações para a implementação das práticas políticas e econômicas neoliberais a partir da década de 1970 em diversos países e traz pertinentes reflexões sobre a possibilidade de surgimento de um modelo alternativo a este, em virtude dos impactos econômicos e sociais da atual pandemia.

No artigo América Latina e os Impactos Estruturais Ocasionados pela Covid-19, Paulo Maurício do Nascimento abordou os resultados estruturais da pandemia em nível global e, em especial, na América Latina e Caribe. Destacam-se a abordagem acerca das suas consequências econômicas e as ações governamentais adotadas nos seguintes países: Argentina, Brasil, Costa Rica, Equador, México, Paraguai e Peru.

Oscar Barboza Lizano, em Disputas Imperiales: Mirares de la pandemia COVID-19 desde Centroamérica, avaliou os impactos comerciais, políticos e diplomáticos decorrentes da pandemia. O artigo tem o mérito de analisar os seus efeitos nos espaços centro-americanos e caribenhos, além de tecer breves considerações sobre as conjunturas de países que enfrentaram recentemente um ciclo de instabilidade política, como Bolívia e Chile. Além disso, há uma importante avaliação das disputas entre China e Estados Unidos no sistema internacional, aspecto este relevante em virtude da recente guerra comercial entre as duas superpotências.

Alberto Dias Mendes, em Pandemia, Cuba e a revolução solidária, avalia as repercussões da COVID-19 na China, Europa e na América Latina e Caribe a partir de uma minuciosa comparação entre o número de casos e óbitos em países selecionados entre março e setembro de 2020. O autor localiza, ainda, a pandemia e os seus efeitos como parte de uma crise civilizatória e ressalta o papel das Brigadas Médicas Henry Reeve no combate interno ao vírus e em ações de solidariedade internacional.

Em A pandemia da COVID-19 e as mudanças na atuação docente: o trabalho em casa como (falta de) estratégia didática, José Lúcio N. Jr e Patrícia Mª P. do Nascimento abordaram os efeitos da pandemia na prática docente e na sala de aula. Ressalta-se a importante diferenciação entre o Ensino à Distância e o Ensino Híbrido, este imposto à prática docente em decorrência da pandemia e que é baseado na ampla utilização de Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, aos quais grande parte dos docentes não estava (ou está!) habituada. O trabalho tem o mérito de trazer pertinentes reflexões para educadores e setores da sociedade civil que, hoje, preocupam-se com os rumos da educação brasileira, sobretudo do setor público, em um momento de inviabilidade de aulas presenciais e de acefalia do Ministério da Educação.

André Luis Toribio Dantas, em Educação Remota em um contexto pandêmico: Isonomia e Universalidade – Educação Pública/RJ, examinou os impactos da COVID-19 na educação pública do Estado do Rio de Janeiro. As dificuldades de implementação do Ensino Híbrido motivadas, entre outras razões, pelo não acesso dos estudantes à internet e plataformas digitais, e os resultados da suspensão das aulas presenciais na comunidade escolar estiveram entre alguns dos elementos que compuseram as pertinentes reflexões do autor sobre as repercussões da pandemia no ensino público.

No artigo Povos Indígenas do Brasil: Um novo capítulo de uma velha história, Aimée Schneider Duarte avaliou os efeitos da COVID-19 sobre as populações indígenas brasileiras e as medidas implantadas pelo governo de Jair Bolsonaro na mitigação dos impactos da pandemia sobre os nossos povos originários. Igualmente, há uma análise histórica da participação indígena e dos seus apologistas na Constituinte de 1987-1988 e algumas medidas legais implantadas para a sua proteção.

Em Possíveis cidades pós-pandêmicas: COVID-19 e a passagem da cidade modernista à cidade “não moderna”, Rodrigo Agueda analisou as consequências sociais da pandemia e as suas possíveis influências no meio urbano. O artigo aponta que os aspectos excludentes das grandes cidades devem permanecer, apesar de, mundialmente, existirem debates relevantes acerca do aproveitamento do contexto pandêmico para se debater mobilidade urbana e organização espacial das cidades.

Anderson Barbosa Paz em O Papel dos Estados da América Latina em Tempos de Pandemia Global a partir do pensamento de John Keynes examinou alguns elementos da teoria keynesiana e a importância de existência de políticas públicas para mitigar os efeitos da pandemia entre as populações latino-americanas.

1. As informações aqui inseridas foram retiradas do Observatorio COVID-19 en América Latina y el Caribe – Impacto económico y social. Disponível em: https://www.cepal.org/es/temas/covid-19. Acesso: Nov/2020.

Érica Sarmiento – Professora adjunta de História de América da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bolsista Produtividade CNPQ nível 2, pesquisadora Jovem Cientista Nosso Estado-FAPERJ (2014-2017; 2017-2020). É coordenadora do Laboratório de Estudos de Imigração (Labimi) e coordenadora do mestrado do Programa de Pós Graduação em História (UERJ). Pós-doutora pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em história pela Universidade de Santiago de Compostela na área de América e Contemporânea. Foi Professora visitante no Instituto de Estudos da América latina (ILAS), Universidade de Columbia (Nova York) e na Universidade de Santiago de Compostela.

Karl Schurster – Professor Livre Docente da Universidade de Pernambuco. Pós Doutor pela Freie Universität Berlin. Organizou juntamente com Francisco Carlos Teixeira da Silva e com Francisco Eduardo Alves de Almeida a obra Atlântico: a história de um Oceano (Civilização Brasileira), vencedora do prêmio jabuti (2º lugar em Ciências Humanas 2014). É professor permanente do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Pernambuco. Foi bolsista do Instituto Yad Vashem em Jerusalém/Israel (2014) onde desenvolve pesquisa sobre a memória do Holocausto, recebendo nova bolsa de estudos em 2018. É Diretor de Relações Internacionais, exerce a coordenação científica da EDUPE/UPE e é Coordenador Acadêmico do Mestrado Profissional em Ensino de História/ProfHistoria – UPE.

Rafael Araujo – Professor Adjunto de História da América da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC)/UFRJ. Doutor em História pelo PPGHC/UFRJ (2013). Participa como historiador convidado do projeto “1914-1918-online. International Encyclopedia of the First World War” organizado pela Freie Universität e pelo Friedrich-Meinecke-Institut. Membro do Grupo de Trabalho (GT) de Ensino de História e Fontes da ANPHLAC. Pesquisador associado ao Laboratório de Estudos da Imigração (LABIMI)/UERJ e ao Grupo de Estudos Sociocultural da América Latina da Universidade de Pernambuco (UPE).

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Integralismo brasileiro: passado e tempo presente / Boletim do Tempo Presente / 2012

Apresentação

A Revista Eletrônica do Tempo Presente traz nessa Edição Especial o tema do Integralismo no Brasil, a partir da contribuição de especialistas e estudiosos do tema de partes diferentes do país.

Colaboram com essa Edição João Fábio Bertonha da Universidade Estadual de Maringá e coordenador do Laboratório do Tempo Presente da UEM, também conhecido especialista dos estudos do integralismo no Brasil e suas relações com o fascismo italiano. Nesta edição ele nos oferece uma discussão sobre questões metodológicas para o estudo do antissemitismo integralista. Na sequência temos uma analise da imprensa integralista, particularizando-se o caso da Revista Anauê e sua circulação num ano que foi crucial para o crescimento dos integralistas, 1935, com Rodolfo Fiorucci do Instituto Federal do Paraná (IFPR/Jacarezinho) e Doutorando pela UFG, estudioso do integralismo desde os tempos de Mestrado.

As relações externas do integralismo com o nazismo não poderiam deixar de ser contempladas nessa Edição. Nesse lugar, temos a contribuição da Ana Dietrich, da Universidade Federal do ABC, especialista nos estudos do nazismo no Brasil e suas relações com o Integralismo no Sul do país, com uma importante contribuição acerca das percepções de Hitler sobre essa relação.

Outra importante contribuição à edição vem do também especialista no tema Renato Dotta da Universidade Federal do ABC nos dando a conhecer da trajetória do integralismo brasileiro desde a fundação da Ação Integralista Brasileira em 1932 até a atualidade, incluindo-se uma reflexão da utilização dos ciberespaços utilizados pelos chamados “Neo-integralistas”.

No âmbito da história do tempo presente do integralismo temos a oralidade e a memória dos que viveram a experiência do integralismo na contribuição de Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro, da Universidade Federal Fluminense. Especialista em estudos da memória integralista, ela nos brinda com uma discussão bem atual do movimento a partir do tema “Uma velha novidade: o integralismo no século XXI”.

Informamos aos leitores que o integralismo brasileiro teve seu início em 1932 com o lançamento do Manifesto de Outubro de 32, atuando oficialmente até 1937, quando foi proibido por decreto do Estado Novo. Em 1938, alguns integralistas tentaram derrubar Getúlio Vargas, através de uma invasão armada à residência presidencial no Rio de Janeiro, sendo a partir daí objeto de perseguição e controle da polícia política. Seu líder Plínio Salgado foi enviado para exílio em Portugal, onde ficou até 1946. Voltando ao Brasil fundou o PRP (Partido de Representação Popular) com o qual compareceu novamente ao campo político brasileiro na dita democratização do país. Durante o regime militar continuou atuando, agora ao lado dos militares, até 1975, quando veio a falecer. Alguns militantes e seus herdeiros, contudo, nunca esqueceram o “Chefe” e continuam até nossos dias circulando em algumas capitais do país e, principalmente, através da internet.

Desta forma, apresentamos nesta edição um tema de suma importância para nossa vida política e, com isso, esperamos levar uma contribuição aos interessados em estudar e conhecer mais detalhes do que foi esse movimento, tido como o “fascismo brasileiro”.

Giselda Brito Silva – Coordenadora do Núcleo de Documentação de Historiografia das Ditaduras e do Autoritarismo no Tempo Presente e professora da UFRPE.

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Argentina hoje / Boletim do Tempo Presente / 2012

Apresentação

O Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade do Brasil / UFRJ publica o primeiro número da Revista Eletrônica do Tempo Presente / UFRJ. Este primeiro número, por sua vez em abertura de uma nova série, terá o caráter de número especial ao compor um dossiê sobre a Argentina contemporânea, agora denominado “Argentina, hoje”. Escolhemos como motivo para tal dossiê especial a Argentina, não apenas pelo seu peso como a mais destacada parceira histórica do Brasil na América do Sul – e aí devemos sublinhar dimensões políticas, comerciais e estratégicas – como pelo destaque contido na própria importância enquanto país influente na comunidade internacional e membro constante do grupo das vinte mais relevantes economias globais, o G20. Não deixamos de notar, ainda, a relevância argentina para as instituições, a política, a cultura e a constituição da unidade sul-americana.

Neste mesmo sentido, notamos o protagonismo argentino nas relações internacionais, com a retomada do desenvolvimento econômico, cujo ponto de destaque se demonstrou nas nacionalizações destacadas do governo Cristina Kirchner (2007-) em 2008, com o resgate das Aerolíneas Argentinas, e em março de 2012, a suspensão do contrato de concessão dos jazimentos petrolíferos nas mãos da Repsol YPF, culminando na expropriação da majoritariedade das ações desta mesma empresa em Abril. Ao mesmo tempo e no mesmo sentido da retomada do discurso e ação sobre a soberania nacional como demanda, a crise das Malvinas ressurge no seu trigésimo aniversário como forma de tensão diplomática, em função da presença acusada de jazimentos de petróleo e gás. As Américas se manifestaram de apoio na Cumbre de las Americas de 2012, em Cartagena de las Indias, Colômbia.

Este número conta com especialistas brasileiros e argentinos sobre o tema. Entre os especialistas argentinos, está o prof. Hector Saint-Pierre (Professor Titular em Segurança Internacional e Resolução de Conflitos da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP), e diretamente da Argentina, dando prosseguimento a uma tradição de cooperação entre o TEMPO / UFRJ e Universidad Nacional de La Plata / Instituto de Relaciones Internacionales, estão os artigos de Laura Bogado Bordazar & Laura Maira Bono, professoras do instituto argentino, bem como Julia Esposito. Dois pesquisadores brasileiros, Maria Paula Nascimento Araújo, Professora Associada de História Contemporânea, e Iuri Cavlak, Professor Adjunto da Universidade Federal do Amapá, estão presentes neste número especial.

Procuramos ainda construir um diálogo intenso sobre a questão das Malvinas através de uma entrevista, sob a forma de mesa redonda, com estes mesmos especialistas mais o Norberto Osvaldo Ferreras, argentino, Professor Associado da Universidade Federal Fluminense, sobre o significado atual da crise das Malvinas. Este dossiê, além dessa reforçada contribuição com artigos de nível doutoral e entrevistas, apresenta resenhas fílmica e literária sobre obras de destaque notadas internacionalmente, e ainda a contribuição discente em formação do exercício de perfilagem biográfica e de alguns dos mais relevantes documentos impreteríveis para a análise histórico-política das relações internacionais do país com o mundo.

Por fim, é necessário mencionar o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) através do projeto “Caminhos da Integração Sul-Americana”, sem os quais os últimos avanços e intentos em pesquisa não seriam possíveis. Nessa direção, os trabalhos aqui apresentados são parte integrante e constitutiva dos resultados deste projeto.

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Livro – PEIXOTO (A-EN)

PEIXOTO, José Luís. Livro. Lisboa: Quetzal, 2010. Resenha de: NOGUEIRA, Carlos. Alea, Rio de Janeiro, v.14 n.1, jan./jun., 2012.

Livro, o sexto romance de José Luís Peixoto (1974), tem como contexto a emigração portuguesa para França e a literatura enquanto universo complexo, enigmático e contraditório. Estes dois temas surgem ligados na primeira frase do romance, mas o leitor não poderá compreender a verdadeira amplitude desta associação senão na segunda parte do livro.

“A mãe pousou o livro nas mãos do filho” (11) inicia uma narrativa que seduz o leitor pela imprevisibilidade e pelo dramatismo das situações, pela densidade psicológica das personagens e pelo encadeamento dos episódios, que se vão sucedendo numa progressão cronológica assinalada, entre parênteses, no início de alguns capítulos ou no seu interior, imediatamente antes do parágrafo que se segue e no mesmo tipo de letra do texto. Há ainda palavras-chave, como “(Fonte)” (26) ou “Posto da guarda” (101), números, o nome de uma personagem e, por vezes, a representação pictórica de uma mala, que também delimitam os momentos narrativos. À medida que o romance avança, o andamento dos episódios e a alternância entre eles intensificam-se.

Também neste aspecto da sintagmática narrativa o autor recorre, no nível gráfico, a uma estratégia que visa marcar esses momentos: um espaço em branco, equivalente a duas ou três linhas, entre cada parte. Num livro que tem tanto de romance tradicional como de narrativa pós-moderna, esta técnica, tal como as que enumeramos acima, contribui para a inscrição do romance numa categoria genealógica singular. As personagens deste romance estão divididas entre Portugal, de onde algumas nunca saíram, como Josué e a velha Lubélia, e França, para onde partiram na situação de emigrantes não propriamente convencionais e de onde voltam para períodos de férias e, mais tarde, no caso de Adelaide e do filho “Livro”, definitivamente.

Lubélia, personagem amargurada por ter abortado e por ter sido afastada pelos pais da experiência amorosa, envia a sobrinha à força para França, para separá-la de Ilídio, que, ao aperceber-se disso, decide partir à procura de Adelaide. Para além do episódio inicial, constituído pelo abandono de Ilídio pela mãe, que parte para França, é este o núcleo a partir do qual se desencadeiam todas as outras linhas efabulativas do romance. Apesar de narrados autonomamente, todos estes episódios se encontram associados numa lógica de alternância cinematográfica que dá ao leitor a possibilidade de saber o que as personagens não sabem umas das outras.

Fala-se, neste romance, de vidas humanas individuais, dos seus desejos, vontades, erros e conflitos; fala-se de amor, de morte, de encontros e desencontros; e fala-se também de Portugal como povo, com as suas crendices e obsessões, vícios e virtudes, alegrias e tragédias, e como país que vive a tragédia de uma ditadura e a conquista de liberdade política, social e individual. 1974 é, por isso mesmo, um ano privilegiado neste livro, em especial os dias que precedem e sucedem à revolução do 25 de Abril. “27 de Abril de 1974” é uma data com implicações narrativas e autobiográficas: é a data que assinala o fim da primeira parte do romance, narrado em terceira pessoa, e a data de nascimento do narrador (autodiegético) da segunda parte, que é também a data de nascimento do autor empírico (cuja projeção autobiográfica tem ainda a ver com o facto de os pais de José Luís Peixoto terem sido emigrantes em França nos anos 60).

O livro que Ilídio recebe da mãe é o mesmo livro que ele, adolescente, oferecerá a Adelaide, com quem, muito mais tarde, terá um filho ilegítimo, cujo nome insólito é também o nome deste romance: Livro.

Este é um romance que muda radicalmente de registo no início da segunda parte, que surpreende o leitor com um inquérito, constituído por doze perguntas, enunciado nestes termos: “Indique os seguintes dados” (207). Percebe-se, mais à frente, que o próprio narrador autodiegético responderá a este questionário repentino e insólito, em que entram aspectos de natureza não só civil e biográfica, mas também pessoal: “Nome da sua mãe” ou “Nome do seu bilhete de identidade”, por um lado, e “Adjectivo que melhor caracteriza o penteado que tem neste momento” ou “Número de vezes que lava os dentes por semana” (207), por outro. Antes, contudo, dos primeiros indícios que fazem a ligação com a intriga da primeira parte do romance, surge outro momento perturbador que acentua ainda mais o estranhamento causado pelo inquérito: “Preencha os espaços em branco com as respostas anteriores” (209).

Esta segunda parte não se desliga completamente da anterior, mas obriga o leitor a rever as expectativas que foi criando ao longo de duzentas páginas. Paralelamente às sequências de ações, às relações entre personagens e à caracterização direta e indireta de espaços e figuras, as incursões no metaliterário inscrevem este romance no âmbito pós-moderno. O leitor lê o livro, primeiro na segurança de uma história bem-construída e escrita com a elegância de um autor que sabe usar o ritmo, a metáfora e a comparação: “Cada martelada que acertava na parede era como uma explosão no centro da terra. […] As cabeças dos martelos eram pesadelos de aço maciço, trovões negros. O Ilídio segurava o seu martelo com as duas mãos e acertava na parede, que caía em grandes postas caiadas, com tijolos vermelhos nas pontas, como entranhas” (178).

Mas este Livro também interpela o leitor através da visão criativa do pós-moderno, que já não se satisfaz com a apresentação de uma história linear e previsível; interessa-lhe, dialogando ironicamente com o passado histórico, literário e cultural, inovar pelo lado da reflexão metaliterária. Para o narrador deste Livro, que no final se dirige a um narratário, tudo está em julgamento e em movimento: a sociedade, o pensamento e a própria literatura: “Este livro podia acabar aqui. Ficávamos assim, no vácuo desta revelação. The end. Ou talvez nem seja sequer uma revelação, talvez seja apenas um sinal da minha incapacidade de interpretar detalhes” (261).

Carlos Nogueira – Universidade Nova de Lisboa [email protected]

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Clio | Clio ’92 | 2012

Boletim de Clio

Il Bollettino di Clio (2012-) è il periodico on-line dell’Associazione Clio ‘92: è scaricabile dal sito da parte di tutti i soci, e risponde al desiderio di far circolare informazioni, idee, materiali che possono contribuire a formare la professionalità e la condivisione di prospettive rispetto all’insegnamento della storia.

L’associazione CLIO ’92 è stata costituita da un gruppo di insegnanti di storia nel 1998 con lo scopo di approfondire e dare impulso alla ricerca teorica ed applicata sui problemi dell’insegnamento e dell’apprendimento della storia.

La sua ambizione è di tenere la storia insegnata fortemente collegata alla storia degli esperti. Le sue posizioni sulla didattica della storia sono manifestate nelle tesi pubblicate nel 2000 nel primo numero della rivista “I Quaderni di Clio”, aggiornate nelle assemblee nazionali dei soci che si tengono ogni anno e pubblicate nel sito dell’associazione www.clio92.it.

[Periodicidade semestral]

ISSN 2421-3276 (Online)

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Churches in Early Medieval Ireland: Architecture, Ritual and Memory | Tomás Ó Carragáin

This book emanates from a doctoral thesis completed in 2002 by Tomás Ó Carragáin. He is currently a lecturer at the Department of Archaeology, University College Cork, Ireland. It is a very elegant edition, printed on large pages, it literally looks like a History of Art book due to the many beautiful photographs it contains of the early Irish churches and their surrounding landscapes. It would be a suitable adornment for any coffee table. The contents can equally interest archaeologists, historians, historians of art, and even well informed tour guides in Ireland who want to gather information about particular sites. Its Appendix provides a descriptive list of Irish PreRomanesque Churches and its bibliography is very useful for both historians and archaeologists of early Christian Ireland. The fact that the notes have been published as endnotes rather than footnotes, while enhancing the visual attractiveness of the text, renders them rather unhelpful to the reader; particularly because the full reference of the works are not given in the notes. Consequently, every time the reader wants to check a reference it is necessary to look up the notes at the end and the bibliography, turning a huge volume of large heavy pages in the process.

Ó Carragáin’s study is about the pre-Romanesque churches built in Ireland from the arrival of Christianity in the island in the fifth century to the early stages of the Romanesque style around 1100 [1]. Therefore, far from being simply an exhaustive descriptive work of churches and monasteries and their respective architectures, or of excavation reports, it provides some interesting and updated analysis of the usage of those religious sites, analysing its social and political associations. The chosen structure for the book is both chronological and thematic. Consequently, I found it easy to follow the arguments. In the process, the author has crafted a fruitful balance between the material culture and the textual historical evidence.

In the first part of his Introduction he locates his work within a historiographical framework in which he discusses previous writings and interpretations of these churches’ architectures. An interesting aspect of this work derives from how he positioned himself in the middle-ground when discussing whether Ireland was an odd place in the Middle Ages or whether it was completely in line with other European countries and its movements [2], in terms of its art and architecture style, aspects of Christianity and it’s politics. He concluded that Ireland is not completely different from the rest of Western Europe but as differences are realities ‘they are often more revealing than similarities’ (p. 8). I do not agree entirely with that sentence, as such a determination depends on the focus and aims of a given piece of research. In many cases the study of similarities could provide lots of interesting insights. Even though, in this particular book we are offered an equilibrated use of comparative observations between Ireland, England and the Continent identifying both disparities and similarities.

In his discussion on early Irish Church organization, he has tended to agree with recent studies which argue that the Church did not suffer cycles of corruption and reform but experienced continuity throughout the period. This perspective departs from an older orthodoxy that the Irish Church in Patrick’s time was based on an episcopal model which was superseded by a monastic model. He agrees that the highest rank of churches were multi-functional and that the Irish church settlements, especially the bigger ones, such as Clonmacnoise, Glendalough, Kildare, and Armagh, were in fact episcopal-monastic centres rather than purely monasteries [3], thus both bishops and abbots were important figures in these contexts (p. 9).

In chapter one, “Opus Scoticum: Churches of Timber, Turf and Wattle”, (p. 15‒47), he analyses the architectural structure of the churches made with these materials. Most of the churches built before c. 900 were probably not made of stone, and certainly after this period these materials were used as well as stone to build churches. Ó Carragáin has acknowledged that little is known archaeologically about them. His argument in that informs the entire book. It is that some of these churches were modelled according to a Romano-British style; while others were designed to allude to the tomb of Christ in Jerusalem. So, they were read by the Irish literati [4] as representations of the Jerusalem temple and were associated with their founding saints. Subsequently, its quadrangular form was monumentalized by the Irish who in later periods keep this style relinquishing any search for other complex types of buildings.

The very short chapter two, “Drystone Churches and Regional Identity in Corcu Duibne”, (p. 48‒55), as the title suggests, is about the drystone type of churches which are only found in the south-west area of Ireland, (facing the Atlantic), area of Co. Kerry, as shows on maps 1 and 4. They date from the eight century onwards and are not found elsewhere. It used to be believed that they were a step in an evolutionary typology of the double-vaulted roof, a theory disregarded by Ó Carragáin. He suggests that 86% of such churches are distributed on the Iveragh peninsula and western end of the Dingle peninsula, regions which formed the early medieval kingdom or Corcu Duibne. The other 14% is spread around the Corcu Duibne’s domains. He concludes that those churches positioned within the Corcu Duibne area should not be understood as a material strategy of differentiation representing their association with St. Brendan the Navigator’s cult, because the Corcu Duibne geographical area was dedicated to a number of other saints. Nevertheless, the other sparsely located churches may be evidence of St. Brendan’s cult expanding beyond the immediate Corcu Duibne area. Though his interpretation is based on some previous works but the claim is underdeveloped, while this may be because there are not enough archaeological or textual sources to support the claim, thus it remains rather speculative rather than warranted by available evidence.

Chapter Three, “Relics and Romanitas: Mortared Stone Churches to c. 900”, (p. 57‒85), is about the important sites where mortared stone churches were built during the eighth and ninth centuries while most of the other churches were still being built with other materials. They constitute symbolic architecture and therefore, symbolic places. For the sacrality of those sites he returns to some discussions developed by some scholars, especially by Charles Doherty and Nicholas Aitchison whose work avails of concepts from comparative religion. His argument is that the first large stone church built in the eight century in Armagh, was associated with the ideal of Romanitas [5], as an imitatio Romae. While the other early stone churches built at other important religious centres, Iona and Clonmacnoise, were inspired by biblical cities of refuge, such as, Jerusalem, and in particular with the Jerusalem temple, and with the Holy Sepulchre Complex, carrying the ideal of imitatio Hierusalem. In these sites a novelty was also built, little shrine-chapels, where the remains of the dead founder saints were deposited. They were usually built on top of the original tombs of the saints, but some saint’s remains may had been transferred to shrine-chapels. From a political perspective, it appears that the construction of these stone churches had been supported by local kings thus contributing to the rivalries among these churches and their prominence in Ireland. The positioning of these sites on the landscape and their architecture carried cosmological value, as centres of the world, or microcosms.

In the following chapter, “Pre-romanesque churches of mortared stone, circa 900‒1130: form, chronology, patronage”, (p. 87‒142), Ó Carragáin has described their form, their distribution in the country and the involvement of kings in commissioning the earlier ones. In Chapter 5 “Architecture and Memory”, (p. 143‒166), he discusses the concept of social memory and analysed it in the Irish context in order to comprehend the conservative form of these churches. Tension between continuity and change within a building tradition is analysed and associated with the disconnection between immutable form and mutating social context, revealing conscious manipulation of the past in order to suit the needs of the present. In the construction of this argument he accessed a study of a Chinese village in the second half of the twentieth century, as a mode of comparison. Within this logic he observes a preoccupation with the past as expressed through the medium of medieval art. He highlights that from c. 900 onwards Ireland was suffering political, economic, social and military changes which stimulated among the Irish literati a desire to preserve the past, and this was reflected in the conservatism of the churches and the style in which they were built by the early saints. He affirms that “like the historical writing of the tenth to twelfth centuries, the stone churches were intended to make the past continuous with the present”, (p. 149).

“Architecture and Ritual” is the theme of the chapter 6, (p. 167‒214) and here the author searches the material for evidence of the nexus between the architecture of these sites and the ritual enacted on them. As part of this process, he attempts to observe how Mass, consecration ceremonies, baptism, and processions were celebrated. In Chapter 7, “Sacred cities and pastoral centre after 900”, (p. 215‒234), he continues to explore the usage and function of these churches. He opens the chapter by returning to the discussion as to whether or not the big church groups such as Armagh and Clonmacnoise were simply monasteries or cities. In Latin hagiography, the Irish scholars have referred to these sites as civitates, locus and monasterium, (p. 216). Based on Doherty’s and Bradley’s arguments, Ó Carragáin seems to agree that these ecclesiastical sites experienced substantial nucleation. Here the author returns to Cólman Etchingham’s argument that these sites varied in function and affirms that the archaeological evidence supports it. The early Irish churches, although all built in the same quadrangular format, served different purposes. According to him, the term “monastery” is not the most useful one to describe these sites, and posits that “episcopal-monastic centres” or simply civitas may more accurately reflect their multiplicity of functions (p. 216‒217). Although he explains the particularity of what the term civitas meant for the Irish, I consider that since this term is often associated with the Roman concept and structure of civitas and the episcopal centres later developed in them, the term “episcopal-monastic centres” seems most appropriated for the Irish context.

The study of pastoral care in Ireland is a field which continues to require further study and this work is an exciting contribution to the subject. A very interesting argument developed in this seventh chapter is that church sizes cannot be directly associated with the number of people frequenting them, as many factors may have influenced the size of the churches built in the early middle ages. Therefore, little churches may have had a considerable amount of people sharing the space, while bigger churches may have not been filled with people. This means that it is hard to know with certainty the number of dependents of a given church.[6] Therefore, he argues, the amount of small churches built in Ireland may indicate that a larger number of lay people had access to pastoral care than had been thought previously. Because it was believed that only monasteries provided pastoral care, it used to be supposed that the majority of society did not have access to it. However, he argues differently that “because the power structures in Ireland were relatively diffused, a higher proportion of the lay population were entitled to found their own churches”, (p. 226). Consequently, he agrees with recent historians such as Richard Sharpe that, because of this, Ireland may have experienced in the early Middle Ages one of the best structures of pastoral provision in Northern Europe (Blair, J.; Sharpe, R. 1992: 109).

In chapter 8, “Architecture and Politics: Dublin and Glendalough around 1100” (p. 235‒253) he analyses the building of churches in these two sites with Romanesque influences. In this and the following chapter, “Relics and Recluses: Double-vaulted Churches around 1100” (p. 255‒291), he develops a model for the relationship between three phenomenon: architecture, politics and reform. These new style of churches were used to fulfil certain functions, but they were still associated with previous church models discussed throughout the book and also with the past, but with a particular view of this past, as emphasized in his epilogue “social memory is as much about forgetting as it is about remembering”, (p. 302). This interpretation of the Irish church architecture as modelled according to a social memory construct based on a reading of the past situates this work within the field of History of Memory, and therefore, very much in tune with a new trend within Cultural History which has been increasingly explored since the 1970s [7].

In general, Churches in Early Medieval Ireland is an impressive work with considerable potential to contribute to understanding the history of the churches built in Ireland during the Middle Ages, to the motivations behind their erection and to their social function. Many important satellite discussions and arguments around these issues were considered en route by the author and these intellectual detours have provided evidence that enabled him to support or disregard some of his central theses. Whether one agrees or disagrees with Ó Carragáin postulations, this book is definitely indispensable reading material for the researcher of early Christian Ireland engaged in the different fields, archaeology, history, history of art [8].

Notas

1. The author has explained that the term pre-Romanesque church is used for churches without Romanesque features, but it does not necessarily mean that all of these churches predate the arrival of the Romanesque in Ireland. After the construction of the first Romanesque church (c. 1080‒1094) preRomanesque churches were still been built for another half century, (p. 8), and the Romanesque buildings were expressions of the Gregorian reform movement, (p. 235).

2. To follow these discussions Ó Carragáin has suggested: Thomas, 1971; Hughes, 1973; Wormald, 1986; Brown, 1999.

3. For the discussions on the conflict of episcopal and monastic models see: Hughes, 1966; 1972; 2008. For the opposition to this view and updated studies on the subject: Sharpe, 1984; Blair e Sharpe, 1992, in particular Sharpe’s article in this work; Etchingham, 1991; 1993; 1994; 2002; Kehnel, 1997: 28‒46; Charles-Edwards, 2000: 241‒281; Blair, 2005: 43-49;73‒78; Foot, 2006: 265‒268.

4. Ó Carragáin did not define what he is undestanding by the term literati but it has been defined by Bart Jaski as: “a term used in a general sense to refer to those men of learning engaged in composing and writing literary matter, without implying that they formed a uniform body”, p. 329.

5. The concept of Romanitas is also not directly defined, but it is understood in the context. He puts it in terms of opposition such as “in the Roman manner” versus “wooden churches” or “in the Irish manner”, affirming that this dichotomy is evident in Bede’s Historia Ecclesiastica, it seems that in Bede’s opinion a Roman style of church was one built with stones, (p.60‒66).

6. He also supported this argumentation in an article published after the completion of his thesis but before its publication in the book format: Ó Carragáin, 2006: 114.

7. For discussions on this field see Innes, 2000: 6

8. I am thankful to Professor Ciaran Sugrue (UCD) for reading a draft of this review and providing me with some corrections and helpful observations. Therefore any inaccuracy is of my own responsibility

Referências

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Ó CARRAGÁIN, Tomás. Churches in Early Medieval Ireland: Architecture, Ritual and Memory. New Haven and London: Yale University Press, 2010. (Paul Mellon Centre for Studies in British Art Series). Resenha de: FARRELL, Elaine C. dos S. Pereira. Early Irish Churches: form and functions. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.11, n.2, p. 85-90, 2011. Acessar publicação original [DR]

Mulher e Caribe: aproximações à problemática de gênero / Revista Brasileira do Caribe / 2011

O presente número monográfico da Revista Brasileira do Caribe incorpora uma variada e rica coletânea de artigos que oferecem reveladores aspectos sobre o Caribe desde a polêmica perspectiva do gênero. Assim, todos os artigos selecionados se encontram interconectados pelo vínculo de serem portadores de evidentes explorações sobre a temática da noção de gênero como uma concepção metodológica, epistemológica, multidefínivel, porque a realidade que estudam é ontologicamente diversa, e porque os que se aproximam a ela cognoscitivamente também o fazem com olhares diferentes. Empregar um enfoque de gênero significa aproximar-se às realidades sociais comprendendo que as mulheres e os homens não têm somente sexos biológicos, mas também estão dentro dos marcos e padrões construídos em sociedades historicamente concretas, que têm atribuído papéis determinados ao significado de ser homem e ser mulher.

Este fascículo nasce da necessidade de revelar múltiplos olhares inovadores sobre a autenticidade da construção de diferentes identidades sexuais e de gênero nos espaços caribenhos. Dessa forma, propiciamos a colaboração de especialistas de diversos âmbitos dentro das áreas, da Filologia, da História, da Sociologia, dos Estudos Culturais, com a finalidade de pesquisar e encontrar aspectos cruciais de uma organização social que sustenta este tipo de discriminação, oferecendo possíveis alternativas de ação pública para a resolução deste tipo de desigualdade. Daí deriva o valor inquestionável deste coletivo de estudos que reúne um importante grupo de autores de diferentes países e especialistas em diversas disciplinas. Estes pesquisadores oferecem novos e provocadores debates, enfoques e marcos teóricos que revelam valiosas aproximações para a historiografía, estimulando espaços inovadores em vários campos e perspectivas dos estudos caribenhos.

Os artigos se encontram organizados seguindo uma orden disciplinar e cronológica, ainda que esta não seja a única classificação possível. A primeira parte deste número especial, dedicada a Cuba, se inicia com um artigo de María Guadalupe Mercado Méndez no qual aparece uma interesante abordagem sobre o romance El siglo de las luces do escritor cubano Alejo Carpentier. No contexto histórico da Revolução Francesa, o relato centra-se em três jovens órfãos que foram prejudicados pela chegada de um comerciante francês que introduz em Havana os novos conhecimentos da ciência, da técnica e da filosofia. A personagem de Sofia, uma adolescente, revela a surpreendente construção do feminino na História, influenciada por uma forte presença de ideologias machistas.

O segundo artigo de Brígida M. Pastor, oferece uma reveladora interpretação de duas escritoras pioneiras na temática feminina e suas contribuições desde o exílio: María de las Mercedes Santa Cruz y Montalvo, Condesa de Merlín e Gertrudis Gómez de Avellaneda. Pastor expõe como no século XIX a mulher escritora enfrenta o dilema não somente de escrever, mas também de como escrever. Trata-se de um discurso que revela a ansiedade de autoria ou o grande dilema que vive na realidade, e sua necesidade de recorrer a uma série de estratégias com o propósito de construir e dar expressão a suas ideias emancipadoras.

A continuação Verena Berger presenta um estudo sobre a novela gráfica De sangre y ron mi Cuba (2010), do desenhista galego Fran Jaraba, e através de um enfoque histórico – a Guerra de Independência de Cuba (1895-1898)– faz uma revisão do fim do colonialismo espanhol no Caribe. O estudo de Berger aborda como Jaraba integra na sua novela a representação dos gêneros no médio popular que trata da violência da guerra.

Conrad James examina alguns dos assuntos políticos relacionados com a escritura de uma Cuba lésbica. Este estudo estabelece algumas das preocupações essenciais do florescente discurso lésbico forjado internamente e na diáspora, centrando-se na narrativa confessional de Sonia Rivera-Valdés, produzida nos Estados Unidos. James explora admiravelmente, desde as perspectivas das identidades lesbianas múltiplas, tanto o passado colonial de Cuba, como o governo de Castro e a reconstrução cultural dos últimos anos da década de 1990.

Carlos Uxó apresenta em seu artigo uma análise crítica da representação da mulher afro-cubana em cinco romances publicados em Cuba na primeira década do século XXI (Maldita danza de Alexis Díaz-Pimienta, 2002; Las criadas de La Habana de Pedro Pérez Sarduy, 2003; El harén de Oviedo, de Marta Rojas, 2004; Allegro de habaneras de Humberto Arenal, 2004; y Palimpsesto de José Antonio Martínez Coronel, 2008). Uxó convincentemente demonstra até que ponto estas novelas conseguem destacar a subalternidade na mais recente narrativa cubana.

O fascículo estende suas aproximações sobre a temática de gênero às regiões continentais do Caribe. O artigo de Daniel Noemí Voionmaá oferece uma abordagem sobre dois romances que acontecem na Zona do Canal, no Panamá: Canal Zone (1935), do equatoriano Demetrio Aguilera-Malta, e Luna verde (1950) do panamenho Joaquín Beleño. A análise incisiva de Voionmaa apresenta uma realidade marcada pelo cruzamento e transporte de capital, e de corpos excluídos por sua raça e gênero.

O artigo de Omar García Obregón tem sido incluído no dossiê pelas contribuições teóricas que podem ser extendidas ao Caribe. O autor oferece uma iluminadora exploração sobre a arte de narrar da escritora brasileira Nélida Piñón, em seu relato «I Love My Husband». García Obregón leva em consideração os aportes ensaísticos da escritora, para situar a mulher dentro de uma memória ancestral feminina que a autora explora para, através de atos paródicos, ir contra a normatividade de gênero num contexto patriarcal.

Outro artigo da autora Livia Maria Bastos Vivas aborda as problemáticas de gênero e de raça na Ilha Antiga, no contexto de domínio colonial com predomínio da atividade turística e do turismo sexual. O artigo desenvolve a temática a partir de A small place, romance de uma das mais destacadas narradoras do Caribe, Jamaica Kincaid. A autora-protagonista, no romance questiona, desde a segunda pessoa do singular, as práticas sexuais dos turistas homens em uma franca transgressão dos códigos sexuais atribuidos às mulheres.

Dina Comisarenco Mirkin, por sua parte, apresenta uma interessante leitura da obra mural que a artista mexicana Electa Arenal realizou na Cuba pós-revolucionária, nos primeiros anos da década de 1960. Centra-se na análise formal de algumas de suas obras e poemas, demonstrando eloquentemente que existe uma singular iconografia na qual a representação do gênero, a infância e a maternidade foram renomeados de acordo com o conteúdo político próprio do muralismo mexicano e da ideologia personal da artista.

No estudo de Julio Moracén Naranjo se explora a relação de gênero e sociedade em Cuba e Brasil a partir da análise de dois personagens femininos (Maria Antonia e Efigênia) num cenário de referência do teatro negro caribenho. Desde uma perspectiva inovadora se tomam como ponto de partida duas obras emblemáticas do teatro: Sortilégio (1957), do autor brasileiro Abdias do Nascimento e Maria Antonia (1967), do autor cubano Eugenio Hernández Espinosa. No artigo exploram-se os diferentes níveis de construção de identidade feminina numa meta_reelaboração continua de materiais simbólicos que definem culturas caribenhas transculturadas.

Por último, Georgina Flores García e Belén Benhumea Bahena visibilizam a relevante atuação de um grupo de mulheres que não tem sido registradas na história e que não aparecem nos estudos sobre o Caribe mexicano apenas por um problema espacial. Estas duas autoras escolhem um caso de estudo revelador para dar testemunho de mulheres brancas espanholas, negras e indígenas emprendedoras e progressistas no contexto do Vale de Toluca durante os séculos XVII e XVIII.

A história, a literatura e a cultura no contexto do Caribe sempre tiveram que enfrentar-se com uma arraigada tradição machista e com uma constante prática de censura. Por isso, esses discursos oscilaram em relação à liberdade de expressão, entre visões liberais e autoritárias. Durante os últimos cinquenta anos houve um despertar que tem visto nascer novas e revolucionárias expressões artísticas, entre as quais se destacam os discursos históricos, literários e artísticos, como sólidos canais dedicados à denúncia das injustiças, às vivências de construção de uma sociedade nova, surgindo assim um questionamento conflitivo de noções de identidade, gênero, nação e diáspora. Descobrem-se novos discursos transgressores e estratégicos em busca de uma formulação ideológica que gere sociedades mais justas e igualitárias.


PASTOR, Brígida. Mulher e Caribe: aproximações à problemática de gênero / Revista Brasileira do Caribe. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.12, n.23, p.7-10, jul./dez., 2011. Acessar publicação original. [IF].

Acessar dossiê

 

A invenção do Nordeste e outras artes – ALBUQUERQUE JÚNIOR (RTF)

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. 4 ed. Recife: FJN; Ed. Massangana; São Paulo: Cortez, 2009. 340 p. Resenha de: MARTINELLO, André Souza. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 5, n. 1, jul-dez., 2011.

O Nordeste, assim como o Brasil, não são recortes naturais, políticos ou econômicos apenas, mas, principalmente, construções imagético-discursivas, constelações de sentido.” Durval Muniz de Albuquerque Jr. (1999, p.307).

No ano de 2009 tivemos uma década da publicação da tese de doutoramento em História, defendida por Durval Muniz de Albuquerque Junior na Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP. Torna-se oportuno trazer novamente ao debate algumas abordagens e temáticas lançadas pelo autor, na obra intitulada: “A Invenção do Nordeste e outras artes”. Como registra a primeira edição do livro, o historiador recebeu com essa pesquisa, no concurso promovido pela Fundação Joaquim Nabuco, a classificação de melhor trabalho de História no Concurso Nelson Chaves de Teses sobre o Norte e Nordeste brasileiro, no ano de 1996. Nesses últimos dez anos, desde a publicação da premiada pesquisa, Durval tem se tornado autor cada vez mais conhecido e se destacado no campo da historiografia brasileira e das ciências humanas de maneira geral; entre suas obras mais recentes, uma aborda a pesquisa, a escrita e as teorias da História, “História: arte de inventar o passado”, publicado pela Edusc (em 2007)1 e um livro da série “Preconceitos” da Cortez editora: “O preconceito contra a origem geográfica e de lugar.” (2007)2 De maneira geral, pode-se dizer que Durval tem-se preocupado com temas que envolvam o pensamento e a utilização das reflexões de Michel Foucault, por vezes relacionada à escrita da História, e também outra temática de seus textos está no que poderia ser denominado de História dos Espaços. Além de fazer parte do corpo docente do Departamento de um Programa de Pós-Graduação concentrado na abordagem “História e Espaço” na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Durval vem realizando pesquisas e publicando trabalhos articulando literatura, (crítica à) identidade regional, discursos constitutivos de espaços, regionalismos e vínculos territoriais, como fez, por exemplo, no Encontro Nacional de História-ANPUH realizado em 2007, na conferência intitulada: “O Tempo, o Vento e o Evento: história, espaços e deslocamentos nas narrativas de formação do território brasileiro”.3 Leitor assíduo (e conhecedor) da literatura brasileira, em “A invenção do Nordeste”, Durval se lança a compreensão de como ao longo do tempo, obras e diferentes autores, de épocas e escolas diversas, descreveram o Nordeste brasileiro e inscreveram essa região no país. Mas a literatura que Durval se utiliza como fonte, não é apenas aquela entendida como “ficcional”, como romances ou novelas, mas inclui textos (sociológicos) de Gilberto Freyre, por exemplo. Quais formas, nomeações e descrições constituíram o Nordeste brasileiro? Passando por João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Guimarães Rosa, Rachel de Quiroz; e “outras artes”, subtítulo do livro, também são utilizadas por Durval, com intenção de apontar em um conjunto diverso de massa documental como se identificaram determinadas representações no e do nordeste, seja literatura ou não. Luiz Gonzaga, Candido Portinari, Glauber Rocha, Di Cavalcanti, Dorival Caymmi, José Lins do Rego, Josué de Castro, Luis da Camara Cascudo e Euclides da Cunha.

O que há em comum nesse conjunto tão variado de personagens descritos nesse livro está justamente, na forma peculiar com que cada um realizou suas obras, de maneira a constituir (e inventar) a nordestinização de uma parte do Brasil, como um espaço Outro em relação ao centro-sul, centro-oeste ou norte do país: p.311) “[…] o Nordeste quase sempre não é o Nordeste tal como ele é, mas é o Nordeste tal como foi nordestinizado.” A idéia principal presente no livro, parece apontar a constituição do nordeste enquanto espaço da negação, o Outro do sul maravilha que se construía em alteridade e paralelo, cada vez colocado mais distante do sul. É como se ao longo do tempo tivesse ocorrido um constante e profundo afastamento das regiões nordeste e sul, afastamento que foi se constituindo por diversos olhares, interpretações e sentidos.

Vários apelos e constatações de artistas, escritores, nordestinos e intelectuais do país, formaram uma geografia do nordeste; justifica Durval da sua opção em abordar algumas fontes por ele eleita como vozes privilegiadas e edificadoras de determinados espaços e características como sendo nordestinas. A busca por uma distinção por parte do sul, em relação ao nordeste, também contribuiu na invenção desse último. p.307) “O Nordeste, na verdade, está em toda parte desta região, do país, e em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de estereótipos que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do Nordeste.” Linguagens constituíram uma forma espacial de sentidos e de uma comunidade imaginada, (p.23) as diversas formas de comunicação, cinema, literatura, teatro, pintura, música, produção acadêmica, poesia são exemplos de linguagens que não apenas representam o real, como instituem o mesmo. Enquanto alguns propuseram fórmulas de alterações das realidades sócio-ambientais nordestinas, para resgatá-las de certa condição de atraso ou subdesenvolvimento, outros cantavam a tristeza da seca e suas conseqüências, como a partida dessa região sofrida. Para quem emigrou, o nordeste torna-se um espaço da saudade, com embalo de muitas melodias, poesias, danças e tradições inventadas para o constantemente lembrar o que é ser nordestino.

Poesias tratavam de registrar a sensação de ter de migrar forçosamente em direção a outros espaços, o exterior, o longínquo, o fora dali; já no cinema e na pintura, pensava-se estar documentando a realidade das condições de retirantes, da natureza agreste, tórrida e cada vez mais inabitável ou desumana. Todos, diz o autor, construíram argumentação que levou a nordestinização de um espaço que está pretensamente localizado ao nordeste de um Outro. Se há uma referência como sendo a central, torna-se assim viável a visualização de um nordeste. Ou seja, a constituição, ao longo de mais de duzentos anos, do nordeste e dos nordestinos (o espaço como gente), foram vistos e caracterizados como um problema: (p.20) “O que podemos encontrar de comum entre todos os discursos, vozes e imagens […] é a estratégia da estereotipização.” As artes que mapearam ou apresentavam o nordeste como temática, tornaramse monumentos que atuaram na constante alimentação de imagens que nos chegam até aos nossos dias, como tradutoras e representantes do nordeste e de uma identidade de nordestino, seja ela física (corporal), lingüística (sotaque, expressões), econômica, moral e social. Há um conjunto variado de categorias e formas, nas quais se tornam possíveis encontrar e apontar características de nordestinos e do espaço desse povo, e isso pode ser observado nos diferentes produtores de sentidos que Durval traz em cena para falar dessa região ou criá-la como uma região, no sentido de ser homogênea, ter uma mesma identidade, uma mesma história e expressar uma única cultura, por isso, é que o autor afirma que se trata de uma invenção, entre outras, pela criação de uma imagem homogênea de uma parte do Brasil.

Não devemos esquecer também que anteriormente a essa obra de Durval, a doutora em Ciência Política, Iná Elias de Castro, havia apontado, analisando, entre outras documentações, discursos de políticos eleitos e representantes de Estados do nordeste no Congresso Nacional, entre 1946 e 1985, o processo de construção e cristalização do Nordeste como em posição de constante necessidade, frente às demais regiões do país. Inclusive, muitas das críticas e questões levantadas por Durval, já haviam sido lançadas por Iná de Castro em 1992 na obra “O Mito da Necessidade.

Discursos e práticas do regionalismo nordestino”,4 o que sugere possíveis (e quem sabe, interessantes) possibilidades de comparação entre a tese defendida na História por Durval e na Ciência Política por Iná. É claro que utilizando fontes e documentação diferentes, por si própria, já nos sugerem resultados não propriamente semelhantes, somado a isso à perspectiva disciplinares e o referencial teórico diferente mobilizado por ambos. Iná também buscou dialogar com aspectos e obras sobre regionalismos, e Durval deixa claro que sua intenção está mais por se afastar dessa temática e aproximar sua análise a instituições e construções de identidades. É claro que ainda há outras possibilidades de comparação, utilização e iniciação do debate das críticas presentes sobre interpretações do nordeste brasileiro. Principalmente quando se publica recentemente, novas re-edições do livro “A Invenção do Nordeste”.

1 ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru (SP): Edusc, 2007.

2 ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. Preconceito contra a origem geográfica e de lugar: as fronteiras da discórdia. São Paulo: Cortez, 2007.

3 ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. “O Tempo, o Vento e o Evento: história, espaços e deslocamentos nas narrativas de formação do território brasileiro”. Conferência realizada XXIV Simpósio Nacional de História – ANPUH, História e Multidisciplinariedade: territórios e deslocamentos, julho 2007. Disponível em http://www.cchla.ufrn.br/ppgh/docentes/durval/artigos/otempo ovento o evento.pdf.

André Souza Martinello – Universidade Federal de Santa Catarina.

Agonie terminée, agonie interminable – BLANCHOT (A-EN)

BLANCHOT, Maurice. Agonie terminée, agonie interminable. [Agonia terminada, agonia interminável]. Paris: Editora Galilée, 2011. Resenha de: PENNA, João Camilo. Alea, Rio de Janeiro, v.13 n.2 July/Dec, 2011.

“A experiência da morte – esta pura impossibilidade – seria a condição, o fim e a origem, ou quem sabe o imperativo categórico (o ‘é preciso’ incondicionado) da literatura como do pensamento”. Essa frase resume o livro póstumo de Philippe Lacoue-Labarthe (1940-2007), Agonie terminée, agonie interminable. Sur Maurice Blanchot, que chega agora à forma de volume, graças ao trabalho de Aristide Bianchi e Leonid Kharlamov. O livro fora anunciado na Amazon.com e .fr desde 2004, mas fora deixado incompleto, ou “interminado”, como diz o próprio título, pelo autor em vida. A publicação coincide com a abertura do arquivo de Lacoue-Labarthe no IMEC (Institut Mémoires de l’Édition Contemporaine), onde estão depositados os arquivos de muitos dos grandes escritores franceses contemporâneos. O livro é composto de textos heterogêneos, três conferências, dois textos encomendados, um outro mais antigo, da série de prosas Frases (Phrases), coligidas em volume em 2000 (Paris: Christian Bourgois). Pelas notas deixadas em seus arquivos, pode-se reconstituir o formato que teria o livro se concluído, o que nos permite deduzir-lhe o escopo. A apresentação dos dois editores faz o trabalho de recomposição do todo, citando notas de seminários, correspondência, anotações esparsas do autor para si próprio, e não chegam propriamente a preencher-lhe as lacunas, mas dão uma medida do contorno fantasmático do que seria a obra, caso Lacoue-Labarthe tivesse podido concluí-la. Os editores dão um passo adiante com relação ao todo, de maneira discreta mas firme, demonstrando que em parte Lacoue-Labarthe deixou o livro incompleto não apenas pela doença que o matou, mas por dúvidas essenciais com relação ao objeto de sua investigação, que de alguma maneira o título agônico, mais uma vez, nomeia.

Todos os textos que compõem o volume, no estado possível em que foi deixado pelo autor após sua morte, giram diretamente em torno de Maurice Blanchot, mais especialmente em torno de dois textos de caráter autobiográfico, ou testemunhal, mesmo que o primeiro termo faça problema e o segundo fuja ao tema que interessa a Lacoue-Labarthe. Os dois textos são: o pequeno fragmento “Uma cena primitiva?” (“Une scène primitive?“), publicado pela primeira vez em 1976, em uma revista editada por Lacoue-Labarthe,*1 e depois incluído, em versão ligeiramente modificada, com uma série de outros fragmentos de que ele é como que a condição de possibilidade, em A escrita do desastre (L’Écriture du désastre. Paris: Gallimard, 1980); e o segundo é O instante de minha morte (L’Instant de ma mort. Paris: Gallimard, 2002). Os dois textos não têm aparentemente nada em comum. O primeiro relata um episódio de infância: um menino “de sete ou talvez oito anos”, olhando pela janela, e subitamente encarando o céu, reconhecendo-o como vazio – “o céu, o mesmo céu, de repente aberto, negro absolutamente e vazio absolutamente” – e fazendo a revelação determinante para o resto de sua vida, resumida na seguinte frase: “nada é o que há e antes de mais nada nada além” (“rien est ce qu’il y a et d’abord rien au-délà “). O que doravante fará o menino viver “no segredo”: “Ele nunca mais chorará”. O segundo relata um episódio ocorrido no final da Segunda Guerra Mundial, em 1944, com um “jovem”, no interior da França, quando, preso por um pelotão da SS, escapa por um acaso da sorte de ser fuzilado. A experiência da quase morte é vivida como um êxtase, “uma espécie de beatitude”, uma revelação da leveza (ele “experimentou então um sentimento de extraodinária leveza”). Essa experiência e o sentimento inanalisável que provocou no jovem o marcarão para sempre, transformando o resto de sua vida em uma espécie de resto póstumo: “nem felicidade, nem infelicidade. Nem ausência de temor e talvez já o passo além [le pas au-delà : ao mesmo tempo ‘passo além’ e ‘nada além’]”.

O que têm os dois textos em comum além do aspecto, como já disse, problematicamente autobiográfico, disfarçado pelo uso da terceira pessoa? Duas coisas. Em primeiro lugar, trata-se em ambos os casos de experiências, mas de experiências paradoxais, “experiências sem experiência”, para usar uma expressão de Blanchot, em que nada propriamente é experimentado ou em que precisamente o “nada” é experimentado, e sobretudo em que a impossível experiência da morte é, por assim dizer, vivida enquanto quase morte, simulacro da morte. Em ambos os casos, temos uma espécie de êxtase vazio, sem objeto, beirando a revelação mística, como mística negativa, revelação ateia do vazio dos céus no primeiro, e, no segundo, como dádiva da vida, vivida, a partir da experiência crucial que se conta, como sobrevivência, sobrevida ou segunda vida, de tal modo que se inverte a fórmula consensual: a vida é que é a consequência da morte, esta sendo a íntima condição daquela. Teríamos aqui dois exemplares do que Lacoue-Labarthe chama de “a escrita póstuma” de Blanchot.

Em segundo lugar, e aqui tocamos no cerne da hipótese de Lacoue-Labarthe, os dos textos situam-se no contexto do programa rigoroso estabelecido pelo “último Blanchot” de desmitologização ou de desconstrução do mitológico, do sagrado ou da religião. A hipótese é formulada de maneira mais clara quando Lacoue-Labarthe lê a referência lacônica a André Malraux, no final de O instante de minha morte. O “jovem” teria se encontrado pouco tempo depois do incidente do quase fuzilamento com André Malraux em Paris, que lhe relata a perda de um manuscrito, em um incidente com um pelotão SS. Na invasão ao Castelo em que morava o “jovem”, a propriedade da tradicional família de Blanchot, em Quain, o SS teria encontrado também um “grosso manuscrito”, talvez “planos de guerra”. O texto sugere a junção entre os dois manuscritos (o do “jovem” e o de Malraux), nos fazendo pensar, com Lacoue-Labarthe, que eles fossem quem sabe o mesmo. O fundo do problema, no entanto, está na motivação dessa referência a Malraux no texto de Blanchot. Lacoue-Labarthe desentranha um episódio narrado nas Antimemórias de Malraux. Ele teria passado por um quase fuzilamento semelhante ao de Blanchot, e exatamente na mesma época, fato que Malraux aparentemente ignorava. Após ser preso com documentos falsos, perto de Gramat, e interrogado pela Gestapo, Malraux fora colocado diante de um pelotão de fuzilamento que, no entanto, não o executa. O paralelo entre os dois simulacros de execução aponta, na verdade, segundo Lacoue-Labarthe, para uma oposição entre duas políticas da escrita, que Blanchot visaria demonstrar: a sua e a de Malraux. A operação romanesco-memorialística de Malraux contém uma intensa mitologização, enquanto a de Blanchot se construiria como negação do mitológico.

Lacoue-Labarthe analisa a bela cena de renascimento para a vida, como repetição da origem do mundo, também em Le Miroir des limbes, nas Antimemórias, em termos que lembram os de Blanchot, embora carregados de uma mitologia inteiramente ausente do texto de Blanchot.

Eu sabia agora o que significavam os mitos antigos dos seres arrancados aos mortos. Eu quase não me lembrava da morte; o que eu levava comigo era a descoberta de um segredo bastante simples, intransmissível e sagrado.

Assim, talvez, Deus olhou o primeiro homem…*2

A oposição de procedimento literário se completa por uma oposição política, Blanchot tendo se contraposto resolutamente às posições defendidas pelo Malraux-homem de estado a partir do final dos anos 1950.

A conclusão de Lacoue-Labarthe é que aqui justamente se situaria o cerne do paradoxo banchotiano: a escrita antimitológica não deixa de conter sua parte de mitologização, nem que seja a mitologia da falta de mitologia. De maneira essencial, Blanchot teria encarnado mais do que ninguém o mito do escritor e da escrita moderna. Afinal, é ele quem coloca em O espaço literário a escrita sob a égide do mito de Orfeu, ou seja, da descida aos infernos, a nékuia, inscrita nas Geórgicas de Virgílio, e que encontra o seu modelo na Odisseia de Homero, na descida de Ulisses aos infernos. Esta travessia da morte é precisamente a matriz da cena do quase fuzilamento de Malraux, Blanchot e, é claro, de Dostoievski, que Malraux não deixa de citar em suas Antimemórias. A nékuia remeteria a um rito iniciático quem sabe universal, e que teria como complemento esta outra cena paradigmática, também originada em Homero, desta vez na Ilíada, a da ira, com todos os harmônicos políticos contidos nela: a ira contra a injustiça, fonte de toda a protestação política, como a do jovem Marx.

A desmitologização programática de Blanchot não deixa de conter a sua parte de mitologia. A cena do nascimento depois da morte, a “leveza”, a “beatitude”, e a alegria que sucede à travessia da morte retomam uma tópica que aparece em uma certa literatura francesa: ela aparece no ensaio “De l’exercitation” de Montaigne e na segunda rêverie de Rousseau. Em ambos os casos, trata-se de voltar literalmente da experiência da quase morte. A citação consistindo no método da mitologização, contra a qual alertava Blanchot, sem querer nem poder de todo recusá-la.

As duas cenas paradigmáticas que resumem a literatura ocidental, ou o Ocidente enquanto literatura, a nékuia e a da ira, do protesto e da revolta, enfeixariam a relação essencial entre mitologia e política, sacrifício e política, formulados de modo matricial na modernidade pela sequência que se abre com o terror jacobino (1792-1794) e a Festa do Ser Supremo (1794). A recusa à mitologia tem uma importância essencial no programa político-literário de Blanchot, no que toca o nazismo, e este acontecimento que divide o século XX, o extermínio dos judeus da Europa. Pois, segundo Blanchot: “No judeu, no ‘mito do judeu’, o que Hitler quer aniquilar é precisamente o homem liberto de mitos”. Afirmação polêmica, questionada por Derrida (onde há religião há sempre uma parte de sacrifício e sagrado), que assinala a judeofilia de Blanchot. É em torno desta cena político-literária, ou mitológico-política, que se divide também a vocação política de Blanchot: sua dupla “conversão” à direita nacionalista no início dos anos 1930, e à esquerda, ao que parece, após o encontro de Georges Bataille, em 1940.

O livro de Lacoue-Labarthe deixa todas essas questões em aberto. Em seu estado póstumo de fragmento inacabado, ele instala de forma definitiva a questão ético-política que ocupou a vida de seu autor: a afirmação de que “é a remitologização que traz sozinha a responsabilidade do mal”. Aqui ele retorna a todos os seus temas e autores prediletos: Bataille, Hölderlin, Rousseau, Freud e, sobretudo, Blanchot. É, portanto, em torno do motivo do póstumo e da morte que se fecha o ciclo literário e essa vida. Em torno mais precisamente desta revelação: a de que a morte é a condição de possiblidade, no sentido transcendental, kantiano, da vida.

1 (Première Livraison, nº 4, Mathieu Bénézet e Philippe Lacoue-Labarthe (eds.). Paris-Strasbourg, fevereiro-março, 1976.)
2 (Malraux. André. “Antimémoires, III, 2, Oeuvres complètes, volume III. Paris: Éditions Gallimard, 1966, p. 240. Minha tradução.)

João Camillo Penna – Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

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Nos destinos de fronteira: história, espaços e identidade regional – ALBUQUERQUE JR (HH)

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. Nos destinos de fronteira: história, espaços e identidade regional. Recife: Bagaço, 2008, 514 p. Resenha de: VIDAL e SOUZA, Candice. O Nordeste: algumas narrativas de lugares, gentes e modos de vida. História da Historiografia. Ouro Preto, n. 6, p.228-233, março 2011.

Para os analistas dos discursos sobre a nação (historiadores, antropólogos ou sociólogos), a primeira tarefa é compreender sobre que lugares e formas sociais o autor do texto ou imagem sobre o Brasil ou alguma de suas partes está se referindo. As fronteiras internas da nação, sua caracterização geográfica e sociológica, sua explicação histórica, são marcadas exemplarmente nos textos do pensamento social brasileiro ou na vasta literatura referida a locais de fato existentes Brasil afora (LIMA 1999; VIDAL E SOUZA 1997; IBGE 2009; SENA 2003; COSTA 2003).

O historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr., há muito tempo, explora a invenção discursiva da região Nordeste, procurando capturar os cenários históricos e os modos de apresentação das vozes dos políticos, dos literatos, dos historiadores e dos estudiosos da cultura popular (cf. ALBUQUERQUE JR.

1988 e 2001). A coletânea em questão reúne ensaios que incidem sobre a mesma temática das formas e processos de construção das “dizibilidades e visibilidades” do Nordeste. O ponto de partida interpretativo mantém-se em torno de Michel Foucault, o qual formula os objetos e o léxico empregado na análise de falas e de imagens presentes em romances, biografias, ensaios e fotografias. Certamente, a demarcação coerente do campo de análise e das referências de apoio bibliográfico é uma qualidade constante nos ensaios. Além disso, como se pretende enfatizar posteriormente, essa fixidez impede que outras perspectivas contemporâneas sobre as narrativas das identidades nacionais ou regionais sejam incorporadas e submetidas ao debate acerca dos “poderes e saberes”. Do mesmo modo, a insistência sobre a especificidade da construção da região Nordeste afasta o autor da comparação com as formas de narrar outras regiões brasileiras, exercício fundamental para a compreensão dos mecanismos de invenção das fronteiras intranacionais e dos significados em torno da produção de alteridades/outridades.

Os vinte e dois ensaios que compõem a coletânea são distribuídos em três partes: “História e Espaços”, “História e Identidade Regional”, “História, Espaço e Gênero”. As abordagens apresentadas, em cada um deles, são diversas quanto à temática específica (o espaço como objeto da história, a visão tropicalista do Nordeste, a história regional, o Nordeste de Câmara Cascudo e Gilberto Freyre, os romances de José Lins do Rêgo e a representação da mudança, as imagens de gênero formuladas nos textos etc.), mas são reiterativas quanto ao ponto de vista interpretativo. Como os ensaios apresentam graus variados de elaboração das discussões, faltam as indicações sobre a data da primeira publicação, sobre o formato da primeira versão, como parâmetro para compreensão da “temporalidade” do pensamento do autor.

Sustenta-se que a articulação dos ensaios está ligada às seguintes ideias, apresentadas por Durval Muniz de Albuquerque Jr.: Existe uma realidade múltipla de vidas, histórias, práticas e costumes no que hoje chamamos Nordeste. É o apagamento desta multiplicidade, no entanto, que permitiu se pensar esta unidade imagético-discursiva. Por isso, o que me interessa aqui não é este Nordeste “real”, ou questionar a correspondência entre representação e realidade, mas sim, a produção desta constelação de regularidades práticas e discursivas que institui, faz ver e possibilita dizer esta região até hoje. Na produção discursiva sobre o Nordeste, este é menos um lugar que um topos, um conjunto de referências, uma coleção de características, um arquivo de imagens e textos (ALBUQUERQUE JR. 2008, p. 129, grifos do autor).

A gênese da nomeação da região, genericamente chamada de Norte, até as primeiras décadas do século XX, é acompanhada pelo autor em diversos eventos, falas e textos. Nessa demarcação do Nordeste, intelectuais como Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, Ascenso Ferreira, Ariano Suassuna, José Lins do Rêgo e outros tantos são considerados como caracterizadores do Nordeste em seus aspectos históricos, sociais, culturais e geográficos. É notável que apenas seis estados sejam tomados como o núcleo da identidade nordestina (Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe), tal como nomeia a convocação de Joaquim Inojosa no Congresso Regionalista do Recife, realizado em 1926 (ALBUQUERQUE JR. 2008, p. 140). Percebe-se que em Pernambuco a centralidade simbólica de sua capital (no sentido de SHILS 1992) e da sua civilização, em torno do engenho, serão o cenário modelar dessa configuração geo-simbólica, em torno do qual gravitam as representações sobre o sertão da seca, do banditismo, do messianismo e da religiosidade popular.

O material analisado pelo autor narra sobre os aspectos históricos, os costumes e as paisagens desses estados. Mesmo que ele mencione visões alternativas de outros intelectuais sobre a região, como, por exemplo, Djacir Menezes em seu livro “O Outro Nordeste” (1937), a produção ensaística ou literária dedicada a falar do Nordeste através das sub-regiões excluídas nas narrativas mestras ou situada nos estados excluídos na definição do centro da identidade nordestina não é pesquisada ou explorada pelo autor. Se a intenção é elaborar uma crítica das formas de representação do Nordeste, as fontes empíricas da análise deveriam incluir o discurso das margens da região, representativo de outras visões dos intelectuais sobre o seu lugar. Desse modo, o historiador crítico não escapa das fronteiras impostas pelo campo intelectual que ele pretende pôr em revista.

Quando analisa os textos de Câmara Cascudo sobre o Rio Grande do Norte e seu sertão, Durval Muniz oferece pistas sobre essas possibilidades de investigação da heterogeneidade das representações acerca do Nordeste quando observa: Chamou-nos a atenção como, em muitos de seus textos, Cascudo vai fazer esta aproximação entre a história do Ceará, da Paraíba e do Rio Grande do Norte e como vai procurar diferenciá-las da história de Pernambuco. […] Na base desta definição poderia estar a vinculação de Cascudo a um lugar de fala distinto daquele de onde foi enunciado inicialmente o discurso regionalista nordestino e de onde foi inventado o Nordeste. […] Se o Nordeste, elaborado pelas elites pernambucanas, teve São Paulo como o espaço outro, o espaço do qual se diferenciar, o Nordeste das elites cearenses, das elites norte-rio-grandenses e das elites paraibanas, talvez em menor grau, deveria se diferenciar do Nordeste elaborado pelas elites pernambucanas […] (ALBUQUERQUE JR. 2008, p.190).

Possivelmente, a incorporação das discussões sobre identidades nacionais e narrativas que se engloba, hoje, sob a denominação de estudos pós-coloniais e subalternos permitiria escapar e ir além da desconstrução foucaultiana das representações regionalistas. Ainda que seja válido compreender a solidificação de modos de falar e de ver um povo e um lugar e a sua clara vivacidade e plasticidade no presente, a consciência das relações de exclusão e subalternização no interior das representações do Nordeste só pode contribuir para o confronto com as falas autorizadas se as vozes de pensadores “menores” também forem colocadas em cena.

As dinâmicas complexas do campo intelectual, as filiações, as linhas de entendimento dos processos históricos e sociais que se movem de acordo com os contextos de enfrentamento dos debates (Para quem se fala? Com quem interage?), sugerem que o analista precisa situar os sujeitos da fala e sobre quem ele fala. Se essa exigência para o esclarecimento do leitor cumprese para autores como Luís da Câmara Cascudo, Gilberto Freyre ou José Lins do Rêgo, quando se dirige aos historiadores do regional, destaca-se, contudo, que tal indicação é imprecisa e genérica. Em vários momentos, o autor faz menção à história regional como a reprodução e a legitimação de formas tradicionais de compreender o Nordeste. No entanto, suspeita-se que a prática da pesquisa histórica chamada de regional persiste como contraposição à invisibilidade que se produz em relação a eventos locais no âmbito de uma história “nacional”. Não se faz história regional apenas no Nordeste e o abandono da denominação “regional” não anula as características de hierarquização do campo historiográfico quanto aos objetos e aos locais de ensino e pesquisa. O autor coloca-se contra essas autolimitações de objeto e perspectiva: […] achamos que devemos questionar a chamada ‘História regional’, porque por mais que se diga crítica do regionalismo, do discurso regionalista, está presa ao seu campo de dizibilidade. […] Ao invés de questionar a própria ideia de região, sua identidade e a teia de poder que a instituiu, ela questiona apenas determinadas elaborações da região, pretendendo encontrar a verdadeira (ALBUQUERQUE JR., 2008, p. 223).

Há pertinência relativa na observação do autor, mas ela pode ser vista como demasiado extensiva e sem referência temporal: toda a história local se faz de modo tão acrítico quanto aos efeitos de produção da realidade estudada? Quais obras e quais historiadores podem ser nomeados como parte da operação de busca da “verdadeira” região? Para esse momento da coletânea e em outros, a indicação precisa do ponto de vista, com citações diretas, por exemplo, do discurso analisado, poderia nuançar polarizações como a que aparece no ensaio sobre tradicionalistas e tropicalistas e suas formas de falar a respeito do Nordeste.

As fronteiras espaciais imaginadas, pelos mais diversos atores do campo intelectual, mais ou menos próximos do seu polo elitizado, são o ponto de reflexão mais instigante do livro. A insistência em trazer o espaço como problema da pesquisa histórica e não como um dado óbvio, um cenário no qual os acontecimentos humanos desenrolam-se, aparece na primeira parte do livro e reaparece em inúmeras passagens. Nesse aspecto, a articulação entre espaço e gênero, trabalhada na terceira parte, surpreende quanto às possibilidades de leitura de trabalhos já visitados, ora relidos sob a perspectiva de gênero.

Notavelmente articulada como constructo em torno da masculinidade, as ideias sobre o Nordeste e o nordestino colocam à margem o feminino, mas mantém em seu subtexto a presença do homossexual masculino, o contraponto forte aos exemplos de macheza e de virilidade tão associados ao sertão. Segundo o autor, “nas fronteiras que traçam os limites do ser nordestino não está inscrita a possibilidade de ser homossexual” (ALBUQUERQUE JR. 2008, p. 446). De fato, nenhum constructo sobre a região ou a nação, simbolicamente dependente das ideias de reprodução e continuidade, assenta-se sobre a tese de uma fundação homossexual de um lugar. No entanto, outras representações da região reconhecem a presença e a participação feminina, mesmo em condição englobada pelo masculino, na formação das características distintivas de um grupo (cf. a noção de “matriarcado mineiro” em VIDAL E SOUZA & BOTELHO 2001).

Na configuração das nações e de suas regiões, importa conhecer sobre a nomeação das alteridades e das descontinuidades internas, do mesmo modo que a imputação da fronteira externa. Especialmente no caso da interpretação do pensamento social, a pluralização das leituras é o antídoto contra a repetição dos modos de ver tradicionais por meio da própria análise sociológica. Outra perspectiva interessante é a de captar as comparações entre regiões efetivadas dentro das obras (cf. sobre os arranjos de família em VIDAL E SOUZA & BOTELHO 2001). Na miríade de discursos letrados sobre as regionalidades brasileiras é notável, certamente, a invenção do Nordeste; ainda que poderosa e duradoura, pode ser comparada em seus mecanismos discursivos e representacionais, assim como na sociologia de seus enunciadores e contextos de enunciação, com a goianidade, a mineiridade, o norte-mineiro, o paulista etc.

O tom geral da coletânea trata os discursos regionais como visões conservadoras. No entanto, essa compreensão uniformiza a intencionalidade dos autores individuais, como no caso de Josué de Castro, cuja abordagem sobre a fome no Nordeste tem uma visão transformadora. E, ao me colocar como parte do mesmo “nós” que o autor se inclui, lanço dúvidas sobre a validade política da destruição das identidades regionais e suas imagens hoje, quando é exatamente uma visão turística e elitista do Nordeste que quer ocultar a persistência do Nordeste da fome, da desigualdade aberrante, dos corpos mutilados e dos aleijões gerados pela pobreza denunciados em algumas falas e imagens analisadas pelo autor. O reconhecimento disso deve ser proclamado agora mais para dentro do que para plateias externas. O desejo do autor é destruir os regionalismos, “colocando no horizonte a possibilidade de vivermos sem estas prisões identitárias” (ALBUQUERQUE JR. 2008, p. 29). O olhar para o presente, no entanto, demonstra como a máquina de produção de estereótipos estigmatizantes sobre o Nordeste e os nordestinos está em franca atividade, assim como os sentimentos de pertencimento vinculados a lugares não desapareceram do horizonte dos grupos sociais. O projeto da interpretação do presente pela história ou pelas ciências sociais deve ser movido pelos universos representacionais e práticos dos sujeitos concretos. A relevância dos mundos construídos é dada pela sua própria existência e por sua disseminação, trata-se de fenômenos que inquietam o espírito investigativo.

Nesse impulso, seria proveitoso que o ímpeto desconstrucionista dessa coletânea se expandisse para temas e materiais atuais de formulação da identidade nordestina e que a colocasse em diálogo com formas positivas e destrutivas de formulação das fronteiras entre grupos que se registra no Brasil e alhures. Estabelece-se, assim, o dilema de quem analisa a nação ou a região: abdicar de pensar o que há em nome do dever ser.

Referências

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez; Recife: Massangana, 2001.

ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. Falas de astúcia e de angústia: a seca no imaginário nordestino – de problema à solução (1877-1920).

Campinas: UNICAMP, 1988 (Dissertação de mestrado em História).

ATLAS DAS REPRESENTAÇÕES LITERÁRIAS DE REGIÕES BRASILEIRAS. Sertões Brasileiros I, vol. 2. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.

COSTA, João Batista de Almeida. Mineiros e baianeiros: englobamento, exclusão e resistência. Brasília: Departamento de Antropologia/ UnB, 2003. (Tese de doutorado em Antropologia Social).

LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil. Rio de Janeiro: REVAN/ IUPERJ, 1999.

SENA, Custódia Selma. Interpretações dualistas do Brasil. Goiânia: Editora UFG, 2003.

SHILS, Edward. Centro e Periferia. Lisboa: Difel, 1992.

VIDAL E SOUZA, Candice. A pátria geográfica. Sertão e litoral no pensamento social brasileiro. Goiânia: Editora UFG, 1997.

VIDAL E SOUZA, Candice e BOTELHO, Tarcísio R. Modelos nacionais e regionais de família no pensamento social brasileiro. Estudos Feministas Vol 9, n. 2: p. 414-433, 2001.

Filme, história e narrativa Film, history and narrative ROSENSTONE, Robert. A história nos filmes / Os filmes na história. São Paulo: Paz e Terra, 2010, 264 p.

Candice Vidal e Souza – Professora Adjunta Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais [email protected] Av. Itaú, 505, Prédio Emaús, 3º andar – Dom Bosco 30730-280 – Belo Horizonte – MG Brasil Enviado em: 14/2/2011 Aprovado em: 24/3/2011 228 As formas de narrar a nacionalidade brasileira, em variadas modalidades de representação, (ensaísmo, cinema, artes visuais e literatura) convergem na apresentação de diferenças e descontinuidades internas à nação. De fato, no esforço de diversos intérpretes do Brasil, nota-se a ideia da fragmentação, da pluralidade cultural, ambiental, socioeconômica. As inquietações intelectuais e políticas geradas por essa diversidade ocupam muito mais os intelectuais fixados em pensar a nação do que a eventual reflexão comparativa com outras nações.

Estudos Vikings / Brathair / 2011

Desde os anos 1960, os Vikings vem recebendo reavaliações e novos estudos por parte dos acadêmicos. Tanto o impacto das conquistas, colonizações e influências culturais dos escandinavos, quanto investigações da própria sociedade nórdica, estão despertando novas possibilidades de conexões e de entendimentos para a Alta Idade Média. Muito mais do que simples bárbaros que aterrorizaram o litoral europeu, a Era Viking constituiu um dos mais importantes períodos do medievo, estabelecendo rotas comerciais e culturais entre o mar do Norte, o Mediterrâneo e o mundo oriental; nesta época surgiram importantes cidades, como Dublin e Kiev, e outras foram reorganizadas outras, como York; o importante ducado da Normandia na França foi estabelecido; colônias foram instaladas em áreas inóspitas e marginais ao mundo Ocidental, como o leste russo, o norte da Escócia e o Atlântico Norte. A tradição oral dos povos escandinavos deu origem a uma das mais importantes produções literárias do medievo, as sagas islandesas, e sua mitologia possui repercussão mesmo na sociedade atual.

No Brasil, os estudos escandinavísticos estão tendo um início de muito fôlego. A revista Brathair concede espaço para as pesquisas desta área há muitos anos, como a edição especial “Sagas islandesas”, publicada em 2009 (edição 9(1)), e o Simpósio Nacional e Internacional de Estudos Celtas e Germânicos, organizado pelo grupo BRATHAIR que desde 2004 vem promovendo atividades relacionadas aos estudos nórdicos.

Mais recentemente, a criação do NEVE, Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (www.nevevikings.tk), demonstra um segundo amadurecimento da escandinavística em nosso país. Seus membros, integrantes de vários programas de pós-graduação e universidades brasileiras, iniciam uma articulação entre as mais variadas pesquisas e temas da Escandinávia Medieval. Prova disso é que a maioria dos trabalhos apresentados na presente edição da revista Brathair, são de pesquisadores vinculados ao NEVE.

Inicialmente, Solange Ramos de Andrade e Flávio Guadagnucci Palamin, discutem o tema da juventude, da velhice e da morte nas Eddas, as mais importantes fontes para o estudo da mitologia escandinava.

O artigo de Renan Marques Birro, Siward da Northumbria († 1055) e a Batalha dos sete dormentes (c. 1054), investiga algumas questões biográficas e ideológicas das narrativas escandinavas.

Em seguida, João Bittencourt analisa a questão das localidades britânicas que receberam denominações de origem nórdica, estabelecendo importantes conexões entre toponímia e lingüística na Europa Setentrional.

Por sua vez, Grégory Cattaneo investiga o tema da subsistência, alimentação e carestia na Islândia Medieval.

Eduardo Consolo dos Santos reflete sobre as representações de Átila na Canção dos Nibelungos, outra importante fonte literária medieval.

Claire Musikas investiga o tema das viagens para a Índia na Eireks saga víðförla, demonstrando que as sagas lendárias podem servir para importantes estudos sociais e culturais da Escandinávia Medieval.

A edição ainda apresenta uma resenha de Grégory Cattaneo para a edição italiana do Hávámal, um dos mais famosos poemas éddicos; e o livro Os três dedos de Adão, uma coletânea de ensaios sobre mitologia medieval, de autoria de Hilário Franco Júnior, resenhado por Ruy de Oliveira Andrade Filho.

Em seguida, duas importantes traduções inéditas em língua portuguesa, abordado fontes da literatura escandinava medieval: A vida e a paixão do conde Waltheof, por Renan Marques Birro; e A Saga de Hálfdan, o Negro, por Pablo Gomes de Miranda.

A edição encerra-se com uma entrevista com Neil Price, uma das grandes autoridades mundiais em Arqueologia Escandinava da Era Viking.

Esperamos que a presente edição da revista Brathair desperte o interesse do leitor para os estudos escandinavísticos em nosso país, ainda não consolidados academicamente, mas com certeza, com um futuro muito promissor.

Johnni Langer – Professor Doutor (UFMA / BRATHAIR). NEVE, Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos. E-mail: [email protected]


LANGER, Johnni. Editorial. Brathair, São Luís, v.11, n.1, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Monaquismo / Brathair / 2011

O “afastamento do mundo” para se dedicar integralmente à vida religiosa é comum à maioria das religiões. Desde que o grupo social arcaico se tornou mais complexo começaram a surgir os feiticeiros, sacerdotes e pajés, nitidamente identificáveis nas pinturas murais da mais antiga pré-história, e confirmadas pelos exemplos da Antropologia. Mas esses especialistas da religião, mesmo que mantenham um modo de vida diferente e separado da comunidade, e portanto “afastados do mundo” ainda não são monges no sentido estrito e no entendimento tradicional. Porém, para entrar melhor nesta discussão, é preciso apurar os termos, pois só por si, sem se considerar seu uso, as palavras induzem em erro: monge vem de monachus, termo semelhante a mónada: singular, isolado, que é só um, vocábulo que deu origem a monastério, e mosteiro, e a topônimos como Munique. Mas o mosteiro é o lugar onde vive a comunidade de muitos monachus, dos “isolados que estão juntos”, e só se entende esta aparente contradição quando se compara com o seu equivalente, mas contrário: convento. Este significa o lugar para onde “convêm” ou se congregam muitas pessoas, e a diferença está em que no convento a vida comunitária predomina sobre o modo de vida individual no trabalho, na oração e no estudo, enquanto no mosteiro o mônaco teria mais tempo para a vida espiritual.

Mesmo que no uso vulgar os dois termos – mosteiro e convento – se usem indistintamente, esta breve explanação nos serve para introduzir as questões fundamentais, das quais a primeira é a já indicada: o impulso para a dedicação à vida religiosa em tempo integral é próprio de todas as sociedades, e não constitui uma quebra da tendência humana à socialização; pelo contrário, a vida social no interior dessas comunidades é intensa, e nunca se corta totalmente da sociedade ambiente. A variedade de modos de vida religiosa é muito grande, desde os eremitas, esses sim isolados, até aos que vivem monasticamente porém inseridos na cidade e no campo; mesmo assim, a vida monástica apresenta traços semelhantes em quase todas as religiões complexas; e, seja qual for a opção de vida, a tensão entre a vivência individual e a coletiva é sempre um dos focos principais das normas e regras monacais. Deste modo a afirmação inicial tem de ser completada: as circunstâncias da cultura religiosa, do ambiente da época e da tradição, impõem ao monaquismo características próprias a cada caso ou modalidade.

É possível, então, discernir em que aspectos as culturas celtas e germânicas impuseram seus selos, ou marcas no monaquismo cristão ocidental? Se o fizeram, teremos de observá-los nos movimentos monásticos da Alta Idade Média, antes que Roma impusesse sua hegemonia sobre todas as variantes do cristianismo regional. Talvez se pudessem levantar algumas hipóteses, a confirmar pelos documentos e pelas tradições, como por exemplo: a maior presença do monaquismo feminino, de certo modo independente e paralelo ao masculino, entre os celtas irlandeses e britânicos; ou um forte espírito de obediência e comunitarismo entre os monges germânicos, contrastando com a variedade e certa “anarquia” dos monges celtas. Mas nossa intenção não podia ser esse “descobrimento”, que exigiria pesquisa e trabalho muito além de um dossiê. O que pretendemos levantar é a contribuição das áreas culturais celtas e germânicas, e das suas lideranças religiosas, para o surgimento e fortalecimento do movimento monástico europeu da Alta Idade Média – mesmo que alguns casos nos trouxeram para mais perto do apogeu medieval.

Os artigos apresentados neste dossiê cobrem diversas áreas da presença celta e germânica, reportando-se a questões da vida interior dos mosteiros, mas sobretudo às relações da vida monástica com a sociedade em que se inseriu: Farrell trata do serviço pastoral na Irlanda, Souza fala da opinião de uma crônica merovíngia sobre acontecimentos político-religiosos do Oriente, Uchoa estuda a comunidade monástica e sua percepção do corpo para controle da virtude, Frazão da Silva e Rodrigues da Silva discutem os vínculos entre as lideranças monásticas e as figuras do poder real e da nobreza. Assim considerado, o monaquismo como movimento e modo de vida é o resultado e ao mesmo tempo o modelo para a sociedade cristã, e neste sentido o artigo de Conde da Silva sobre as virtudes das damas e cavaleiros vem nos trazer o ideal cristão fora dos mosteiros, mas refletindo os ideais espirituais que os monges elaboravam e difundiam. O elo de ligação está explícito no artigo de Sirgado Ganho, em que um monge, e líder de monges, apresenta as normas de virtude não só para os leigos, mas para o próprio rei e sua corte. Através da análise da Visão de Túndalo, Zierer e Messias demonstram como narrativas compiladas por monges serviram como propaganda religiosa, visando a conversão dos fiéis e as corretas normas de comportamento para que atingissem o Paraíso na outra vida.

Esta pequena amostra da contribuição do monaquismo para a construção da Cristandade, e da Europa, é rica, mas não é suficiente para os seus e nossos objetivos: ela pede outros complementos que oportunamente serão apresentados nesta revista.

João Lupi – Professor Doutor (UFSC). E-mail: [email protected]


LUPI, João Editorial. Brathair, São Luís, v.11, n.2, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Trilhas da História | UFMS | 2011

Trilhas de Historia2

Trilhas da História (Três Lagoas, 2011-) foi pensada e elaborada com o objetivo de promover o debate acadêmico, tendo o propósito de enriquecer as pesquisas em andamento, tal como agregar produções de outros lugares, instituições e sujeitos.

Com esse objetivo, esperamos alcançar, além de professores da universidade e da rede pública e privada de ensino, alunos graduandos de nosso curso [de História – Três Lagoas/MS] e de outras universidades, tendo por intuito incentivar novas pesquisas e a busca por conhecimentos produzidos pela História e áreas afins.

Se a proposta é interdisciplinar, disciplinas como a Filosofia, Geografia, Ciências Sociais, Antropologia, Arqueologia, entre outras, encontrarão espaço para veicular as suas produções, desde que concernentes aos temas sugeridos pela Revista. A Revista se constitui de Dossiês; Artigos livres; Ensaios de Graduação; Resenhas e Fontes.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2238 1651

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A cidade como objeto de reflexão interdisciplinar (II) / Albuquerque: Revista de História / 2011

Mesmo enfrentando as dificuldades inerentes à publicação de um periódico acadêmico e superando o descrédito de alguns que não acreditam que os cursos de história da UFMS podem ter uma vitrine de pesquisas, não somente de seus docentes mas também dos pesquisadores de outras instituições, a Revista Albuquerque chega ao seu terceiro ano. Assim, consolida-se cada vez mais este projeto editorial e também mostra a relevância das atividades desenvolvidas pela Base de Pesquisas Históricas e Culturais das Bacias dos Rios Aquidauana e Miranda / BPRAM / DHI / CPAQ / UFMS.

Neste número estão incluídos na seção “Artigos” dois textos inovadores, frutos de pesquisas dos professores Bruno Torquato Silva, Luciene Lemos de Campos e Luciano Rodrigues. O artigo “Acerca dos problemas enfrentados pela burocracia do Exército na introdução do sorteio militar no Estado de Mato Grosso (1916-1945)”, insere-se no terreno da chamada Nova História Militar e contempla um problema central enfrentado pelo Exército Brasileiro, em Mato Grosso, no tocante à reposição de seus quadros efetivos. Ao mesmo tempo aponta fontes que possibilitem discussões sobre as implicações estratégicas da presença militar na região, sobretudo no concernente à defesa das fronteiras ocidentais, à manutenção da coesão nacional e da ordem social.

A seção é encerrada com “Migrantes e migrações: entre a história e a literatura”, texto no qual, a partir da interface da História com a Literatura, os autores discutem o fenômeno da migração, enfatizando os significados contidos nos fluxos populacionais, bem como o papel que os migrantes exerceram e exercem na formação sócio-cultural de diversas etnias.

A Revista Albuquerque, neste número, também dá continuidade na seção “Dossiê” ao assunto “A cidade como objeto de reflexão interdisciplinar”, iniciado no número anterior. Assim, os textos selecionados para este dossiê, produzidos por especialistas vinculados a variadas áreas do conhecimento, as problemáticas da cidade são delineadas como questões significativas, nas quais emergem temáticas variadas que vão desde representações urbanas sobre a modernidade, até a presença de um léxico urbano para nomear e dar significados aos lugares e às gentes.

Finalmente, na seção “Caderno Especial” está inserido um precioso documento, raro e inédito, do frei Mariano de Bagnaia, que vivenciou um momento difícil em sua passagem pela fronteira sul de Mato Grosso, quando foi prisioneiro dos paraguaios durante a Guerra com o Paraguai. Este documento faz parte do acervo histórico do arquivo do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul e foi gentilmente cedido para a sua reprodução nesta revista. São importantes informações sobre as consequências da guerra que retratam os danos financeiros e materiais das igrejas de Corumbá, Miranda, Nioaque, Albuquerque e da Missão Bom Conselho.

Com certeza, a Revista Albuquerque, mais uma vez, contribui como um veículo apropriado à divulgação da produção científica na área da história, para uma profícua reflexão sobre temas históricos e culturais.


Editores. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.3, n.5, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Guerra com o Paraguai / Albuquerque: Revista de História / 2011

O ano de 2011 teve um significado especial para os estudos históricos pela comemoração do centenário de nascimento de Nelson Werneck Sodré, historiador, professor e ideólogo que influenciou gerações de estudantes e professores de história, pesquisadores e historiadores. A festiva programação foi intensa, com discussões, simpósios, reedições e publicações de seus livros que enriqueceram a historiografia brasileira. A Revista Albuquerque não poderia ficar alheia a estes eventos. Assim, honrosamente, traz aos seus leitores um interessante artigo de Olga Sodré, sua filha. Este texto enfoca a participação do historiador Nelson Werneck Sodré no polêmico Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB, e conta a sua luta pelo desenvolvimento de uma cultura nacional, popular e democrática.

As questões relativas á historiografia regional , um dos objetivos de divulgação da Albuquerque, encontram-se representadas nos artigos de Marcos Hanemann, Valmir Batista Corrêa, Lúcia Salsa Corrêa e Alvaro Neder. O primeiro enfoca a criação do Tribunal de Relação em Mato Grosso e a fragilidade da aplicação da justiça, motivada pela falta de pessoas formadas que quisessem servir na região. O segundo traça um perfil da historiografia mato-grossense, a partir da segunda metade do século XIX, e a marcante influência de Augusto Leverger na formação dos historiadores regionais. O terceiro enfatiza a importância dos documentos históricos para o estudo das epidemias recorrentes em Corumbá, no período de 1856 e 1922. O quarto texto produz uma instigante reflexão sobre a canção popular urbana, tendo como cenário a cidade de Campo Grande – MS.

Na seção “Dossiê”, a Revista Albuquerque abriu espaço ao III Encontro Internacional de História sobre as Operações Bélicas da Guerra da Tríplice Aliança, promovido pelo Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, em parceria com o Comando Militar do Oeste. Foi uma rara e instigante oportunidade de reunir pesquisadores e interessados sobre este conflito bélico, nacionais e estrangeiros. Neste dossiê são apresentados três trabalhos: no primeiro, Bruno Mendes Tulux discute a gênese da formação do espaço fronteiriço e os entendimentos que mantiveram as partes litigiosas, representando os interesses coloniais de Portugal e de Espanha, em diversos momentos, até a eclosão do conflito com os paraguaios em 1864; no segundo, Edgley Pereira de Paula, estuda o uso de caricaturas publicadas na imprensa da época como estratégia de guerra, tanto da parte brasileira como da paraguaia; o texto de Maria Teresa Garritano Dourado propõe-se a analisar as questões relativas a fome, as doenças e as penalidades durante a guerra, vistas sobre o olhar de um soldado comum. Sem dúvida, são trabalhos que contribuem para a compreensão da história da guerra com o Paraguai, abrindo um painel para a releitura crítica do episódio, de suas fontes e de seus desdobramentos.

O encerramento do sexto número dá-se, como nos números anteriores, com o Caderno Especial. Nesta oportunidade, esta seção traz dois textos, também apresentados no III Encontro Internacional de História sobre as Operações Bélicas da Guerra da Tríplice Aliança. O texto de abertura desta seção, de Hildebrando Campestrini, é a apresentação do evento, revelando uma visão peculiar da Guerra da Tríplice Aliança, acrescido de um Referencial Teórico apresentado como indicador aos participantes do evento. O propósito, neste caso, é resguardar o espaço do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul na historiografia regional, proporcionado um saudável diálogo entre historiadores acadêmicos e diletantes.

Para fechar a sua seção especial, a Revista Albuquerque edita, prazeirosamente, uma entrevista com o ex-governador e político Wilson Barbosa Martins.

A Revista Albuquerque em seu sexto número e terceiro ano, em última instância, simboliza o esforço, misto de teimosia e de quixotismo de seus coordenadores e colaboradores, tendo por princípio divulgar e estimular a produção historiográfica em nossa região, mediante os critérios de relevância e de qualidade. Modestamente, acredita-se que estes princípios seguem contemplados nesta edição.


Editores. Apresentação. Albuquerque: revista de história, Mato Grosso do Sul, v.3, n.6, 2011. Acessar publicação original [DR]

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Territorialidades e Influências Afro-Caribenhas nas Américas / Revista Brasileira do Caribe / 2011

VIDIGAL, Leonardo Alvares; SILVA, Carlos Benedito Rodrigues da. Territorialidades e Influências Afro-Caribenhas nas Américas. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.11, n.22, jan./jun. 2011. Arquivo indisponível na publicação original. [IF].

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Hávamál. La voce di Odino. Il testo degli antichi vichinghi | Antonio Gostanzo

Il est difficile de faire le compte-rendu d’un ouvrage sans prétention scientifique… Bien bâti, joliment présenté et agréablement traduit, le livre d’Antonio Costanzo jouira certainement d’un bon accueil auprès du public italien. La rareté des traductions de textes norrois en italien nous invite à louer l’initiative de cet amateur, qui propose non seulement une traduction de l’un des fleurons de cette littérature, le Hávamál, mais qui a également participé à la conception de cet ouvrage puisqu’il en est à la fois l’auteur, le traducteur et l’éditeur. Vivant en Islande et travaillant pour le muse national (Þjóðminjasafn Íslands), ce physicien d’origine napolitaine occupe son temps libre à étudier les textes islandais médiévaux à l’Institut Arnamagnéen de Reykjavik et se consacre actuellement à une traduction inédite en italien de la Fóstbræða saga, qui paraîtra prochainement dans la même maison d’édition.

Cette traduction du Hávamál, sous-titrée « la voix d’Odin, le texte des anciens vikings » s’ouvre sous les auspices de l’Institut Arnamagnéen de Reykjavik par une préface de Gísli Sigurðsson (l’éditeur du recueil de poésie eddique Eddukvæði où se trouve notamment le Hávamál). Celle-ci offre une synthèse sur les traditions manuscrites et les tentatives d’explications du poème, que ce soit par l’oralité, le fond germanique ancien ou bien l’influence de la culture cléricale (VII-IX). Le livre comporte également une introduction détaillée de l’auteur, à propos de ses choix de présentation, notamment pour la première partie. Il précise en effet l’existence d’une abondante literature secondaire présentant le texte sous un angle philologique, historique ou social, et explique ainsi que cette étude suit un angle qu’il qualifie de philosophique. Dans l’espoir de percevoir la vision du monde du Hávamál, A. Costanzo accompagne sa traduction, lorsque cela est possible, de passages qu‘il juge similaires, tirés de la pensée stoïcienne de Sénèque ou bien du bouddhisme (XII-XIII). Ainsi, l’essentiel du livre se compose de deux grandes parties: le texte en vieil-islandais normalisé accompagné de sa traduction italienne et augmenté d’une étude à caractère philosophique (pp.3-125), puis à nouveau le texte original et sa traduction, accompagnée cette fois-ci d’une analyse critique du texte (pp.129-247). Si ce choix de présentation peut surprendre le spécialiste, il permettra au public curieux de faire la part entre un commentaire sur l’oeuvre qui lui permettra de découvrir ce beau texte et un commentaire linguistique, qui lui donnera le loisir d’apprécier la traduction et de comprendre les choix de l’auteur. Enfin, le livre se conclut par une bibliographie (pp. 249-255) et par deux appendices très utiles. En effet, le premier rédigé par un hôte de l’Institut Arnamagnéen de Reykjavik, Giovanni Verri, porte sur la normalisation du texte original et sur le système vocalique du vieil-islandais (pp. 257-258) tandis que le second offre au lecteur de belles photographies du manuscrit (GKS 2365 4to fol. 3r – 7v) fournies par Jóhanna Ólafsdóttir, du même institut.

Dans la première partie, le spécialiste s’étonnera de trouver des références explicites à Sénèque (texte original accompagné de sa traduction) pour illustrer le commentaire d’une strophe du poème islandais (par exemple l’extrait de la lettre 13 à Lucilius qui illustre la strophe LVI du Hávamál, p. 40). C’est probablement grâce à sa qualité d’amateur que l’auteur se permet ces parallèles et va même plus loin en considérant la culture bouddhiste comme moyen d’expliquer la vision du monde des anciens Scandinaves (par exemple les strophes VIII et IX pp. 8-9). Notons que si cette partie plaira beaucoup au lecteur, elle pourra irriter un public plus averti puisque l’auteur n’hésite pas à faire part de ses conceptions philosophiques – parfois simplistes – sur la pensée dês anciens scandinaves. En considérant le but du livre, on peut difficilement lui faire grief de ne pas véritablement apporter un élément de plus à la réflexion sur le paganisme nordique. Par contre, Il aurait pu avantageusement se servir des passages tirés de la culture latine pour éclairer de manière plus précise et rigoureuse, comme l’a très bien fait Dumézil, les invariants et les originalités de ce texte par rapport à un fond indo-européen.

Pour illustrer sa méthode de travail dans l’analyse critique du texte, arrêtons-nous un instant sur ce qu’il écrit sur la traduction du mot þorp (pp. 162-163). Si ce choix peut être contestable puisqu’il opte pour l’italien landa, qui selon lui parle plus au lecteur, notons qu’il n’ignore pas malgré tout la recherche. Après avoir remarqué la confusion et les diverses traditions d’interprétation qui se sont succédées pour ce mot, il présente une synthèse de quatre explications qu’il juge révélatrices des difficultés inhérentes à la traduction. Les deux premières portent sur l’étymologie tandis que lês suivantes s’intéressent à l’analyse du mot dans ce passage précis. A. Costanzo offre à son lecteur des traductions des notices et des extraits d’articles portant sur ce mot. Saluons ici la place qu’il accorde à un article mémorable de Stefán Karlsson qui porte sur le mot þorp, même s’il ne s’est pas décidé à adopter les vues de ce dernier dans sa propre traduction.

Félicitons enfin la parution du livre d’Antonio Costanzo qui relève de l’honnête vulgarisation, en offrant outre une élégante traduction, un très utile manuel d’initiation aux croyances des anciens scandinaves.

Grégory Cattaneo – Doutorando em História Medieval Universidades de Paris IV Sorbonne e Islândia. [email protected]


COSTANZO, Antonio. Hávamál. La voce di Odino. Il testo degli antichi vichinghi. Nápoles: Diana edizioni, 2010. Resenha de: CATTANEO, Grégory. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.11, n.1, p. 105-106, 2011. Acessar publicação original [DR]

Os Três Dedos de Adão. Ensaios de mitologia medieval II | Hilário Franco Júnior

Com esse seu novo livro, Os Três Dedos de Adão, Hilário Franco Júnior dá continuidade aos estudos sobre a mitologia medieval iniciado com seu livro de 1996, A Eva Barbada. Desta vez, nos apresenta mais 12 artigos, subdivididos em 6 tópicos: Mito e Método, que engloba os artigos “O Fogo de Prometeu e o Escudo de Perseu: Reflexões sobre Mentalidade e Imaginário” (p. 49-91) e “Modelo e Imagem: O ensamento Analógico Medieval” (p. 93-128). O segundo tópico, Mito e Sociedade trabalha com “O Conceito de Tempo da Epístola de Preste João” (p. 131-154) e “A Escravidão desejada: Santidade e Escatologia na Legenda Áurea” (p. 155-169). No terceiro, Mito e Identidade Coletiva reúne os artigos intitulados “O Retorno de Artur: o Imaginário da Política e a Política do Imaginário no Século XII” (p. 173-192) e “Joana, Metáfora da Androginia Papal” (p. 193-215). O quarto tópico, Mito e Utopia, reúne os artigos “As Abelhas Heréticas e o Puritanismo Milenarista Medieval” (p. 219- 241) e “O Porco, o Homem e Deus: a Utopia Panteísta da Cocanha” (p. 243-269). No quinto, Mito e Exegese, “Entre o Figo e a Maçã: a Iconografia Românica do Fruto Proibido” (p. 273-301) e “Ave Eva! Inversão e Complementaridade Míticas” (p. 303- 329). No último, Mito e Liturgia Hispânica, “A Circularidade do Quadrado: Uma Hipótese Interpretativa do Claustro de Silos” (p. 333-362) e o artigo que nomeia o livro “Os Três dedos de Adão: Liturgia e Metáfora Visual no Claustro de San Juan de la Pena” (p. 363-397). O livro ainda elenca Índices Míticos (p. 399- 402) que muito nos auxilia para uma visão mais articulada dos artigos.

Para muitos, ainda parece estranha a idéia de uma mitologia cristã. Todavia, mitos, crenças, costumes, ritos, não sobreviveram ou morreram, mas vivem porque ainda fazem sentido para muitos. É interessante pensarmos que o logos cristão, em suas origens, encontrou-se perante “a contradição de ter de desembaraçar-se do mito recorrento à mitologia”1. Os Três Dedos de Adão, é apresentado por Franco Cardini que comenta ser “legítima, oportuna e necessária uma <>, entendida como <>” (p. 19). Cardini ainda afirma, referindo-se aos mitos greco-romanos, que “a recusa consciente a uma coisa não significa a inexistência dela” (p. 22). “Basta-nos, prossegue, partir de uma base mínima – narrativa anônima e coletiva que condensa metaforicamente os conhecimentos intuitivos de uma sociedade sobre sua origem, caráter e destino – para chegarmos aos problemas centrais” (p. 27-28).

A continuação de manifestações culturais, presentes em épocas bem posteriores à sua origem, sofreu a tentativa da Igreja de desqualifica-las, sob o epíteto de “sobrevivências”, de “superstições” sem se aperceber que muito de suas práticas prolongava essas manifestações culturais. Dentre outras, o culto aos santos, que visa preparar para a salvação, não deixa de ser um ato supersticioso entre os crentes, prolongando de uma maneira inadvertida para a Igreja, a questão do culto aos heróis do paganismo. Assim, nos deparamos com a “Mentalidade”, no singular, “(…) instância que abarca a totalidade humana” (p. 63). “o nível mais estável, mais imóvel das sociedades´” revelando assim “seu papel de ‘inercia, força histórica capital’”(p. 59).

É, pois, “(…) a instância que abarca a totalidade humana” (p. 63). Disto se conclui que, tentar vislumbra-la em sua totalidade seria como olhar diretamente os olhos de Medusa, sem o reflexo no Escudo de Perseu. Melhor seria ter essa intermediação clareada pelo Fogo de Prometeu. Sempre utilizado de forma “mais intuitiva e vaga que propriamente conceitual” (p. 68) o imaginário, é “o espelho da mentalidade: revela, mas deforma” (p. 72). Ou, ainda, de maneira mais sintetica, imaginário é um tradutor histórico e segmentado do intemporal e do universal” (p. 70). Isto torna seu estudo “(…) mais exeqüível do que o da mentalidade com sua subjetividade quase etérea” (p. 90).

Devemos ter em mente que, na Idade Média, “prevalecia o gosto pelo semelhante, não pelo idêntico” (p. 95). Tal gosto, por seu turno, não excluiria o raciocínio lógico, que era estimulado pelo cristianismo. Também porque, em toda sociedade, “pensamento analógico e pensamento lógico são complementares, não excludentes” (p. 99). Assim, “(…) pensar por analogia significava estabelecer conexões entre o mundo divino e o mundo humano, entre o Modelo e suas imagens” (p. 105). Por seu turno, a Imagem “torna-se ela mesma modelo e passa a funcionar como mediadora para que todas as imagens alcancem o Modelo” (p. 128).

Após essas considerações, Hilário Franco Júnior passa a investigar a idéia de tempo questionando o conceito de Utopia (lugar nenhum) que “como qualquer criação humana, não sabe trabalhar fora de parâmetros temporais”. Mesmo se estes sejam “usados para marcar justamente a condição intemporal da sociedade utópica, por definição colocada no além-história” (p. 132), que seria o caso da Epístola de Preste João. A investigação de Hilário segue ainda a idéia da escravidão espiritual na Legenda Áurea, entrecruzando escatologia e urbanização, onde “O bom cristão deixa de ser vassalo e torna-se escravo, entrega-se totalmente ao Senhor” (p. 165) não importando aí as hierarquias sociais humanas. Por sua vez, o personagem Artur rei, que para alguns teólogos, “é também Deus e Cristo” (p. 181) através da sagração e da unção. Este Artur, por fim, demonstra que, “na longa duração histórica, o imaginário da política mantinha autonomia em relação à política do imaginário” (p. 192).

A sequência dos artigos passa pela metáfora da androginia papal, com o famoso caso da papisa Joana, crença que foi generalizada até o século XVI e permaneceria não “fosse a controvérsia gerada pela Reforma Protestante” (p. 195). Prossegue com a simbologia de certos animais como a abelha em narrativas de Raul Glaber e Landolfo, o velho, e que, metaforicamente aproximava-se do igualitarismo, da pureza e androginia, num contexto de heresias, de uma espiritualidade moralizante em que “católicos e hereges pensavam numa vida evangélica, num retorno ao passado que criticava o presente e acentuava a espera escatológica” (p. 223). A efervescência e transformações do século XII traz à tona a questão panteísta. Hilário argumenta que o aparecimento oral do Fabliau de Cocagne pertence a meados desse século (p. 252), onde ganha destaque a figura do porco. O animal é visto na perspectiva antropológica, econômica, literária, escatológica e religiosa buscando-se assim as razões de sua sacralidade (p. 256-258).

Quanto à iconografia do fruto proibido, Hilário apresenta várias possibilidades e, inclusive, com mistura de características. Mas “mesmo assim hesitava entre o figo e a maçã” (p. 277). O primeiro, estava ligado ao simbolismo do fígado (o que nos lembra o mito de Prometeu Acorrentado); mas a iconografia românica “usou como fruto proibido principalmente a maçã” (p. 283), (que também nos faz lembrar do Jardim das Hespérides) escolha ainda não muito clara, mas que “possivelmente estava ligada à sua forma arredondada e à sua cor vermelha, que a aproximavam do coração (…)” (p. 284- 285). A seguir, com artigo Ave-Eva, Hilário transporta-nos para o binômio Eva-Maria, acompanhando o crescimento da figura de Maria dentro do cristianismo a partir do século XII. Nesse mesmo século, um hino trata o binômio Eva-Maria como “a primeira mãe que abriu as portas da morte, a segunda mãe que as fechou” (p. 310), encerrando suas especulações com a idéia de que Maria era “mais uma complementação que uma negação da primeira mulher” (p. 329).

Em seu último segmento, no penúltimo artigo, Hilário avança suas análises sobre a simbologia numérica que inspirou a edificação do claustro do mosteiro de Silos. A proposta é a de que, apesar da imposição da liturgia romana, a leitura iconográfica resgatava antigos elementos da liturgia moçárabe. Sinal disso seria o baixo relevo do ângulo Sudeste, no qual a mão divina recorre aos dois dedos estendidos. A explicação pode estar no fato do escultor optar por uma mensagem “antigregoriana do claustro” (p. 338) pensa Hilário. O número oito é mysticum numerum (p. 346), cuja força simbólica é muito antiga, ligado à idéia de “rito de passagem” (p. 346). Com um sentido ritual, encantatório, sacramental e até mesmo mágico, as interpretações de Hilário poderiam ser acrescidas aí pela análise da harmonia musical.

Por fim, o artigo que dá título ao livro. Trata do gesto de Adão em um dos capitéis de San Juan de la Peña levando apenas três dedos entre o pescoço e o peito. Hilário se questiona se não haveria aí uma arbitrariedade do escultor e, mesmo com essa hipótese, aprofunda algumas possíveis interpretações. Também considera a polissemia dos símbolos e o conhecimento executor do capitel sobre “as imagens canônicas do pecado” (p. 366). Situado na rota de peregrinação a Santiago de Compostela, em nenhum outro mosteiro encontra-se uma iconografia que se aproxime, que seja ao menos semelhante. Seria uma forma de protesto contra a imposição do rito romano (1080) e uma confissão de fé no dogma trinitário? (p. 382) Certo é que trata-se de uma forma de se evocar o pecado original. Seria, pois, uma forma de “resistência cultural”? (p. 383). Após diversas considerações, Hilário levanta a hipótese de que “o inusitado gesto do capitel de San Juan de la Peña funcionava de fato como crítica velada à nova liturgia [a imposição do rito de Roma] e todas suas implicações” (p. 385).

Dessa forma, Hilário encerra esse brilhante arrazoado sobre a mitologia medieval. De fato, com Os Três Dedos de Adão, ele não apenas solidifica a existência dessa mitologia como possibilita também uma compreensão mais densa de seus primeiros ensaios em A Eva Barbada. Percebemos, na verdade, que essa “mitologia cristã” apresentou-se, inicialmente, como uma mitologia cristianizada, pois o cristianismo não se ergueu sozinho no Ocidente e não se constituiu a partir do nada. Teve que realizar diversas negociações religiosas em razão das quais, fica difícil distinguir o que corresponde à ortodoxia cristã e aquilo que foi importado de outras diversas tradições. Livro muito denso, Os Três Dedos de Adão representam um marco extremamente significativo e importantíssimo na evolução dos estudos sobre a Idade Média Ocidental.

Notas

1. CAPRETTINI, G.P. et. al. “Mythos/logos” in ROMANO, R. (Dir) Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, p. 91, v. 12.

Ruy de Oliveira Andrade Filho – UNESP-ASSIS. E-mail: [email protected]


FRANCO JR., Hilário. Os Três Dedos de Adão. Ensaios de mitologia medieval II. São Paulo: EDUSP, 2010. Resenha de: ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. Mitologia medieval. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.11, n.1, p. 107-109, 2011. Acessar publicação original [DR]

Educação em Geografia | Unicamp | 2011

Educacao em Geografia

A missão da Revista Brasileira de Educação em Geografia (Campinas, 2011-) é tornar-se um importante veículo de divulgação científica de pesquisas sobre a Educação em Geografia no Brasil e no exterior, sobretudo em países ibero-americanos, incentivando e fomentando práticas e reflexões realizadas em espaços formais e não formais de educação.

Seu público alvo são: i) Pesquisadores de Educação em Geografia do Ensino Superior (professores, alunos de pós-graduação stricto sensu, lato sensu e alunos de graduação); ii) Professores-Pesquisadores da Educação Básica e, iii) Professores e demais participantes de espaços-não-formais de educação. A Revista privilegiará em suas publicações, sempre que possível, a abrangência nacional no que diz respeito à origem de seus autores.

A revista tem como objetivo publicar, disseminar e promover gratuitamente o intercâmbio nacional e internacional de pesquisas e prática educacionais ligadas a Educação em Geografia em diferentes níveis de educação formal e não formal, valorizando os diferentes recortes temáticos e teórico-metodológicos de investigação.

Periodicidade contínua

ISSN: 2236-3904

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Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920-1940 – FRANCO; DRUMMOND (BMPEG-CH)

FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920-1940. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009, 272p. (Coleção História e Saúde). Resenha de: HEIZER, Alda. A construção da identidade nacional (1920 e 1940): entre práticas e projetos. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, vol.5, n.3, nov./dez. 2010.

“Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920-1940”, de José Luiz de Andrade Franco e José Augusto Drummond, é um livro que apresenta ao leitor uma análise que se afasta das interpretações reducionistas e, por vezes, anacrônicas que têm como objeto a ‘conservação do mundo natural’. Os autores, ao explicitarem o lugar de suas reflexões na produção historiográfica sobre a conservação da biodiversidade, privilegiaram como a ‘conservação do mundo natural’ foi pensada em determinado contexto, sem perder de vista as especificidades das propostas em questão, olhando para um passado escolhido (1920-1940), num lugar também escolhido, o Brasil. Ao se debruçarem sobre uma geração de ‘protetores da natureza’, relacionando suas formulações à temática da identidade nacional, os autores trouxeram para a cena atores, instituições e trajetórias.

Resultado de pesquisa minuciosa, o livro foi dividido em introdução, quatro capítulos e epílogo. A apresentação ficou a cargo de Regina Horta Duarte, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadora e referência obrigatória para quem quer estudar o período e as relações entre biologia e natureza. A ‘orelha’ do livro, escrita pela pesquisadora Magali Romero Sá, da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, demonstra o cuidado dos editores do livro ao escolher quem o apresentaria ao leitor.

Na introdução, os autores anunciam suas preocupações: estudar um grupo de cientistas brasileiros e suas preocupações com a proteção da natureza num período específico, 1920-1940, ressaltando como eles pensaram a questão e a presença de suas ideias nas estratégias de ação em um cenário de discussões sobre o nacional e o cientificismo.

Ao se disporem a refletir sobre esse quadro, Franco e Drummond se valeram de uma bibliografia abrangente, que nos permite identificar no texto uma aproximação de questões relacionadas à interpretação das culturas, bem como à importância de se ressaltar a trajetória de conceitos e seus conteúdos.

Os autores utilizaram textos de época de um mesmo autor, em diversos suportes de publicação e para finalidades diversas. Por exemplo, o relatório, a resenha histórica, a iconografia de plantas de Frederico Carlos Hoehne (1882-1959), como a flora de Mato Grosso publicada nos “Archivos do Museu Nacional”, o clube de amigos da natureza na “Revista Nacional de Educação”, entre outros. É nesse quadro que é preciso ler os autores escolhidos por Franco e Drummond.

“As Contribuições de Alberto José Sampaio e Armando Magalhães Corrêa para um programa de proteção à Natureza” é um capítulo em que, particularmente, os autores alcançam o objetivo anunciado. Ele apresenta como os dois personagens escolhidos pretendiam articular a proteção da natureza e a construção de uma identidade nacional. Sem dúvida, a opção por tecer um relato biográfico de Sampaio e de Magalhães Corrêa foi importante para que o leitor pudesse compreendê-los em seus contextos específicos. Um exemplo é a preocupação de Sampaio – que foi assistente de botânica do Museu Nacional e professor chefe da Seção de Botânica do mesmo museu – em não se restringir à botânica sistemática, ao fazer viagens de campo e ao dedicar sua obra sobre a flora de Mato Grosso (estudo de 1916) aos botânicos da Comissão Rondon. Sua relação com as academias científicas, os conselhos e as frentes internacionais mostram igualmente ao leitor a práxis deste cientista e homem público, distanciando a biografia dos cientistas de certa assepsia predominante em trabalhos da área.

Outro aspecto fundamental na obra é a preocupação dos autores com a reprodução de documentos, como a lista dos 62 congressos realizados entre 1884 e 1935, nos quais o tema de proteção da natureza havia sido debatido. Ou ainda destacar as preocupações de Corrêa, que, em 1936, em “O Sertão Carioca”, conclamava o “esforço abnegado dos patriotas” por um “Brasil grande, forte (…) com leis brasileiras para os brasileiros”.

No terceiro capítulo, os autores trazem “Cândido de Mello Leitão e o ponto de vista da Zoologia”, utilizando-se do mesmo formato do capítulo anterior ao apresentar o cientista, porém dedicando mais tempo à obra “A Biologia no Brasil”. Os autores apresentam também a preocupação dos cientistas com a divulgação de suas práticas. Tal postura é igualmente reconhecida no trabalho de Mello Leitão, que atuou com a mesma preocupação e teve o referido livro prefaciado por Edgar Roquette-Pinto (1884-1954), que o considerava um “naturalista de raça” com “elevadas preocupações sociais referentes à sua gente e à sua terra”.

Os autores buscaram registrar a interpretação do Mello Leitão para o “caráter utilitário que os portugueses atribuíram à natureza”, a ordenação cronológica e o relato dos viajantes, bem como o que significou o século XVII para a História da Biologia. Interessante notar, ainda que não nos caiba aqui uma análise detalhada, a afirmação de Mello Leitão a respeito de a Península Ibérica ter ficado alheia às especulações científicas, afirmação esta que foi atualizada por seus sucessores e que está presente na maioria das análises, o que restringe bastante a possibilidade de pensar a Península Ibérica sob outras lentes, o que já vem sendo realizado em pesquisas no Brasil, como as de Carlos Ziller Camenietzki.

O último capítulo, “Frederico Carlos Hoehne e a Conservação da Natureza em São Paulo”, é de uma atualidade excepcional. Os autores permitem ao leitor ter acesso a fragmentos dos trabalhos de Hoehne em diferentes momentos de sua trajetória, desde sua atuação no Museu Nacional, incluindo sua publicação de 1930 sobre as “Plantas Ornamentais da Flora Brasílica”. Para Hoehne, trata-se de uma publicação cuja “intenção é nobre e patriótica, porque é pura, despida de vaidade e orgulho…”, corroborando um movimento visível na produção da época, resultado de um projeto ideológico que não poderia prescindir de uma produção que levasse ao conhecimento nacional o que havia sido feito por brasileiros, sempre valorizando uma nova ordem.

Outro aspecto salientado pelos autores e presente ao longo do texto é o propósito de demonstrar que nos escritos dos cientistas contemplados no livro havia uma preocupação em valorizar um saber que não era acadêmico, como o do indígena, presente, por exemplo, no texto de Hoehne, datado de 1930, sobre a devastação dos campos e das florestas do Paraná e de Santa Catarina, a preocupação com o colono e sua relação com o entorno. A intenção do cientista era alertar os governos sobre a proteção do ‘patrimônio natural’, tema que lhe era caro desde o início do século XX. Seu relato é permeado de lembranças tristes sobre sua participação na Comissão Rondon, em 1909; bem como sua publicação posterior a respeito da importância do Código Florestal Brasileiro, que ressaltava que “as florestas existentes no território nacional, consideradas em conjunto, constituem bem de interesse comum a todos os habitantes do país, exercendo-se os direitos de propriedade com limitação que as leis em geral, e especialmente este Código, estabelecem”.

Franco e Drummond finalizam o livro chamando a atenção para a importância de revisitar os autores estudados e o conteúdo de suas preocupações com a inclusão da proteção à natureza em políticas públicas eficientes. Por certo, com uma análise mais rica que uma resenha pode comportar, o livro traz à cena intelectuais que foram fundamentais para formulações futuras relacionadas à proteção da natureza. Também contribui para o mapeamento de como uma mesma preocupação se apresenta de forma diferenciada em diferentes tempos, e muitas vezes na obra de um mesmo cientista, justificando a localização do livro na fronteira de áreas do conhecimento que são pouco exploradas, e num movimento necessário da história de mudanças e permanências. Trata-se de um livro que abre caminho para pesquisas futuras sobre assuntos urgentes e profundos.

Alda Heizer – Doutora em Geociências pela Universidade Estadual de Campinas. Tecnologista do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

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Problemáticas sociais para sociedades plurais: políticas indigenistas, sociais e de desenvolvimento em perspectiva comparada – SILVA et al (BMPEG-CH)

SILVA, Crishian Teófilo da Silva; LIMA, Antônio Carlos de Souza; BAINES, Stephen Grant (Orgs.). Problemáticas sociais para sociedades plurais: políticas indigenistas, sociais e de desenvolvimento em perspectiva comparada. São Paulo: Annablume; Distrito Federal: FAP-DF, 2009, 244p.  Resenha de: SILVA, Nathália Thaís Cosmo da; DOULA, Sheila María. Desenvolvimento, políticas sociais e acesso à Justiça para os povos indígenas americanos. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.3, nov./dez. 2010.

O livro “Problemáticas sociais para sociedades plurais” aborda grandes temas relacionados às sociedades indígenas americanas, tais como identidade étnica, cidadania, direitos coletivos e diferenciados e problemas sociais. Dividida em três partes, a obra foi organizada por Cristhian Teófilo da Silva e Stephen Grant Baines, ambos professores da Universidade de Brasília, e por Antonio Carlos de Souza Lima, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A primeira parte do livro discute indigenismo e desenvolvimento, com ênfase na questão da convivência interétnica nas Américas; a segunda analisa as políticas sociais para povos indígenas em perspectiva comparada; e a terceira parte aborda os direitos diferenciados de acesso à Justiça.

Os fios condutores da primeira parte do livro são a construção da identidade e da autonomia indígena em face da identidade, da soberania e dos modelos de desenvolvimento nacionais, e as limitações da nova semântica multiculturalista. Os artigos são: “Desenvolvimento, etnodesenvolvimento e integração latino-americana”, de Ricardo Verdum; “Conflitos e reivindicações territoriais nas fronteiras: povos indígenas na fronteira Brasil-Guiana”, de Sthephen Grant Baines; “Políticas indigenistas e cidadania no México e EUA: John Collier, Moisés Sáenz e os índios das Américas”, de Thaddeus Gregory Blanchette; “Indigenismo, antropologia y pueblos índios en México”, de Mariano Baez Landa.

Sob a ótica da relação entre identidade indígena e soberania nacional, o texto de Verdum discute o conceito de ‘etnodesenvolvimento’ como alternativa que leva em consideração a autonomia dos grupos étnicos dos Estados Nacionais, destacando o papel protagonista do Banco Mundial (BIRD) na disseminação deste ideário. O autor assinala a existência de um campo de interesses e disputas presentes nas representações e nos discursos acerca do lugar dos povos indígenas no desenvolvimento da América Latina, enfatizando que as manifestações de diversidade cultural são limitadas por concepções sociais e econômicas de ‘pobreza’ e ‘marginalidade’. Segundo ele, a concepção do Banco Mundial sobre o ‘empoderamento’ é impregnada pela ideologia progressista com o intuito de capacitar os indígenas para participarem de todo o “ciclo de desenvolvimento”.

Seguindo o fio argumentativo sobre as fronteiras e a soberania nacional, o texto de Baines analisa o conflito social em torno da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mostrando que a regularização desta área pelo governo brasileiro garante a Soberania Nacional e também o manejo sustentável pelos povos indígenas, ao passo que a exploração da terra pelos grileiros rizicultores tinha como objetivo a privatização das terras da União e, como consequência, danos ambientais irreversíveis pelo uso intensivo de agrotóxicos. Baines aponta, no contexto de fronteira entre Brasil e Guiana, o conflito de interesses entre os povos indígenas e o Exército, salientado o desrespeito histórico que marcou a construção de rodovias, de usinas hidrelétricas e a abertura de minas nos territórios indígenas Makuxi e Wapichana. Assim, a fronteira, como sugere o autor, deixa de ser uma questão militar – tendo em vista que ambos os povos expressam patriotismo em relação às suas nações – e passa a ser uma questão econômica.

Blanchette, por sua vez, contextualiza os períodos da construção da identidade indígena na história norte-americana e mexicana. No âmbito do indigenismo norte-americano, assinala a passagem do período de assimilação forçada no final do século XIX, quando os índios tinham a condição de cidadãos de segunda classe, para as primeiras décadas do século XX, quando eles foram representados como um símbolo nacional, assumindo o papel de protetores da fronteira. Esta transformação possibilitou o surgimento do pluralismo e do relativismo cultural dentro do campo político, abrindo caminhos para que, mais tarde, em meados do século XX, o grande personagem do indigenismo americano, John Collier, reformulasse a política assimilativa, priorizando a integração dos grupos numa estrutura pluralista. Collier, com o apoio do presidente Franklin Roosevelt e dos indigenistas mexicanos Moisés Sáenz Garza e Manuel Gamio, foi responsável por mudanças legislativas relevantes em relação às políticas indigenistas nas Américas.

Já na história mexicana, os índios eram considerados um ‘problema’ da nação, de modo que a lógica do progresso induzia o seu desaparecimento. O indigenismo mexicano somou esforços a fim de incorporar os índios como cidadãos, mas essa reorientação acabou se limitando à aparência, uma vez que os índios continuaram a ser vistos como imperfeitamente civilizados.

No que se refere à representação do indígena na trajetória mexicana, Landa expõe que, com uma história marcada por levantes e rebeliões, a figura do índio era a de um bravo combatente pela independência frente à Espanha. No entanto, após esse período, ele passou a significar um entrave à integração e ao desenvolvimento da nação. De acordo com o autor, a identidade nacional construída no México nega as diferenças, tanto pela via da exclusão, que separa e isola as diferentes etnias, quanto pela via da inclusão, que apaga as identidades. Landa sustenta que o indigenismo moderno se impôs igualando pequenos produtores, índios, latinos e mestiços para serem atendidos pelos programas de combate à pobreza e de compensação social, o que culminou na renúncia da condição étnica para obtenção de recursos governamentais.

A segunda parte do livro trata das políticas sociais envolvendo os povos indígenas em temas como a educação superior, as relações de gênero, saúde, contaminação com o vírus HIV e previdência social. Os artigos são: “Cooperação Internacional e Educação Superior para indígenas no Brasil: reflexões a partir de um caso específico”, de Antonio Carlos de Souza Lima; “Políticas sociais, diversidade cultural e igualdade de gênero”, de Lia Zanotta Machado; “Políticas de saúde indígena no Brasil em perspectiva”, de Carla Costa Teixeira; “Un acercamiento a la problemática del HIV/SIDA al interior de los pueblos índios”, de Patrícia Ponce Jimenez; “‘No soy mandado, soy jubilado’: previsión social y pueblos indígenas en el Amazonas brasileño”, de Gabriel O. Alvarez.

No que se refere à educação superior, é a partir da reflexão sobre o projeto “Trilhas do Conhecimento” que Lima discute a utilização dos recursos advindos da cooperação internacional e das políticas públicas. Argumenta que, embora a inovação promovida no cenário das políticas para os povos indígenas tenha se ancorado em subsídios da cooperação técnica internacional, com destaque para a Fundação Ford e para a Fundação Rockfeller, não se pode esquecer que os recursos de natureza privada servem a ações demonstrativas de curta duração e que, portanto, são incompatíveis com tarefas de longo prazo próprias das políticas públicas.

As relações de gênero são problematizadas por Machado, que alerta para o fato de que agressões morais e físicas podem não ser consideradas como violência em determinados contextos culturais e que o significado de violência e discriminação contra as mulheres é construído sem o reconhecimento da cultura local. A autora defende, pois, a diversidade cultural e a igualdade de gênero como questões que dizem respeito fundamentalmente à dignidade humana e, portanto, se antepõe a uma sociedade tradicional que tem arraigadas as práticas da discriminação.

Em outra perspectiva, por meio da análise do processo histórico e político institucional, Teixeira argumenta que a política pública brasileira de saúde para os povos indígenas é dotada de uma profunda força antidemocrática, uma vez que as intervenções sanitárias buscam a incorporação de novas práticas e valores higiênicos pelos indígenas. Aponta no Manual de Orientações Técnicas destinado aos agentes de saúde o predomínio da função simbólica nas ilustrações do texto, que enfatizam a proximidade de comportamentos entre índios, animais e fezes, evidenciando que o foco não é a ausência de infraestrutura sanitária, mas sim o inadequado comportamento higiênico dos indígenas, o que reforça a missão de “sanear pessoas” para o agente indígena.

Quanto à epidemia do vírus HIV, Ponce destaca os perigos de se desconsiderar sua proliferação entre os povos indígenas, entendendo que as políticas públicas nesse setor partem de alguns pressupostos equivocados: os índios são concebidos como exóticos que moram em lugares inacessíveis, inclusive para a AIDS, e a crença de que todos os índios são heterossexuais, sendo também comum a associação da epidemia com a homossexualidade. Novamente, portanto, a crítica recai na incapacidade verificada na formulação de políticas públicas que considerem a diversidade e as especificidades culturais. Essa situação remete a uma “vulnerabilidade multidimensional” que exige novas posturas de líderes e de comunidades indígenas, e também da academia no sentido de assumir o imperativo de falar de sexualidade e diversidade sexual.

O texto de Alvarez discute o impacto das políticas previdenciárias nas comunidades indígenas por meio de três experiências na Amazônia. Em primeiro lugar, nota-se uma valorização social dos aposentados, na medida em que, em alguns casos, os beneficiários conseguem abandonar a condição de trabalhadores e tornam-se patrões; em outros casos, verifica-se um fenômeno mais complexo, no qual o dinheiro passa a ter impacto sobre a vida cultural do grupo, pois os idosos assumem as despesas com rituais e ocupam um lugar proeminente no grupo; finalmente, a aposentadoria tem servido para reverter a situação de marginalidade econômica, subordinação social e estigmatização histórica sofrida, por exemplo, pelos Ticuna, representados como inaptos para o mundo do trabalho, alcoólatras e selvagens. O autor relata, ainda, o recente “drama dos documentos” em decorrência da atuação autoritária da Fundação Nacional do Índio, que, diante da apuração de denúncias de fraudes pontuais com a população indígena Ticuna no município de Tabatinga (AM), mandou suspender a emissão de declarações que dão início aos trâmites para obtenção de recursos previdenciários. Este episódio, por um lado, evoca a atualização dos estigmas ligados aos Ticuna; por outro, traz a reflexão de que, ao contrário do passado, quando muitos deles renunciaram sua identidade indígena, no presente, com a implementação de políticas diferenciadas, seus descendentes assumem suas identidades para ter acesso aos benefícios.

A terceira parte do livro se destina a discutir os direitos diferenciados de acesso à Justiça. Os artigos são: “A Convenção 169 da OIT e o Direito de Consulta Prévia”, de Simone Rodrigues Pinto; “Criminalização indígena e abandono legal: aspectos da situação penal dos índios no Brasil”, de Cristhian Teófilo da Silva.

As proposições de Pinto se referem ao direito de consulta prévia, que foi instituído na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e seu papel fundamental de intermediar e negociar as reivindicações dos povos indígenas e dos Estados. No caso brasileiro, esse direito ainda carece de regulamentação e a falta de definição clara do papel dos povos indígenas acarreta no risco de a consulta se tornar mera formalidade. Faz-se necessário, neste processo, a informação qualificada, que implica tradução não só dos aspectos linguísticos, mas dos “modos de pensar”. Tomando como exemplo os impactos causados por 200 obras propostas pelo Programa de Aceleração do Crescimento, a autora analisa as possíveis manipulações por parte das empresas responsáveis e chama a atenção para os empreendimentos que afetam diretamente as comunidades indígenas, mesmo que não estejam situados em suas terras.

Finalmente, no âmbito da criminalização indígena, o artigo de Silva denuncia o abandono legal dos índios nas prisões e a necessidade de um aprofundamento empírico e teórico sobre essa realidade no Brasil. O autor alerta para o não reconhecimento do status jurídico dos índios pela justiça criminal, apontando para uma distorção no uso das categorias ‘índios’ e ‘pardos’, e a consequente descaracterização étnica. Evidencia também o racismo institucional e a manipulação da indianidade pelos agentes que relegam aos índios, sob o discurso da aculturação, o tratamento diferenciado. Resta aos estudiosos somar esforços para tentar compreender o que a realidade desses processos de criminalização dos índios que estão nas prisões brasileiras nos diz sobre a pretensa democracia étnica e plural do país.

Nathália Thaís Cosmo da Silva – Mestranda em Extensão Rural na Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]

Sheila Maria Doula – Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Professora Associada da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]

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Breve história do século XX – BLAINEY (CTP)

BLAINEY, Geoffrey. Breve história do século XX. [?]: Fundamento Educacional, 2008. Resenha de: DAMASCENO, Natália Abreu. Uma Breve História do Século XX: Entre os Perigos e as Benesses da Síntese. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n. 01 – Outubro de 2010.

Após o sucesso do bestseller Uma Breve História do Mundo publicado em 2000, o australiano Geoffrey Blainey, professor em Melbourne e em Harvard, apostou novamente na síntese de períodos de longa duração. Em 2005, lançou o livro Uma Breve História do Século XX, cuja primeira edição brasileira só foi lançada pela editora Fundamento Educacional em 2008. Esta obra narra, mais que os grandes acontecimentos do século, o extenso processo de transformação vivenciado pela humanidade ao longo dos novecentos.

Evidentemente, ao tentar abarcar todo o século XX, incluindo seus diversos conflitos e dilemas políticos, econômicos e sociais, a narrativa de Blainey revela um previsível grau de superficialidade. Afinal, trata-se de um século descrito em 309 páginas. Porém, ao optar por abandonar muitos dos jargões e reflexões densas, típicas das obras historiográficas, o autor produz uma narrativa leve e acessível aos aficionados de diversas áreas do conhecimento.

Deste modo, a isenção de uma análise robusta dos acontecimentos, do número excessivo de datas, nomes e dados científicos afasta esta obra do mundo acadêmico e coloca-a nas mãos do grande público. Vale lembrar que as freqüentes inferências do autor sobre o cotidiano, seu recurso a conceitos como “mentalidade” e “espírito de época”- explorando curiosidades e por vezes adentrando na história da vida privada – despertam o interesse de um público mais heterogêneo e distanciam a obra das frias narrativas dos livros didáticos.

Uma Breve História do Século XX foca-se nos três grandes conflitos mundiais ocorridos neste século: a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, e a Guerra Fria. A Primeira, descrita como as demais com vivacidade jornalística, é entendida por Blainey como uma ruptura no otimismo que vinha se estabelecendo nas civilizações devido aos avanços conquistados no fim do século anterior. O século XX era um século promissor: a Europa era o lar de vastos impérios e de poderosas nações consolidadas, os Estados Unidos eram a terra da inventividade e do rápido crescimento econômico. A democracia e a liberdade começavam a invadir os territórios ainda que apenas em uma parte do mundo. Tudo levava a crer que, nas regiões não atingidas pela prosperidade, os ventos da mudança chegariam mais cedo ou mais tarde.

Geoffrey Blainey chama de “segunda era inventiva” o período que vai de 1850 até a Primeira Guerra Mundial. Nesse período, segundo ele, as diversas inovações tecnológicas como o telefone, o gramofone, a câmera e o avião, tornavam o mundo menor, mas “O fato de o mundo estar se tornando menor não significava que necessariamente ficava mais amigável” (BLAINEY, p. 41, 2008). Os crescentes gastos com armas, navios de guerra e com o exército foram o prenúncio de que as batalhas de pequena escala freqüentes no início do século, período que até então era considerado pacífico entre as grandes potências, culminariam num estrondoso conflito mundial.

A Europa, até então leito das grandes economias e acontecimentos, é retratada como palco de diversos conflitos étnicos, econômicos, políticos, religiosos e ideológicos há muito iniciados, mas que se acentuaram neste século. Assim, eventos como a Revolução Russa, a crise de 1929, as tensões do tratado de Versalhes, a criação da Liga das Nações, a ascensão de regimes totalitários autoritários e fascistas nos anos 20 e 30 e o nascimento de uma Turquia independente do islamismo são abordados sob um ponto de vista que enxerga o século XX como um período de intensificação das diferenças através da supressão do espaço.

Já a Segunda Guerra Mundial, que contou com armas e estratégias mais avançadas, aparece nesta obra de Blainey como um atestado temporário de colapso das democracias, agravado pela tomada da França pelos nazistas em 1941. O massacre de judeus, ciganos, homossexuais, a invenção de armas letais sofisticadas, a voraz expansão do império japonês na Ásia Oriental e o mistério da vida na União Soviética compuseram o cenário de terror e incertezas que assolou o mundo durante este conflito. O fim da guerra trouxe mais dúvidas que explicações. As nações européias deixam de ser as grandes potências e o mundo polarizou entre os Estados Unidos e a União Soviética. O mapa europeu mudou novamente e grandes investimentos científicos começara a ser feitos. Iniciara a chamada Guerra Fria.

Ao tratar da segunda metade do século XX, que o autor entende como o momento de triunfo e consolidação da verdadeira democracia, Blainey não desenha somente um panorama das batalhas, dos acordos e dos impasses políticos e militares que ocorreram durante a Guerra Fria. Evidencia também, nesse período, a emergência de movimentos ecológicos, pacifistas, musicais e feministas enquanto partes de um processo de mudanças que configurariam mais tarde os valores, o comportamento e a moral da sociedade do século XXI. Delineia este processo inclusive, englobando diversos âmbitos como o dos esportes, das línguas globais e da urbanização das cidades.

Deste modo, Uma Breve História do Século XX é repleto de escolhas feitas pelo autor (umas louváveis, outras nem tanto). Afinal de contas, ao mesmo tempo em que fornece um painel dinâmico dos principais acontecimentos históricos ocorridos no referido século, falha na problematização de alguns e até no esquecimento de outros, como por exemplo, da política do Apartheid (1948-1990), relevante problema na história dos novecentos que não é sequer mencionado na obra. Por fim, Geoffrey Blainey possui o mérito da boa síntese, em uma obra relevante que compila informações históricas de diversas naturezas. Porém, a crítica que por vezes é ausente no livro, não deve faltar ao leitor.

Referências

DAMASCENO, Natália Abreu. Uma Breve História do Século XX: Entre os perigos e as benesses da síntese Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 5, Nº08, Rio, 2010.

Natália Abreu Damasceno – Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe. Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET)/UFS. Grupo de Estudos do Tempo Presente/CNPq/UFS. [email protected]@gmail.com.

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Warum weint der König? Eine Kritik des mediävsitischen Panritualismu | Peter Dinzelbacher

Nos últimos anos, a área de Medievística na Alemanha tem assistido a um renascimento dos estudos de ritual. Pode-se apontar como grandes responsáveis por esta rápida expansão o medievista alemão Gerd Althoff, que publica constantemente artigos versando sobre a temática ritual dentro do contexto medieval, e o Sonderforschungsbereich [1] 619, intitulado Ritualdynamik,[2] fundado em 2002 na Universidade de Heidelberg, que tem como finalidade fomentar a discussão interdisciplinar sobre a questão da origem, propagação e ‘morte’ das práticas ritualísticas, bem como os motivos para as críticas acerca do conceito e do estudo do ritual. Relacionadas a esse projeto de pesquisa, foram lançadas inúmeras publicações, nas quais não apenas uma vertente antropólogica pode ser verificada, mas também diálogos nos vários campos do conhecimento.

Na contra-mão dessa tendência de focar o ritual como parte integrante da sociedade medieval, Peter Dinzelbacher apresenta o seu livro com o intuito de alertar medievistas de todas as áreas para a utilização inflacionária e não crítica das teorias de ritual na Medievística moderna, “onde aquelas simplesmente não são detectáveis nas fontes” (“wo sie in den Quellen schlichtweg nicht nachweisbar sind”, p. 7). Para tanto, Dinzelbacher assevera haver um “Panritualismo de origem histórica e germanística” (“‚Panritualismus’ historischer und germanistischer Provenienz”, p. 8). Embora o autor não defina explicitamente o que entende por Panritualismo, subentende-se que esse signifique a utilização exagerada das teorias de ritual aplicadas às fontes medievais. Para tanto, Dinzelbacher propõe a análise de dois campos de estudo, respectivamente o choro público de monarcas/governantes e heróis (Parte I) e os rituais de cura (Parte II).

Seria de se esperar que ao tratar da análise de rituais, o autor definisse o que compreende ou como utilizará os conceitos de rito, ritual e cerimônia, mas este afirma que os três são sinônimos e que na pesquisa internacional ainda não foi elaborada nenhuma definição diferencial (cf. p. 9).

Voltando-se contra os ‘modimos’ acadêmicos, Dinzelbacher mostra que muitas vezes é preciso relativizar os resultados encontrados e não partir para afirmações genéricas. Nesse sentido, a sua crítica refere-se diretamente à obra de Gerd Althoff, que interpreta o choro de monarcas de acordo com a teoria da encenação e remete ao valor dessa(s) cena(s) como um ritual. Para Dinzelbacher, contudo, é possível que em alguns casos haja demonstração de ‘sentimentos’ reais, que são expressos através das lágrimas, sendo assim possíveis expressões espontâneas. Desta forma, o autor demonstra através da análise de casos como morte, contrição religiosa, pedido de ajuda, demonstração de compaixão e clemência, cenas de despedida, no caso da perda da honra e em momentos de luto, que o choro é aceito socialmente. Todavia, em casos de choro masculino público por causa de dor, não há a mesma aceitação.

O que a princípio parece tratar-se de uma ‘pequena história das lágrimas/do choro’ transforma-se num ataque direto e pessoal à obra de Gerd Althoff, perdendo, assim, o caráter científico da crítica. Em dois momentos fica mais do que claro esse ataque pessoal desvelado a Gerd Althoff. Numa das passagens do texto, Dinzelbacher ironiza a teoria de Althoff das ‘lágrimas encenadas’ através da pergunta: “Em casos de necessidade, os reis mandaram, então, buscar uma cebola na cozinha da corte?” (“Haben sich die Könige im Bedarfsfall denn eine Zwiebel aus ihrer Hofküche holen lassen?”, p. 43). Em outro trecho, Dinzlebacher se questiona os porquês do modelo ‘althoffiano’ ter-se propagado tão rápido e de forma tão eficaz, questões essas, que o próprio autor se esmera em responder. A primeira relaciona-se ao fato do caráter inovativo da abordagem e ao fato de Althoff oferecer “uma explicação funcional para componentes, que para nós são estranhos, do agir medieval” (“das Angebot einer funktionalen Erklärung für uns fremde Komponenten mittelalterlichen Agierens”, p. 67). A segunda é apresentada em uma nota de rodapé com ares de teoria da conspiração. Dizelbacher alega que o grande responsável pela recepção bem-sucedida das teorias de Althoff é o ‘Münsterander Institut für Frühmittelalterforschung’ (Instituto de Münster para Pesquisa da Idade Média Primeva) (cf. p. 67).

Gerd Althoff, por sua vez, acredita, contudo, que tenha havido algum malentendido em toda a polêmica levantada por Peter Dinzelbacher, pois o primeiro nunca teria afirmado que não há choro espontâneo. Althoff afirma ainda que, embora no período medieval tenha havido sim expressões espontâneas de sentimentos, essas não foram e não são seu objeto de estudo, asseverando ainda que no caso dos rituais, não se reagia espontaneamente. E somente nessa prerrogativa se baseia seu estudo.[3]

Na segunda parte de seu estudo, Dinzelbacher foca os rituais de cura na Idade Média, mais uma vez para atentar para o fato de que os novos medievistas devem estar atentos ao perigo de superestimar as ‘descobertas’, uma vez que há curas e ou tentativas de cura que seriam ritualísticas e outras que, simplesmente, abordam os discursos médicos medievais, as quais não devem ser incluídas “sob o pretenso Panritualismo da Idade Média” (“unter dem angeblichen Panritualismus des Mittelalters”, p. 133). Sendo assim, a crítica de Peter Dinzelbacher aos chamados ‘modismos acadêmicos’ deve extender-se para todos os campos do saber e ser lida como um alerta geral aos futuros pesquisadores.

Notas

1. Sonderforschungsbereich (SFB) são projetos de pesquisa com prazos de duração de até doze anos, que unem pesquisadores de diferentes universidades e disciplinas, a fim de alcançarem novos conhecimentos para temas pré-determinados. Na Alemanha, tais grupos de pesquisa são fomentados pela Sociedade Alemã de Pesquisa (DFG) (Cf. http://www.dfg.de/foerderung/programme/koordinierte_programme/sfb/ , acessado em 23 de agosto de 2010).

2. Para mais informações sobre as linhas de pesquisas, os professores colaboradores, as publicações e os eventos ver http://www.ritualdynamik.de/ , acessado em 23 de agosto de 2010.

3. ALTHOFF, Gerd. Aufgeführte Gefühle. Die Rolle der Emotionen in den öffentlichen Ritualen des Mittelalters. In: Passions in Context I 2010/1.

Daniele Gallindo Gonçalves Silva – Doutoranda, Otto-Friedrich-Universität Bamberg Bolsista DAAD [email protected]


DINZELBACHER, Peter. Warum weint der König? Eine Kritik des mediävsitischen Panritualismus. Badenweiler: Wissenschaftlicher Verlag Bachmann, 2009. Resenha de: SILVA, Daniele Gallindo Gonçalves. Panritualismo, a crítica desvelada aos Estudos de Ritual na Idade Média. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.10, n.2, p. 100-102, 2010. Acessar publicação original [DR]

Les royaumes barbares en Occident | Magali Coumet e Bruno Dumézil

O estudo dos povos germânicos, entre a Antiguidade e a Alta Idade Média, tem passado por renovação acentuada, à luz das discussões epistemológicas das últimas décadas. Este volume, por dois estudiosos do tema, inicia-se por um exame da formação da historiografia sobre o tema, no século XIX, com a ligação umbilical entre os recémcriados estados nacionais e as antigas tribos e reinos germânicos: anglos, francos, germanos, entre outros. A publicação da obra Monumenta Germaniae Historica (Berlim, 1826) deu-se sob a significativa divisa sanctus amor patriae dat animum (“o sagrado amor da pátria dá ânimo”). O nacionalismo moderno forjou, portanto, a percepção daqueles povos e da sua importância para a gênese dos modernos estados. A abordagem dos autores parte, desta forma, de uma observação de como o discurso historiográfico alterou-se e como, em nossos dias, as fontes arqueológicas, por um lado, e a teoria social, conforma as discussões recentes sobre um tema tão essencial para a nossa própria época.

Os autores, de maneira programática, apresentam diversos modelos interpretativos, o que permite ao leitor formar suas próprias opiniões. Assim, a tese dominante a partir da década de 1970, denominada de etnogênese progressiva, considera que haveria povos que se formariam em algum momento e continuariam por muitos séculos, como os godos. A teoria da etnogênese, contudo, foi criticada desde a década seguinte, tanto em termos teóricos, com empíricos, pela falta de elementos que comprovassem a continuidade ao longo do tempo. Nas últimas décadas, passou a predominar a tese da identidade bárbara adquirida na interação com os romanos e, para isso, a Arqueologia tem sido fundamental. A adoção de elementos da cultura material romana, bem atestada, nada tem a ver com migração ou etnogênese. Ao contrário, a ligação entre cultura material e identidades fixas deriva do nacionalismo moderno, de pressupostos atuais de que haveria populações homogêneas. Criticam, portanto, os modelos normativos de cultura compartilhada e, ao contrário, enfatizam a fluidez e constante mutação das identidades e apropriações culturais. Não houve, para os autores e boa parte a historiografia recente, uma origem étnica (etnogênese), mas formulações identitárias sucessivas, em constante mutação.

Após essas considerações epistemológicas de fundo, desmistificam termos como “grandes invasões” ou “tomada de Roma” (não por acaso, o livro lançado nos 1600 anos do saque de Roma não reconhece qualquer relevância ao evento). Enfatizam as negociações, no lugar do que chama de mito “mito das grandes invasões” (p. 31). Os bárbaros no império são vistos como uma solução para a crise do século terceiro, com brilhantes carreiras individuais de germanos. A partir das últimas décadas do século IV, generaliza-se o sistema de alianças (foedera) e hospitalidade (hospitalitas) e o fim do Império Romano no Ocidente, no último quartel do século V dará lugar a reinos germânicos, com seus reges gentium.

A Arqueologia continua importante para perscrutar a cultura bárbara no século V, com sua demonstração da relevância da guerra e de uma organização social hierárquica, com um paganismo pouco ligado às identidades, enquanto o arianismo serve a estratégias de distinção como Lex Gothica por contraposição à religio romana (o catolicismo romano). Houve um processo de aculturação recíproca, de mestiçagem (métissage) e os estados bárbaros forma reinos vários e instáveis, com produção literária reduzida e em latim, à exceção da Bretanha, com os anglo-saxões. O papel do direito germânico, escrito em latim, consagra a relevância da identidade étnica e da vingança (faida). Por fim, a conversão ao catolicismo pelos diversos reis germânicos marcou, a partir do franco Clóvis, no início do século VI, a fusão acelerada dos germanos com os indígenas e o nascimento de novas identidades.

Observa-se uma renovação dos estudos sobre o tema dos povos bárbaros, à luz das discussões da teoria social das últimas décadas. Abandonam-se as perspectivas de matrizes positivistas e normativas e parte-se para um estudo dos germanos como grupos humanos fluidos e em relação simbiótica com outras coletividades. Esta obra mostra a importância das discussões teóricas para uma visão menos tradicional e convencional de um dos aspectos mais importantes da História ocidental.

Pedro Paulo A. Funari – Professor Titular. Departamento de História. Centro de Estudos Avançados UNICAMP. www.gr.unicamp.br/ceav


COUMET, Magali; DUMÉZIL, Bruno. Les royaumes barbares en Occident. Paris: Presses Universitaires de France, 2010. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Reinos Bárbaros do Ocidente. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.10, n.2, p. 98-99, 2010. Acessar publicação original [DR]

Ciudades Portuarias en la gran cuenca del Caribe – VIDAL; CARO (M-RDHAC)

VIDAL, Antonino Vidal; CARO, Jorge Enrique Elias (Editores). Ciudades Portuarias en la gran cuenca del Caribe. Resenha de: LÁZARO, Julián. Resena de: Memorias – Revista Digital de Historia y Arqueología desde el Caribe, Barranquilla, n.13 Barranquilla jul./dez. 2010.

Si bien es cierto que en la actualidad la dinámica del capitalismo ha impuesto un modelo de organización en el que las redes a escala global constituyen la esencia misma de las relaciones entre los distintos puntos del planeta, ya sean corporaciones, ciudades, regiones o países, dando con ello vida a lo que conocemos como “Globalización”, tampoco lo es menos que desde hace ya muchos siglos los hombres se han preocupado por establecer nexos entre las distintas comunidades que han conformado. En este sentido, las comunicaciones entre grupos humanos, en ocasiones muy distintos y muy distantes, han fluido a través de los diferentes entornos naturales, superando incluso las adversidades naturales a través de la organización de sus recursos, tanto materiales como humanos. En el mar, desde la antigüedad, esos notables navegantes que fueron los fenicios supieron -así como muchas otras civilizaciones que tuvieron como espacio de desarrollo al océano-, adquirir la destreza suficiente para utilizar a su favor dicho entorno. Siguiendo la senda marítima, que es la que nos interesa para efectos de esta reseña, es preciso destacar que la complejidad que adquirieron los sistemas de navegación, como consecuencia de los requerimientos también complejos de las sociedades, hicieron necesaria la implementación de una infraestructura cada vez más elaborada que correspondiera al ritmo de las actividades y exigencia de la navegación marítima.

Un componente central de la estructura general de los sistemas de navegación es el de los puertos. Para seguir con el ejemplo de la antigüedad, se pasó de la utilización de sencillas pero óptimas bahías que requerían unas condiciones mínimas (protección contra vientos desfavorables, poca profundidad para embarcaciones de poco calado, etc.) a obras de ingeniería mucho más elaboradas, como el célebre puerto de Cartago, que en su momento satisfizo de manera adecuada las necesidades de dicha potencia marítima.

Para los cartagineses el puerto encarnaba la esencia misma de su ethos, pues era el espacio a partir del cual se desarrollaba y expandía su civilización, tanto a través del mar Mediterráneo como en el Atlántico. En este mismo sentido, aunque ya mucho más adelante en el tiempo, para ser más preciso a partir del siglo XVI y en el Caribe, los puertos se convirtieron en el entorno natural de desarrollo de muchas comunidades (y también de regiones enteras), las cuales vivieron un proceso de crecimiento cultural y económico (y también, en no pocos casos, de posterior retroceso y debacle) que ha motivado el estudio y despertado el interés de numerosos investigadores desde las distintas áreas del conocimiento humanístico.

La obra que me propongo presentar de manera breve titulada Ciudades portuarias en la Gran Cuenca del Caribe: Visión histórica, que tiene como editores a dos estudiosos de los temas relacionados con la historia del Caribe, Antonino Vidal y Jorge Enrique Elias Caro, consiste en un conjunto de 17 textos elaborados por 17 autores distintos sobre diversos ámbitos de la historia de los puertos caribeños, como la economía, la cultura y la sociedad. Entre los autores que hacen sus aportes en esta obra, que incluye trabajos tanto de los puertos de Tierra Firme como de algunas Antillas están: Franklin W. Knight, Sergio Paolo Solano, Christian Cwik, Rosario Marquez y Raul Roman Romero.

Ya entrando en detalle acerca de la composición del texto en algunos de sus capítulos, es preciso señalar que inicia con el trabajo de Franklin Knigth, profesor de la John Hopkins University, titulado “La construcción social de las ciudades portuarias en las Antillas del Caribe antes de 1850”, en el que se aborda la forma como se llevó a cabo la construcción y desarrollo de las sociedades de puertos de Jamaica, Cuba, Haiti y Guadalupe, teniendo en cuenta el rol que en el ya mencionado desarrollo tuvieron ámbitos como la economía y la cultura.

Otro de los trabajos incluidos en el texto es el de Rosario Márquez, de la Universidad de Huelva, que lleva como título “La actividad cultural de los puertos del Caribe en el siglo XVIII. El caso del comercio de libros.”, en el que la autora hace una descripción de las principales características de los libros que, partiendo desde España, llegaban al Caribe, señalando por ejemplo los lugares de envío, quienes los traían y los temas que algunos de estos textos abordaban, con lo que la profesora Márquez logra trazar en líneas generales una imagen de este interesante aspecto de la historia cultural del Caribe.

Integra también la obra reseñada un trabajo de la profesora Mayabel Ranero Castro, de la Facultad de Sociología de la Universidad Veracruzana, titulado “Políticas nosológicas en dos puertos caribeños: Veracruz y La Habana”, en el cual la autora se ocupa describir y analizar los procesos médicos y sanitarios implementados en los dos puertos durante el periodo colonial, en gran parte como consecuencia de su importancia estratégica para efectos económicos y militares en el Caribe, lo que los convertía en puntos neurálgicos del sistema administrativo español con una permanente presencia de peninsulares que requerían de unas condiciones médicas y de salubridad óptimas.

Por su parte, el historiador Germán Cardozo Galue, de la Universidad del Zulia, en un capitulo de su autoría titulado “Maracaibo: génesis y desarrollo de un puerto caribeño”, hace un análisis del proceso de desarrollo que tuvo uno de los principales centros comerciales del Caribe durante gran parte del periodo colonial. La ubicación geográfica de Maracaibo, señala el autor, fue fundamental para su constitución como gran puerto a través del cual eran exportados los productos de la actividad agrícola de la “región marabina”, la cual ya antes de la llegada de los españoles había contado en sus costas con núcleos de población aborigen dedicados al intercambio, sentando un precedente para los posteriores centros urbanos erigidos por los españoles que les sirvieron para controlar económica y administrativamente el occidente venezolano.

Otro de los temas desarrollados en las páginas de Ciudades portuarias en la Gran Cuenca del Caribe: Visión histórica, es el del contrabando. El historiador Christian Cwik, en el capitulo “Curazao y Riohacha en el marco del contrabando judío (1650-1750)”, analiza el comercio ilegal llevado a cabo, entre otros, por judíos holandeses y conversos provenientes de Portugal, quienes establecieron su base principal de operaciones en la isla de Curazao, desde donde ampliaron su radio de acción por el Caribe y llevaron sus actividades comerciales hasta Riohacha, punto de penetración a territorio de la Nueva Granada.

Además de los anteriores y de acuerdo a lo que se señaló al inicio de esta breve descripción de la obra Ciudades portuarias en la Gran Cuenca del Caribe: Visión histórica, otros tantos autores se ocupan de las más diversas temáticas, entre ellos: Bernardo Díaz, de la Universidad Veracruzana, con el capitulo “El puerto de Veracruz en la mirada de viajeros extranjeros”; Mercedes García es autora de “La Real Compañía de Comercio de La Habana. Su actividad por el puerto de Carenas”; Raúl Román Romero realiza su aporte a la historia del Caribe a través del trabajo “La crisis del puerto de Cartagena de Indias: Conflictos y fracasos de sus proyectos de desarrollo (1830-1848)”; Sergio Paolo Solano lo hace con “Un problema de escala: La configuración social del puerto en las ciudades del Caribe colombiano (1850-1930)”; y Elizet Payne presenta “Inmigración y capital: familias y empresas en el puerto de Trujillo, Honduras (1890-1930)”.

El conjunto de capítulos que componen el texto presentado en esta reseña lo integran también los trabajos “El puerto de La Habana: de principal enclave del comercio indiano a cabecera de una economía de plantación”, “La conformación del circuito mercantil trasatlántico entre Cádiz, Tenerife, La Habana y Veracruz (1750-1850)” y “El puerto de Veracruz: de garganta de los reinos a circuito caribeño privilegiado”, de los autores Arturo Sorhegui (Universidad de La Habana) Abel Juárez Martínez y Feliciano García Aguirre (ambos de la Universidad Veracruzana), respectivamente.

Los editores del texto, Antonino Vidal y Jorge Elias Caro, contribuyen con dos trabajos, “Cartagena de Indias la ciudad-puerto y los hombres entre 1600 y 1650” y “El puerto de Santa Marta: determinantes de crecimiento y desarrollo de una ciudad caribeña (1818-1860).

El texto, en su parte final, presenta trabajos que se ocupan de procesos mucho más cercanos en el tiempo y que constituyen ejercicios de análisis sobre temas y problemas de actualidad: “Del mar a la montaña, de la montaña al mar: breve historia de las conexiones del puerto caribeño de Turbo, Golfo de Urabá (1831-2009)”, del profesor de la Universidad del Magdalena Juan Ricardo Gaviria, y “Los puertos del Caribe occidental: del mare nostrum al al mare clausum”, de Francisco Avella Esquivel.

Como puede apreciarse en esta descripción general del texto Ciudades portuarias en la Gran Cuenca del Caribe: Visión histórica, éste trabajo contiene una notable variedad de temas desde los cuales el lector puede acercarse a los procesos sociales, culturales y económicos de varias de las principales ciudades portuarias de la región, en un periodo de tiempo que va desde la Colonia hasta la actualidad, permitiendo apreciar, por una parte, procesos específicos de cada puerto, pero también procesos generales de la región.

Todos estos esfuerzos por estudiar una región específica, como es el Gran Caribe, a pesar de la controversia entre las diferentes posturas que aducen argumentos en contra y a favor de la existencia de la misma, resultan especialmente relevantes en el marco de la dinámica globalizadora actual que se ha encaminado hacia la formación de bloques regionales de países con intereses económicos, culturales y políticos en común. En este sentido, la comprensión de los procesos históricos es solo una parte del proceso de construcción de una identidad como región, pero una parte fundamental para consolidar un proyecto regional fuerte de cara a la competencia que desde otras latitudes se impone.

Julián Lázaro – Historiador

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Conexões Atlânticas: temas, abordagens, conceitos / Revista Brasileira do Caribe / 2010

CABRERA, Olga. Conexões Atlânticas: temas, abordagens, conceitos. Revista Brasileira do Caribe, São Luís, v.11, n.21, jul./dez. 2010. Arquivo indisponível na publicação original. [IF].

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O Jogo da Dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil – ALBUQUERQUE (Tempo)

ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de. O Jogo da Dissimulação: abolição e cidadania negra no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2009, 319 p. Resenha de: GOMES, Tiago de Melo. Dissimulação e outros jogos. Tempo v.15 no.29 Niterói jul./dez. 2010.

“‘Saber o seu lugar’ é uma dessas expressões capazes de traduzir regras de sociabilidades hierarquizadas que, sendo referendadas ou contestadas, atualizam-se cotidianamente. É construindo e conhecendo tais ‘lugares’ que as pessoas estabelecem relações, reconhecem formas de pertencimento e estruturam disputas próprias ao jogo social. Mas quais seriam os sentidos imprimidos a essa expressão no contexto das mudanças políticas e sociais das últimas décadas do século XIX? Em que medida a desarticulação da escravidão fundamentava as leituras que os contemporâneos faziam dos diferentes lugares naquela sociedade?” (p. 33).

Essa é a maneira pela qual Wlamyra R. de Albuquerque define a problemática de seu livro em sua introdução. O tema central de O Jogo da Dissimulação é uma interrogação a respeito da reorganização das hierarquias sociais com o fim da escravidão, um dos pilares centrais de todo um sistema de dominação que dava sentido àquela sociedade. Sendo esse alicerce removido, como os senhores poderiam manter suas políticas de domínio? E como os dominados poderiam buscar uma nova inserção em um mundo sem a presença da escravidão? Sobre tais questões, Albuquerque constrói seu O Jogo da Dissimulação.

O livro possui, dessa maneira, uma ancoragem muito sólida na história social, algo que é mantido com coerência pelos quatro capítulos do livro. Os quais, por sinal, a despeito de interligados, podem ser lidos em separado sem maiores prejuízos para o leitor. Mas o livro não carece de unidade: a problemática enunciada na citação acima é perseguida da primeira à última página, de modo que o que se tem não é uma coleção de artigos, mas um livro com início, meio e fim.

Segundo a autora, o primeiro capítulo seria centrado “nas dissensões flagrantes nos meetings e ações dos abolicionistas, diante das atitudes da população de cor” (p. 39). No entanto, não é uma definição particularmente feliz. Os abolicionistas só entram em cena com o capítulo bem adiantado, na terceira (e última) parte. Através deles, a autora nos mostra que para Salvador valia algo que outros autores já haviam demonstrado para Rio de Janeiro e São Paulo: abolicionismo não é incompatível com racismo. E naquele contexto não era raro as duas coisas andarem juntas, pois muito do abolicionismo de elite era fundado exatamente no desejo de se livrar dos negros para substituí-los por imigrantes brancos.1 Albuquerque nos mostra isso com competência, o que, embora não seja propriamente original, nunca deixa de ser relevante, principalmente com a exaltação que muitos ainda se ocupam de fazer a figuras como Joaquim Nabuco2.

Mas o que efetivamente vale a leitura do capítulo são suas primeiras duas partes. A partir da chegada de dezesseis africanos em 1877, com intenção de se estabelecer em Salvador como comerciantes, a autora nos conduz por uma história incrível. Embora livres e portadores de passaportes ingleses, o grupo é proibido de se estabelecer e mandado de volta para a África. Um episódio que gerou um pequeno choque diplomático com os ingleses e envolveu o chefe de polícia da cidade, o governador da província, chegando à alta instância do Conselho de Estado. Mais admirável é que Albuquerque nos mostra não ter se tratado de fenômeno isolado. Pode ser mais bem definido como parte de um esforço consciente do Estado brasileiro de impedir a entrada de imigrantes de cor sem que houvesse a necessidade de recorrer a uma legislação específica. Ao mostrar outros casos com a mesma problemática e o mesmo final, Albuquerque deixa claro que o Estado brasileiro lutou em várias frentes pelo embranquecimento da nação. Não apenas se esforçou para trazer imigrantes que clareassem o Brasil, mas deliberadamente impediu africanos e afrodescendentes de outras nacionalidades de entrar no país.

O que é uma importante contribuição para inserir de forma mais consistente o papel do Estado brasileiro na promoção da desigualdade racial. A ausência de legislação discriminatória tem feito com que historiadores não deem ao Estado um papel de destaque nesse processo.3 Estudos sobre ações semelhantes em outros contextos, aliados ao trabalho de Albuquerque, fornecem elementos impossíveis de serem ignorados, que apontam claramente nessa direção.4

O segundo capítulo, centrado no contexto imediatamente anterior e posterior ao 13 de maio, é um dos pontos altos do livro. Albuquerque nos conduz por um intenso jogo de reconstrução de sentidos causado pela remoção de um dos pilares sobre o qual se construía a sociedade brasileira até então. Sem a escravidão, os senhores percebiam a derrocada de toda uma política de domínio longamente estabelecida, e o medo do caos social se disseminava (para não mencionar as consequências econômicas, em especial para uma província já decadente). Do lado dos subalternos, a excitação ante a possibilidade da reconstrução de todo um contexto social em termos que lhes fossem mais favoráveis.

Em meio às festividades e desafios políticos que os dominados promoviam, ou a tentativas desesperadas e eventualmente patéticas de manter a antiga ordem social por parte dos dominantes, Albuquerque nos introduz a repensar algo há muito consagrado sobre aquele período. Há uma tendência a pensar na década de 1880 como uma desagregação definitiva da escravidão, e no 13 de maio como apenas o último ato de uma situação praticamente já consolidada. Mergulhando em bairros negros de Salvador, em engenhos do recôncavo e em vilas afastadas no interior, Albuquerque nos lembra com muita intensidade o quanto a escravidão ainda era naquele momento a peça-chave de todo um sistema de dominação que era intensamente presente no cotidiano daquela sociedade.

Já o terceiro capítulo tem um brilho menor. Contém uma ideia muito interessante, e que em certos momentos consegue fascinar o leitor: a de que a racialização da visão de mundo do universo dominante de fins do século XIX não se deve apenas à influência do ideário racista europeu, mas também deve ser vista como uma tentativa de reorganização das hierarquias a partir do declínio da escravidão. Uma ideia das mais interessantes, mas que às vezes é soterrada no capítulo por discussões menos originais. Pintar republicanos como essencialmente brancos bem educados de classe média e alta, em contraposição a uma paixão popular (e sobretudo negra) pela monarquia, por exemplo, é algo que hoje já se transformou em lugar-comum. Muitas páginas são dedicadas a essa questão, sem trazer ganhos palpáveis a uma discussão que, se perseguida de forma mais sistemática por todo o capítulo, poderia ter resultado em uma discussão do mais alto interesse.

Já o quarto e último capítulo muda o rumo da discussão, se embrenhando em uma discussão aberta há muitos anos por Beatriz Góis Dantas,5 mas que poucos tentaram prosseguir. Trata-se da imagem da Bahia como capital afro-brasileira, ideia em grande parte referendada em uma determinada africanidade (a jeje-nagô), que nessa visão seria mais “pura” ou até mesmo “superior” às outras áfricas que aportaram em território nacional.

Se Albuquerque segue o trabalho de Dantas ao se ocupar da visão de atores como Nina Rodrigues, Manoel Querino, Édson Carneiro e Artur Ramos (fundadores e difusores daquela imagem), inova ao acrescentar um dado novo: os próprios africanos e afro-brasileiros que viveram aqueles anos. No capítulo, podemos ver os portadores daquela cultura afro-brasileira que foi alvo de tantos escritos representando a si próprios e a própria África. Aprendemos que não era apenas na faculdade de medicina de Salvador ou nas publicações de literatos que o tema estava na ordem do dia. Blocos carnavalescos, terreiros, batuques, bancas de jogo do bicho, qualquer espaço parecia bom naquele momento para pensar a relação entre África e Bahia.

E o mínimo que se pode dizer a partir da leitura do capítulo é que naquele contexto havia uma multiplicidade de representações disponíveis sobre o continente africano, que não aparecia apenas como espaço da barbárie. Havia outros elementos a ele associados, tais como resistências ao imperialismo europeu. Disso resulta que era evidente o conflito de significados associados àquele continente, com evidentes implicações político-raciais. Áfricas diferentes também significavam diferentes percepções sobre o lugar de seus descendentes em território brasileiro.

O último capítulo de O Jogo da Dissimulação é um convite para que o tema da construção de uma determinada leitura da capital baiana seja mais problematizado por historiadores. O capítulo não é propriamente conclusivo, trazendo mais perguntas do que respostas. De toda forma, desperta a curiosidade do leitor para o tema sobre o qual se debruça, o que é sem dúvidas um mérito dos mais relevantes.

Um pequeno reparo que deve ainda ser feito em uma leitura global do livro se refere ao título. Que poderia ser ótimo, se fosse adequado ao seu conteúdo. Mas a verdade é que não temos em mãos um livro sobre dissimulação. O termo só aparece no primeiro capítulo, para descrever as tentativas do Estado brasileiro de barrar a entrada de africanos e afrodescendentes no país, sem recorrer a uma racialização explícita. No mais, o que temos são confrontos, projetos, choques de visão de mundo, mas nunca dissimulação.

O Jogo da Dissimulação, ao fim, mostra-se um livro instigante, que deixa no leitor uma vontade de saber mais sobre o assunto. É de esperar que sua publicação contribua para que as questões discutidas possam avançar. São temas muito importantes e nem sempre tratados como deveriam pela historiografia brasileira.

Gostaria de encerrar com uma questão de caráter mais geral que o livro levanta: o papel da escravidão na trajetória posterior dos afro-brasileiros. Albuquerque nos lembra de algo muito importante: o destino dos afro-brasileiros após 1888 poderia ter sido muito diferente. A escravidão não pode ser vista, portanto, como uma origem que explica toda uma trajetória posterior de desigualdades raciais. Vemos claramente no livro como o encaminhamento da “questão servil”, desde o momento em que a abolição afigurou-se como inevitável, foi conduzido de forma a produzir desigualdades em um mundo sem escravidão. Vemos os grupos dominantes buscando na racialização uma maneira de reorganizar as hierarquias de forma a manter a existência de senhores, mesmo em um mundo sem escravos. Em um momento em que essa questão está na ordem do dia, Albuquerque nos lembra com muita propriedade o quanto essas diferenças e hierarquias se reconstroem permanentemente. Somos todos atores desta história.

1 O trabalho seminal sobre o assunto é Célia Maria Marinho de Azevedo, Onda Negra, Medo Branco: o negro no imaginário das elites – século XIX, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
2 Novamente é preciso lembrar o trabalho de Célia Azevedo, em textos como “Quem Precisa de São Nabuco?”, Estudos Afro-Asiáticos, vol. 23, nº 1, Rio de Janeiro, 2001, p. 85-97.
3 Uma exceção importante é o trabalho de Anthony Marx, em obras como “A Construção da Raça e o Estado-Nação”, Estudos Afro-Asiáticos, nº 29, Rio de Janeiro, 1996, p. 9-36 e Making Race and Nation: a comparison of the United States, South Africa and Brazil, Cambridge-New York, Cambridge University Press, 1998.
4 Episódios semelhantes foram documentados na década de 1920, ver Teresa Meade e Gregory Alonso Pirio, “In Search of the Afro-American ‘Eldorado’: attempts by North American blacks to enter Brazil in the 1920s“, Luso-Brazilian Review, vol. 25, nº 1, Madison, 1988, p. 85-110; Tiago de Melo Gomes, “Problemas no Paraíso: a democracia racial brasileira frente à imigração afro-americana (1921)”, Estudos Afro-Asiáticos, vol. 22, nº 2, Rio de Janeiro, 2003, p. 307-331; Jair de Souza Ramos, “Dos Males Que Vêm Com o Sangue: as representações raciais e a categoria do imigrante indesejável nas concepções sobre imigração da década de 1920”, in: Marcos Chor Maio e Ricardo Ventura Santos (orgs.), Raça, Ciência e Sociedade, Rio de Janeiro, Fiocruz-CCBB, 1996, p. 59-82.
5 Beatriz Góis Dantas, Vovó Nagô e Papai Branco: usos e abusos da África no Brasil, Rio de Janeiro, Graal, 1988.

Tiago de Melo Gomes – Professor Adjunto da Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: [email protected].

Categorie Italiane. Studi di poetica e di letteratura – AGAMBEN (A-EN)

AGAMBEN, Giorgio. Categorie Italiane. Studi di poetica e di letteratura [Categorias Italianas. Estudos de poética e de literatura]. Bari: Editora de Laterza, 2010. Resenha de: GUERENI, Andréia; MULINACCI, Roberto. Um filósofo nos meandros da literatura: Agamben e as categorias italianas. Alea, Rio de Janeiro, v.12 n.2, jul./dec., 2010.

Giacomo Leopardi, em algumas passagens do seu Zibaldone di Pensieri (1817-1832), reflete sobre a relação entre o poeta e o filósofo. Em um trecho de 1821, o autor de “L’Infinito” afirma que “quem não tem ou nunca teve imaginação, sentimento, capacidade de entusiasmo, heroísmo, de ilusões vivas e grandes, de fortes e várias paixões, quem não conhece o imenso sistema do belo, quem não lê ou não ouve, ou nunca leu ou ouviu os poetas, não pode absolutamente ser um grande, verdadeiro e perfeito filósofo […]”.

Esse não parece ser o caso de Giorgio Agamben, que, no recém-publicado Categorie Italiane. Studi di poetica e di letteratura [Categorias italianas. Estudos de poética e de literatura], demonstra possuir uma profunda afinidade com temas literários, ser um grande conhecedor de obras, escritores, críticos e ter sensibilidade para discutir sobre o “belo”. Aliás, em Nudità (2009) Agamben diz que “uma obra crítica ou filosófica, que não está em algum modo em relação essencial com a criação, está condenada a ficar no vazio, assim como uma obra de arte ou poesia, que não contém em si uma exigência crítica, está destinada ao esquecimento”.

Foi com Italo Calvino e Claudio Rugafiori que Agamben, entre 1974 e 1976, pensou em um projeto de revista para a editora Einaudi. A única coisa acordada entre os três, como o próprio Agamben conta, é que uma das seções da revista deveria se dedicar ao esboço conceitual das assim chamadas “categorias italianas”, visando, portanto, a abranger, através de uma série de pares dicotômicos, as características fundamentais da tradição cultural italiana, em particular a literária. O projeto acabou não dando certo, mas Agamben, continuando fiel aos princípios teóricos que o tinham norteado, publica, em 1996, pela editora Marsilio, uma primeira versão de Categorie italiane, onde ele dá justamente forma, embora parcial e provisória (enquanto parte de uma tentativa de sistematização mais ampla, ainda por cumprir), à tensão dialética entre aquelas “estruturas categoriais” cuja definição, na realidade, transcende – apesar de os textos analisados serem quase todos italianos, com a única exceção dos sirventeses do provençal Arnaut Daniel – o seu específico e explícito âmbito de referência nacional. De qualquer maneira, como o livro estava esgotado há muito tempo, no início de 2010, felizmente, a editora Laterza colocou no mercado editorial italiano uma edição nova e atualizada, que, conforme declara o autor na “Avvertenza alla presente edizione” [Advertência à presente edição], é um livro “substancialmente novo”, devido ao “número e à importância dos textos acrescentados” (p. v), como, de resto, se pode verificar ao final do livro, na “Nota ai testi” [Nota aos textos], contendo as informações precisas de onde cada ensaio foi publicado ou apresentado, qual é inédito, qual não é. Além disso, na qualidade de uma autêntica mais-valia exegética, esta nova edição conta ainda com um belo posfácio, de sabor tipicamente agambeniano (“Profanare il dispositivo”/Profanar o dispositivo), assinado por Andrea Cortellessa, um dos mais brilhantes representantes da nouvelle vague da crítica italiana.

No entanto, na impossibilidade de dar conta, em conjunto, de uma coleção de ensaios tão instigante, talvez valha a pena destacarmos alguns deles, em que esse método analítico por meio de categorias antitéticas se revela hermeneuticamente mais produtivo, a partir, por exemplo, daquela oposição tragédia/comédia sobre a qual se constrói o primeiro “exercício de leitura” do volume, tendo como objeto nada menos que o maior clássico da literatura italiana: a Divina Comédia, de Dante Alighieri. De fato, no texto intitulado justamente “Comedia”, Agamben retoma a velha questão do título da obra, que foi bastante subestimada pela crítica e que, a seu ver, ainda hoje mereceria estudos mais aprofundados, pois Dante, com toda a sua erudição, não teria decerto escolhido este nome, que indica um gênero literário específico, sem algum critério bem fundamentado. É nesse sentido que o autor de O que é contemporâneo? se debruça sobre o “problema” da aparente contraditoriedade de uma titulação cômica para um projeto poético que, na esteira de outras obras dantescas, parecia nascer sob o signo do trágico (pense-se, por exemplo, no De Vulgari Eloquentia) e cuja explicação não pode se contentar, então, com o lugar-comum crítico da oposição entre tragédia e comédia do ponto de vista da matéria, isto é, da diferente articulação interna do conteúdo, distinguindo entre o início “próspero” e o fim “horrível” (típico da tragédia) e seu contrário (o início horrível e o fim próspero, tão característico da comédia). Com efeito, essas categorias de trágico e cômico, que o próprio Dante, na sua célebre carta a Cangrande della Scala, tinha contribuído a cristalizar em uma oposição conteudística condizente essencialmente com os ditames das poéticas medievais, se rede-finem agora não só no quadro temático da inocência e da culpa, vistas da perspectiva do subiectum (para o qual tragédia e comédia não passam de modalidades literárias de seu percurso de condenação ou salvação individual), mas também no contexto de outro dualismo irredutível, aquele entre natureza pessoa, ou seja, cindindo a culpa natural da culpa pessoal e transformando, assim, o conflito trágico entre inocência pessoal e culpa natural na “conciliação cômica da inocência natural e da culpa pessoal”. Considerado por esse ângulo, o título da Divina Commedia – no centro da qual está a justificativa do culpado ao invés da punição trágica do justo – não se limita a ser “perfeitamente coerente”, como se torna também revelador da íntima tendência anti-trágica da cultura italiana que Dante vai passar para a posteridade.

Mas se o diálogo de Dante com a poesia provençal constitui o imediato elo de ligação unindo “Comedia” ao texto sucessivo, “Corn: dall’anatomia alla poetica” [“Corn: da anatomia à poética”], no qual Agamben relê alegoricamente o debate diacrônico em torno daquela controversa palavra epônima (corn) usada pelo trovador Arnaut Daniel – que, diferentemente da sua interpretação literal, se torna, antes, o equivalente semântico de rima não encadeada (convertendo, dessa forma, o suposto tema obsceno do sirventês num problema métrico) –, é sobretudo esse curto-circuito vertiginoso entre filologia e filosofia que marca uma das principais linhas de continuidade ao longo dos textos. Basta ver, por exemplo, os dois ensaios logo a seguir, “Il sogno della lingua” [O sonho da língua] e “Pascoli e il pensiero della voce” [“Pascoli e o pensamento da voz”], onde o eixo filológico da dicotomia entre língua viva e língua morta acaba sendo ressemantizado no horizonte filosófico de uma experiência de linguagem que se situa para além das línguas, naquele não lugar entre o que foi (língua morta/voz) e o que ainda não é (língua viva/significado), delimitando assim uma dimensão negativa aberta tanto para o ser quanto para o abismo da nada. Não é por acaso que, no primeiro elemento desse díptico ensaístico, vale dizer em “Il sogno della lingua”, ao tratar de um incunábulo impresso em Veneza em 1499, Hypnerotomachia Poliphili, e do estranhamento que o leitor tem ao ler tal obra, pois não sabe em qual língua está lendo (“se em latim ou em vulgar ou em um terceiro idioma”, p. 46), Agamben fala de “um unicum monstruoso” decorrente da fago-citação lexical do latim por parte da estrutura frásica do italiano, embora essa contaminação linguística encontre seu pleno sentido só na reflexão metalinguística que ela contém acerca do bilinguismo (não apenas quatrocentista) enquanto condição inerente à qualquer palavra humana (daí o sonho, justamente, com uma “língua desconhecida e novíssima” que está por detrás da história de Polia e Polifilo e no qual o leitor vai ouvir ressoar a lição benjaminiana da “reine Sprache”…).

Sempre a relação entre língua morta e língua viva continua sendo o âmago da questão em “Pascoli e il pensiero della voce”, conquanto, desta vez, a língua morta não seja mais o latim como a língua da poesia em geral, na qual cabem também aquelas célebres glossolalias e onomatopeias tão ao gosto do lírico decadente italiano. Só que estas, longe de serem a expressão de uma linguagem pré-gramatical – conforme a classificação do crítico italiano Contini – representam, pelo contrário, a gramaticalização daquela voz da natureza, cuja morte está inscrita mesmo nas letras das palavras, como uma intenção de significado a se realizar, porém, unicamente na linguagem articulada. Contudo, retomando algumas observações que estavam já presentes no seu ensaio de 1982, Il linguaggio e la morte [A linguagem e a morte], Agamben não identifica aqui a Voz com a mera phoné, mas sim com aquela vontade de significação permitindo a passagem para o logos, de modo que a letra dos poemas pascolianos se torna afinal, na leitura dele, uma experiência de morte: morte da voz que, ao se inscrever nos signos linguísticos, morre como puro som (onomatopeia) e morte da língua que, ao se reduzir a som, marca a sua saída da dimensão semântica (glossolalia). Mas se, “a poesia é experiência da letra” – conclui o filósofo – pode existir uma experiência da palavra (como também da poesia e do pensamento) que vai para além da letra?

A esta pergunta, Agamben responde indiretamente em “Il dettato della poesia” [O ditado da poesia], onde aborda a relação entre vida e poesia, ou melhor, aquela oposição biografia/fábula, a qual pressupõe, justamente, a relação mais problemática entre vida e palavra. Nessa análise, o autor passa pela tradição teológica, pela literatura dos séculos XIII e XIV até chegar ao século XX, com a poesia de Antonio Delfini, que tenta recompor aquela fractura entre realidade e literatura, antes que ela, mutatis mutandis, se proponha de novo, na poesia de Caproni (“Disappropriata maniera” [Maneira desapropriada]) sob a forma da divaricação entre estilo e maneira. A mesma lógica de análise se dá no capítulo 7, no qual Agamben fala da poesia de Andrea Zanzotto e da sua peculiar e indissolúvel reflexão sobre língua e prática poética. Já em “Il torso orfico della poesia” [Anatomia órfica da poesia], temos a discussão sobre o caráter elegíaco da poesia, principalmente a do século XX. Segundo ele, esta pode ser definida através da contaminação entre hino e elegia. No último texto do livro, intitulado “La fine del poema” [O final do poema], Agamben trata, como o título do capítulo sugere, do final do poema, pois os estudos sobre o assunto são praticamente inexistentes. Aqui, o filósofo, na tentativa de elaborar uma teoria própria, fala da relação entre poesia e verso, rima e metro, som e sentido, a ponto de afirmar que “se o verso se define através da possibilidade do enjambement, disso segue que o último verso da poesia não é um verso” (p. 141). O resultado disso será “uma verdadeira e própria crise de vers, em que está em jogo a sua própria consistência” (p. 141).

Esse grande interesse de Agamben pela poesia em seus mais variados aspectos vai, guardadas as devidas proporções, na mesma direção proposta por Leopardi, pois a poesia e a filosofia estão no mesmo nível, andam lado a lado e são, nas palavras de Leopardi “o ápice do humano espírito[…]”.

Embora os capítulos 8, 10 e 11 não tratem de poesia, discutem temas afins e que podem se relacionar aos assuntos mostrados acima. No capítulo 8 entra em cena a relação entre literatura e política, através da análise do léxico (teológico/político) do escritor Giorgio Manganelli. No capítulo 10, Agamben discute a paródia, através da análise de textos não tão clássicos como L’isola di Arturo (A ilha de Arturo. Tradução e apresentação de Loredana de Stauber Caprara. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2005.), de Elsa Morante, em que o gênero paródia é o protagonista do livro. Por fim, no capítulo 11 o autor trata da relação entre literatura e filosofia, especialmente da presença de Spinoza em textos de Elsa Morante.

Uma das características recorrentes dos ensaios do livro é a forma “adorniana” de coordenação dos elementos com que Agamben constrói os seus escritos, que aqui podem ser lidos autonomamente. Também o conjunto de textos parece formar um pequeno “sistema” das categorias literárias italianas, que serão úteis para refletir sobre a literatura italiana, mas também sobre outras literaturas, porque Agamben utiliza a forma comparada de análise. Aliás, o ex-professor de filosofia da Universidade de Veneza sabe que a literatura pode ser vista como um eterno “corso-ricorso” viconiano, simplesmente porque “qualquer coisa acaba para sempre e qualquer coisa começa, e aquilo que começa, começa apenas naquilo que acaba” (p. 95).

Esperemos que essa obra de Agamben, autor muito traduzido entre nós, ganhe em breve uma edição brasileira. Como costuma ocorrer com os textos dele, Categorie Italiane agradará tanto os estudiosos de literatura, quanto os que não estão satisfeitos com o especialismo por vezes um pouco asfíxico da crítica literária e gostam de novos horizontes epistemológicos, conscientes de que – como dizia Barthes – “passar da leitura à crítica é mudar de desejo, é desejar não mais a obra, mas sua própria linguagem”.

Andréia Guerini – Universidade Federal de Santa Catarina

Roberto Mulinacci – Università degli Studi di Bologna

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Les littératures de langue française à l’heure de la mondialisation – GAUVIN (A-EN)

GAUVIN, Li-Se (org). Les littératures de langue française à l’heure de la mondialisation. Montreal: Editora da Constantes/Académie des Lettres du Québec/Hurtubise, 2010. Resenha de: FIGUEIREDO, Eurídice. Uma visão atual das literaturas de língua francesa. Alea, Rio de Janeiro, v.12 n.2 jul./dec., 2010.

O livro Les littératures de langue française à l’heure de la mondialisation, organizado por Lise Gauvin, contém textos apresentados no colóquio anual da Académie des Lettres du Québec, feito em parceria com a Bibliothèque et Archives nationales du Québec. O evento foi realizado em Montreal, no dia 17 de outubro de 2008, simultaneamente à reunião de cúpula da OIT (Organização Internacional da Francofonia), que aconteceu na cidade de Quebec. O tema em torno do qual girou o colóquio foi o Manifeste pour une littérature-monde en français, publicado no jornal Le Monde em março de 2007. Este livro assinala a posição crítica dos quebequenses em relação ao Manifesto e a favor da francofonia literária, embora reconheça o ranço colonial que subsiste no termo francofonia, tal como usado no terreno da política internacional.

Lise Gauvin, professora da Universidade de Montreal, que era então presidente da Academia, fala de “malentendido francófono”, visando atacar sobretudo as instituições literárias francesas: o paradoxo apontado por ela é que a França constitui o centro da francofonia sem querer fazer parte dela. No artigo “La francophonie littéraire, un espace encore à créer”, ela comenta o sentido e as repercussões do Manifeste pour une littérature-monde en français, que tinha a pretensão de marcar a morte da francofonia. Aliás, curiosamente, o Manifesto aqui aparece publicado pela primeira vez em livro, apesar de seus mentores, Michel Le Bris e Jean Rouaud, terem dado a público, pela Gallimard, Pour une littérature-monde poucos meses depois (2007), com textos de alguns escritores, signatários ou não do Manifesto, mas sem o Manifesto.

Associando o termo littérature-monde com World Literature, Lise Gauvin diz temer que esta noção seja um avatar disfarçado da ideia de universal imposto pelas culturas dominantes para garantir sua hegemonia. Ela retoma uma noção, já desenvolvida por ela há alguns anos, notadamente no livro Langagement (Boréal, 2000), de que o escritor de língua francesa desenvolve uma superconsciência linguística (surconscience linguistique) pelo fato de conviver com mais de uma língua, seja com o inglês no caso do Quebec, com o crioulo nas Antilhas, com o árabe no Magreb, com línguas étnicas na África subsaariana. “Condenado a pensar a língua, a encontrar sua própria língua de escrita num contexto multilingue, este autor deve inventar novas formas capazes de fazer ouvir a complexidade de suas pertenças. Deve assim, sem renunciar a certos patamares de legibilidade, compor com a opacidade das culturas singulares no imaginário da língua” (p. 28). A hibridação provocada pelo contato com outra língua contribui fortemente para processos de desterritorialização do francês e para transformações da forma romancesca nas literaturas francófonas. Inspirada na poética de Fernando Pessoa, Gauvin considera que se trata de “literaturas do desassossego” (littératures de l’intranquillité), em contraposição ao conceito de “literatura menor”, cunhado por Gilles Deleuze e Jacques Guattari em seu livro sobre Kafka, que muitos críticos associaram a essas literaturas. Ela observa também que a forma do romance foi desestabilizada e reinventada por autores caribenhos e latino-americanos, ao estabelecerem fronteiras porosas entre a realidade e a ficção, entre os diversos níveis de ficção, interpelando o leitor e obrigando-o a uma constante reavaliação do pacto enunciativo (p. 25).

No belo depoimento de J.M.G. Le Clézio, “Le français, beaucoup plus qu’une langue”, primeira conferência proferida por ele após o anúncio do Prêmio Nobel que lhe foi conferido em 2008, ele evoca suas lembranças de infância, época formadora de seu imaginário. Considera que a história das línguas é tão injusta e imprevisível quanto a história dos povos já que à dominação de umas cor-responde o enfraquecimento – quiçá o desaparecimento – de outras. Ele reitera aquilo que Roland Barthes já dizia, que as línguas não são inocentes, elas têm uma história política. No caso do francês, trata-se de uma língua que tem uma situação ambígua: ameaçada no Quebec, ela é, por isto mesmo, fortemente reivindicada; já em antigas colônias da América e da África, ela pode ser vista como uma língua de dominação, impregnada de violência e de racismo. Ele avalia positivamente o estatuto do francês no mundo contemporâneo, afirmando: “O francês é muito mais que uma língua. É um lugar de trocas e encontros. Suas fronteiras se dissolveram na totalidade do mundo, o que não significa um desenraizamento nem uma vulnerabilidade, mas ao contrário maior liberdade, uma audácia e uma ressonância novas” (p. 41).

Olivier Kemeid, em “Une résistance classique”, manifesta-se também contrário a alguns pontos levantados pelo Manifesto, assinalando que a causa principal da recusa dos autores francófonos na França estaria antes no uso particular que eles fazem da língua francesa. Desde Richelieu, o francês tornou-se uma língua rígida, clássica, que não admite barroquismos; assim, os franceses podem apreciar o barroco praticado por escritores latino-americanos, traduzidos em francês, mas não aceitam as rupturas praticadas no nível linguístico por aqueles que escrevem em francês.

Em “La littérature-monde au détour de la transculturalité?”, Dominique D. Fisher considera que a literatura do Quebec não carrega o peso da história colonial francesa nem as pressões das instituições literárias francesas, o lhe confere autonomia. Além disto, desde os anos 1980 ela se inscreve numa geopolítica transnacional e transcultural, com o aporte dos numerosos escritores vindos dos quatro cantos do mundo.

Dany Laferrière, que deixou o Haiti em 1976 devido à ditadura de Baby Doc e se radicou no Quebec, critica a etiqueta usada pela crítica quebequense que o classifica como escritor exilado ou imigrado (écrivain exilé, écrivain immigré), afirmando que o escritor não escreve porque é exilado ou porque emigrou. Aliás, em outros textos, Laferrière recusa outras apelações, tais como escritor francófono ou antilhano, declarando-se, antes, escritor americano. Provocadoramente, ele publicou um romance intitulado Je suis un écrivain japonais em 2008.

Dois textos – um do crítico quebequense Paul Chamberland, e outro, do cineasta Jean-Daniel Lafond – são depoimentos sobre Aimé Césaire, sua vida e sua obra. Durante o colóquio de 2008, foi projetado o filme La manière nègre ou Aimé Césaire, chemin faisant, realizado por Lafond.

Além destes, o livro reúne artigos de outros escritores e críticos do Quebec, como Lise Bissonnette, Madeleine Gagnon, Vénus Khoury-Ghata, Monique LaRue, Joël Des Rosiers e Gilles Pellerin. No final, aparece o Manifesto Pour une “littérature-monde” en français, que foi assinado por 44 escritores, entre eles Edouard Glissant, J.M.G. Le Clézio, Dany Laferrière, Nancy Huston, Jacques Godbout, Maryse Condé e Alain Mabanckou.

Eurídice Figueiredo – UFF/CNPq

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Oleaginosas da Amazônia – PESCE (BMPEG-CH)

PESCE, Celestino. Oleaginosas da Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi; Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2 ed., 2009. 334 p. Resenha de: MANTOVANI, Waldir. Oleaginosas da Amazônia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.2, maio/ago. 2010.

O livro “Oleaginosas da Amazônia”, de Celestino Pesce, teve a primeira edição publicada em 1941, sendo agora publicada sua segunda edição, revisada e ampliada, pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e pelo Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Esta edição da obra traz a estrutura original, é acrescida de um capítulo sobre “O potencial da flora oleífera na Amazônia” e recebe ilustrações de espécies apresentadas.

Antes de ser uma obra que descreve características de espécies de plantas da Amazônia com sementes oleaginosas, o livro reflete a preocupação do autor com a conservação da região e com a necessidade de investimentos na produção racional e em pesquisas sobre o tema, incluindo o melhoramento e o cultivo das espécies cujas sementes eram, até então, colhidas após a queda no solo e armazenadas em condições inadequadas, com a perda de suas qualidades.

As descrições feitas para muitas das espécies tratam de seus habitats e das suas características botânicas, demonstrando a experiência de observação em campo adquirida pelo autor em várias regiões da Amazônia, além de apontar para as melhores formas de obtenção e de conservação das sementes, de extração e de manutenção de propriedades químicas e físicas de suas gorduras e óleos, enquanto para outras espécies são apontados usos potenciais, ainda a serem explorados, incluindo o de consumo das polpas dos frutos.

Ressaltam, nessas descrições, as observações feitas sobre o uso de sementes diversas pelos índios, a exploração feita pelos lavradores do interior e os limites de extração do óleo ou da gordura, seja pela ausência de equipamentos adequados ou pela distância entre o local de produção e o de comercialização, incluindo a exportação para países da Europa, ou pela forma de extração e armazenagem, refletindo a preocupação do autor com a produção em toda a sua cadeia.

Nesta obra, é ressaltada a importância da flora composta pelas palmeiras, das quais descreve características de 36 espécies, além de 64 outras de famílias diversas, ressaltando-se Clusiaceae, Euphorbiaceae e Sterculiaceae. As informações apresentadas para as espécies são desiguais, havendo algumas bastante detalhadas em todos os seus aspectos, enquanto outras, principalmente aquelas para as quais indica potencial de uso, são descritas superficialmente.

Em um momento extremamente controverso acerca do valor da biodiversidade contida em biomas no Brasil, o livro “Oleaginosas da Amazônia” aponta para um dos muitos potenciais recursos de interesse humano ainda não completamente explorados, mostrados pelo olhar de um estrangeiro que se interessou pela região de forma ampla, como quando escreveu sobre a sua conservação: “O próprio caráter da região onde se encontram tais sementes indica que a vegetação das plantas que as produzem é a que deve predominar”.

Trata-se de uma obra que interessa à conservação de recursos naturais, à botânica econômica e, nela, particularmente, à produção de combustíveis alternativos, de óleos aromáticos, de sabões, entre outros produtos. Com um texto rico em informações diversas sobre a Amazônia e sobre as espécies tratadas, de uma forma agradável de ser lida e olhada devido à qualidade da impressão, à variedade e aos detalhes das figuras, este livro escrito em 1941 é extremamente atual em sua mensagem, compondo uma obra incomum.

Celestino Pesce (1896-1942) era italiano, químico, vindo de São Paulo, que se interessou pelas plantas oleaginosas da Amazônia e, desde 1913, dedicado à extração de óleos e gorduras de sementes de várias espécies já conhecidas e de novas descobertas feitas em diversas viagens que realizou pela região. Morreu afogado durante um banho em águas do rio Amazonas. Neste livro, vive para nos alertar.

Waldir Mantovani – Doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas Professor Titular da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

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Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia Brasileira – BUENO; ISNARDIS (BMPEG-CH)

BUENO, Lucas; ISNARDIS, Andrei (Orgs.). Das pedras aos homens: tecnologia lítica na Arqueologia Brasileira. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2007. 270 p. Resenha de: FONSECA, João Aires da. Pesquisas recentes sobre material lítico na Arqueologia Brasileira. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.2, maio/ago. 2010.

O livro “Das pedras aos homens” surgiu a partir das ideias discutidas no seminário “Tecnologia Lítica no Brasil. Fundamentos teóricos, problemas e perspectivas de pesquisa”. Organizado por Lucas Bueno e Andrei Isnardis, o livro tem como proposta reunir pesquisadores de diferentes formações científicas dentro da arqueologia, disponibilizando aos leitores um panorama não somente interessante como também essencial para que a arqueologia brasileira se torne cada vez mais sólida em conceitos e metodologias de pesquisa. Não há dúvida de que somente com esta diversidade de pesquisadores foi possível alcançar a proposta de se escrever um panorama de problemas e perspectivas sobre o contexto do material lítico em sítios arqueológicos brasileiros.

O que o livro apresenta ao longo de seus onze capítulos são as novas abordagens para o estudo deste tipo de material, não permanecendo somente nos estudos das ‘pedras’ (rochas) em si, mas indo além, criando contextos e quadros hipotéticos que permitem ir “das pedras aos homens”. Esta coletânea de artigos passa a ser uma referência atual sobre o estudo de tecnologia lítica na arqueologia brasileira, disponibilizando referências bibliográficas úteis sobre os temas abordados, o que permite aos leitores, em especial estudantes de arqueologia, um maior aprofundamento sobre os temas descritos.

Como exemplo, quais são as referências existentes sobre arqueologia experimental no Brasil? Como esta parte da arqueologia vem se desenvolvendo atualmente? É neste ponto que “Experimentação na Arqueologia Brasileira: entre gestos e funções”, de André Prous, e “Recent advances in stone-tool reduction analysis: A review for Brazilian archaeologists”, de Michael Shott, trazem à tona uma revisão do uso da experimentação.

André Prous introduz a importância da etnoarqueologia e do esforço próprio que o arqueólogo precisa ter ao reproduzir e utilizar o que poderiam ser as réplicas de instrumentos arqueológicos. Desta forma, o pesquisador aborda o material lítico a partir da experimentação, adquirindo mais dados para suas interpretações dos vestígios coletados e de seus prováveis contextos. É neste sentido também que a argumentação de Michael Shott incide sobre os diversos processos de redução que um artefato lítico pode ter passado, seja por meio do uso intenso ou de retoques para reavivar gumes, por exemplo.

As interpretações sobre o contexto arqueológico assumem um papel muito importante neste livro. Tal importância é justamente por ser esta a principal meta das pesquisas arqueológicas recentes. Para Andrei Isnardis, autor do capítulo “Notas sobre a solidão das indústrias líticas”, a distribuição espacial de diversos vestígios é essencial para retirar as indústrias líticas do que ele considera como “solidão”. Trata-se de uma crítica às pesquisas que lidam com os materiais analisados de maneira isolada, deixando de lado a interpretação do restante do material coletado, criando, assim, interpretações parciais do contexto do sítio.

Tal problema de interpretações parciais pode advir das divisões por grandes classes de vestígios. Para Isnardis, alguns pesquisadores acabam sendo caracterizados como ‘arqueólogos do lítico’, ‘arqueólogos da cerâmica’ ou ‘arqueólogos da arte rupestre’. A especialização dos pesquisadores acaba por causar este isolamento do material analisado, contudo, como o principal objetivo das pesquisas são as sociedades humanas, existe a necessidade de estudos que usem os vários artefatos dentro de um conjunto para que se chegue às possíveis interpretações de contextos sociais mais complexos, e não apenas de uma parte especializada.

Como exemplos desta necessidade de interpretar diversos dados, buscando uma visão dinâmica sobre a pré-história brasileira, na tentativa de articular vestígios, sítios, regiões e macrorregiões, pode-se citar os capítulos sobre o Brasil Central, “Organização tecnológica e Teoria do Design: entre estratégias e características de performance”, de Lucas Bueno, e “Metodologia de análise para as indústrias líticas do Pleistoceno no Brasil Central”, de Águeda Vilhena-Vialou.

Outra vertente clara no livro, tomada por todos os seus autores, é a inviabilidade, ou ineficácia, em se produzir estudos arqueológicos que contemplem estudos tipológicos baseados unicamente em instrumentos acabados. Como abordado por Jacqueline Rodet em “Uma terminologia para a indústria lítica brasileira”, e por Paulo Jobim em “Possibilidades de abordagens em indústrias expedientes”, existe uma tendência, iniciada na década de 1980, para a inserção nos estudos de contexto e de tecnologia dos conceitos de cadeia operatória, gesto, teoria do design e experimentação, em vez de estudos meramente tipológicos de peças já acabadas, enfatizando a necessidade de homogeneização da terminologia utilizada pelos pesquisadores, buscando-se sistematizar as nomenclaturas para a análise da tecnologia lítica.

Mais exemplos advém de Pedro Schmitz em “O estudo das indústrias líticas no PRONAPA, seus seguidores e imitadores”; de Adriana Schmidt em “Da tipologia à tecnologia: reflexões sobre a variabilidade das indústrias líticas da Tradição Umbu”; e de Sirlei Hoeltz em “Contexto e tecnologia: parâmetros para uma interpretação das indústrias líticas do Sul do Brasil”.

O capítulo de Pedro Schmitz caracteriza o papel da ciência arqueológica: cada época possui um contexto e limitações de pesquisa, e cada época sucessora irá acumular conhecimentos de épocas anteriores, reformulando-os e aplicando novos. A principal diferença entre o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) da década de 1970 e as pesquisas recentes, como a desenvolvida na Floresta Atlântica, é o maior dinamismo das pesquisas que, com o quadro teórico atual, possibilitaram chegar a conclusões regionais e mais amplas sobre a ocupação humana na região Sul do Brasil. Nesta mesma linha, Adriana Schmidt e Sirlei Hoeltz enfatizam a importância dos estudos que enfocam o caráter regional e que respeitam a contextualização espacial dos sítios, em suas características internas e externas, associadas a propostas metodológicas que compreendam a variabilidade artefatual como resultado de escolhas tecnológicas, na busca por identidades sociais no registro arqueológico.

Por fim, temos o divertido experimento literário escrito por Klaus Hilbert, “Indústrias líticas como vetores de organização social ou: Um ensaio sobre pedras e pessoas”. Hilbert preferiu intuir, explicando por meio de crônicas e múltiplas narrativas, “as pedras arqueológicas e as pedras lúdicas da infância e adolescência”, deixando um pouco de lado as listas de sequências analíticas de gestos e de atributos tecnotipológicos, descrevendo algumas relações entre pessoas e ‘pedras’.

A meu ver, o principal ponto do livro incide nas experiências dos autores, através de projetos de pesquisas que exemplificam seus fundamentos teóricos, seus problemas e as perspectivas abordadas. Contudo, como a proposta do livro refere-se à arqueologia brasileira, a principal crítica diz respeito em não ter explorado, por exemplo, referências sobre estudos de materiais líticos na porção Norte do Brasil, mais especificamente na região amazônica. Talvez esta seja uma lacuna importante a ser apontada, até mesmo devido à escassez de produção bibliográfica sobre o tema.

Como, provavelmente, ainda serão feitos novos congressos sobre tecnologia lítica brasileira, certamente não só a região amazônica entrará em pauta, como também as demais regiões que não foram discutidas neste primeiro livro, formando, assim, um panorama mais amplo, semelhante ao apresentado com maestria pelos organizadores.

João Aires da Fonseca – Mestre em Arqueologia pela Universidade de São Paulo. Bolsista do Programa de Capacitação Institucional do Museu Paraense Emílio Goeldi/MCT. Curador do Museu do Marajó. E-mail: [email protected]

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Grandes Expedições à Amazônia Brasileira, 1500-1930 – MEIRELLES FILHO (BMPEG-CH)

MEIRELLES FILHO, João. Grandes Expedições à Amazônia Brasileira, 1500-1930. São Paulo: Metalivros, 2009. 241 p.  Resenha de: DRUMMOND, José Augusto. Expedição literária pela Amazônia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.2, maio/ago. 2010.

Este livro de Meirelles é capaz de abalar, mesmo entre os mais céticos, a noção de que os brasileiros não se esforçam para conhecer a Amazônia, mais da metade da qual pertence ao território do Brasil. É verdade que a atenção maior dada à região nas últimas décadas originou-se em boa parte fora do país, incentivada por estudos, relatos e preocupações de não-brasileiros. De resto, o mesmo aconteceu no passado mais distante, conforme registrado pela própria obra resenhada, pois grande parte das expedições abordadas teve iniciativa, apoio e participantes estrangeiros. No entanto, temos há algum tempo uma massa crítica instalada no país, dentro e fora da região amazônica, dotada da capacidade de estudar, conhecer e divulgar as suas singularidades e os seus significados em escala nacional, continental e global.

Resultado de um longo e abrangente trabalho de pesquisa e de um admirável esforço de síntese de escrita, este livro exemplifica essa capacidade. Foi composto por uma grande equipe de pesquisadores, consultores, tradutores, revisores, diagramadores, designers e técnicos em reprodução de imagens, trabalhando numa empreitada de longa duração. Embora seja principalmente uma obra de divulgação para um público ampliado, a alta qualidade dos textos e das ilustrações e o rigor da documentação das informações fazem dela uma rica fonte para estudos acadêmicos, monográficos e técnicos. Ela sobressairia mesmo se fosse apenas uma obra de divulgação, pela seriedade, pelo capricho e pela resolução impecável.

João Meirelles é escritor e ativista ambiental (dirigente do Instituto Peabiru), envolvido com diversas instituições do Terceiro Setor e participante de projetos de proteção de áreas naturais, dentro e fora da Amazônia. É autor de “O Livro de Ouro da Amazônia” (Ediouro, 2004). É o responsável pelo texto deste novo livro, que, com a ajuda de riquíssimas ilustrações, narra e costura entre si 42 expedições selecionadas que percorreram diferentes partes da Amazônia brasileira entre 1500 e 1930. Este amplo período é delimitado no seu início pelas primeiras viagens periféricas de navegadores europeus em torno da foz do rio Amazonas e, no seu final, pelas últimas expedições basicamente terrestres de Cândido Rondon até o coração continental da Amazônia.

Escolher essas 42 expedições, deixando de fora cerca de 30 outras, deve ter sido uma das tarefas mais difíceis do autor na montagem desta publicação, mas o seu esforço de síntese funcionou: permitiu que o livro ficasse dentro de dimensões razoáveis para o tipo de obra que ele pretendia fazer – um livro de textos, fartamente ilustrado e com o adicional de apresentar uma alta qualidade de impressão. Pode-se esperar, com fundamentadas razões, que a obra aqui resenhada vá merecer pelo menos um segundo volume, que inclua as três dezenas de expedições que, embora registradas e estudadas, ficaram de fora. Para dar a dimensão do contexto ainda maior de expedições na região amazônica, Meirelles teve o cuidado de listar, em breves verbetes que compõem um anexo, outras 525 viagens que percorreram trechos da Amazônia, muitas em territórios dos demais países que compartilham a Grande Amazônia com o Brasil. A amostra de expedições analisadas por Meirelles pode até ser considerada pequena em face desse universo enorme, mas a obra é de peso, pois parece ser única, pela sua abrangência e pela sua concepção.

O formato adotado na obra merece ser comentado, pois é sistemático e eficaz. Cada expedição analisada recebe um texto padronizado, acompanhado por uma programação gráfica que combina beleza e funcionalidade. O texto é distribuído por quatro colunas em cada página, com inserções de ilustrações que variam em tamanho, forma, natureza e cores – mapas, fotografias, gravuras e pinturas (com paisagens, animais, plantas), roteiros etc. Muitas ilustrações são de página inteira. Todos os textos contêm as mesmas seções – contexto, líder, colaboradores, percurso, obra (textos ou outros materiais produzidos pelos expedicionários), principais contribuições (literárias, científicas, econômicas, geopolíticas, etnográficas etc.) e as notas bibliográficas. As duas primeiras páginas referentes a cada expedição trazem, ao alto, informações adicionais e sintéticas sobre duração, financiadores e percursos. Cada ilustração é acompanhada da identificação de autores, das datas e da sua fonte original – livros, coleções de museus e arquivos, acervos científicos, acervos particulares, álbuns de exposições e muitas outras.

O autor explica brevemente, na introdução, porque incluiu alguns viajantes e excluiu outros. Ressalta que o critério principal foi o de incluir aqueles que “empresta[m] um novo olhar, nova perspectiva sobre a região, a partir de [suas] andanças” (p. 17). Ele buscou evitar redundâncias, fazendo variar as particularidades individuais e as missões dos expedicionários escolhidos – bandeirantes, clérigos, missionários, militares, demarcadores de fronteiras, cientistas (etnólogos, arqueólogos, botânicos, zoólogos, geólogos, linguistas), pintores etc. Fica patente que era impossível incluir todos. No entanto, em face da relevância dos aspectos humanos e naturais da região e da própria abundância de expedições e de documentação conexa, nenhum critério de seleção agradará a tantos leitores quanto a esperança de que Meirelles e a sua equipe produzam um ou mais volumes que incluam as expedições que a obra resenhada foi obrigada a excluir.

Dada a homogeneidade dos 42 relatos, é difícil destacar qualquer um deles. Algumas expedições e alguns expedicionários chamam a atenção exatamente por serem mais conhecidos – Pedro Teixeira, Condamine, Alexandre Rodrigues Ferreira, Spix e Martius, Langsdorff, Wallace, Agassiz e Rondon. Em outros relatos há ilustrações de qualidade excepcional que seduzem o leitor predisposto a usufruir de um livro tão ricamente ilustrado. As cristalinas fotos das expedições de Rondon, as suaves borboletas pintadas por Bates e as densas gravuras de Orton são exemplos disso.

Apenas para enriquecer a apreciação da obra, destaco o capítulo dedicado a Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), militar brasileiro, já que brasileiros propriamente ditos (como Couto de Magalhães, Euclides da Cunha e Mário de Andrade) formam uma pequena minoria dos líderes das expedições selecionadas. Além disso, Meirelles destaca que Rondon, entre todos os expedicionários estudados, foi o “grande viajante”, ou seja, aquele que percorreu as maiores distâncias, acumuladas ao longo de quatro décadas de excursões por áreas hoje incorporadas aos estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Amazonas, Pará, Goiás, Tocantins, Amapá e Roraima.

Meirelles registra outros feitos notáveis de Rondon. As suas numerosas expedições geraram abundantes 140 relatórios (mais de 20.000 páginas) e outros materiais impressos. Mesmo exercitando a sua notável capacidade de síntese, Meirelles se viu obrigado a dividir as numerosas expedições de Rondon em 14 ciclos, cada um dos quais abrange muitas viagens. Essas expedições foram também as maiores coletoras de materiais científicos e etnográficos depositados no Museu Nacional do Rio de Janeiro e em outras instituições. É relevante notar também que Rondon cumpriu uma grande variedade de missões em sua longa carreira de viajante – construtor de picadas e de linhas e estações telegráficas; produtor de documentação cartográfica; fornecedor de materiais para estudos científicos; demarcador de fronteiras internacionais; pacificador e protetor de indígenas; fundador e primeiro diretor do Serviço de Proteção ao Índio. Rondon exerceu até o curioso papel composto de líder expedicionário e guia do ex-presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, que se incorporou como convidado do governo brasileiro a uma de suas mais difíceis expedições (ao rio da Dúvida). Roosevelt quase morreu nessa expedição e escreveu sobre ela um ótimo relato de viagem, com fartos elogios a Rondon. Dessa forma, Meirelles ajuda a recuperar a memória deste grande brasileiro que foi Rondon.

Resta dizer que o texto não tem uma ‘tese’ central a argumentar ou provar, conforme destaca o próprio autor na sua introdução. No entanto, seria errado dizer que o livro é meramente descritivo, pois nenhum autor, ao reunir, refletir sobre, selecionar e usar tantos materiais sobre uma região de tão grande complexidade poderia se comportar como um narrador descomprometido. Com efeito, o autor manifesta as suas preocupações e a sua atenção para com questões como a dizimação física, territorial e cultural dos povos indígenas da região, a repartição da região entre a soberania de vários países, a escassez de instituições científicas e de cientistas brasileiros instalados na e estudiosos da região, o papel do avanço das fronteiras agrícolas, pecuárias, mineradoras e madeireiras contemporâneas na degradação do bioma Amazônia, entre outras. No entanto, a alma do livro é a recuperação da memória e dos feitos dos expedicionários e das expedições.

Meirelles produziu um livro vitorioso que merece ser lido pelo público mais variado e amplo possível, desde estudiosos da Amazônia a cidadãos comuns, brasileiros da região e de fora dela e estrangeiros que se interessam por ela. Conforme sugerido acima, fica a esperança de que ele e sua equipe produzam um ou mais novos volumes que tratem de outros expedicionários e outras expedições, para assim enriquecer o acervo de produções nacionais sobre a Amazônia.

José Augusto Drummond – Doutor em Land Resources pela Universidade de Wisconsin, USA. Professor Associado do Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]

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Tempo Presente | UFS | 2010

Tempo Presente UFS3

O Grupo de Estudos do Tempo Presente – GET, ligado ao Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, responsável pela revista eletrônica semestral dos Cadernos do Tempo Presente (São Cristóvão, 2010-), informa a todos os interessados em apresentar artigos e resenhas para publicação que continua recebendo artigos e resenhas em fluxo contínuo e de acesso aberto.

Seguindo a própria composição do GET, serão bem-vindas produções de historiadores, geógrafos, cientistas sociais, filósofos, jornalistas, economistas, psicólogos, estudiosos das relações internacionais, dos meios de comunicação e demais áreas das ciências humanas.

Periodicidade semestral.

Acesso livre

ISSN 2179-2143

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Priprioca: um recurso aromático do Pará – POTYGUARA (BMPEG-CH)

POTYGUARA, Raimunda Conceição de Vilhena; Zoghbi, Maria das Graças Bichara (Orgs.). Priprioca: um recurso aromático do Pará. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi/Universidade do Estado do Pará, 2008. 204 p. Resenha de: ALMEIDA, Samuel Soares. As pripriocas: seus aromas e suas estruturas. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.1, jan./abr. 2010.

O livro “Priprioca: um recurso aromático do Pará” foi organizado por Raimunda Conceição de Vilhena Potyguara e Maria das Graças Bichara Zoghbi, da Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi, especialistas em diferentes aspectos da botânica amazônica. A primeira, doutora em Botânica Tropical, atua na investigação da morfologia interna de órgãos e estruturas vegetais de espécies com interesse econômico, tais como plantas fibrosas, alimentícias e aromáticas. A outra organizadora é doutora em Química Orgânica, com atuação em química de produtos naturais, especialmente na prospecção de espécies e identificação de substâncias e estruturas químicas de essências aromáticas, empregadas em perfumes e cosméticos.

A obra é um marco referencial do conhecimento científico e tecnológico sobre a priprioca (Cyperus articulatus L.), uma erva que cresce naturalmente em campos, áreas úmidas e costeiras, sendo também cultivada em pequenas áreas agrícolas, quintais e hortas caseiras. A priprioca é exclusivamente distribuída na Amazônia, concentrada no leste do estado do Pará, nos baixos cursos dos rios Acará, Moju e Tocantins; parte dos campos inundáveis do arquipélago do Marajó e das microrregiões do Salgado e Bragantina.

A obra é multidisciplinar e seus 12 capítulos podem ser divididos em três grupos de assuntos afins: o primeiro trata de aspectos taxonômicos, morfológicos e de distribuição geográfica. O segundo é direcionado ao entendimento de aspectos químicos e agronômicos, incluindo a propagação da espécie; e o último se refere às cadeias produtiva e comercial, bem como às informações sobre usos e botânica econômica.

Conhecida e comercializada há bastante tempo nas feiras e mercados da região, a priprioca, antes de se tornar de interesse para a indústria de perfumaria, era utilizada em pequena escala na preparação e composição de banhos de cheiro e perfumes artesanais, sendo o ‘cheiro-do-pará’ o mais requisitado deles, e em sachês e aromatizantes de roupas e armários. A obra reúne informações sobre aspectos científicos, tecnológicos e agronômicos recentes, produzidos em instituições científicas e acadêmicas públicas da região. Com ela toma-se conhecimento que a priprioca não é apenas uma espécie, mas pelo menos três – e que os seus rizomas, ou raízes subterrâneas, possuem células oleíferas, secretoras das substâncias aromáticas. A parte química revelou a identidade e as estruturas orgânicas dessas substâncias; suas propriedades alelopáticas, ou o efeito inibidor de seu extrato sobre a germinação de sementes e crescimento de mudas de outras espécies; e, ainda, a ação de contração muscular em cobaias. Os estudos agronômicos recomendam técnicas de cultivo e tratos culturais; propagação vegetativa através dos rizomas; densidade de plantio, produção e produtividade; cadeia produtiva, mercado; e informações sobre outros usos das pripriocas, além do aromático, na medicina tradicional e no artesanato.

A obra representa um avanço considerável para a domesticação da espécie, mas deve-se considerar e creditar que grande parte dos saberes e conhecimentos acumulados sobre os usos e o cultivo das pripriocas advém da experiência e das práticas tradicionais de erveiras, mateiros, perfumistas e pequenos produtores. Ainda há um longo caminho a ser percorrido a fim de disponibilizar mais informações sobre o cultivo da espécie, que permitam às pripriocas se constituir num recurso sustentável que possa ser produzido e comercializado numa escala mais abrangente de mercado.

Samuel Soares de Almeida – Mestre em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Pesquisador Associado do Museu Paraense Em ílio Goeldi. E-mail: [email protected]

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Caderno de Diretrizes Museológicas 2. Mediação em museus: curadorias, exposições, ação educativa – JULIÃO; BITTENCOURT (BMPEG-CH)

JULIÃO, Letícia; BITTENCOURT, José Neves (Orgs.). Caderno de Diretrizes Museológicas 2. Mediação em museus: curadorias, exposições, ação educativa. Belo Horizonte: Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais/Superintendência de Museus, 2008. 180p. Resenha de:  RANGEL, Marcio. Curadoria em museus: múltiplos olhares. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.1, jan./abr. 2010.

O “Caderno de Diretrizes Museológicas 2 – Mediação em museus: curadorias, exposições, ação educativa”, publicado pela Secretaria de Cultura de Minas Gerais através da Superintendência de Museus, tem por objetivo promover, a partir de uma perspectiva multidisciplinar, um debate sobre as diferentes abordagens relacionadas com a mediação museológica, com especial ênfase nos processos curatoriais desenvolvidos pelos museus. Os artigos reunidos no livro propõem novas reflexões e interpretações para este tema, que, com a complexidade de sua natureza, tem sido objeto de variadas discussões.

A principal intenção dos organizadores e autores que compõem o livro é dar visibilidade às múltiplas possibilidades da curadoria, neste caso, por meio de artigos que apresentam diferentes perspectivas de compreensão do tema e, em outros momentos, evidenciam percepções convergentes.

Além de um texto introdutório de José Neves Bittencourt, que analisa a etimologia da palavra curadoria e apresenta a estrutura da obra, os trabalhos foram organizados em três partes, sendo a primeira composta por três artigos, a segunda por oito artigos e a terceira por um vídeo.

O trabalho de abertura é de autoria de Cristina Bruno, que inicia sua discussão com a análise do percurso conceitual do termo curadoria, tendo como referencial um olhar sobre os “diferentes tempos históricos, distintos campos de conhecimento e múltiplos usos” (p. 15). Após indicar a difícil tarefa de mapear a trajetória do conceito de curadoria, Bruno estrutura seu artigo pontuando algumas perspectivas: os aspectos do percurso histórico do conceito de curadoria que geraram heranças relevantes para a atual proposta de definição; os matizes de sua ampliação contemporânea e os reflexos desta herança; o delineamento do perfil profissional do curador e o desenvolvimento do processo curatorial dentro dos museus. Bruno afirma que sua análise tem como base uma perspectiva museológica.

No artigo seguinte, Nelson Sanjad e Carlos Brandão definem curadoria “como o ciclo completo de atividades relativas aos acervos, compreendendo a execução ou a orientação da formação e desenvolvimento de coleções, segundo uma racionalidade pré-definida por uma política de acervos…” (p. 25). Podemos perceber nesta definição a influência da experiência profissional dos autores, ambos vinculados a museus com forte tradição na formação de coleções de história natural: Museu Paraense Emílio Goeldi e Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. O eixo central do artigo trata da relação da comunicação museológica com a política curatorial dos museus, priorizando os processos expositivos. Nesta análise, Sanjad e Brandão estruturam seus argumentos em três partes: a primeira apresenta a relação entre a história dos museus e o desenvolvimento dos acervos; nas seguintes, abordam a exposição como processo de comunicação, produtora de um discurso específico, incluindo neste processo a recepção do discurso pelos diferentes públicos.

Concluindo esta primeira parte da publicação, o artigo de Tereza Scheiner afirma que “não é possível tratar dos processos curatoriais sem, entretanto, definir que ideia de museu lhes serve de fundamento” (p. 36). Para Scheiner, a análise da trajetória do museu no quadro simbólico das diferentes sociedades é uma tarefa da Museologia, disciplina que, segundo a autora, “não tem como objeto de estudo os museus, ou a instituição museu, mas sim a ideia de museu desenvolvida em cada sociedade, em cada momento de sua história” (p. 40). De acordo com a autora, cabe à Museologia analisar as diferentes tipologias de museus atualmente existentes, “tratando de compreender em profundidade quais os contextos, razões e propósitos que as fundamentam, e buscando identificar como algumas delas se realizam hoje na sociedade contemporânea” (p. 43). Neste cenário, os processos curatoriais são compreendidos como “dispositivos técnicos, segundo os quais se realizam as funções intrínsecas a cada um destes tipos de museu” (p. 46).

A segunda parte da obra é aberta por Aline Montenegro e Francisco Régis, que analisam a curadoria de exposições em museus de história, mais especificamente no Museu Histórico Nacional e no Museu do Ceará. Os autores discutem os processos expositivos destas instituições e apresentam as diferentes possibilidades de abordagem de um tema histórico. Ressaltando a importância dos “indícios do passado”, apontam para a importância da “elaboração de problemáticas históricas sobre as relações entre passado, presente e futuro” (p. 49). Montenegro e Régis problematizam a combinação de imagens, objetos, textos e outros recursos na elaboração das exposições, tendo em vista que, segundo os autores, “tudo indica que há uma dependência da escrita para se chegar a certos sentidos do objeto” (p. 68). Além das múltiplas possibilidades e desafios do processo curatorial em museus de história, o artigo também ressalta a importância do caráter educacional neste processo.

A partir do campo da arte, Roberto Condurú discute os principais traços característicos do fazer artístico e problematiza as formas de comunicação adotadas pelos salões, bienais e museus. Percebendo os curadores como intermediários nas relações entre as obras, os artistas e os públicos, o autor aponta para o papel de destaque deste personagem na estratificação dos agentes do campo artístico. De acordo com Condurú, uma característica marcante dos tempos atuais é a percepção da exposição de arte como “uma obra em si, com autorias, teorias, práticas e histórias” (p. 76). Sendo assim, torna-se fundamental o equilíbrio entre a exposição como obra e as obras de arte exibidas entre o curador e os demais autores envolvidos.

Em um outro campo e tendo como referencial as exposições de ciência e tecnologia, Cátia Rodrigues Barbosa reflete sobre a capacidade comunicativa desta tipologia de acervo e o papel exercido pelo curador neste processo de comunicação. Para Barbosa, o curador é um comunicador que cria elos entre o visitante e o objeto.

Ao descrever a implantação do Museu Municipal de Pains, Gilmar Henrique, Pablo de Oliveira Lima e Márcio Castro destacam o caráter multidisciplinar do projeto curatorial da instituição. Tendo o acervo arqueológico como eixo central de todas as discussões, os autores apresentam as diferentes categorias estabelecidas pelo projeto que orientaram a formação do acervo e a organização expositiva do museu: “artefatos líticos polidos; artefatos líticos lascados; artefatos de cerâmica; restos humanos e artefatos fabricados sobre material orgânico” (p. 97). Deve-se destacar que neste artigo os autores discutem um processo curatorial amplo, ou seja, da criação de um museu, considerando neste processo a formação de seu acervo, sua missão, sua exposição permanente/longa duração; sua estrutura física e organizacional.

No artigo seguinte, Cláudia Penha e Marcus Granato, ambos do Museu de Astronomia e Ciências Afins, optam por discutir o conceito de curadoria de acervos museológicos. Os autores definem esta curadoria como um processo que se inicia com a coleta e culmina com a divulgação e disseminação dos acervos. Ao longo do artigo, Santos e Granato, além de apresentarem “opiniões formuladas por diversos autores sobre o papel do curador e da curadoria de acervos” (p. 124), afirmam que “o que precisamos é uma abordagem do trabalho curatorial que reconheça o inter-relacionamento dos objetos, pessoas e sociedades, e expressem essa relação em contextos sociais e culturais” (p. 113).

Ao analisar o Museu Histórico Abílio Barreto, Thaís Velloso e Thiago Costa problematizam o papel das exposições como produto final dos museus. De acordo com os autores, mesmo que reconheçamos o papel de destaque exercido por este modelo de comunicação, devemos tornar evidente a “articulação solidária” (p. 129) existente entre todas as ações desenvolvidas pela instituição. Entre as atribuições do curador, os autores destacam a pesquisa como parte integrante de suas responsabilidades, pois esta possibilita o adensamento do tema ou conceito que irá nortear a estruturação da exposição.

Em uma outra perspectiva, mas com o mesmo objeto de análise, ou seja, o Museu Histórico Abílio Barreto, Célia Regina Alves e Nila Rodrigues discutem “as atividades práticas de avaliação, organização e tratamento técnico das informações de acervos formados por documentos cujo suporte é o papel, observando também a conservação física dos mesmos” (p. 145). No processo curatorial de documentos textuais e iconográficos, Alves e Rodrigues destacam três aspectos básicos: a compreensão do processo de formação da coleção em si; a obtenção das informações contidas nas unidades documentais; e a elaboração da documentação museológica.

O último artigo do “Caderno de Diretrizes Museológicas 2”, de autoria de Magaly Cabral e Aparecida Rangel, aborda o tema da educação. Podemos afirmar que, de forma direta e indireta, esta questão transpassa todos os trabalhos desta publicação. Localizando a “curadoria educativa” dentro dos processos educativos definidos pelas instituições, as autoras afirmam que, assim como as demais curadorias abordadas nos artigos anteriores, a curadoria educativa também deve fazer parte do Plano Museológico (p. 165). De acordo com Cabral e Rangel, esta ação não estaria somente relacionada ao desenvolvimento de materiais complementares destinados a segmentos específicos de público, estendendo-se também aos processos de avaliação. Para as autoras, “a exposição deve ser um ponto de partida e não de chegada, na forma de comunicação com o público” (p. 168).

Com imagens de museus de diferentes regiões e variadas tipologias, o DVD que acompanha o livro apresenta de forma dinâmica e ilustrativa o depoimento de profissionais sobre curadoria. Apesar de ser estruturado em outra mídia e em outra linguagem, José Neves Bittencourt chama a atenção para o fato de que “o vídeo não é um complemento do livro” (p. 8). O mesmo deve ser considerado a terceira e última parte da publicação.

Finalizando, desejo destacar a contribuição desta obra para a prática curatorial desenvolvida nas instituições museológicas brasileiras. Os trabalhos apresentados nesta publicação enfatizam a necessidade de reinterpretar continuamente o próprio fazer expositivo e todas as ações derivadas desta prática. O “Caderno de Diretrizes Museológicas 2” é um convite reflexivo sobre um dos principais meios de comunicação dos museus.

Marcio Rangel – Doutor em História das Ciências e da Sa úde pela Fundação Oswaldo Cruz. Pesquisador do Museu de Astronomia e Ci ências Afins/MCT. E-mail: [email protected]

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Bildungsbürger im Urwald: Die deutsche ethnologische Amazonien-forschung (1884–1929) – KRAUS (BMPEG-CH)

KRAUS, Michael. Bildungsbürger im Urwald: Die deutsche ethnologische Amazonien-forschung (1884–1929). Marburg: Curupira, 2004. 539 p. Resenha de: DRUDE, Sebastian. Expedições alemães que fundaram a etnologia da Amazônia. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.1, jan./abr. 2010.

Existem hoje, no Brasil, várias instituições, especialmente universidades e museus, onde se realizam pesquisas científicas dedicadas à população nativa, suas culturas e línguas, em particular na Amazônia. É impossível se interessar por esta área de estudos sem conhecer bem os nomes de seus fundadores, entre eles muitos alemães, como Karl von den Steinen, Theodor Koch-Grünberg e outros. Mas quem eram esses ilustres personagens? Cientistas eruditos? Aventureiros? O que fizeram aqui, como se organizavam, como obtinham financiamento, como aproveitaram suas viagens? O que os motivou? Quais eram os principais conhecimentos buscados e obtidos por suas pesquisas? E por que a tradição etnológica alemã, que tanto prometia no século XIX, foi praticamente interrompida nos anos 1920?

Com esta obra, cujo título em português poderia ser “Burgueses de educação (ou de formação) na selva: a pesquisa etnológica alemã na Amazônia (1884–1929)”, o antropólogo alemão Michael Kraus1 apresenta um estudo completo e detalhado com algumas respostas para estas perguntas. Esta obra preenche uma lacuna, pois além de algumas notas bio- e bibliográficas (em especial as feitas no Brasil por Herbert Baldus e Egon Schaden), não há muito material disponível sobre os fundadores dos estudos científicos antropológicos e linguísticos sobre a população indígena das terras baixas da América do Sul2. No entanto, mesmo que hoje não seja um fato amplamente conhecido, esta área de estudos foi uma das mais destacadas no estabelecimento da disciplina ‘etnologia/antropologia’.

O estudo de Kraus tem quase 500 páginas, além de 35 páginas de referências. Estas proporções são indício de uma das características mais notáveis do livro: um grande cuidado e respeito pelas fontes originais e pelos seus autores. Apesar deste rigor científico exemplar (em média, três notas de rodapé por página, muitas com valiosas observações adicionais), o livro em nenhum momento é uma leitura seca ou chata – ao contrário, é muito bem escrito (a linguagem chega a ter qualidades literárias) e prende o leitor em todas as páginas.

O foco do trabalho são as viagens ou expedições dos pesquisadores alemães; as condições institucionais e pessoais constituem seu fundo; os resultados científicos são abordados de forma sucinta. O livro é estruturado em cinco partes, iniciadas por um curto prólogo que explica a ênfase e a abordagem escolhidas. A segunda parte, “condições básicas na Alemanha”, tem três capítulos: um apresenta os pesquisadores examinados; o seguinte, as instituições envolvidas; enquanto que o último analisa as motivações individuais e institucionais, a concorrência e o papel da então jovem disciplina ‘etnologia’, ainda em processo de constituição, discutindo, por exemplo, sua fixação em objetos etnográficos.

Os pesquisadores examinados são Karl von den Steinen, Paul Ehrenreich, Konrad T. Preuss, Theodor Koch-Grünberg, Max Schmidt e Fritz Krause (ao final do livro, o leitor parece conhecer estes pesquisadores como se tivesse convivido algum tempo com eles). São incluídos, ainda, mas com menos ênfase, três pesquisadores que não foram amazonistas ou que não foram cientistas profissionais: Hermann Meyer, Wilhelm Kissenberth e Felix Speiser.

A parte principal do trabalho, “expedições à Amazônia”, consiste de três capítulos extensos dedicados a três ‘passos’ das expedições: 1) os preparativos e a viagem até a América do Sul; 2) as viagens até a região dos índios; e 3) as pesquisas em si, no local de destino. Para cada etapa, Kraus organiza sua exposição em três ou quatro subcapítulos temáticos. Por exemplo, o sub-capítulo III.2.4, “Trabalhadores braçais de mula, lenha e remo: – Os ‘camaradas’ da ciência”, consiste de 25 páginas dedicadas às relações de cooperação, amizade, conflito, dependência e poder entre os pesquisadores e seus acompanhantes europeus, crioulos e indígenas. Analisa desde a quantidade de pessoas envolvidas (ao longo do tempo, as expedições levavam cada vez menos acompanhantes, o que ajudava a intensificar o contato direto entre os pesquisadores e a população nativa estudada, indicando que o ideal moderno da pesquisa de campo como experiência de imersão cultural já existia na época) até as personalidades e os estilos dos pesquisadores ao lidar com este aspecto das expedições. Para cada um destes aspectos, Kraus apresenta o que encontrou no rico material deixado pelos pesquisadores e, ao comparar diferentes expedições e relatos, identifica padrões e características individuais dos cientistas e de suas pesquisas. A maioria dos subcapítulos são estudos preciosos, que podem ser considerados separadamente, sem perder seus méritos.

A parte quatro, “a antropologia dos etnógrafos”, dirige seu foco sobre a história da ciência, analisando as ideias, a visão e as contribuições dos pesquisadores, sem, contudo, apresentar análise e avaliação abrangentes de seus resultados etnográficos e antropológicos, a partir das teorias e dos conhecimentos atuais. Em vez disso, os dois capítulos elucidativos desta parte, “metodologia e temática” e “teoria e visão global”, tentam se aproximar do native’s point of view – ou seja, da visão e concepção dos próprios pesquisadores estudados.

Isto, aliás, é um dos pontos mais marcantes do livro. Kraus sempre procura se aproximar dos pesquisadores que estuda como um etnógrafo deve se aproximar de uma população nativa – procurando um entendimento profundo e holístico, ciente das próprias limitações e do fato de não estar livre das influências de sua própria origem e formação, respeitando a visão ‘êmica’ em vez de julgá-los etnocentricamente ou, neste caso, ‘cronocentricamente’. Evidentemente, esta abordagem encontra seus limites nas fontes existentes – não foi possível para Kraus entrevistar os pesquisadores estudados e muito menos participar como observador das suas pesquisas (é interessante ver como os alemães eram, em geral, francos e honestos o bastante para admitir suas próprias limitações e falhas – o que contrasta com a visão muitas vezes difundida sobre eles, de acordo com a qual estes buscariam esconder os lados menos bem sucedidos de suas pesquisas, na suposta tentativa de construir uma imagem impecável).

O procedimento escolhido por Kraus tem o mérito de ser muito mais instrutivo do que a simples confirmação (ou não) das opiniões modernas difundidas sobre a etnologia do final do século XIX. Assim, um ponto que Kraus discute em várias passagens do livro é que, muitas vezes, o discurso moderno e supostamente ‘desmistificador’ sobre os fundadores da disciplina é, de fato, preconceituoso e algo arrogante, não conseguindo fazer jus à obra realizada e ao avanço científico que esta trouxe. Isto vale, em particular, para o discurso pós-moderno e desconstrutivista – em muitas ocasiões, em contraste com os nossos preconceitos, é possível perceber que os pesquisadores antigos tinham uma visão muito mais diferenciada dos ‘índios’ e de suas culturas do que a que seus críticos modernos têm destes pesquisadores.

Felizmente, Kraus raramente corre o risco de idealizar os pesquisadores alemães, e tampouco fecha os olhos diante de ideias ou comportamentos que são inaceitáveis, do atual ponto de vista (e, às vezes, também a partir de um ponto de vista humanista já existente na época). Em geral, os pesquisadores estudados surgem como humanistas e críticos do etnocentrismo e das crenças progressistas de sua época; e como pensadores independentes e, em vários aspectos, céticos das teorias universalistas (em particular, do evolucionismo e do difusionismo). Depois da Primeira Guerra Mundial, chegaram a ser pessimistas sobre a própria cultura ao compararem-na com as culturas indígenas por eles observadas. Este contraste entre ‘nossa’ cultura e as dos povos indígenas já era bastante visível nas próprias viagens, no contexto colonial e de exploração do interior da Amazônia, em particular durante o primeiro ciclo da borracha, que marca a época das viagens estudadas por Kraus. As pesquisas não deixaram de se realizar neste contexto violento, que, às vezes, era vantajoso para elas, outras vezes não. Isso não significa que as pesquisas fossem de motivação ou caráter colonialista ou explorador, como tantas vezes se proclama. Como Kraus mostra convincentemente, ao menos entre os pesquisadores interessados na Amazônia, a tradição humanista e liberal se manteve viva nos anos 1920. Os homens aqui abordados estavam muito mais preocupados em contribuir para a construção de conhecimento, universal sobre a diversidade cultural ainda existente, do que com interesses nacionais e imperialistas, econômicos ou missionários3.

Lamentavelmente, preconceitos contra pesquisadores do ‘primeiro mundo’ retornam, hoje, por exemplo, sob o rótulo de ‘combate à biopirataria’, no discurso nacionalista e também no discurso anti-imperialista e anti-globalização, supostamente progressista, colocando sob suspeita todo tipo de cooperação internacional. Este não é o único paralelo à situação atual que se pode estabelecer ao ler a obra de Kraus. Quem já fez expedições para estudar grupos indígenas pode ver as próprias experiências espelhadas nos relatos dos viajantes de 100 ou 120 anos atrás, por exemplo, quando são abordados problemas de financiamento ou de transporte, o ritmo diferente do tempo na viagem e ‘no campo’, e, em particular, os relacionamentos (sempre muito diversos e heterogêneos) com indivíduos e grupos indígenas. Estas relações são descritas muito vivamente pelos pesquisadores – e Kraus consegue transmitir esta plasticidade em seu trabalho.

Prosseguindo na comparação da situação da época com a de hoje: embora a população indígena tenha se mostrado, em geral, bem mais resistente do que se poderia imaginar a partir dos cenários pessimistas de alguns dos ilustres cientistas de um século atrás, a situação geral das populações amazônicas, inclusive no Brasil, não é muito animadora, pois continua a ser marcada pela dominação, pela ignorância, pelo desrespeito, pela negligência e, às vezes, pela violência brutal. Na época, como hoje, qualquer pesquisa que ignora esta realidade está condenada a ser julgada de forma negativa pela posteridade. Muito se perdeu nos últimos 100 anos. Assim, os relatos dos pesquisadores são, muitas vezes, as únicas fontes de informação sobre elementos culturais ou sobre grupos indígenas que não existem mais. Como o processo da globalização (interno e externo) está se acelerando cada vez mais, o risco de perder muito mais nos próximos 100 anos é iminente. Na época, como hoje, somente uma parcela pequena da sociedade está ciente destas questões, e muitas vezes não é fácil achar aliados e apoio substancial nas instituições estatais na tentativa de documentar e preservar a riqueza cultural e linguística ainda existente, tarefa cada dia mais urgente4.

Também neste sentido, há boas razões para crer que é lamentável que a tradição alemã da etnologia dos grupos indígenas que habitam as terras baixas da América do Sul não tenha conseguido se recuperar da ruptura que significou a Primeira Guerra Mundial. É deplorável que esta área de estudos não tenha conseguido estabelecer-se nas universidades alemãs (até hoje, na Alemanha, pouquíssimas cadeiras de Etnologia possuem professores com esta especialidade), sendo, posteriormente, quase esquecida nesse país, muito embora em outros, inclusive nos Estados Unidos5 e no Brasil, suas contribuições sejam valorizadas até hoje. No seu epílogo, Kraus reflete brevemente sobre os caminhos desta área de estudos na Alemanha depois da época delimitada pelo seu trabalho (de 1884 a 1929, anos da primeira expedição ao Xingu e da morte de Karl von den Steinen, respectivamente).

A única crítica que se poderia fazer às 500 páginas do livro de Kraus é a mesma que J. R. R. Tolkien acatou em relação ao seu “Senhor dos Anéis”: “O livro é curto demais”. Porém, era necessário, embora lamentável, que o livro se restringisse para poder ser finalizado e publicado. Seria muito bom podermos dispor de uma abordagem semelhante para os precursores (em particular, von Martius) e para alguns estudiosos que não faziam parte da comunidade científica alemã, não tendo sido, por isso, incluídos neste estudo. O próprio autor admite que, provavelmente, muitos iriam sentir falta de Curt Nimuendajú na lista dos estudados. Uma das maiores lacunas na historiografia da antropologia brasileira é a ausência de estudos detalhados sobre as viagens deste pesquisador e sobre os resultados que obteve, e a não publicação da sua volumosa obra inédita6 (o mesmo vale para outros pesquisadores, ainda falando de alemães, como Emilie e Emil Snethlage).

Em suma, o estudo de Michael Kraus é de grande valor e merece ser conhecido internacionalmente, sobretudo entre os antropólogos no Brasil. Por sorte, várias das obras dos ilustres alemães vêm sendo traduzidas e continuam nas listas de leitura dos cursos universitários. É desejável que o mesmo aconteça com o livro de Kraus.

Notas

1 O alemão Michael Kraus, que obteve seu doutoramento em 2002 em Marburg com uma tese que depois transformou neste livro, não deve ser confundido com Michael E. Krauss, linguista norte-americano baseado em Fairbanks, Alaska, que estuda as línguas nativas norte-americanas, nem com os desportistas alemães homônimos.
2 No Brasil, felizmente, existe o tomo editado por Vera Penteado Coelho (1993), embora este seja limitado aos estudos do Alto Xingu e, em particular, aos de Karl von den Steinen.
3 Nisto, Kraus confirma os resultados de Penny (2002), que salientam a visão humanista, anti-racista e o interesse pelo entendimento holístico, do ponto de vista êmico, das culturas humanas (no plural, já nos anos 1880), dominantes na etnologia na Alemanha entre 1870 e 1920.
4 Recentes iniciativas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), como os projetos de documentação de línguas e culturas indígenas do Museu do Índio, são motivo para alguma esperança neste contexto. Ver http://prodoc.museudoindio.gov.br/.
5 Neste contexto, vale lembrar que Franz Boas recebeu uma parte importante de sua formação nos museus etnológicos alemães. Suas ideias anti-etnocentristas, que hoje são um dos pilares da antropologia moderna, mostram que ele, como também os pesquisadores aqui em foco, era parte da mesma tradição humanista pluri-culturalista alemã, iniciada por Herder e continuada por Wilhelm Humboldt e Adolf Bastian (Bunzl, 1996; Frank, 2005).
6 Existem poucos estudos em alemão sobre este pesquisador, notadamente Dungs (1991), que também merecem ser conhecidos no Brasil.

Referência

BUNZL, Matti. Franz Boas and the humboldtian tradition: from Volksgeist and Nationalcharakter to an anthropological concept of culture. In: STOCKING JR., G. W. (Org.). Volksgeist as Method and Ethic. Madison: University of Wisconsin Press, 1996. p. 17-78.         [ Links ]

COELHO, Vera Penteado (Org.). Karl von den Steinen: um século de antropologia no Xingu. São Paulo: EDUSP, 1993.         [ Links ]

DUNGS, Günther F. Die Feldforschung von Curt Unckel Nimuendaju und ihre theoretisch-methodischen Grundlagen. Bonn: Holos, 1991. (Série Mundus Ethnologie, v. 43).         [ Links ]

FRANK, Erwin. “Viajar é preciso”: Theodor Koch-Grünberg e a Völkerkunde alemã do século XIX. Revista de Antropologia, v. 48, n. 2, p. 559-584, 2005.         [ Links ]

PENNY, H. Glenn. Objects of Culture: Ethnology and Ethnographic Museums in Imperial Germany. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2002.         [ Links ]

Sebastian Drude – Doutor em Linguística pela Freie Universität Berlin. Dilthey-Fellow da Goethe-Universit ät Frankfurt e Pesquisador Associado do Museu Paraense Em ílio Goeldi/MCT. E-mail: [email protected] 

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